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A Indústria Petroquímica : Crise, Regulação e Mercado

Fabio S. Erber, In: Sistema BNDES

O tema central deste artigo é a crise da indústria petroquímica brasileira, que estava em curso em 1993 e para a qual ERBER propôs uma política de reestruturação desse subsegmento da indústria química. Ao analisar a crise que se abatia sobre a petroquímica brasileira, Erber identificou cinco fios principais: as condições internacionais da indústria; a evolução do mercado interno; as condições sistêmicas de competitividade; as características estruturais da petroquímica brasileira e o regime de acumulação desta indústria. Em quatro seções apresenta a trama da crise, concentrando sua argumentação na combinação de uma recessão com o desmonte do regime de regulamentação do setor – e os fatores estruturais de natureza setorial e sistêmica que a agravaram. Para entender a proposta de reestruturação desse segmento industrial exposta neste texto, é preciso lembrar as características do complexo petroquímico, entendido como o conjunto de atividades industriais que vai do petróleo à transformação de plásticos, resinas e outros derivados do petróleo. O cerne deste complexo é constituído pelas atividades industriais que, partindo da nafta ou do gás, através de processos sucessivos, produzem insumos que serão posteriormente utilizados em bens finais – a indústria petroquímica. Este artigo centra-se sobre esta indústria. A base técnica da indústria petroquímica é caracterizada pela dominância de processos contínuos, intensivos em capital e sujeitos a margens de tolerância restritas. A cadeia produtiva também obedece a margens restritas, com elos fortemente vinculados. Deve-se também chamar a atenção que as atividades de engenharia nas centrais de matérias primas são mais padronizadas, enquanto a montante da cadeia, as iniciativas de pesquisa e desenvolvimento são mais heterogêneas. Mas, na época em que o artigo foi escrito, todos os elos da cadeia faziam grande esforços de otimização de processos ( por ex. visando reduzir o consumo de energia e de insumos) e havia uma tendência ao crescente uso de instrumentação eletrônica digital. Hoje, há uma exceção, que é o Polo Gás-Químico do Rio de Janeiro que produz por batelada, utilizando o gás, e não a nafta, como matéria prima. Com relação aos três polos – Camaçari, Paulínia e Triunfo– existentes à época em que o artigo foi escrito, Erber chamou a atenção que eram marcados por fortes economias de escala, estáticas e dinâmicas, e por escopo, na produção à montante da cadeia. Economias de verticalização e aglomeração, neste segmento, são igualmente significativas. As escalas econômicas mínimas apresentam tendência crescente, e a indústria tende a expandir-se à frente da demanda. A configuração natural da indústria petroquímica é o oligopólio, e o seu cerne é constituído por empresas petrolíferas que avançaram à jusante da cadeia e por grandes empresas químicas que diversificaram sua produção. Com porte verdadeiramente gigantesco e de atuação mundial, integradas verticalmente e horizontalmente, somam-se outras, de menor porte, que atuam em mercados específicos explorando seja vantagens tecnológicas, seja canais de comercialização. Após estudar as características da petroquímica, Erber descreveu a crise como decorrente da contestação do mercado com sucesso por firmas japonesas e, depois, por empresas baseadas em recursos naturais mais baratos (Arábia Saudita e Venezuela) ou em grandes escalas de produção (Coréia do Sul e Taiwan). Os participantes tradicionais do oligopólio (Estados Unidos e Europa, notadamente Alemanha) adotaram estratégias de reestruturação, entrando em novos mercados notadamente, “Ciências da Vida”), modificando sua distribuição de ativos na indústria e estabelecendo alianças estratégias entre si. A entrada dos últimos produtores ocorreu num período de sobrecapacidade do setor, em face do declínio da atividade econômica internacional, agravando a crise da indústria. O mercado internacional de produtos petroquímicos ficou sobreofertado, induzindo as empresas a praticarem preços de exportação baixos, que frequentemente não cobria os custos totais de produção, mas apenas os custos fixos, caracterizando uma situação de dumping estrutural. Na conclusão, Erber apresenta “Propostas para uma estrutura sustentável”, preocupado com a sobrevivência da indústria petroquímica nacional, em decorrência da destruição do sistema regulatório do segmento, ocorrida com a abertura de economia brasileira. A incidência e o timing das medidas de abertura afetaram direta e imediatamente o mercado, o faturamento e a rentabilidade das empresas, que eram de porte bem menor que suas concorrentes, passando a serem contestados pelas importações, impondo tetos às margens de acumulação dos grupos, que não tinham condições de participar da competição internacional. Assim a reestruturação empresarial passou a constituir um elemento fundamental de enfrentamento da abertura, pois as especificidades brasileiras agravaram substancialmente o desequilíbrio. Do lado da política de abertura, a tradição do uso de barreiras não tarifárias legou uma estrutura institucional pouco preparada, em termos de recursos e instrumentos, para práticas desleais de comércio, que são corriqueiras no mercado petroquímico internacional. Do lado da reestruturação, a complexidade da estrutura brasileira apresentava dificuldades de atingir uma estrutura sustentável, através da política de privatização. As duas questões – abertura e reestruturação - tornaram-se ainda mais complexas e imbricadas pelo monopólio de fornecimento da nafta pela Petrobras, que a torna parte fundamental na definição da competitividade internacional da indústria e na configuração da sua estrutura empresarial. A proposta de Erber para a política petroquímica pode ser, então, resumida em: 1)Rever os ritmos de execução das políticas de abertura e privatização; 2) Implantação, num horizonte finito, de estrutura sustentável a ser negociada entre os vários atores intervenientes; 3) Constituir um foro de negociação entre os agentes governamentais e os grupos empresariais que participavam da indústria petroquímica, visando estabelecer uma estrutura mais competitiva internacionalmente e normas de regulação de preços ( notadamente da nafta) e de divisão de margens sustentáveis ao longo do tempo; 4) Várias formas de financiamento ( crédito, debêntures etc.) visando o fortalecimento tecnológico e empresarial, inclusive exportações; 5) Uso de procedimentos alternativos aos leilões do programa de privatização; 6) Apoio, exigindo como contrapartida a obtenção de índices de desempenho técnico e de custos, que assegurem competitividade internacional dos produtos brasileiros, adequando-os à abertura da economia. Transcorridos vários anos, em 2002, o grupo Odebrecht, numa estratégia mais agressiva, a partir da integração de seis empresas suas e do grupo Mariani (Copene, OPP Química, Trikem, Nitrocarbono, Propet e Polialden) formou a Braskem, sobre seu controle. Após acordos com a Petrobras, a estatal passou a participar da estrutura de capital acionário da Braskem, mas o controle permaneceu com o grupo privado. Sua estratégia passou a ser de internacionalização, buscando fortalecer-se no continente sul-americano, e de avanço na cadeia produtiva em direção a produtos de maior valor agregado (integração à jusante). Em 2023, “a Braskem é uma empresa global com unidades industriais localizadas no Brasil, Estados Unidos, Alemanha e México. Líder na produção de resinas termoplásticas (PE+PP+PVC) nas Américas e 6ª maior petroquímica do mundo. Líder mundial em biopolímeros de PE a partir de matéria-prima renovável e é a maior produtora de PP na América do Norte e líder na produção de PE no México.” “A Braskem é, hoje, a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos.” “Sua produção é focada nas resinas polietileno (PE), polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além de insumos químicos básicos como eteno, propeno, butadieno, benzeno, tolueno, cloro, soda e solventes, entre outros. Juntos, compõem um dos portfólios mais completos do mercado, ao incluir também o polietileno verde, produzido a partir da cana-de-açúcar, de origem 100% renovável.” (ver textos entre aspas em https://www.braskem.com.br/perfil)

 

 

O tema central deste artigo é a sobrevivência da indústria petroquímica brasileira & posta em questão pela crise atual. A trama desta crise é urdida por cinco fios principais : as condições internacionais da indústria, que pautam o desenvolvimento da sua congênere nacional; a evolução do mercado interno, determinada pelas condições macroeconômicas do país; as condições sistêmicas de competitividade, dadas pelo desenvolvimento da infraestrutura econômica e social e pela política macroeconômica; as características estruturais da petroquímica brasileira e, finalmente, o regime de regulação que preside o desenvolvimento desta indústria.

Toma-se como ponto de partida a desejabilidade de manter no país uma indústria petroquímica forte, cuja estrutura seja sustentável. A trama da crise é apresentada em quatro seções. A primeira apresenta o contexto internacional da indústria petroquímica e suas características estruturais e as três seguintes detalham a crise brasileira: a segunda seção, após um brevíssimo retrospecto do desenvolvimento da indústria nacional, caracteriza empiricamente a crise enquanto as duas seções seguintes, analisam as origens da crise – a combinação de unia recessão com o desmonte do regime de regulação do setor – e os fatores estruturais de natureza setorial e sistêmica que a agravam. Para concluir, a quinta seção apresenta algumas sugestões para o debate sobre como superar a crise.

Finalmente, em um artigo em que o tempo é enfatizado e dedicado a um setor em mutação, cabe precisar o momento em que foi escrito: fevereiro/março de 1993. Pelas razões acima, detalhadas no texto, esta posição temporal incide necessária e inevitavelmente sobre a análise.

 

l) O pano-de-fundo internacional

O complexo petroquímico, entendido como o conjunto de atividades industriais que vai do petróleo à transformação de plásticos, resinas e outros derivados do petróleo constitui um dos pilares da industrialização moderna. O cerne deste complexo é constituído pelas atividades industriais que, partindo da nafta ou do gás, através de processamentos sucessivos, produzem os insumos que serão posteriormente utilizados em bens finais – a indústria petroquímica. Este artigo centra-se sobre esta indústria, tratando os problemas atinentes às duas pontas do complexo – de um lado, a oferta de matéria-prima e, de outro, a transformação dos produtos petroquímicos em bens Mais – somente na sua interseção com a indústria petroquímica estrito senso.

A base técnica da indústria petroquímica é caracterizada pela dominância de processos contínuos, intensivos em capital e sujeitos a margens de tolerância restritas. A cadeia produtiva também obedece a margens restritas, com elos fortemente vinculados. O progresso técnico na indústria é intenso, embora tenha características distintas ao longo da cadeia: a jusante, junto às centrais de matérias primas, os produtos e processos são padronizados e o progresso técnico centra-se em atividades de engenharia. Descendo a cadeia, produtos e processos tomam-se mais heterogêneos e cresce a importância de atividades de pesquisa e desenvolvimento, estrito senso. Os produtos tomam-se mais especializados e substitutos entre si. Em todos os elos da cadeia há grandes esforços de otimização de processos (p.ex. visando reduzir o consumo de energia e de insumos) e há uma tendência ao crescente uso de instrumentação eletrônica digital.

Em consequência, a indústria petroquímica é marcada por fortes economias de escala estáticas e dinâmicas, e por economias de escopo, seja na produção que em atividades de pesquisa e desenvolvimento, comercialização, administração e financiamento. Economias de verticalização e aglomeração são igualmente significativas. As escalas econômicas mínimas apresentam tendência crescente e, assim, a indústria tende a expandir-se descontinuamente, ampliando a capacidade à frente da demanda. Embora o progresso técnico confira à petroquímica uma fronteira de expansão, criando novos usos para seus produtos e mercê da substituição de outros insumos ( p.ex. papel, madeira e metais ), a demanda por seus produtos é fortemente afetada pela evolução da renda pessoal disponível.

Como decorrência das características técnico-econômicas acima descritas, a configuração natural da indústria petroquímica é o oligopólio. O cerne deste oligopólio, desde suas origens, é constituído por empresas petrolíferas que avançaram a jusante da cadeia e por grandes empresas químicas que diversificaram sua produção. A estas empresas, de porte verdadeiramente gigantesco e de atuação mundial, integradas vertical e horizontalmente, somam-se outras, de menor porte, que atuam em mercados específicos, explorando vantagens seja tecnológicas seja de canais de comercialização (l) ( Veja-se Quadro l). Não obstante, a dinâmica da indústria e sua regulação dependem fundamentalmente dos dois primeiros tipos de empresas. Composto originalmente por Minas oriundas dos Estados Unidos e Europa ( notadamente da Alemanha ), a partir dos anos sessenta esse oligopólio, até então muito estável (Hufbauer, 1966 ), foi contestado com sucesso por firmas japonesas e, mais recentemente, por empresas baseadas em recursos naturais baratos ( Arábia Saudita e Venezuela ) ou em grandes escalas de produção (Coréia do Sul e Taiwan ). Ao mesmo tempo, diversos participantes tradicionais do oligopólio adotaram estratégias de reestruturação, modificando sua distribuição de ativos na indústria, reduzindo capacidade produtiva e estabelecendo alianças estratégicas entre si.

Mesmo assim a entrada desses últimos produtores ocorre num período de sobre capacidade do setor face ao declínio da atividade econômica internacional agravando a crise da indústria. O mercado internacional de produtos petroquímicos encontra-se sobre ofertado, induzindo as empresas a praticar preços de exportação baixos, que frequentemente não cobrem os custos totais de produção mas apenas os custos baixos, caracterizando uma situação de dumping estrutural é provável que, no futuro próximo, o processo de reestruturação da indústria prossiga, eliminando produtores marginais.

Embora dominada por firmas globais, esta reestruturação é fortemente influenciada pelo Estado, de forma direta e indireta. Em muitos- países ( França. Itália, Holanda Asia, México e Venezuela ) o Estado participa diretamente da indústria através de empresas total ou parcialmente sob seu controle (2). Mesmo quando não é um produtor, o Estado participa da regulação da indústria, estabelecendo condições de entrada ( inclusive quanto à escala de produção e fonte de tecnologia ), como na Coréia do Sul, e monitorando sua reestruturação mediante insüumentos de coordenação, como o MITI no caso japonês, e de regulação da competição, como a legislação anti-trust e de defesa contra práticas desleais de comércio exterior. De forma mais indireta em todos os países o Estado afeta a competitividade sistêmica das indústrias locais mediante a provisão de infraestrutura econômica e tecnológica e mediante as politicas fiscal, cambial e educacional.

Em outras palavras, pode-se argumentar que as características técnico-econômicas da indústria petroquímica, notadamente sua integração vertical e horizontal e a indivisibilidade de seus investimentos, levam-na a uma trajetória natural em que impõe-se uma certa regulação. Esta foi parCialmente lograda peias firmas dominantes através de mecanismos de mercado. No entanto, o sucesso desta regulação de mercado é limitado pelos próprios mecanismos de mercado, que produzem os ciclos da indústria, levando o Estado a participar do processo de regulação. Por outro lado, o próprio sucesso da regulação via mercado, que impõe barreiras à entrada de novos participantes, estimula o Estado a participar desta regulação, estabelecendo condições para que firmas locais entrem em uma indústria que é considerada estratégica para0 ò desenvolvimento economico.

 

2) A crise da petroquímica brasileira : uma caracterização

Até o fim dos anos oitenta a petroquímica brasileira constituía uma história de aparente sucesso, que satisfazia até instituições insuspeitas de qualquer simpatia com a industrialização substitutiva de importações, como o Banco Mundial (World Bank; 1989 ). Com efeito, ao longo de duas décadas, haviam-se estruturado tres pólos petroquímicos e a indústria seguia uma trajetória de crescimento acelerado, prevendo-se no Programa Petroquímico Nacional (PNP), definido em 1987, a duplicação do poio da Bahia, a ampliação dos polos de São Paulo e do Sul e a instalação de um novo polo no Rio de Janeiro, com um montante de investimentos superior a tudo que já se havia investido anteriormente (Oliveira 1990). A substituição de importações de produtos petroquímicos completara-se, reduzindo o coeficiente importado a cerca de 3% das vendas internas em peso e valor (3), e previa-se a sua extensão aos produtos de química fina, rumo à qual diversificavam-se investimentos de empresas do setor. Ao mesmo tempo, a partir da crise do início dos anos oitenta o setor estabelecera uma presença permanente na pauta de exportações brasileiras.

No campo tecnológico, as empresas haviam passado por um processo de aprendizado de tecnologias de processo e produto. Embora os programas tecnológicos locais tivessem ambições modestas, orientados principalmente para a absorção de tecnologias importadas e otimização de processos e para a adaptação de produtos às condições locais de mercado, os dispêndios das firmas em atividades tecnológicas e a institucionalização dessas atividades tendiam a aumentar. No fim da década, a Petroquisa pretendia implantar um Centro de Pesquisas de maior porte e ambição – embora pequeno em termos internacionais. O processo de aprendizado abarcava também a própria atividade empresarial – oriundos de outros setores, frequentemente de atividades não industriais, os empresários petroquímicos nacionais privados haviam finalmente dominado o seu oficio (Erber e Vermulm, 1992).

Esse desenvolvimento dera-se ao abrigo de um complexo sistema regulatório, que abarcava desde a seleção de projetos e empresários até a operação das firmas, via, p.ex. controle de preços.

Nesse sistema, em que participavam diversas instituições governamentais, destacavam-se a oferta de matéria prima, a preços regulados, pela Petrobrás, a participação acionária de sua subsidiária, a Petroquisa, sócia da maioria das empresas de capital nacional; os financiamentos do BNDES; o controle de importações pela CACEX e pelo INPI; o controle de preços pelo CIP e, finalmente, o CDI como locus de articulação de políticas. A operação desse sistema foi fundamental para reduzir os riscos e os custos dos investimentos privados em petroquímica, atraindo estes empresários para o setor. Combinado com o acelerado crescimento do mercado interno, esse sistema regulatório assegurou sustentabilidade à. indústria petroquímica brasileira durante três décadas. No entanto, já na segunda metade da década de oitenta, esses dois pilares já apresentavam fissuras, a exemplo da dificuldade do sistema regulatório de arbitrar as prioridades no âmbito do PNP e da redução da taxa de crescimento do mercado interno.  Mais ainda, por detrás do aparente sucesso da indústria, jaziam problemas estruturais, a seguir discutidos, resultantes do projeto e do processo de construção do setor. No início dos anos noventa, ao convergirem simultaneamente, crises no mercado interno, e no sistema de regulação, estes problemas estruturais, antes encobertos, afloraram plenamente e a indústria petroquímica brasileira precipitou em uma crise profunda, da qual não há saída visível. A descrição desta crise utiliza os dados do período 1990/91, mas tudo indica que o quadro tenha se agravado em 1992.

Utilizando as informações do Sistema Dinâmico de Informações Estatísticas (SDI) da ABIQUIM, que, em pêso, as vendas internas caem, em 1990, 8% em relação ao ano anterior. Embora tenham apresentado leve recuperação em 1991 (2,6%), permanecem ao mesmo nível de 1988. Em valor, medidas em dólares constantes, as vendas elevam-se em 1990 6,5%, refletindo a subida de preços praticada naquele ano, notadamente no seu início. No entanto, em 1991 os preços não se sustentam e o valor das vendas internas cai a um nível intermédio entre os anos de 1988 e 1989. Assim em 1991 no mercado interno o setor havia regredido três anos, seja em peso que em valor. Entre os grandes grupos de produtos do setor, o movimento acima descrito é mais visível em intermediários para plásticos e termoplásticos, enquanto os orgânicos básicos tendem a manter-se estáveis .

Os investimentos realizados no âmbito do PNP, feitos com base em estimativas otimistas quanto ao crescimento da economia brasileira aumentarão substancialmente a capacidade de produção nacional de vários produtos. Estimativas apresentadas em ABIQUIM (1992) mostram que, em 1994, o mercado brasileiro será capaz de absorver apenas 58% da capacidade de produção de. eteno, 67% de polietileno e 52% de polipropileno.

No entanto, à diferença de uma década antes, o mercado externo não fornece uma válvula de escape. Embora as exportações, em peso, sejam ao fim de 1991 quase 12% superiores a 1988, em valor constante permanecem iguais (Quadro 4) e sua participação nas vendas totais, que aumenta em termos de peso, declina em valor (Quadro 5). Entre os principais grupos de produtos, são os mais padronizados, os orgânicos básicos, que apresentam o melhor desempenho exportador (Quadros 4 e 5). Em consequência, em 1991, as vendas totais do setor são, em peso, inferiores às de 1988 e, em valor constante, próximas do nível de 1989 (Quadro 6), destacando-se a relativa estabilidade da base da cadeia e o comportamento mais irregular dos intermediários e finais.

A mesma tendência transparece a nível de empresas. Embora o faturamento bruto do Sistema Petroquisa como um todo cresça 9.4% em 1990 ( em valores constantes ), a metade das empresas já apresentavam queda de faturamento, notadamente os produtores de elastômeros, termoplásticos e empresas vinculadas ao polo cloroquiniico de Alagoas. Em 1991, essa situação agrava-se e generaliza-se: apenas cinco empresas entre 34 apresentam aumentos de faturamento, em regra muito pequenos, e, para o Sistema como um todo, o faturamento cai 10%, abaixo dos níveis de 1988 (Quadro 7). Trabalhando com uma amostra maior, ABIQUIM (1991) mostra que os dados de balanço de 67 empresas do setor evidenciam uma grave deterioração dos indicadores financeiros e de rentábilidade em 1990. Exceto para as centrais de matérias primas e para as empresas-holding, as margens operacional e líquida tomam-se negativas em 1990, e, mesmo para tais empresas , essas margens diminuem substancialmente. Nesse ano, apenas as centrais apresentam uma rentabilidade positiva sobre o patrimônio.

Nesse período recente as importações apresentam uma forte tendência expansiva : em peso aumentam mais de três vezes entre 1988 e 1991, apresentando um salto em 1990, quando mais do que dobraram em relação ao ano anterior. Em dólares constantes, o aumento é menor, mas mesmo assim significativo, dobrando entre 1991 e 1988 (Quadro· 9). Sua participação nas vendas internas totais aumenta nas mesmas proporções, embora impacte os grupos petroquímicos de forma diferenciada, conforme mostra o Quadro 10. A um nível mais desagregado de análise, nota-se que seis produtos, com importações superiores a USS 10 milhões em 1991, concentram 45% do valor total e 61% do peso das importações (Quadro 11). Após mais de um ano de persistentes reclamos dos produtores nacionais quanto a prática de dumping, o governo instituiu direitos compensatórios provisórios sObre um desses produtos – PVC.

Como era previsível, a crise incide fortemente sobre os investimentos do setor. Defensivamente, as empresas paralisam seus investimentos ou, quando isto não é viável, dado o estágio det implementação, retardam-nos. Assim, a duplicação de Camaçari e o instalação do polo Rio são postergadas sine die, levando ao abandono do PNP.

Igualmente, o novo contexto, especialmente a abertura às importações, leva a inflexões na estratégia de investimentos de alguns grupos, que abandonam a implantação da indústria de química fina no pais.

Da mesma forma, contraem-se os gastos em desenvolvimento tecnológico: a Petroquisa paralisa a implantação do CENTEP e as demais empresas do setor diminuem a intensidade dos seus esforços, chegando em vários casos a desmobilizar as equipes já constituídas, regredindo assim o processo de instituciondização e aprendizado antes desafio. Já em 1990 o Sistema Petroquisa reduz o volume e a intensidade de gastos em P&D em quase 30%, sendo o corte especialmente forte nas centrais e nos produtores de polímeros. Erber e Vermul (1992) mostram o aprofundamento desse processo, com a redução dos esforços tecnológicos ao mínimo indispensavel para a continuidade das vendas.

Finalmente, dentro da estratégia defensiva adotada pelas firmas do setor, cujo objetivo principal é a sobrevivência, a crise conduz a uma redução de emprego, que cai cerca de 6% em 1990 e outros tantos em 1991 (Sandroni, 1992) – o que implica que, dadas as características técnicas do setor, as demissões devem ter abrangido pessoal bastante qualificado.

 

3) Fatores desencadeantes da crise

Os anos noventa apresentam o agravamento da crise macroeconômica do país. Ao mesmo tempo, a política industrial e de comércio exterior e a visão do Governo dos papéis que cabem ao Estado e suas empresas passam por uma inflexão de cunho liberal, que incide diretamente sObre a regulação do setor petroquímico na forma abaixo detalhada. Convergem assim,, de modo interdependente, duas crises internas – econômica e de regulação.

É desnecessário aqui reiterar o quadro da crise econômica do triênio passado. Conforme foi visto acima,, esta crise leva a uma significativa contração da demanda interna por produtos petroquímicos, ampliada, em alguns casos, peja ocupação do mercado por importações. Esta contração não é compensada pelas exportações, diretas e indiretas, em função da crise internacional e das condições excedentárias do mercado petroquímico internacional; antes comentadas. Converrl no entanto, detalhar as modificações do contexto regulatório em que estes fenômenos ocorrentes posto que essas transformações amontam a um verdadeiro choque.

Ao nível do mercado, a abertura às importações é significativa, especialmente à luz de uma proteção prévia na prática inhnita: em 1990 eliminam-se os controles administrativos das importações, adota-se a tarifa como único instrumento de proteção e introduz-se uma nova estrutura tarifária, desdobrada até 1994 ; decide-se acelerar a formação do MERCOSUL para 1995 e mantém-se a taxa de câmbio sobrevalorizada até o último trimestre de 1991. Como pode ser visto no Quadro 13, os níveis de tarifas nominais caem drásticamente: para produtos petroquímicos básicos e intermediários a tarifa reduz-se de 27.8% em 1988 para 7.9% em 1994 e para resinas, fibras artificiais e sintéticas a queda é de 40.2% para 15%. As tarifas efetivas, também cadentes, são porém superiores, finalizando o período em, respectivamente, 15.2% e 20.2%. No entanto, não se alteram a legislação anti dumping e o aparato governamental encarregado de executá-la não ganha porte e celeridade adequados às novas condições.

Conforme visto anteriormente, os efeitos da abertura em termos de quantum importado ainda são restritos e localizados em alguns produtos. No entanto, embora menos mensurável, mais significativo é o seu efeito sObre os preços, posto que os compradores locais passam a pautar-se pelos preços ofertados pelos competidores estrangeiros, deprimidos pelas condições internacionais antes descritas e pelo fato de ser o brasileiro um mercado novo, a ser conquistado. Em consequência, tendem a rebaixar-se o teto dos preços reais dos produtos petroquímicos e a rentabilidade das empresas do setor. Da mesma forma, a abertura incide sObre os planos de investimento do setor, especialmente sObre a diversificação rumo a química fina, cujos clientes potenciais, principalmente firmas multinacionais, preferem importar, especialmente intra-grupo.

Do lado da abertura exportadora o movimento da desregulação tem sentido inverso, sendo abolidos os incentivos fiscais para essas atividades, extinta a Interbrás e mantida a taxa de câmbio sobrevalorizada, fechando assim uma válvula de escape à depressão das condições internas.

No mercado interno, o controle de preços dos produtos petroquímicos é abolido em 1990 e a seguir reestabelecido, para novamente ser cancelado no fim de 1991, desta vez aparentemente de forma definitiva. No entanto, o preço da nafM, que é o principal componente dos custos da cadeia, continua a ser estabelecido administrativamente e sujeito a forte polêmica quanto aos critérios de fixação. No hm de 1991 este critério viria a ser definido – 120% do preço do petróleo “Brent”, contrariando a proposta da indústria que reivindicava um multiplicador menor (110%) , fixado sObre outro tipo de petróleo. O critério estipulado pelo Governo representava um aumento importante nos custos da cadeia petroquímica, comprimindo as margens de rentabilidade do setor. Embora esse critério não tenha sido implementado, tendo a Petrobrás mantido preços abaixo do nível de mercado intemacional ele representa uma espada de Dâmocles sobre a cabeça da indústria, aumentando a incerteza quanto ao seu desenvolvimento.

Embora constituíssem uma ruptura com o passado, as medidas acima descritas eram com ajustes, compatíveis com o sistema regulatório que presidira o desenvolvimento do setor durante as décadas anteriores. O cerne deste sistema seria atingido, porém pela eliminação dos mecanismos de articulação institucional e pela política de privatização.

A extinção do Conselho de Desenvolvimento Industrial em 1990 marca mais que o fim dos incentivos fiscais que este administrava – assinala a abolição dos mecanismos de articulação de políticas entre os vários órgãos que afetam o setor – que não são substituídos por mecanismos alternativos. Ao contrário, a política de privatização, abaixo discutida estabelece uma cisão entre os dois principais responsáveis pelo ancien régime: o BNDES e a Petrobras.

Tendo o Governo conferido prioridade máxima à privatização das empresas estatais e atribuído ao BNDES a função de executor deste programa, seguiu-se a decisão de incluir a petroquímica entre os primeiros setores alvo do Programa Nacional de Desestatização (PND). Posto que a maioria das participações da Petroquisa nas empresas do setor eram minoritárias ( excetuando-se principalmente as centrais do Rio Grande e de São Paulo e a Petroflex, grande produtora de elastômeros ) tratava-se aqui de desestatização estrito senso.

Três alternativas foram originalmente contempladas para a privatização do setor:

a) Venda, isoladamente, das centrais de matérias primas e das participações minoritárias da Petroquisa nas empresas de segunda geração;

b) Privatização da Petroquisa cindida em três ou quatro empresas, aglutinando em torno de cada um das centrais as participações minoritárias da Petroquisa nos respectivos poIos;

c) Privatização da Petroquisa em bloco.

A conveniência de formação de grandes grupos empresariais capazes de competir internacionalmente, fazendo face à abertura às importações, favorecia as duas últimas alternativas. Não obstante, a celeridade que se desejava imprimir à privatização por razões políticas, as dificuldades impostas pelos Acordos de Acionistas e pela presença de sócios estrangeiros (veja-se a seguir), bem como a falta de acOrdo quanto ao modêlo a ser adotado, aparentemente levaram a Comissão Diretora do PND a adotar a primeira alternativa, procedendo porém a privatização por polos. Tendo em vista a menor complexidade do Polo do Sul, este foi escolhido como ponto de partida do processo, devendo-se seguir os polos de São Paulo e da Bahia.

Definido o critério de formação do preço da nafta e tendo decidido que a Petroquisa deveria restringir sua participação à uma pequena parceira da central (15%), retirando-se das empresas de segunda geração, buscou-se formar no polo de Triunfo uma empresa holding que congregasse as empresas de segunda geração, dando origem a uma empresa regional de médio porte. No entanto, essa solução não foi aceita pelas referidas empresas, que argumentan que, embora tivessem interesse em participar da central para garantir o suprimento de matérias primas, com a constituição da holding adquirirem participações em outras empresas a jusante, fora de sua estratégia. Os sócios estrangeiros dessas empresas tinham o segredo tecnológico como razão adicional para evitar fusões de empresas de segunda geração. Optou-se, pois, pela privatização parcelada, em primeiro lugar da central e, a seguir das participações da Petroquisa nas empresas de segunda geração.

Embora a eficácia das decisões encontra-se sub judice, realizou-se no último Governo a privatização do polo Sul, ficando o controle da central pulverizado entre empresas de segunda geração, bancos nacionais e estrangeiros e entidades de previdência privada, aiem da Petroquisa. A venda de parte das ações da Petroquisa ao público não foi conduzida por impedimentos legais. A participação da Petroquisa nas empresas de segunda geração foi adquirida pelos outros sócios dessas empresas. No presente Governo, após um breve interregno em que as regras do PND estiveram em discussão, retomaram-se os leilões, já tendo sido privatizada a principal empresa de segunda geração do polo de São Paulo. No entanto, a privatização da central de São Paulo ainda não está definida, pesando sObre ela complexas questões jurídicas. Tampouco está definida a privatização do pólo do Nordeste.

Do ponto de vista conjuntural, o processo de privatização constituiu um sorvedouro de energia de todos os atores envolvidos no setor e, ao aguçar os conflitos latentes na estrutura empresarial, tomou mais difícil uma ação concertada de resistência à crise. Crítico aqui é c) timing do processo – sua celeridade associada a uma conjuntura de crise do mercado interno, abertura às importações e crise do mercado externo.

O desmantelamento do sistema regulatório que presidiu a implantação e expansão do setor petroquímico no Brasil em um momento de crise, agravou a incerteza inerente a esse momento e reduziu a margem de manobra anti-cíclica. Cabe porém apontar que a rapidez e a facilidade com esse processo de desmonte foi realizado não podem ser atribuídas apenas a fatores exógenos ao setor, como a política de privatização. Ao contrário, sob o sistema anterior jaziam graves conflitos e ineficiências, revelados, por exemplo, na ambição dos investimentos do PNP, em que o sistenia de decisões mostrou-se incapaz de arbitrar; no excesso de capacidade de produção de alguns produtos e na perda de legitimidade da Petroquisa junto aos grupos privados para atuar como regulador do sistema.

Não obstante, chama a atenção a falta de um desenho estratégico para o setor. Dada a importância da petroquímica para o desenvolvimento do país, a omissão acima referida SÓ pode ser interpretada como um ato de fé profunda na eficácia dos mecanismos de mercado para lograr o desenvolvimento.

 

4 ) Fatores estruturais agravantes da crise

A crise anteriormente descrita foi desencadeada pela conjugação de fatores de mercado e de regulação. No entanto, subjacentes a esses fatores de erupção, jaziam outros, de natureza eststtrutura1, que agravaram a crise e tomam mais difícil a sua solução. Para efeito analítico, convém distinguir entre características estruturais de natureza mais estritamente setorial e outras de natureza sistêmica que afetam a petroquímica e outros setores, embora de forma diferenciada.

  1. l ) Fatores de natureza setorial                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        I.Suprimento de matéria prima

A petroquímica brasileira é totalmente dependente da nafta e provavelmente assim permanecerá por bastante tempo, posto que soluções alternativas como o gás da bacia de Campos (RJ), da Argentina ou Bolívia parecem de remota execução. Embora essa dependência não constituía, em si mesma, um obstáculo ao desenvolvimento da indústria, ela evoca três tipos de problemas :

a ) A disponibilidade da nafta

Questiona-se a capacidade da Petrobrás de suprir toda a nafta necessária para o consumo petroquímico caso êste retome seu crescimento, tornando assim necessário importar o produto.

b) O preço da nafta

Há uma longa polêmica quanto ao preço cobrado pela Petrobras pela nafta suprida às centrais de matérias primas petroquímicas, em que se opõem os que afirmam ser esse preço subsidiado e os que negam esse subsídio. Dirimir empiricamente o conflito é dificultado pelas características técnicas da produção da nafta – um entre vários subprodutos do refino do petróleo. Conforme apontado acima a regra estipulada pelo Governo anterior (120% do petróleo Brent) é tão arbitrária como outra qualquer, mas levaria a um aumento de custos para a petroquímica em um momento de crise. Emhora não tenha sido praticado pela Petrobrás, o critério não foi revogado, permanecendo como um foco de incerteza para o setor . A questão é adicionalmente complicada pela compra pela Petrobras de combustíveis gerados pelas centrais de matérias primas ao processarem a naha, para os quais a posição se inverte, reclamando as centrais que o preço pago pela Petrobrás é excessivamente baixo.

c) O monopólio institucional de suprimento

A Petrobras detêm o monopólio do fornecimento da nafta por força de preceito constitucional. Esta condição legal cria obrigações e direitos para a Petrobrás face o setor petroquímico : de um lado, toma a Empresa responsável pelo füncionamento de um setor estratégico da economia, e, de outro, faz com que ela tenha um interesse comercial no abastecimento do setor, sugerindo que explore as vantagens monopólicas. Este conflito entre os lados estatal e empresarial, típico de toda empresa do Estado, era, até recentemente, resolvido pela participação da Petrobras, via Petroquisa ao longo da cadeia petroquímica, compensando o que deixava de ganhar nas refinarias com o que auferia na petroquímica. Cabe notar que a prática de preços de transferência ao longo da cadeia petroquímica é usual no setor, conferindo vantagens a empresas verticalmente integradas. Com efeito, êste é um dos principais determinantes do padrão de integração observado internacionalmente

A privatização, ao conceder à Petrobrás uma participação muito pequena nas centrais e eliminar sua participação nas empresas a jusante, ao mesmo tempo em que mantinha-se o monopólio de suprimento, veio a por em cheque esta solução. No decorrer do processo, foi aventada como uma saída de meio-termo, a manutenção de uma participação significativa da Petroquisa nas centrais de matérias-primas – cerca de 30% do capital. Para a central já privatizado do polo Sul, a participação a ser obtida quando (e se) os obstáculos jurídicos foram removidos será menor ( 15% ), não estando ainda definida para as demais centrais. Em consequência, paira uma grande incerteza sObre um aspecto fundamental! da dinâmica do setor. Cabe aqui notar que o monopólio acima referido limita o alcance da privatização da petroquímica, tomando a Petrobrás necessariamente participante do setor.

 

II. A estrutura empresarial

Os critérios e procedimentos do sistema regulatório que gestou a indústria petroquímica brasileira associados às características de porte e experiência dos grupos empresariais nacionais que entraram nesta indúsüi& produziram uma estrutura empresarial singular no quadro mundial da petroquímica : embora as fábricas sejam frequentemente de porte internacional, as empresas não são. As firmas brasileiras são pequenas, contando apenas com uma ou poucas fábricas, frequentemente mono produtoras, com um faturamento da ordem de USS 100/200 milhões, ínfimo em termos internacionais. Mesmo os maiores grupos têm pequeno porte, não superando o bilhão de dólares. A participação dos grupos empresariais nacionais e estrangeiros na cadeia e em empresas é fragmentada, com baixa sinergia. O contrOle das empresas é compartilhado e os acordos de acionistas permitem vetos sobre decisões estratégicas de efeitos paralizantes e a multiplicidade de sócios estrangeiros, que competem em escala internacional, imita, como vimos acima, o processo de aglutinação. Ou seja uma estrutura empresarial singular na morfologia e na inadequação dinâmica para competir em condições de igualdade com os grupos internacionais.

A estas características empresariais soma-se o excesso de capacidade de produção em relação às possibilidades de vendas internas e externas em vários produtos ( p.ex. eteno, polietilenos, polipropileno), exigindo decisões de remanejamento de produção e eventual fechamento de fábricas menos eficientes. Frequentes nos grandes grupos internacionais, essas decisões, embora dolorosas, são lá facilitadas pela existência de :uitas fábricas no âmbito do grupo. No caso brasileiro, porém o fechamento de uma fabrica pode significar o fechamento de uma empresa, dificultando significativamente a reestruturação competitiva do setor.

No sistema regulatório anterior, a participação da Petrobrás no fomecimento da nafta e, via Petroquisa,, em grande número de empresas petroquímicas, conferia-lhe, em tese, hegemonia no setor. No entanto, esse poder encontrava limites estritos. Ao nível setorial, a natureza estatal da Petrobrás e a difusão da sua participação, associada ao grande número de grupos privados participantes do setor, dificultava decisões de arbitragem que privilegiassem alguns grupos. Ao nível microeconÔmico, sua participação minoritária e as características dos Acordos de Acionistas antes referidas limitavam seu poder. Somava-se a esses fatores o não-consentimento da hegemonia pelos grupos privados, inclusive os sócios da Petroquisa.

A política de privatização colocou em questão a estrutura acima descrita. No entanto, conforme já relatado, persistem grandes incertezas quanto a pontos fundamentais, como seja a participação da Petrobrás no setor petroquímico. Justificável pela ótica empresarial, posto que é próprio de grandes empresas petrolíferas terem um braço petroquímico, esta toma-se indispensável à luz do monopÓlio do suprimento da nafta; antes discutido. Embora êste último aspecto pudesse ser solucionado mediante contratos de longo prazo com clausulas de partição de margens, durante as negociações que ocorreram no início do presente Governo, quando sustou-se o processo de leilões, emergira, conforme já fOi mencionado, uma solução que contava, inclusive, coin forte apoio do setor privado – a manutenção de uma significativa participação da Petroquisa nas centrais de matérias-primas. Permanecia porém o impasse quanto à participação da Pesquisa nas empresas a jusante da cadeia. A retomada dos leilões, alienando-se a posição da Petroquisa na principal empresa de segunda geração do polo de São Paulo, rompeu esse impasse, atendo-se o Programa à sua configuração original de desestatizar o setor. Persiste, momentaneamente, a incerteza quanto ao modêlo a ser adotado para as centrais.

Para os grupos privados do setor, a política de privatização veio a introduzir um forte elemento de incerteza em suas estratégias econômicas e financeiras, sujeitas a uma restrição temporal definida exogenamente, em função do ritmo acelerado do Programa. Em consequência, negociações visando aglutinações e redistribuições de ativos, que necessariamente demandam tempo (4), foram muito limitadas. No presente momento, estando ainda indefinida a modelagem da privatização da central de São Paulo e de todo o polo do Nordeste, emergem principalmente estratégias de concentração horizontal, com os grupos buscando fortalecer-se em segmentos de mercado específicos (p.ex. termoplásticos). Não se divisa a formação de grandes grupos verticalmente integrados, embora esta solução, preferível do ponto de vista da competição internacional, possa vir a emergir, dependendo dos resultados da privatização.

A estrutura empresarial do setor esti pois, indefinida, agravando a crise econômica e financeira e introduzindo um forte componente de incerteza na configuração de políticas anti-cíclicas.

 

III. Capacitação tecnológica

Comentou-se acima o alcance do processo de aprendizado tecnológico da indústria petroquímica nacional; embora inequívoco, esse aprendizado tinha escOpo limitado e mesmo este viu-se drasticamente reduzido com a crise recente, que levou à redução de gastos, desmobilização de equipes e reorientação de atividades para fins mais imediatos ( Erber e Vermulm 1993). Outros estudos apontam o baixo uso de equipamento de automação digital, que é associado ao alcance dos programas tecnológicos das empresas. A crise, ao levar à contração dos investimentos, deve ter retardado a difusão desses equipamentos.

Em consequência% a capacitação tecnológica da indústria petroquímica brasileira tende a atrofiar-se, reduzindo sua capacidade de competir internacionalmente. Na melhor das hipóteses, aumentará a dependência em relação a fontes externas de tecnologia, seja por meio de acordos de licença seja por participações societárias. Embora o uso .da importação de tecnologia possa eventualmente garantir a atualização dos processos produtivos, não se transfere a capacidade de inovar e mesmo de adaptar os processos e produtos às condições locais, atividades que requerem gastos internos e, dada a escala mínima destes, firmas de maior porte que as nacionais.

 

4.2 ) Fatores de natureza sistêmica

A competitividade internacional da indústria petroquímica brasileira é ainda onerada por diversos fatores de natureza sistêmica, Ultimamente ressaltados em documentos do empresariado, (p.ex. ABLQULM 1992), provavelmente estimulado pelo fim dos incentivos fiscais e creditícios que pautaram a instalação da indústria no país. Entre estes fatores destacam-se :

 

I. Carga fiscal

Segundo as conclusões de ABIQUIM (1992) ” o volume dos impostos e a própria estrutura tributária brasileira impõem aos produtores aqui instalados uma carga bem superior à vigente nos EUA, por exemplo. Em ordem de importância, tem-se o imposto de renda, os impostos sobre custo financeiro das vendas a prazo (não existentes no resto do mundo), o PIS e o COFINS (FINSOCIAL), os dois últimos também não existentes no resto do mundo; assim, os impostos sobre o lucro e sobre a produção locais acabam por favorecer a importação, que não incorre em tais custos nos países de origem” ( op. cit. p.69).

 

II. Custos financeiros

É desnecessário reiterar aqui que as taxas de juros cobradas no Brasil são substancialmente superiores às internacionais – o que se aplica coeteris paribus, mesmo às taxas do BNDES, fonte mais barata de crédito de longo prazo. Sendo uma indústria intensiva em capital, a petroquímica é brasileira é bastante onerada em sua competitividade internacional por esse diferencial.

 

III. Encargos sociais sobre a mão de obra

Estimam fontes empresarás que, na indústria química, ” o salário médio no Brasil é baixo, da ordem de USS 5,69/h. Entretanto, dada a atual estrutura de encargos (fiscais e para-fiscais) sobre o fator trabalho, emerge um custo médio elevado, da ordem de USS 12,13/1j similar aos da indústria química americana” (ABIQUIM 1992, p.59). Embora a indústria seja relativamente pouco intensiva em mão-de-obra, a vantagem derivada dos baixos custos deste fator tenderia assim a perder-se.

 

IV. Infraestrutura

Também são notórias as deficiências nacionais em termos de infraestrutura econômica (transporte, portos, energia e comunicações), social (saúde e educação) e técnico-científica, que refletem a crise do Estado brasileiro. Como em todas as indústrias, estas deficiências resultam em maiores custos e menor produtividade da indústria petroquímica nacional em conjunto com suas congêneres internacionais. Dadas as suas características técnicas e locacionais, estando muitas fábricas distantes dos principais mercados nacionais, as deficiências em transporte e portos parecem especialmente relevantes para a petroquímica, embora as limitações da infraestrutura social e técnico-científica também obriguem as empresas do país a internalizar maiores custos que seus competidores externos.                                                                   °

 

5 ) Propostas para uma estrutura sustentável

A análise anterior aponta para a gravidade da crise do setor petroquímico brasileiro – ou seja, para a urgência de soluções. Ao mesmo tempo, indica a incerteza que perpassa o setor, onde características estruturais críticas para sua sobrevivência estão indefinidas. Confiar ao mercado apenas a solução da crise, mantidas as presentes condições, implica em altos riscos para a sobrevivência da indústria petroquímica nacional. Em consequência, é necessário estabelecer um sistema regulatório para o setor que, pelo menos, assegure sua transição rumo a uma configuração mais sustentável.

Pelas razões antes expostas, não se fala de reestabelecer o antigo regime de regulação mas de configurar um novo sistema adaptado às novas condições econômicas e políticas do país. Não obstante, na nova, como na velha, configuração permanecem críticos a combinação de medidas de política e o timing dessas políticas. Em consequência, também são cruciais os mecanismos de articulação entre políticas. Em outras palavras, o Estado brasileiro necessita recuperar a capacidade de formular uma política industrial ( lato senso: englobando as políticas de comércio exterior e tecnológica ) de cunho setorial. Embora o setor apresenta algumas condições favoráveis para tanto, como a sobrevivência de instituições governamentais, como o BNDES e a Petrobrás, fortemente comprometidas com o seu desenvolvimento e conte com um setor empresarial organizado, faltam mecanismos de articulação.

Mais que tudo, porém, falta um desenho claro da configuração a ser alcançada para o setor petroquímico, embora aqui também já se disponha de alguns elementos consensuais, como a necessidade de uma reestruturação empresarial que redunde em grupos de maior porte, capazes de sustentar-se em condições de relativa abertura às importações. Um dos resultados principais das propostas abaixo delineadas seria o de precisar esse desenho.

Os comentários feitos a seguir têm o propósito, reconhecidamente limitado, de estimular o debate em torno desses temas. Partem da definição do raio de manobra disponível no presente e no próximo Muro para sugerir algumas medidas que podem ser tomadas para assegurar a transição.

O contexto internacional provavelmente manter-se-á pouco favorável, seja an termos de mercado seja em termos de competição. Os prognósticos de uma recuperação dos grandes mercados consumidores de produtos petroquímicos não são róseos e, ao contrário, um aumento do protecionismo parece provável. Pelo lado da oferta, a expansão devida à entrada de novos produtores deve manter-se. Em consequência, o mercado deve manter-se fortemente competitivo, inclusive utilizando práticas de dumping, especialmente em mercados novos e marginais como o brasileiro.

Embora desejável, parece pouco crível que o mercado brasileiro venha a retomar o crescimento sustentado a curto prazo. Tampouco parece provável que as condições sistêmicas de competição acima analisadas venham a alterar-se de forma substancial e favorável.

É desejável que esse cenário peque por excessivo pessimismo. No entanto, se éle é plausível, a obtenção de uma estrutura sustentável para a indústria petroquímica não será facilitada por características de contexto, dependendo essencialmente de condições setoriais. As duas ordens de fatores são obviamente interdependentes, fazendo-se momentaneamente a sua cisão por motivos estritamente expositivos, para, a seguir, retomar a trama.

A curto prazo, duas características da estrutura petroquímica parecem demandar tratamento mais urgente : a contestabilidade do mercado brasileiro pelas importações e a conformação de grupos empresariais capazes de enfrentar a competição internacional. Como já foi discutido, as duas características são articuladas, pOsto que a estrutura empresarial vigente dificuitq, pelas suas ineficiências, a competição com as importações e estas impõem tetos às margens de acumulação dos grupos. Assirrl a reestruturação empresarial constitue um elemento fundamental de enfírentamento da abertura.

No entanto, cabe reiterar, a incidência e o timing das medidas de abertura e reestruturação são distintos. As primeiras medidas incidem direta e imediatamente sObre o mercado, o faturamento e a rentabilidade das empresas. As segundas, operando inicialmente sObre a estrutura patrimonial, apenas mediatamente vão incidir sObre os custos. Da mesma form% a implementação das medidas de abertura tem caráter imediato enquanto as medidas de reestruturação requerem um longo tempo de gestação e prazos relativamente longos de realização.

As especificidades brasileiras agravam substancialmente o desequilíbrio acima descrito (S). Do lado da política de abertura; a tradição do uso de barreiras não tarifáüas legou uma estrutura institucional pouco preparada em termos de recursos e instrumentos, para a defesa dos produtores nacionais contra práticas desleais de comércio que, como já foi mencionado, são corriqueiras no mercado petroquímico internacional. Corrigir essas deficiências constitui uma tarefa indispensável para uma economia aberta e, no caso da petroquímicaj urgente. Do lado da política de reestruturação, a complexidade da estrutura brasileira já foi apontada, assim como as dificuldades de lograr uma estrutura sustentável através da atual política de privatização.

As duas questões acima apontadas – abertura e reestruturação – tomam-se ainda mais complexas e imbricadas no caso brasileiro pelo monopólio do fornecimento da nafta pela Petrobrás, que, como vimos, a toma parte fundamental na definição da competitividade internacional da indústria e na configuração da sua estrutura empresarial.

Olhando apenas para a indústria petroquímica, a análise anterior sugere que, para reduzir os desequilíbrios acima expostos e tratar adequadamente a complexidade da reestruturação empresarial do setor, seria conveniente rever os ritmos de execução das políticas de abertura e privatização. No entanto, a mesma análise aponta para o alto grau de inércia da estrutura vigente, derivada da sua história e da sua própria compièxidade, sugerindo que a força transformadora dessas políticas não deva ser desperdiçada por uma revisão que as adie ad infinitum. Em outras palavras, a análise anterior propõe um horizonte finito, estabelecido de forma negociada entre os vários atores intervenientes, para implantar uma estrutura sustentável na petroquímica brasileira.

Ainda dentro dos mesmos limites setoriais, considerando a importância estratégica da petroquímica para o país, pode-se imaginar que a Presidência da República poderia constituir um foro de negociação entre os vários agentes governamentais e os grupos empresariais que participam da indústria petroquímica visando estabelecer uma estrutura mais competitiva internacionalmente e normas de regulação de preços ( notadamente da nátia ) e de divisão de margens sustentáveis ao longo do tempo. Esta negociação poderia incluir várias formas de financiamento ( uédito, debêntures, etc) visando o fortalecimento tecnológico e empresarial, inclusive para exportaçõeS e o uso de procedimentos alternativos aos leilões no Programa de Privatização. Este apoio poderia ser sujeito a obtenção de índices de desempenho técnico e de custos, que assegura a competitividade intemacional dos produtos brasileiros, adequando-os à abertura. Combinada à reestruturação, esta poderia ser menos dolorosa para os casos em que a produção local provasse ser inviável, à semelhança do que ocorre no exterior.

Não é demasiado insistir que o período recente representou um processo de aprendizado intenso para todos os atores envolvidos na petroquímica, ajudando a romper a inércia estrutural. As posições relativas à privatização acima relatadas ilustram esse processo, que permite ter um moderado otimismo quanto à factibilidade setorial das propostas acima esboçadas.

Tampouco é excessivo lembrar que o tipo de proposta acima exposto implica numa concepção de política industrial setorializada, em que os mecanismos gerais de política são adequados, na substância e no tempo, às especificidades dos diversos setores, demandando, pela sua complexidade, instrumentos de articulação institucional.

No entanto, cabe aqui reiterar o limite setorial da análise anterior e, inserindo as propostas em um contexto mais amplo, qualificar sua exequibilidade. Assim, é importante notar que as duas políticas identificadas como estratégicas para o futuro do setor -abertura e reestruturação – não lhe são exclusivas. Ao contrário, aplicam-se a outros setores e fazem parte de um diagnóstico da crise brasileira que identifica na proteção contra as importações e na interveniência do Estado raízes estruturais desta crise.

Este diagnóstico, equivocado ou não, encontra sólido respaldo político, interna e externamente. Propostas de revisão setorial das políticas de abertura e privatização serão duramente atacadas como uma volta ao passado, independentemente do seu conteúdo substantivos e de seus efeitos de longo prazo. Caberá aos defensores de propostas de reestruturação da indústria petroquímica arregimentar forças políticas capazes de resistir e vencer esses inevitáveis ataques. Em consequènci& o destino da petroquímica brasileira será decidido tanto em escritÓrios como na mídia – o que, no fundo, não deve ser motivo de espanto, posto que a economia é sempre política.

 

NOTAS

*) Consultor do INALE. As opiniões aqui expostas são de natureza estritamente pessoal.

l ) Para uma tipologia detalhada das empresas petroquímicas internacionais veja-se Steinbaum e Fernandes ( 1992).

2 ) Para uma descrição detalhada das empresas estatais atuantes na petroquímica mundial veja-se Silva Filho ( 1990).

3 ) Vale a pena recordar que na Alemanha, o processo de formação da IG Farben, fortemente motivado pela necessidade de competir internacionalmente, levou vinte anos, pelo menos. Veja-se a respeito Baumler ( 1963).

4 ) O desequilíbrio entre medidas que visam aumentar a competição e medidas que têm por objetivo ampliar a competitividade da indústria brasileira era intrínseco à política industrial e de comércio exterior adotada no governo passado. Para uma análise mais detalhada veja-se Erber (1992).

 

 

 

 

 

 

A Política Tecnológica da Segunda Metade...

08. FSErber.EAAGuimarães.JTAraújoJrINTRODUÇÃO Este trabalho discute os obstáculos e as opções a serem enfrentados pela política tecnológica brasileira na segunda metade desta década....

A Política Tecnológica da Segunda Metade dos Anos Oitenta

Fabio S. Erber, Eduardo Augusto Guimarães, José Tavares de Araújo Júnior, In: Encontro Nacional da Indústria

Este artigo é bastante interessante por sua abordagem histórica, mas será útil aos formuladores de novas políticas industriais, como por exemplo, a do terceiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023- ), que visa a reindustrialização em novas bases tecnológicas? Acreditamos que a resposta é positiva, pois, não todos, mas muitos dos instrumentos de política disponíveis e a preocupação com a sua implementação permanecem basicamente os mesmos. As mudanças importantes são, naturalmente, de objetivo e ênfase. Cabe enfatizar, contudo, no que diz respeito ao setor manufatureiro, que a política tecnológica deve ser derivada da estratégia que se pretende imprimir à evolução da indústria, o que uma afirmação válida ainda hoje. No período estudado no texto, a análise dos obstáculos e opções enfrentadas pela política tecnológica concentrou-se em dois conjuntos de eventos: a) o crescimento industrial dos anos setenta, e a recessão dos anos oitenta e; b) o aparato institucional destinado ao suporte das atividades de ciência e tecnologia, criado ao longo dos quinze anos anteriores. Na formulação de uma nova política, a preocupação com a evolução histórica deve permanecer, pois cada país tem as suas idiossincrasias, que o diferencia dos demais. Além disso, as políticas industriais e tecnológicas devem estar em consonância com as demais, no sentido de propiciar um desenvolvimento social e econômico de longo prazo. Cabe lembrar aqui que o trabalho “A Política Tecnológica da Segunda Metade dos Anos Oitenta” de Erber, Guimarães e Araújo Jr. (1984) foi apresentado no Encontro Nacional da Indústria, em outubro de 1984. Na primeira parte, mostrou uma breve análise da experiência com políticas tecnológicas dos EUA, Japão, Alemanha Ocidental, França e Reino Unido, e na segunda seção, a do Brasil. Na segunda parte, uma agenda de médio prazo foi proposta, para a segunda metade da década dos anos oitenta, cujo objetivo era de gerar os mecanismos através dos quais a política tecnológica deveria tornar aptos diversos segmentos da economia a responder aos objetivos gerais da política econômica. Neste sentido, o trabalho focaliza: i) as implicações tecnológicas inerentes à provável evolução do setor industrial, inclusive, visando manter a sustentação das exportações, a ampliação da pauta de produção industrial e a retomada do crescimento do mercado interno; ii) as medidas factíveis e suas respectivas modalidades de implementação e; iii) a identificação de deficiências existentes no aparato institucional. No que concerne à política tecnológica, o texto afirma que essa deve ser ainda orientada a criar às condições necessárias à viabilização das trajetórias apontadas, a desenvolver capacitação tecnológica do país, como também a responder as demandas específicas da sociedade e da economia brasileira. A persecução dos objetivos apontados pressupõe reações de duas naturezas por parte do setor manufatureiro. Em alguns casos, requer-se ampla difusão no parque industrial brasileiro, de conhecimentos técnicos existentes no país e no exterior; em outros, além disso, requer-se das empresas industriais o pleno domínio da tecnologia utilizada, de modo a possibilitar a adaptação às especificidades do país e o poder de competição dos agentes produtivos nacionais. Por conseguinte, a política tecnológica deve ser, ao mesmo tempo, uma política de difusão, assim como, de geração e absorção de tecnologia, revestindo-se da necessária flexibilidade.

08. FSErber.EAAGuimarães.JTAraújoJrINTRODUÇÃO

Este trabalho discute os obstáculos e as opções a serem enfrentados pela política tecnológica brasileira na segunda metade desta década. Dois conjuntos de eventos orientam a análise e as sugestões aqui apresentadas. Por um lado, o crescimento industrial dos anos setenta, e a recessão dos anos oitenta, implicaram um processo de mudança estrutural que afetou significativamente o padrão de inserção internacional da economia, a configuração de seu parque industrial, e, consequentemente, redefiniu os termos do velho debate sobre o estilo de desenvolvimento. Por outro, o aparato institucional destinado ao suporte das atividades de ciência e tecnologia, criado no país ao longo dos últimos quinze anos, tornou-se um acervo de inequívoca importância para o encaminhamento das questões nacionais.

A primeira parte do texto reconstitui as principais características da política tecnológica de algumas economias industrializadas no passado recente, visando compará-las com a experiência brasileira. A partir dos dados relativos aos Estados Unidos, Japão, Alemanha Ocidental, França e Reino Unido, discute-se o papel que esses países desempenham na distribuição mundial de recursos de ciência e tecnologia, a concentração setorial do esforço inovativo e a intervenção do Estado nessas atividades. Em seguida, apresenta-se uma breve revisão do caso brasileiro.

A segunda parte propõe uma agenda de médio prazo, cujo tema é abordado sob três perspectivas complementares. Em primeiro lugar, são examinadas as implicações tecnológicas inerentes à provável evolução do setor industrial nos próximos anos, com ênfase nos aspectos relativos à sustentação do desempenho exportador da economia, à ampliação da pauta de produção: industrial, e à retomada do crescimento do mercado interno. Em segundo lugar, procura-se ordenar O elenco de medidas factíveis e suas respectivas modalidades de implementação. Por fim, algumas deficiências do atual aparato institucional são apontadas.

 

PARTE I – A POLÍTICA TECNOLÓGICA DOS ÚLTIMOS QUINZE ANOS

1 – A Experiência Internacional

1.1 – Concentração mundial

A distribuição internacional das atividades em ciência e tecnologia é altamente concentrada, quer se usem medidas de insumo (despesas em P&D, número de cientistas e tecnólogos)ou de resultados (patentes, artigos científicos publicados, inovações realizadas). Esta concentração ocorre não apenas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos (estes últimos respondem por apenas 3% destes gastos) mas também no âmbito dos primeiros — Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e Reino Unido (na ordem de importância) — são responsáveis por quase: 90% dos custos totais em P&D industrial da OECD. Assim, embora outros países centrais tenham eventualmente papel relevante em setores específicos, o padrão de P&D no mundo capitalista & dado, em larga medida, por esses cinco países, sobre os quais se concentra a análise subsequente.

Três características marcam a pesquisa e o desenvolvimento industrial moderno: sua escala, seu conteúdo científico e sua especialização profissional, essas características estão intimamente ligadas ao seu caráter empresarial e configuram um processo de trabalho coletivo, conduzido dentro de cada laboratório ou planta-piloto.

No entanto, o processo de inovação é  um trabalho coletivo também num sentido mais amplo, ao nível da sociedade, Uma parcela substancial das informações utilizadas pelas empresas em suas atividades de P&D provêm de fontes externas e firma, notadamente de laboratórios governamentais e de universidades. Estudos setoriais sobre inovações mostram também a importância da comunicação entre firmas da mesma indústria e entre fornecedores e compradores. A transmissão dessas informações em geral, interpessoal e informal. Em consequência, obtém-se um efeito da sinergia, em que o resultado total é maior que a soma das partes. Essas condições, decorrentes de um longo processo de acumulação de capital e divisão do trabalho nos países centrais, conferem às empresas ali sediadas uma notável vantagem em relação às suas congêneres nos países periféricos.

É importante, porém, notar que, nesse processo coletivo, algumas indústrias desempenham um papel estratégico, atuando como núcleo gerador de inovações e como centro difusor de progresso técnico para os demais setores. o peso relativo dessas indústrias “intensivas em tecnologia” dentro de um sistema industrial nacional afeta de forma decisiva o dinamismo tecnológico e econômico desse sistema, bem como sua inserção internacional. Embora a importação de mercadorias e tecnologia possa, em parte, suprir deficiências da oferta interna de tecnologia, a política dos principais países da OECD orientada para a constituição e desenvolvimento desses setores estratégicos tanto por razões econômicas como militares.

Assim, cerca da metade dos gastos totais de P&D nos países da OECD refere-se à energia nuclear, atividades espaciais e defesa, dividindo-se o restante em partes aproximadamente iguais entre pesquisa e desenvolvimento com finalidade econômica e P&D destinados ao bem-estar público e apoio a universidade e pesquisa básica.

Em termos de P&D industrial, nota-se significativa concentração de gastos em alguns setores, notadamente nas indústrias aeronáutica, química, electro/eletrônica e de maquinaria, que absorvem cerca de dois terços dos gastos nos principais países. Estas indústrias caracterizam-se por fornecer  a base material do complexo militar e por apresentarem maior dinamismo em termos de comércio e investimento internacionais. Assinale-se, por fim, que — embora os Estados Unidos ainda sejam os principais investidores em P&D nos setores “intensivos em P&D”, principalmente em eletro/eletrônica e aeronáutica — os países da Comunidade Econômica Europeia (principalmente França e Alemanha) e, especialmente, o Japão têm apresentado maiores taxas de crescimento dos gastos em P&D nesses setores.

 

1.2 – A Participação do Estado

Embora os Governos dos países capitalistas tenham historicamente desempenhado um papel importante no apoio ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, observa-se a partir da II Guerra Mundial, uma expansão quantitativa e qualitativa da participação do Estado nessas atividades, que convém detalhar, Enquanto nos Estados Unidos a intervenção governamental nesta área parece ter se pautado principalmente por uma lógica a meme de potência militar, no Japão e Alemanha, obedeceu fundamentalmente a objetivos de poder econômico; a França e o Reino Unido aparecem como casos intermediários. Recentemente, observam-se nos Estados Unidos pressões para que a atuação do Governo seja dirigida a reforçar diretamente a capacidade de competição técnica e comercial das firmas americanas no mercado internacional, principalmente face a seus concorrentes japoneses no setor eletrônico.

O Governo como executor e financiador de P&D: Uma primeira aproximação ao papel desempenhado pelo Estado nos países desenvolvidos pode ser obtida pela análise de sua participação como executor direto de atividades de P&D. Conforme indica o quadro a seguir, referente aos principais países da OECD; é significativo o peso do Governo (exclusive sistema educacional) através de seus institutos de pesquisa e laboratórios, notadamente na França e no Reino Unido. Note-se  que, no setor empresarial, estão incluídas as empresas estatais, o que subestima substancialmente o papel do Estado na execução de P&D naqueles países onde tais empresas são importantes, como é o caso da França e do Reino Unido. O Governo nos países desenvolvidos desempenha um papel de financiador de gastos em PED que excede sua participação direta como executante destas atividades. A direção deste financiamento difere, no entanto. Nos EUA, França e Reino Unido, os gastos concentram-se em objetivos EUA, França e Reino Unido. Os gastos conceptivos de caráter. militar, aos quais estão intimamente ligadas às indústrias de ponta, enquanto na Alemanha e Japão os fundos governamentais são orientados prioritariamente para o “progresso do conhecimento”. Parcela ponderável destes fundos destinam- se a cobrir gastos em pesquisas que serão mais tarde utilizadas pelas indústrias de ponta. A importância do financiamento governamental para P&D varia, também, de acordo com os setores econômicos. Os Governos dos principais países da OECD financiam uma parte substancial dos gastos empresariais exatamente das indústrias intensivas em P&D, exceto a indústria química — chegando, no caso de a indústria aeronáutica cobrir a quase totalidade desses gastos. Por conseguinte, as indústrias tecnologicamente “de ponta” recebem praticamente a totalidade do financiamento governamental para P&D na indústria. É importante ainda notar que a contribuição governamental acima indicada não inclui certos gastos que, embora apareçam nas estatísticas oficiais como sendo de responsabilidade do setor empresarial, são, na verdade, cobertos pelo Governo. O caso japonês merece um reparo especial, pois estatísticas agregadas como as apresentadas nas tabelas anteriores mascaram uma intervenção governamental profunda em projetos de caráter estratégico em setores de ponta. No passado recente, destaca-se, por exemplo, a articulação do Estado com grandes grupos empresariais para alcançar sucesso internacional em produtos eletrônicos estratégicos, como a televisão a cores, componentes semicondutores e equipamentos de processamento de dados.

A seletividade da política de apoio à ciência e tecnologia dos países avançados revela-se também ao analisarem-se as empresas que utilizam os créditos governamentais para P&D: em 1975, nos EUA, 80% dos recursos governamentais para pesquisa e desenvolvimento iam para firmas com mais de 25 mil empregados; na França 90% para as 20 maiores firmas; na Alemanha 65% para empresas com mais de 10 mil empregados e no Reino Unido 97% eram absorbidos por 50 empresas. Embora não se disponha de dados comparáveis para o Japão, sabe-se que nas indústrias de ponta os projetos estratégicos são desenvolvidos em conjunto pelo, Estado e por um grupo restrito de grandes empresas. Por fim, a seletividade setorial e de objetivos reflete-se também no seio do Estado: os aparatos estatais têm uma interferência diferenciada na política tecnológica, de acordo com os objetivos desta. Assim, nos Estados Unidos, destaca-se o papel desempenhado pelo Departamento do Defesa e pela NASA; no Japão, o MITI (Ministério de Comércio Internacional e Indústria) tem o papel principal. Entre esses dois conjuntos restritos de setores – grandes empresas (e seus subcontratantes) e aparatos estatais específicos — forja-se uma solidariedade de interesses— em que o fomento tecnológico é um elo importante — que tende a se reproduzir, reforçando-se pela continuidade ao longo do tempo. A atuação dos Governos dos países industrializados , tal como é captada nas estatísticas de P&D acima citadas, representa apenas uma parcela reduzida do apoio dado pelo Estado ao processo de desenvolvimento científico e tecnológico desses países, sob a forma de diversas medidas de ordem legal e de política econômica e financeira. Embora esse apoio se estenda também às instituições de pesquisa e universidades (por exemplo, através de fundos destinados ao ensino e não à P&D), ele é especialmente importante para as empresas. Dentre as iniciativas não captadas nas estatísticas apresentadas, e ainda no âmbito do apoio financeiro, aponte-se os incentivos fiscais concedidos, pela maior parte dos Governos dos países centrais, às empresas que realizam P&D. Em suas formas mais comuns, tais estímulos consistem em deduções do imposto de renda devido pelas empresas e na depreciação acelerada dos investimentos em P&D, reduzindo assim os custos de realização dessas atividades. No entanto, a eficácia desse instrumento tem sido questionada devido, principalmente, ao fato de o investimento fixo em P&D ser relativamente pequeno e os incentivos não cobrirem os gastos de inovação subsequentes à pesquisa e desenvolvimento, Apoio governamental à apropriação e comercialização dos sucatados de P&D. Deste ponto de vista, a ação governamental contempla inicialmente assegurar o direito de monopólio da inovação, inclusive o direito de obter compensação daqueles ‘que tentam se apropriar de informações sem o devido pagamento. A preservação dos direitos de propriedade sobre o conhecimento apoia-se em sistemas legais nacionais e em acordos internacionais como a Convenção de Paris. Os países centrais não só tem sistemas legais internos e eficientes como tem consistentemente apoiado a internacionalização dos direitos de seus súditos. No tocante ao apoio à utilização dos resultados de P&D, ressalte- se, em primeiro lugar, O apoio de natureza financeira. Os gastos em P&D constituem, normalmente, uma parcela raramente superior: a 50% dos custos totais de inovação industrial. As demais despesas (instalações produtivas, marketing etc.) são frequentemente financiadas pelos Governos dos países avançados, embora não sejam incluídas nas estatísticas de P&D. Parte desses financiamentos são concedidos no contexto de políticas industriais mais amplas — ponto que voltaremos a seguir — mas outra parcela é parte integrante de uma política de inovação tecnológica, especialmente no caso das indústrias de ponta. Por exemplo, no caso de semicondutores e circuitos integrados, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos concedeu importantes financiamentos para as linhas iniciais de produção, que permitiram &s firmas beneficiárias reduzir o tempo e o custo do desenvolvimento comercial desses produtos. Tomando-se como outro exemplo o Reino Unido, na década passada, a parcela referente a P&D representa apenas um quarto do total do apoio financeiro governamental à indústria. Este apoio, embora mantendo as prioridades vistas no financiamento a PAD, passa a incluir outras indústrias intensivas em tecnologia (notadamente química), que se beneficiam pouco do financiamento direto à pesquisa e desenvolvimento.

Nota-se aqui uma característica da intervenção do Estado para o desenvolvimento tecnológico nos países centrais: uma relativa convergência entre a política de fomento  industrial, lato senso, e as medidas destinadas especificamente ao desenvolvimento tecnológico o que, no jargão da política científica e tecnológica, convencionou-se chamar a “convergência entre as políticas explícitas e implícitas de tecnologia”. (Poe tecnologia. políticas explícitas são aquelas que têm o propósito definido e identificado de influenciar as atividades e funções de ciência e tecnologia; políticas implícitas são aquelas que, embora elaboradas com outros propósitos, p.ex. regular importações, afetam aquelas funções e atividades). Análises de reações empresariais à medidas destinadas a fomentar o desenvolvimento industrial e tecnológico mostram que as medidas mais importantes são aquelas relacionadas com o desenvolvimento industrial em sentido amplo. Dentre estas medidas, aponte-se, inicialmente, aquelas que contribuem para minorar a incerteza associada ao processo de pesquisa, desenvolvimento e inovação, especialmente nas indústrias tecnologicamente “de ponta”, um exemplo é a proteção nos mercados nacionais, através da preferência em compras governamentais (os “buy national acts”) e, menos frequentemente, de medidas de controle de importações (como tarifas, cotas e, mais indiretamente, política de câmbio). O caso do Japão constitui, talvez, a melhor evidência do uso dessas medidas, aliadas a uma cuidadosa discriminação setorial de entrada de capitais estrangeiros. Também no caso das indústrias de ponta nos Estados Unidos, diversos estudos mostram o papel crucial desempenhado pelas compras militares e espaciais, no sentido de propiciar a realização das economias de aprendizado e permitir a difusão comercial dos seus produtos, De fato, mesmo quando o Estado não é um comprador direto, influi com frequência sobre a demanda privada, orientando-a para a aquisição de inovações em larga escala, normalmente como parte de políticas de modernização setorial e de competição internacional. Tal foi, por exemplo, o resultado da política de subsídios às linhas de aviação nos Estados Unidos, combinada com a regulamentação de tarifas aéreas e com a depreciação acelerada para aviões, e dos financiamentos subsidiados para compra de máquinas-ferramentas com controle numérico em vários países da OECD. No Reino Unido, implementou-se um sistema de apoio intermediário entre as compras diretas e a mera orientação da demanda acima citada: máquinas-ferramentas com controle numérico são compradas pelo Governo, emprestadas sem ônus a possíveis compradores para teste e, a seguir, vendidas a preços reduzidos. O mercado estatal espacial/militar propiciou ainda importantes efeitos secundários para as indústrias de ponta (como computadores e aeronáutica) em suas aplicações civis. Primeiro, as vendas para o mercado espacial militar permitiram às empresas financiar níveis elevados de P&D em geral e, consequentemente, manter uma liderança tecnológica em outros mercados. Segundo, a demanda espacial/militar conferiu às firmas fornecedoras o domínio de técnicas altamente sofisticadas que, no entanto, tinham frequentemente aplicações civis. Por fim, a demanda espacial/militar teve importantes efeitos-demonstração para a área civil, estimulando a demanda desse segmento da economia. A ação governamental nos países desenvolvidos têm contemplado também viabilizar a presença no mercado externo dos produtos resultantes do esforço doméstico de P&D. A esse respeito, observe-se que! se, por um lado, as indústrias intensivas em tecnologia respondem pela maior parcela das exportações de produtos industriais dos países avançados, de outro, essas exportações são frequentemente indispensáveis ao crescimento de tais indústrias, mesmo tendo em conta a dimensão dos mercados internos desses países. Na intensa competição internacional que caracteriza essas indústrias, dois fatores, são de fundamental importância: a qualidade dos produtos e as condições de financiamento das vendas. Neste contexto, as medidas de proteção nos mercados domésticos, acima discutidas, não se cumprem uma finalidade defensiva em relação a concorrentes estrangeiros, como acarretam um fortalecimento das condições de competição das firmas  locais nos mercados externos, permitindo-lhes utilizar o mercado nacional tanto para atingir escalas de produção mais vantajosas como para comprovar a qualidade dos produtos, adiantando-se aos seus competidores na introdução de inovações no mercado internacional. Possivelmente, o melhor exemplo desta estratégia & dado pela atuação japonesa em produtos eletrônicos. Os Estados dos países avançados têm também apoiado as exportações de suas indústrias mediante esquemas de financiamento especiais, frequentemente coadjuvados por medidas de “a diplomacia comercial”, especialmente no caso dos países subdesenvolvidos. Assinale-se, por fim, que os governos de países desenvolvidos, especialmente os europeus e o Japão, tem adotado políticas que visam alterar a estrutura de algumas indústrias, notadamente nos setores de ponta, de modo a, entre outros efeitos, assegurar-lhes poder de competição no mercado internacional, inclusive em termos de tecnologia. São exemplos de iniciativas neste sentido as fusões de empresa patrocinadas pelos governos da Alemanha e da Inglaterra nas indústrias aeronáutica ‘ e nuclear e pelos governos da Inglaterra e da França na indústria de computação.

 

1.3 – Conclusões

A análise da participação do Estado no processo de desenvolvimento científico e tecnológico dos países capitalistas centrais sugere algumas conclusões: embora o nível de desenvolvimento da acumulação de capital e da divisão de trabalho nessas economias favoreçam O processo de desenvolvimento científico e tecnológico, tais condições favoráveis são não apenas reforçadas pela ação do Estada, como, em parte, criadas pela interferência estatal as medidas de apoio do Estado ao processo de desenvolvimento científico e, especialmente, tecnológico, transcendem o apoio direto às atividades de P&D. No entanto, tais medidas estão, em regra, associadas a outros objetivos que não o desenvolvimento tecnológico em si, entre os quais se destacam o poder militar e o reforço das condições de competição das empresas nacionais tanto no mercado interno como internacionalmente, em termos comerciais e de investimento. O desenvolvimento tecnológico é um meio de atingir tais objetivos mais amplos, especialmente no caso das indústrias de ponta. Nas demais indústrias, o desenvolvimento tecnológico & um subproduto da política econômica geral.

As medidas de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico estão fortemente concentradas em alguns setores industriais, as chamadas “indústrias de ponta”. Essa concentração se dá tanto em termos do apoio direto às atividades de P&D , como nas medidas de apoio indireto, Para os demais setores, inexistente, na prática, uma “política explicita de inovações”.- O apoio do Estado ao desenvolvimento tecnológico ê altamente seletivo, tanto em termos de setores como de empresas. Com isso, forma-se nas indústrias de ponta uma articulação de interesses entre empresas, instituições de pesquisa e aparatos estatais, que tende a se expandir e a assegurar a continuidade daquele apoio.

– As medidas de apoio direto do Estado ao desenvolvimento científico e tecnológico dos setores de ponta tendem a convergir com outras medidas de política econômica, que representam um apoio indireto a esse desenvolvimento, essas medidas de política tecnológica “implícita” são uma condição necessária para o sucesso da política tecnológica “explícita” e, frequentemente, são dominantes nas decisões empresariais.

2 — O Caso Brasileiro

2.1 – Evolução Histórica

As diversas análises históricas da atuação do Estado na área de ciência e tecnologia no Brasil mostram que só a partir do fim da década de 60, com o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), define-se, ao nível do Governo Federal, uma política explícita de ciência e tecnologia, Embora anteriormente o Estado interviesse na área científica e tecnológica propiciando a institucionalização de certas atividades cientificas (na área de saúde, por exemplo) e mesmo constituindo instituições de política para ciência e tecnologia (como a criação do Conselho Nacional de Pesquisas em 1951), essa intervenção era fragmentada e descontínua, refletindo conjunturas específicas (febre amarela no Rio, broca em café em São Paulo). Atendidos os interesses imediatos que o suscitaram, o apoio estatal à atividade científica e/ou tecnológica, tornava-se rarefeito e minguavam as instituições e as atividades nelas realizadas. Quando, como no caso da política atômica, as  implicações de uma intervenção estatal eram maiores envolvendo modificações na estrutura de relações internas ou externas, faltou força aos grupos interessados para, mesmo iniciada a intervenção estatal na área, dar-lhe a continuidade e força necessárias. Em outras palavras, os estudos sobre a atividade científica e sobre a dependência tecnológica sugerem que, até recentemente, tanto o padrão de crescimento econômico no Brasil, como as características do seu sistema político e a forma de inserção do país no sistema internacional, não propunham ao Estado razões econômicas e políticas suficientes e necessárias a uma maior intervenção na área da ciência e tecnologia, a não ser em casos específicos de alcance limitado. No período que se inicia em 1968, o desenvolvimento científico e tecnológico passa a ser objeto específico de política. Estabelecem-se mecanismos financeiros especiais para essas atividades, passa-se a controlar a importação de tecnologia e implanta-se uma estrutura institucional para o planejamento, que produz três Planos Básicos para o Desenvolvimento da Ciência e tecnologia (PBDCT) cobrindo, respetivamente, os períodos 1973/1974, 1975/79 e 1980/85. Essas atividades do Governo Federal são espelhadas, em escala menor, ao nível de alguns Governos Estaduais, especialmente em São Paulo. Embora todos os planos de desenvolvimento desde o PED enfatizem a necessidade de criar uma maior capacidade científica e tecnológica no país, além de aumentar a incorporação e conhecimento proveniente do exterior, hã diferenças importantes entre suas prioridades. Enquanto no PED a maior capacitação científica e tecnológica tinha por objetivo o desenvolvimento de tecnologias mais ajustadas à dotação de fatores de produção no país, de modo a assegurar maior absorção de mão-de-obra e criar um mercado de massas para garantir um crescimento auto sustentado, nos demais planos a ênfase recai sobre o aumento da competitividade da indústria brasileira e o fortalecimento da empresa nacional. No período coberto pelo II PND e II PEDCT, o discurso oficial passou inclusive a privilegiar o papel a ser exercido pela ciência e tecnologia no processo de desenvolvimento brasileiro como uma força motora, o conduto, porém excelência da ideia de progresso e modernização. Esta ênfase é substancialmente abrandada no III PBDCT que elege como objetivos prioritários a aplicação da ciência e tecnologia aos problemas energéticos, de desenvolvimento agrícola e desenvolvimento social. A distância entre o discurso oficial e a prática é, como se sabe, grande mas, mesmo assim, mo passado recente, o Brasil reforçou consideravelmente a sua capacidade científica e tecnológica, expressas numa população de pesquisadores ativos de cerca de 30 mil pessoas, em cerca de mil cursos de pós-graduação, onde estudam mais de 40 mil alunos e, por exportações, tanto de tecnologia (equivalentes às importações) e de produtos manufaturados de relativa sofisticação, inclusive de instalações fabris completas. Embora persistam sérias deficiências na estrutura científica e tecnológica brasileira, agravadas com a atual crise, os sucessos alcançados podem em boa medida ser creditados à política científica, e tecnológica explícita do Estado brasileiro.

 

2.2 – Execução e Financiamento das atividades de Ciência e Tecnologia

Os dados disponíveis sugerem que O Brasil gasta entre 0, 4 e 0,6% do PIB em ciência e tecnologia, Esta percentagem é semelhante a de outros países em desenvolvimento como o México, Argentina, Coreia do Sul e India, mas substancialmente inferior à dos países desenvolvidos. Embora os gastos brasileiros em volume (medidos em dólares) não sejam insignificantes em termos internacionais, cabe registrar que tais dispêndios destinam-se inclusive a montar uma estrutura de atividades científicas e tecnológicas, ao passo que os investimentos dos países desenvolvidos incidem sobre uma estrutura já constituída e eficiente. O quadro a seguir apresenta a evolução dos gastos em ciência e tecnologia para O período 1979/82 discriminados por entidades executoras com fontes financiadoras, segundo informações recentes do CNPq. Tais dados, no entanto, representam uma aproximação muito parcial da realidade. Assim, provavelmente subestimam o montante de gastos em tecnologia realizados pelo setor privado e incluem gastos públicos que apenas em sentido, muito amplo são atribuíveis a despesas em ciência e tecnologia (por exemplo, o aumento do capital da Nuclebras responde por 5.2% dos recursos em moeda local do Orçamento da União para Ciência e Tecnologia). O crescimento em valor real destes gastos em 1982 resulta, em proporção difícil de avaliar, da ampliação do tipo de dispêndios considerados como pertencentes ã categoria de ciência e tecnologia e do alargamento da base de informantes. Apesar dessas qualificações, o quadro mostra o papel crucial que o Estado brasileiro tem desempenhado tanto na execução de atividades científicas e tecnológicas no país, como no financiamento por meio dos Governos Federal e, em menor medida, Estaduais e das Empresas Estatais. Estas últimas financiaram com recursos próprios a maior parte (72%) dos seus gastos em ciência e tecnologia no período 1979/82, uma proporção substancialmente maior que o autofinanciamento do setor privado no mesmo período (50%). A outra metade dos gastos realizados pelo setor privado & financiada com recursos do Tesouro Nacional (28%) e por agências financeiras (22%). No passado recente, vem se modificando o peso relativo dos instrumentos financeiros utilizados pelo Estado brasileiro para cobrir os gastos nacionais em ciência e tecnologia, com a queda acentuada do papel desempenhado pelo FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) administrado pela FINEP. Tendo em 1976 atingido um pico de 1,168%, sua participação no Orçamento da União em 1984 (0.24%), foi inferior ao valor observado quando da sua constituição em 1970 (0.343).Em termos reais, o FNDCT reduziu-se a cerca da metade do valor  meta correspondente a 1976. Quanto à distribuição dos dispêndios nacionais em ciência e tecnologia, os dados disponíveis (apenas para o ano de 1983) sugerem que a prioridade atribuída pelo III PBDCT — a agropecuária e energia — vem sendo obedecida: estes dois setores respondem por mais da metade do referido gasto. Se a estes somam-se os recursos destinados a do “desenvolvimento científico e tecnológico” (provavelmente pós-graduação. e pesquisa na universidade) (14%) e as atividades destinadas à’ indústria (11%) atinge-se mais de três quartos do dispêndio total no ano. No entanto, a terceira prioridade do Plano, o desenvolvimento social, parece: ter recebido apenas 3,5% dos recursos. Em termos de gastos em atividades científicas e tecnológicas pelo setor empresarial privado e estatal, estimativas do CNPq para 306 empresas em 1979 sugerem que, entre as empresas privadas, os. gastos concentram-se no setor de material de transportes (um terço do total privado), ‘seguido pelo setor químico (14%) e autopeças (10%), predominando as despesas realizadas por empresas nacionais. Entre as empresas estatais nota-se uma concentração substancial em 10 empresas que respondem por 90 dos gastos de 97 empresas pesquisadas. Tais gastos concentram-se na área agropecuária (46%), geração e distribuição de energia (18%), química (11%) e telecomunicações (10%).2.3 – Política de compras das Empresas Estatais. A exigência de uso da tecnologia do exterior para a aquisição de serviços de engenharia e bens de capital, comum nas empresas estatais brasileiras na década de setenta, tendia a gerar um círculo vicioso em que seus fornecedores, por não terem experiência prévia do prestamento, eram forçados a usar licenciamento e, por usarem licenciamento, não desenvolviam uma capacidade própria de projetamento. Por conseguinte, dentre as medidas implementadas para fazer face aos problemas de balanço de pagamentos e ao peso que as importações de bens de capital haviam assumido na mesma época, incluiu-se a criação nas empresas estatais de Núcleos de “Articulação com a Indústria -NAIS. Estes Núcleos, que respondiam a uma Comissão de Coordenação cuja Secretaria Executiva era a FINEP, tinham por objetivo aumentar o conteúdo local das compras dessas empresas . Em fins de 1978 já haviam sido criados 106 NAIS, número que tem se mantido constante desde aquela data. A atuação dos NAIS’s no sentido de substituir importações de tecnologia e incentivar o desenvolvimento tecnológico autóctone dos fornecedores das empresas estatais varia bastante de setor em setor, à destacando-se os sucessos obtidos nas áreas de telecomunicações, energia elétrica e petróleo. Significativamente estes são os setores onde as empresas estatais vem investindo mais em pesquisa e desenvolvimento próprio e em “contratação de pesquisas extramuros. A eficácia tecnológica dos NAIs tem sido limitada tanto por fatores que fogem ao controle das empresas estatais (como o padrão de financiamento de seus projetos) como pela resistência interna ao uso de tecnologia local. Embora essa resistência se justifique em parte (e seja sempre justificada) por fatores de risco, contêm também elementos políticos e de preconceito que normalmente não são explicitados mas pesam substancialmente. Este viés cultural e político &, por vezes, agravação pela distância dos NAIs em relação aos centros decisórios das empresas estatais. A FINEP, como Secretaria Executiva do CCNAI, vem tentando minorar os problemas acima mencionados, pelo estabelecimento de dois tipos de convênio, de natureza complementar: (1) Acordo de Cooperação Técnica e Financeira com as empresas estatais, através do qual a FINEP coloca recursos para a fabricação pioneira de bens de capital em empresas nacionais selecionadas pelas empresas estatais, buscando inclusive a articulação dos fornecedores de equipamentos com instituições de pesquisa; (2) Acordo de Cooperação Financeira com a FINAME, tendo por objetivo garantir recursos para as empresas nacionais de bens de capital desde a fase de investimento em tecnologia até a comercialização e garantindo também às empresas apoiadas pela FINEP as taxas de juros favorecidas do Programa Especial da FINAME. Mais recentemente, o INPI bajula um ato normativo, cujo intuito é evitar que as empresas estatais, em suas licitações, imponham a seus possíveis fornecedores a obrigação de contratar tecnologia no exterior.

 

2.3 – Política de Compras das Empresas Estatais

A exigência de uso da tecnologia do exterior para a aquisição de serviços de engenharia e bens de capital, comum nas empresas estatais brasileiras na década de setenta, tendia a gerar um círculo vicioso em que seus fornecedores, por não terem experiência prévia do projetamento, eram forçados a usar licenciamento e, por usarem licenciamento, não desenvolviam uma capacidade própria de projetamento. Por conseguinte, dentre as medidas implementadas para fazer face aos problemas de balanço de pagamentos e ao peso que as importações de bens de capital haviam assumido na mesma época, incluiu-se a criação nas empresas estatais de Núcleos de Articulação com a Indústria -NAIS. Estes Núcleos, que respondiam a uma Comissão de Coordenação cuja Secretaria Executiva era a FINEP, tinham por objetivo aumentar o conteúdo local das compras dessas empresas. Em fins de 1978 já haviam sido criados 106 NAIS, número que tem se mantido constante desde aquela data. A atuação dos NAIS’s no sentido de substituir importações de tecnologia e incentivar o desenvolvimento tecnológico autóctone dos fornecedores das empresas estatais varia bastante de setor em setor, à destacando-se os sucessos obtidos nas áreas de telecomunicações, energia elétrica e petróleo. Significativamente estes são os setores onde a empresa estatal vem investindo mais em pesquisa e desenvolvimento próprio e em contratação de pesquisas extramuros

A eficácia tecnológica dos NAIs tem sido limitada tanto por fatores que fogem ao controle das empresas estatais (como o padrão de financiamento de seus projetos) como pela resistência interna ao uso de tecnologia local. Embora essa resistência se justifique em parte (e seja sempre justificada) por fatores de risco, contêm também elementos políticos e de preconceito que normalmente não são explicitados mas pesam substancialmente. Este viês cultural e político, por vezes, agravaram pela distância dos NAIs em relação aos centros decisórios das empresas estatais. A FINEP, como Secretaria Executiva do CCNAI, vem tentando minorar os problemas acima mencionados, pelo estabelecimento de dois tipos de convênio, de natureza complementar: (1) Acordo de Cooperação Técnica e Financeira com as empresas estatais, através do qual a FINEP coloca recursos para a fabricação pioneira de bens de capital em empresas nacionais selecionadas pelas empresas estatais, buscando inclusive a articulação dos fornecedores de equipamentos com instituições de pesquisa; (2) Acordo de Cooperação Financeira com a FINAME, tendo por objetivo garantir recursos para as empresas nacionais de bens de capital desde a fase de investimento em tecnologia até a comercialização e garantindo também às empresas apoiadas pela FINEP as taxas de juros favorecidas do Programa Especial da FINAME. Mais recentemente, o INPI baixou um ato normativo, cujo intuito é evitar que as empresas estatais, em suas licitações, imponham a seus possíveis fornecedores a obrigação de contratar tecnologia no exterior.

 

2.4 – Política da transferência de tecnologia

Desde 1972, com o novo Código de Propriedade Industrial, cabe ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a apreciação e averbação dos contratos de importação de tecnologia, de uso das patentes e marcas e de serviços técnicos. A atuação desse instituto tem refletido, em primeiro lugar, a preocupação com a situação cambial do país. Assim, o INPI dá prioridade à importação de tecnologias que sirvam à substituição das importações ou à exportação. Ao mesmo tempo, busca e reduzir os gastos decorrentes da importação de tecnologia e do uso da propriedade industrial (patentes e marcas) estrangeira, tanto pela redução dessas importações como pela melhoria das condições de negociação dos empresários nacionais. Neste contexto, o INPI limita a duração e os níveis de pagamento à conta de tecnologia e proíbe cláusulas restrictivas nos contratos (por exemplo, restrições a exportações, importações “atadas” , sigilo apôs o término do contrato). O desenvolvimento tecnológico nacional constitui outra de suas prioridades. Neste sentido, tem procurado incentivar as empresas a ampliarem suas atividades tecnológicas no país e utilizarem a capacidade nacional existente, exigindo, em e certos casos, a realização de investimentos em pesquisa e de raça e tem no desenvolvimento como contrapartida a importação de. tecnologia e º uso de tecnologia nacional quando disponível. Mantêm também do Banco de patentes, que informa às empresas sobre tecnologias não patenteadas no país e, portanto, de livre uso pelas em meio Ta presas locais. Ao mesmo tempo, o INPI vem 1 estreitando « os seu usam laços com os institutos de pesquisa tecnológica e estimulando as empresas a fazerem o mesmo, não se dispõe de uma avaliação detalhada dos resultados das medidas tomadas pelo INPI, algumas de prazo recente. No entanto, informações setoriais, como no caso da indústria de bens de capital, sugerem que alguns desses objetivos, como o de reforço da capacidade de barganha na importação de tecnologia da parte de empresários nacionais, estão sendo atingidos . Do ponto de vista financeiro, os gastos com importação de tecnologia demonstram tendência cadente (US$ 218 milhões em 1983 contra US$ 321 milhões em 19805).

 

2.5 – Incentivos Fiscais

Os incentivos fiscais foram largamente utilizados como instrumento de política econômica para fomentar ampla gama de setores, até o passado recente. No entanto, para as atividades em ciência e tecnologia, o uso desse instrumento de fomento tem sido restrito, No presente, são concedidas isenção do imposto de importação (a empresas estatais, instituições e centros de pesquisa oficiais) e redução até zero da alíquota deste imposto (para empresas privadas) para produtos utilizados em pesquisa que não tenham similar no país. Segundo informações do CNPq, órgão que coordena e administra a concessão desses incentivos, as empresas públicas e privadas são suas maiores beneficiárias, destacando-se em termos setoriais um aumento da demanda provinda das áreas de comunicações, eletrônica e informática. No ano de 1983, os incentivos atingiram o montante de 25 bilhões; equivalentes a cerca de 4% dos gastos locais em ciência e tecnologia.

 

2.6 – Contradições entre a política de ciência e tecnologia e outras políticas

Ao lado das iniciativas acima descritas o Governo brasileiro adotava uma série de políticas que contradizem a orientação da política cientifica e tecnológica. A produção científica do país, por exemplo, foi prejudicada sensivelmente pelo afastamento compulsório do país de inúmeros-cientistas-e-pesquisadores e pelas restrições impostas à atividade interna-de-outros.- Tais medidas não afetam somente os indivíduos atingidos mas provavelmente tiveram importantes “efeitos de encadeamento”, dado o caráter coletivo do trabalho científico e o papel de liderança intelectual que os atingidos, com frequência, exerciam numa comunidade que já não era grande. É na área tecnológica, contudo, onde se constata uma contradição mais flagrante entre a política tecnológica explícita e as demais políticas econômicas executadas ao longo da última década. Enquanto a política tecnológica explícita postulava a busca de uma maior autonomia tecnológica como elemento de reforço da capacidade de competição da empresa nacional, as demais políticas tinham como efeito aumentar a importância da tecnologia vinda do exterior, embutida em bens de capital ou mesmo sob forma de acordos, quer pelo estímulo a entrada de capitais estrangeiros, quer pelo estímulo aos empresários nacionais a usar tecnologia importada como elemento de expansão e competição, entre si e com seus concorrentes estrangeiros. Apenas em alguns setores, notadamente em mini computadores e material aeronáutico, nota-se uma coerência entre a política tecnológica e as demais medidas dirigidas ao setor — notadamente a reserva de mercado para empresas nacionais, o controle de importações e o financiamento para instalação de capacidade de produção, nos mesmos moldes que ocorrem nos países centrais. As contradições observadas entre as políticas implícita e explícita de ciência e tecnologia no Brasil contrastam com a convergência constatada entre ambas nos países centrais. O sentido da política implícita encontra sua explicação no padrão de desenvolvimento, cujas características de crescimento “associado e dependente” são bem conhecidas. Cabem, no entanto, alguns comentários sobre a gênese da política explícita de ciência e tecnologia. Neste sentido, é importante notar que tal política surgiu a partir das iniciativas de um segmento do aparelho estatal — notadamente aquele sediado no Ministério (mais tarde total — notadamente aqui » Secretaria) do Planejamento e agências vinculadas (BNDE e FINEP). A este segmento, articulam-se grupos de interesse cuja constituição estão associada à expansão do sistema de pós-graduação e pesquisa e que tende a pressionar o Estado no sentido de assegurar a continuidade e a ampliação do seu apoio e área cientifica e tecnológica. A esses grupos, vêm se somando as empresas já beneficiadas ou potencialmente beneficiárias dos programas de fomento, especialmente aquelas que atuam em áreas onde a tecnologia é efetivamente um elemento importante de competição e expansão, como na indústria eletrônica. A atuação desses grupos empresariais pode induzir a maior atenção de outros segmentos do aparelho de Estado a questão do desenvolvimento tecnológico do país e propiciar a necessária convergência entre as políticas explicita e implícita de ciência e tecnologia. Mesmo porque à continuidade e expansão do suporte estatal ã área de ciência e tecnologia é condição necessária para que esta se consolide, ganhando massa crítica e escalas mínimas de produção de forma que os investimentos passados venham a ser efetivamente produtivos.

 

PARTE II – Uma Agenda de Médio Prazo

I – Introdução

Conforme enfatizamos na primeira parte deste trabalho, a principal atribuição da política tecnológica é gerar os mecanismos através dos quais os diversos segmentos da economia se tornam tecnicamente aptos a responder aos objetivos gerais da política econômica. Deste ponto de vista, no que diz respeito ao setor manufatureiro, a definição da política tecnológica deve ser derivada da estratégia que se pretende imprimir à evolução do setor industrial, onde duas preocupações centrais estarão presentes nos próximos anos: a retomada do crescimento econômico e a geração de superávits no balanço comercial. São conhecidas as trajetórias que podem ser perseguidas em resposta a tais preocupações: o aumento das exportações; a reativação e expansão do mercado interno; e a extensão devoção e à expo pauta de produção do país. Dado que cada uma destas trajetórias é individualmente insuficiente para assegurar os resultados desejados, compete à política industrial a tarefa de perseguir-las simultaneamente e de forma coordenada. Neste contexto, a política tecnológica deve ser orientada no sentido de criar as condições necessárias à viabilização das trajetórias apontadas. Além disso, a vontade de que a sociedade brasileira venha assumir maior grau de controle sobre os rumos do seu próprio processo de desenvolvimento impõe também o objetivo de aumentar a capacitação tecnológica do país, visando fortalecer o poder de competição da empresa nacional e responder às demandas específicas da sociedade e da economia brasileira. A persecução dos objetivos acima apontados pressupõe “reações de duas naturezas por parte do setor manufatureiro. Em a alguns casos, requer-se a ampla difusão, no âmbito do parque industrial brasileiro, de conhecimentos técnicos existentes no país ou no exterior; em outros, mais do que simplesmente utilizar técnicas disponíveis, requer-se das empresas industriais em mm o quantas a o pleno domínio da tecnologia utilizada, de modo a ensejar sua adaptação as especificidades do país e fortalecimento do poder de “competição “aos agentes produtivos nacionais. Estes dois requerimentos manifestam-se de forma diferenciada, em relação aos diversos setores industriais. Por conseguinte, a política tecnológica deve ser, ao mesmo tempo, uma política de difusão e uma política de geração e absorção de tecnologia, revestindo-se da necessária flexibilidade para enfatizar diferenciadamente cada uma destas faces em distintos setores.

2 – As implicações tecnológicas da estratégia de desenvolvimento industrial

Analisam-se a seguir as implicações tecnológicas das distintas partes que compõem a estratégia de desenvolvimento industrial a ser implementada na segunda metade dos anos oitenta.

 

2.1 – O desempenho exportador da indústria brasileira

Como um instrumento de sustentação do desempenho exportador da economia, a política tecnológica deve atuar sobre as três principais fontes de competitividade internacional da indústria brasileiras) idade tecnológica da capacidade produtiva, das vantagens comparativas específicas no comércio com outras economias em desenvolvimento já os custos relativos de mão-de-obra. Uma consequência relevante do processo de crescimento industrial que marcou o período 1968/1980 é a de que as principais indústrias estabelecidas no país dispõem no momento de uma capacidade produtiva cuja idade tecnológica &, em média, inferior a quinze anos. Para a maioria das indústrias responsáveis pela expansão das exportações de manufaturados nos  últimos dez anos, isto significa operar nas adjacências da fronteira tecnológica internacional. Exemplos notáveis neste sentido são os de celulose, petroquímica, siderurgia e diversos outros versos o segmentos do complexo metal mecânico. Ademais, a experiência adquirida através do esforço de vendas no exterior durante anos consecutivos, conduziu a uma expressiva melhoria dos níveis de eficiência empresarial, em termos de controle de qualidade, escolha de instrumentos adequados de comercialização, maior perceção dos sinais emitidos pelos mercados importadores, formação de equipes qualificadas para atuar na área internacional ,etc. recessão da década dos oitenta parece ter alterado as condições de competitividade em duas direções opostas. De um “lado, a queda dos investimentos, aliada à escassez de divisas, devem ter retardado a adoção de eventuais inovações tecnológicas em algumas indústrias. De outro, existe certa evidência de que as empresas de grande porte tenham sido forçadas pela crise a promover amplas reformas organizacionais, visando aprimorar as rotinas de controle sobre os custos correntes de produção, maior seletividade nas aplicações financeiras, e conferir maior precisão aos objetivos de médio prazo da empresa. A julgar pelos dados de balanço dos últimos dois anos, tais iniciativas produziram resultados compensadores. O impacto final sobre as condições de competitividade advindo desses dois tipos de eventos ainda estão por ser avaliado. contudo, é inequívoco que durante o período de retomada do crescimento competirá à política tecnológica a atribuição de corrigir as disparidades intra industriais de eficiência-provocadas . las pela recessão. Ao lado das condições genéricas acima referidas, importante tratar das vantagens comparativas específicas adquiridas pelo país quanto ao suprimento de produtos manufaturados e serviços de engenharia e assistência técnica a outras economias em desenvolvimento. Tais vantagens são oriundas do fato de que, em toda experiência de industrialização, alguma parcela da oferta de tecnologia é gerada localmente. A magnitude desta parcela varia directamente. com o. tamanho do mercado interno” e o grau de integração vertical alcançado pelo sistema industrial, estabelecido no pais. No caso brasileiro, a componente endógena de progreso técnico consistiu esencialmente, durante os últimos trinta anos, em mudanças adaptativas realizadas a partir de conhecimentos básicos importados dos países industrializados. Uma experiência desta natureza tende a gerar vantagens comparativas específicas quando a fronteira tecnológica internacional de determinados ramos de produção permanece relativamente inalterada. Neste contexto, as firmas brasileiras tornam-se mais habilitadas do que suas congêneres dos países tese industrializados para disputar os mercados daquelas economias com características estruturais sejam mais similares, às nossas NO area mapear eme e do que as do mundo desenvolvido. Entretanto, a manutenção no médio prazo dos atuais níveis de competitividade das firmas brasileiras não depende apenas de sua capacidade de prosseguir o desenvolvimento das técnicas produtivas vigentes, sob uma conjuntura de inércia relativa da fronteira tecnológica internacional, mas também de estarem habilitadas a enfrentar os impactos advindos de inovações que alterem radicalmente a concepção dos atuais processos produtivos. com efeito, quando o ritmo de progresso técnico não é muito intenso, os instrumentos usuais de competição, como redução de custos, diferenciação de produtos, novas estratégias de comercialização, etc., costumam ser suficientes para assegurar O desempenho exportador. Mas o advento de inovações radicais constitui um desafio de outro estilo, posto que -não se trata de uma perturbação conjuntural no ritmo dos negócios mas de uma mudança de caráter definitivo no modus operandi da industria. Neste caso, ao contrário do que acontece com à situação anterior, a pressão que estão sendo exercida sobre as firmas não é a de aumentar o poder de competição, dentro de um contexto em que os padrões de aferição &e desempenho estão razoavelmente definidos, mas de serem capazes de descobrir quais são as novas regras do jogo criadas pelo progresso técnico. Este esforço compreende decisões cujo risco é elevado, e que passam por: avaliar as características de nova estrutura de poder econômico que estiver sendo construída no plano internacional; identificar as estratégias de expansão compatíveis com o novo formato da base técnica do ramo; abandonar linhas de produção anteriormente rentáveis, com O ônus eventual do sucateamento de instalações recém-adquiridas, etc. As observações acima também se aplicam às indústrias onde o baixo custo da mão-de-obra é um fator importante de competitividade internacional, como têxtil e calçados. Por isso, a recente onda de automação nas atividades de confecção, que vem, ocorrendo em algumas economias industrializadas, representa uma ameaça não desprezível às perspetivas de médio prazo de nossas exportações de artigos de vestuário. É verdade que o padrão de competição dessa indústria oferece às firmas que resolverem retardar a adoção de determinadas inovações diversos mecanismos de defesa temporária de posições de mercado, como economias nos custos de comercialização, diferenciação de produtos, segmentação de mercado, etc. Contudo, a eficácia desses mecanismos: É inversamente proporcional à magnitude dos diferenciais de produtividade introduzidos pela mudança tecnológica. assim, caso se acelere a difusão internacional dos métodos automáticos, a indústria brasileira será forçada a enfrentar, O difícil dilema da geração de empregos versus a geração de divisas. As próximas seções deste trabalho procuram situar esta opção num contexto mais amplo.

 

2.2 – A ampliação da pauta de produção industrial

A extensão da pauta de produção ao longo do processo de industrialização se deu, fundamentalmente, através da substituição de importações. Mais do que a redução do coeficiente de importação da economia, foram a diversificação da produção local e os investimentos que lhe deram origem que caracterizaram o processo de substituição de importações. Neste contexto, inicialmente a pauta de importações e suas modificações constituíram indicadores da direção a ser imprimida às sucessivas ondas de investimento que fizeram avançar a constituição do parque industrial do país. Não obstante, o desdobramento do processo de substituição de importações não esteve restrito às indicações propiciadas pela pauta de importação; frequentemente, antecipando-se às importações, o parque produtivo local empreendeu a produção de bens ainda não consumidos de forma significativa no país, seja daqueles cuja demanda emergia como resultado do próprio avanço do processo de industrialização, seja daqueles cuja produção recém aparecia nas economias industrializadas. Deste ponto de vista, é possível distinguir, dentre os investimentos que propiciaram a extensão da pauta de produção do país, aqueles que promoveram a substituição de importações efetivas e aqueles que estiveram associados a importações virtuais, ou apenas emergentes. Ao contrário do observado no passado, quando a substituição de importações efetivas constituiu a principal fonte de dinamismo do processo de expansão industrial, é de se esperar que as respostas a importações virtuais representem, na segunda metade dos anos oitenta, uma contribuição mais significativa ao crescimento. De fato, embora seja previsível um aumento expressivo do volume das importações tradicionais no contexto de uma retomada do processo de crescimento, o avanço já alcançado na constituição do parque industrial e as características da pauta de produtos manufaturados ainda importados limitam as possibilidades de ampliação da pauta de produção do país através da produção local de bens tradicionalmente importados. “Por outro, lado, a resposta ao aparecimento de novos produtos nas economias mais desenvolvidas através da produção local desses bens permite transferir ao setor manufatureiro do país pelo menos parte do dinamismo gerado por aquelas. inovações. Evidentemente, a importância destas substituições antecipadas de importações como fator de crescimento dependerá do ritmo de inovação e progresso técnico daquelas economias. As possibilidades abertas, em particular, pelas inovações no campo da microeletrônica fazem prever, no entanto, um fluxo significativo de novos produtos, capaz de conferir elevado dinamismo a determinados segmentos do setor manufatureiro. Dado que esta extensão da pauta de produção se apelar na reprodução no país. de um percurso externo de inovações, as subsidiárias de empresas estrangeiras aparecem, mais uma Vez, com as. promotoras naturais dessas substituições antecipadas de importações. Estas empresas podem ser induzidas a assumir escola” de papel através da mobilização de instrumentos tradicionais de política industrial, tais como proteção tarifária e incentivos ao investimento. ademais, independentemente de tais instrumentos, a própria competição entre estes produtores estrangeiros e a tentativa de assegurar vantagens sobre seus rivais podem ser suficientes, em alguns casos, para induzi-los a empreender coprodução local. Uma atuação governamental mais efetiva e direta será elos requerida, no entanto, ao se » pretender a participação de produtores nacionais neste processo de extensão da pauta de produção. Face o elevado, conteúdo te tecnológico da maioria dos novos produtos, esta atuação-deverá-privilegiar a capacitação técniproduicio, tsca de empresas nacionais. O grau de capacitação requerida poderão diferir; em alguns casos, a simples transferência de tecnologia. do exterior será suficiente; em outros, os produtores locais deverão assimilar efetivamente o know-how envolvido de modo a se habilitarem a acompanhar, com maior autonomia, os possíveis desdobramentos de tais inovações. Esta maior capacitação tecnológica deverão ser perseguida, em particular, em relação a àquelas; inovações potencialmente mais férteis em inovações secundárias e capazes de impacto mais profundo no nível de eficiência do sistema produtivo. A eficácia de uma ação governamental neste sentido dependerão, no entanto, de se associar a mobilização de instrumentos específicos de política tecnológica a um conjunto de medidas de política industrial capaz de garantir a sobrevivência dos produtores nacionais durante o período de tempo requerido para sua efetiva capacitação. Assinale-se que, dentre os novos produtos passíveis de serem incorporados à pauta de produção do país, deverão incluir-se igualmente bens de consumo e de produção. Em relação a estes últimos, em particular, a ação governamental deverá revestir-se da necessária cautela para que o esforço para viabilizar a extensão da pauta de produção do país e para assegurar a existência de produtores nacionais não tenha como resultado dificultar excessivamente a utilização destes novos produtos no parque produtivo do país, com eventuais prejuízos para seu nível de eficiência. Aponte-se, por fim, que as medidas de estímulo à extensão da pauta de produção do país não devem estar restritas as possibilidades associadas à substituição de importações efetivas e virtuais. Na verdade, a política tecnológica deve ter presente igualmente a necessidade de inovações que venham a responder a demandas específicas da sociedade e da economia brasileira — seja no tocante ã satisfação de necessidades básicas da população, seja com vistas ao aproveitamento de matérias-primas peculiares ao país. Em relação ao atendimento de tais demandas, as possibilidades de recorrer & tecnologia proveniente do exterior são certamente limitadas.

2.3 – A expansão do consumo interno

No que diz respeito ao setor industrial, a reativação e expansão do mercado interno poderão manifestar-se através da recuperação dos níveis de consumo de camadas de rendas médias e altas da população ou através da ampliação do mercado de consumo de massa. Embora as duas alternativas não sejam completamente excludentes, as condições necessárias a avanços significativos em uma destas direções, notadamente aquelas referentes à estrutura de distribuição de renda, se constituem, em certa medida, em obstáculos a progressos no caminho alternativa. Ao contrário da experiência do final dos anos sessenta, não parece possível perseguir agora prioritariamente a primeira alternativa acima apontada. Não obstante, a reativação do consumo das camadas de rendas médias e altas pode ainda constituir um fator de crescimento na segunda metade desta década, cujo impacto, ainda que de propagação limitada no âmbito do setor industrial, seria suficiente para conferir dinamismo a alguns de seus segmentos. Como no passado, essas reativações tenderão a resultar da absorção de padrões de consumo gás economias desenvolvidas, apoiando-se no fluxo de novos produtos originados, naquelas economias. Neste contexto, estaria associada à extensão de pauta de produção local, através da antecipação de produtores estabelecidos no país à importação daqueles bens. Deste ponto de vista, os comentários anteriores referentes à substituição de importações virtuais descrevem adequadamente as implicações e exigências, relativas à política tecnológica, da reativação do consumo dos grupos de maior renda. No tocante à ampliação do mercado de massa, seus requerimentos tecnológicos são contraditórios. De um lado, a necessidade de avançar sucessivamente na direção de estratos de renda mais baixa impõe transformações técnicas que ensejem aumentos de produtividade e reduções de custo e viabilizem preços menores. Em particular, face à elevação dos salários reais que, ê de se esperar, deverá ocorrer nos próximos anos, estas mudanças técnicas voltadas para O aumento da produtividade aparecem como necessárias para evitar que estes ganhos salariais acentuam as pressões inflacionárias. Por outro lado, tais transformações estão associadas, em geral, a menores requisitos de mão-de-obra; as consequências desta tendência são sobretudo significativas no caso dos segmentos produtores de bens de consumo popular, uma vez que estes segmentos respondem por parcela expressiva do emprego industrial. Neste contexto, os requerimentos para a ampliação do mercado a nível de indústrias específicas tendem a apresentar um efeito perverso do ponto de vista da expansão da demanda por bens de consumo da economia como um todo. Não cabe certamente sacrificar o processo de mudança tecnológica e os ganhos de produtividade daí derivados às preocupações quanto à absorção da mão-de-obra. Embora, a curto prazo, o efeito redutor do emprego daquelas mudanças possa ser, pelo menos parcialmente, compensado pela contribuição positiva resultante da expansão do mercado e do aumento de produção, há que reconhecer que; a longo prazo, o problema do emprego no Brasil não poderá ser resolvido com base na indústria de transformação. Não obstante, não cabe também ignorar os efeitos daquele processo do ponto de vista da questão do emprego. Assim, a política tecnológica deve ser articulada, no âmbito da política industrial, a uma política de emprego de modo a eventualmente identificar setores nos quais a manutenção do nível de emprego deva ser enfatizado; a evitar o sacrifício desnecessário de postos de trabalho; e a promover o treinamento e a reabsorção da mão-de-obra dispensada em virtude do processo de mudança tecnológica.

 

3 – Características e principais medidas da política tecnológica

Os comentários anteriores relativos às experiências internacional e brasileira de atuação governamental na área de ciência e tecnologia e às implicações tecnológicas da estratégia de desenvolvimento industrial sugerem as principais características de que se deve revestir a política tecnológica na segunda metade dos anos oitenta. Em primeiro lugar, caberá dar prosseguimento aos esforços feitos nos últimos quinze anos de modo a consolidar e reforçar a infraestrutura científica (notadamente pesquisa e ensino de pós-graduação) e tecnológica (sistemas de treinamento, informação, normalização, metrologia, controle de qualidade e as instituições de pesquisa tecnológica). Estas infraestruturas, de natureza diferenciada embora inter-relacionadas , requerem políticas igualmente diferenciadas. Por outro lado, a consecução dos objetivos de desenvolvimento industrial antes discutidos requerem políticas seletivas destinadas a fomentar a geração de progresso técnico interno e absorção efetiva dos conhecimentos gerados no exterior. Para que isso se dê, necessário que as medidas de política tecnológica propriamente dita (política explicita) estejam articuladas de forma consistente e coerente com as demais medidas política econômica , notadamente a politica industrial. Por fim, a importância do progresso técnico para O futuro da sociedade brasileira e o caráter coletivo do processo de geração e aplicação dos conhecimentos técnicos impõem um amplo escopo à política tecnológica. No entanto, as condições que regem a produção e apropriação de conhecimentos científicos “e técnicos são tais que os estímulos de mercado, isoladamente |, não são suficientes para gerar o resultado socialmente desejável. Cabe, portanto, ao Estado um papel fundamental no projeto acima mencionado, no Brasil como em outros países. No nosso país, a necessidade dessa participação é acentuada pelo subdesenvolvimento histórico da estrutura de produção de ciência e tecnologia e pelo entranhamento da dependência tecnológica no corpo produtivo nacional. Não obstante, se não houver um decidido engajamento do setor empresarial, notadamente O nacional, a intervenção do Estado tenderá a fracassar.

3.1 – Políticas de Redução de Custos das Atividades Tecnológicas

1) Via Instrumentos Creditícios

Esta tem sido a forma mais tradicional de apoio ao desenvolvimento tecnológico industrial. Conforme já foi mencionado, em diversas agências governamentais de financiamento existem linhas de-crédito com esse propósito abrangendo toda a gama de atividades tecnológicas. Essas linhas, no entanto, o precisam ser revitalizadas com recursos e seus procedimentos o operacionais expedita dos., Ao mesmo’ tempo, deveriam ser implementados mecanismos eficazes de coordenação entre agências, visando especialmente programas setoriais, de acordo com a seletividade já mencionada. Cabe notar, porém, que os custos das atividades de pesquisa e desenvolvimento respondem apenas por uma parcela dos custos prévios à introdução de uma inovação (cerca da metade, nos países desenvolvidos). Os demais custos são em regra financiados, no caso brasileiro, por outras instituições ou linhas de crédito que não as de fomento tecnológico. Tal financiamento & geralmente concedido com base em critérios que não privilegiam o desenvolvimento tecnológico total, mas antes frequentemente o desestimulam por conservadorismo excessivo. Assim, esta área constitui um exemplo típico da necessidade de integrarem-se políticas explícitas e implícitas de tecnología. Ao mesmo tempo, esta integração sugere a necessidade de manter os laços entre entidades de crédito e instituições de pesquisa e aí informação tecnológica que asses: soram as decisões de financiamento.

2) Via Incentivos Fiscais Embora largamente utilizados nos países desenvolvidos, os incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento são reduzidos no Brasil, limitando-se, como vimos anteriormente, a isenção dos impostos de importação e do IPI para produtos sem similar nacional, destinados a atividades de pesquisa e desenvolvimento. Face à crise fiscal brasileira, a concessão de novos incentivos deveria ser precedida de estudos cuidadosos que levem em conta a experiência de outros países. Sua eventual implementação deveria ser provida de salvaguardas que garantam a efetiva aplicação dos recursos das empresas em atividades de P&D.

3) Via Associações de Pesquisa A associação entre empresas para dividir os custos de atividades tecnológicas de interesse comum & frequentemente erram me reta tem a meme observada na Europa e no Japão e começa a se difundir nos. Estados Unidos. É um mecanismo de especial utilidade para pequenas e médias empresas, permitindo-lhes um progresso técnico que, à isoladamente, não alcançariam. Embora iniciativas desse tipo não necessitem da participação do Estado, podendo ser promovidas por entidades patronais de forma independente, o Estado deve fomentá-las de maneira seletiva, utilizando instrumentos financeiros e fiscais e o poder catalítico das compras das empresas estatais, as quais reúnem várias empresas privadas com problemas técnicos frequentemente similares.

 

3.2 – Políticas de Redução de Riscos

1) Via Capital de Risco

O maior obstáculo à inovação tecnológica provém da incerteza quanto a seus resultados, o que implica altos riscos técnicos, econômicos e financeiros. Inexistente, no mercado de capital brasileiro, instituições privadas dispostas a investir capital de risco em empresas inovadoras, notadamente pequenas e médias empresas. Iniciativas neste sentido .por parte de tais instituições, como aquelas que apoiaram o desenvolvimento do setor eletrônico nos Estados Unidos, teriam evidentemente impactos importantes. Ao mesmo tempo, O Estado brasileiro pode participar deste processo através de suas instituições de crédito, buscando inclusive a participação das entidades privadas. Os mecanismos legais para esta atuação já existem (por exemplo na FINEP e no Sistema BNDES) cabendo ativá-los em condições operacionais eficazes e, preferencialmente, no âmbito de programas setoriais seletivos.

2) Via Proteção no Mercado Interno

A produção de tecnologia nacional tem as características de uma “indústria nascente”, marcada por economias de aprendizado ao longo do tempo e produtividade crescente, justificando-se assim sua proteção contra a competição externa, dentro de certos limites dados pela necessidade de aproveitamento do progresso técnico gerado no exterior e pelos custos adicionais eventualmente impostos aos usuários do conhecimento técnico endogenamente gerado. Assim, dentro destes limites, cabe desnível no mercado interno ou quando sua maturação esteja próxima, sob pena de inibir o desenvolvimento tecnológico nacional. Mesmo quando a importação de tecnologia seja necessária, cabe tomar medidas que assegurem que essa tecnologia seja efetivamente absorvida, posto saber-se que o funcionamento espontâneo do mercado faz com que apenas parte dos conhecimentos sejam internalizados, ficando outras partes (p.ex. o “desenho básico” de produtos) sob posse e controle do, detentor original da tecnologia. Este esforço de absorção, obviamente, também deverá ser seletivo, dado que nem todas as tecnologias importadas terão condições de serem absorvidas nem será conveniente que sejam gastos recursos escassos (humanos, materiais e financeiros) para esse fim. Conforme já foi mencionado, o ÍNPI vem atuando dentro da perspectiva acima esboçada, devendo manter-se e reforçar esta política, tanto pelo aperfeiçoamento dos recursos do Instituto como pela consolidação dos seus vínculos com entidades de pesquisa, empresas industriais e de consultoria. Onde a ação do INPI parece necessitar de modificações maiores é no uso do instrumento clássico de proteção à atividade tecnológica, as patentes, cujo processamento poderia ser substancialmente a rara armar? Aperfeiçoado. Dada a sua importância em setores tecnologicamente estratégicos, as compras das empresas estatais constituem um instrumento básico nessa política. A experiência brasileira e de outros países demonstra, no entanto, que não é suficiente proteger as atividades tecnológicas nacionais. Se a proteção meti. em ma temente, mas não mesmo a não se estende aos produtos. e processos em que estas atividades resultam, a, proteção ã tecnologia acima mencionada tende a frustrar-se. Aqui, mais uma vez, encontra-se a necessidade de que ” : integrar a política tecnológica com a política industrial, utilizando instrumentos como a proteção tarifária, preferências nas aquisições estatais, etc. Este tipo de proteção abrangente, a ser administrada de forma seletiva, afigura-se especialmente importante para aqueles produtos e processos para os quais se almeja uma “substituição de importações preventiva”, um dos pilares da estratégia industrial brasileira antes discutida.

3) Via Proteção ao Mercado Externo

As receitas cambiais provindas da venda direta de tecnologia brasileira e de produtos e serviços que incorporam tecnologia gerada internamente tem aumentado de importância. No Brasil, até agora, o sistema de patentes tem sido utilizado principalmente por firmas de origem externa para reservar o mercado brasileiro aos seus produtos e/ou tecnologia. No entanto, na medida em que as firmas brasileiras patenteiam suas inovações no país e utilizem os direitos de prioridade internacional dados pelo sistema internacional de propriedade industrial, este poderão ser utilizado a seu favor no exterior. Para tanto, seria útil o apoio do INPI e do Ministério de Relações Exteriores, bem como dos mecanismos de financiamento às exportações, inclusive financiando os gastos de patenteamento. A essa proteção legal dever-se-iam acrescentar instrumentos que certifiquem a qualidade técnica dos produtos nacionais, a exemplo do que foi feito pela indústria aeronáutica junto a entidade certificadora americana, sem prejuízo de que se montem no Brasil entidades certificadoras de rigor semelhante que, no futuro, sejam reconhecidas como tal no exterior. No entanto, analogamente ao que ocorre no mercado interno, a capacidade tecnológica brasileira não gerará exportações significativas se não forem adotadas medidas de proteção aos produtos em que se incorpora. Entre curtos, mesmos financeiros adequados é essencial para a venda no exterior de sistemas de produtos e processos, como no caso de serviços de consultoria e bens de capital.

 

3.3 – Políticas de Atualização Técnica e. Difusão Tecnológica

As medidas acima discutidas orientam-se prioritariamente para o esforço de inovação tecnológica endógena. Os objetivos do desenvolvimento industrial brasileiro requerem, no entanto, que, ao mesmo tempo, o parque industrial se engaje num esforço contínuo de atualização tecnológica, conforme indicado nas seções anteriores deste trabalho. Surgem nesse contexto. Alguns trade-offs entre importação de tecnologia e geração interna nas atividades tecnológicas em que não são complementares (p.ex. projeto básico de produtos e processos), Os quais terão que ser resolvidos caso a caso, em função do custo e do tempo de maturação das alternativas locais e importadas. Existem, porém, medidas que servem a estimular a atualização tecnológica, quer se utilizem tecnologias nacionais ou importadas. Entre estas destacam-se:

1) Reforço da infraestrutura tecnológica

Entende-se aqui por infraestrutura tecnológica os serviços de informação, controle de qualidade, normalização e treinamento de pessoal especializado. Estes serviços são notoriamente deficientes no Brasil, sendo necessário, como já foi mencionado, reforçá-los substancialmente.

2) Medidas para utilização de equipamentos e processos mais modernos. Como a tecnologia industrial se incorpora em processos e equipamentos, o Estado pode fomentar a sua substituição por “safras” mais modernas mediante o uso de mecanismos fiscais, p.ex. admitindo a depreciação acelerada de ativos fixos em setores selecionados. Adicionalmente, tanto por instrumentos fiscais como creditícios, o Estado pode incentivar o leasing de máquinas mais modernas em setores escolhidos. Finalmente, cabe uma vez mais notar o papel que as empresas estatais podem desempenhar nesse processo, difundindo junto aos seus fornecedores o progresso técnico a que tem acesso tanto no país como no exterior.

 

4 – O aparato institucional da política científica e tecnológica

Conforme foi visto em seção anterior, na última década estruturou-se no Brasil um sistema institucional de formulação e implementação de política científica e tecnológica bastante complexo. A localização desse aparato dentro da máquina do Estado brasileiro parece adequada, especialmente a vinculação do seu órgão central, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) à secretaria de Planejamento da Presidência da República. Esta solução parece mais apropriada às características das atividades cientificas e tecnológicas, que permeiam vários Ministérios, do que a solução, frequentemente aventada, de um Ministério específico de Ciência e Tecnologia que, situado no mesmo plano dos demais Ministérios, faria face a problemas insuperáveis de coordenação e implementação de políticas. No entanto, do ângulo da política institucional de ciência e tecnologia, persistem alguns problemas importantes no sistema nacional, vistos a seguir.

4.1 – Informações

Apesar dos esforços feitos pelo CNPq, as informações disponíveis sobre as atividades científicas e tecnológicas seus executores, financiadores e sua aplicação ainda são muito precárias. A primeira parte deste trabalho sugeriu’ que o crescimento destas atividades no país no passado recente estão provavelmente substancialmente sobrestimado. Em contrapartida, há um grande desconhecimento do que É feito no setor industrial privado, O que limita seriamente a + formulação da política tecnológico. Um dos requisitos importantes ã execução da política tecnológica & a disponibilidade de informações acuradas sobre as diversas modalidades de mudança tecnológica vigentes no interior do sistema, industrial, bem como os respetivos papéis que desempenham no processo de crescimento de firmas e setores. Isto requer a compilação periódica de estatísticas sobre a geração, incorporação e difusão de inovações na «economia, permitindo assim a caracterização da natureza e do ritmo do progresso técnico em curso. Tal como ocorre com os demais indicadores econômicos, o levantamento de tais estatísticas só e factível quando amparado por critérios metodológicos nítidos e consistentes. Além dos levantamentos estatísticos tradicionais sobre a execução e gastos em pesquisa e desenvolvimento, tais como são feitos nos países da OECD e que deveriam ser adequados a as condições nacionais, explicitando-se as diferenças para efeitos &e comparação, uma metodologia que atende às finalidades acima é a da construção de matrizes de fluxos intersectorial de tecnologia, que descrevam as fontes geradoras e áreas. de aplicação das técnicas produtivas em uso na economia. «A partir deste tipo de matriz, e possível estabelecer uma classificação de indústrias segundo o poder de comando que estas exercem sobre a variável tecnológica, Existem indústrias cujo progresso técnico é predominantemente exógeno, no sentido de que são consumidoras de inovações produzidas em outros ramos de economia. O exemplo clássico & da têxtil: desde a revolução industrial o desenvolvimento tecnológico dessa indústria tem se baseado fundamentalmente na incorporação de inovações concebidas por fabricantes de equipamentos ou firmas da indústria química. Ao lado de facilitar o acesso às fontes de tecnologia aos competidores potenciais, isso retira das firmas dessa indústria a capacidade de influir no curso e no ritmo do progresso. Em contraposição, existem indústrias cujo progresso técnico e predominantemente endógeno. Nestas indústrias produtoras de inovações, o poder de comando de algumas empresas sobre a direção e a cadência do progresso técnico consiste no mecanismo primordial de competição.

Outras aplicações imediatas desta metodologia são a de indicar o grau de dependência das diferentes indústrias em relação a tecnologias importadas, o horizonte potencial de difusão de determinadas inovações, e os impactos macroeconômicos advindos de diferentes’ composições dos gastos em pesquisa e desenvolvimento. A Colaboração do setor privado industrial para o levantamento de informações como as acima sugeridas evidentemente, crucial. Esta cooperação trará, no entanto, retornos nível de cada empresa, – não sô através de um maior conhecimento do contexto macroeconômico que circunscreve suas atividades tecnológicas. Como pelos efeitos de uma política científica e tecnológica melhor concebida e executada

 

4.2 — Articulação entre a política científica e tecnológica e as demais políticas

 

N decorrer deste trabalho enfatizou se que a eficácia da política científica e tecnológica industrial depende de sua articulação com as demais medidas de política econômica. Apesar dos esforços feitos para o maior entrosamento do Conselho Científico e Tecnológico do CNPq com outros conselhos de política industrial (ex. Conselho de Desenvolvimento Industrial) e das “Ações Programadas” do CNPq, de âmbito setorial, às deficiências nesta área são enormes e tem frequentemente frustrado os propósitos da política tecnológica especialmente no que toca à indústria.

Cabe ressaltar que, mesmo completando-se a estruturação formal do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNDCT) mediante a (SNDCT) mediante a criação de órgãos setoriais no âmbito de cada Ministério, o problema radica mais fundo — na ausência de uma política industrial com objetivos setoriais e tecnológicos definidos. Somente com essa política, e a convergência das ações dos vários instrumentos da política econômica para alcançar os seus objetivos, será possível lograr a necessária articulação entre as políticas tecnológicas industriais explícitas e implícitas

 

4.3 – Representação dos Interesses Industriais

O Conselho Científico e Tecnológico do CNPq é composto de 31 membros, dos quais 16 são ex-officio (representantes de instituições governamentais e da Academia Brasileira) e 15 são membros individuais. A representação dos interesses industriais é, como se vê, não institucional e limitada

Esse fator limita seguramente a – fi a formulação de uma política científica e tecnológica adequada às necessidades e condições da indústria nacional. Dado o papel que esta deverá desempenhar no Processo de desenvolvimento tecnológico e científico parece legítimo, e útil para todos, que a representação industrial privada na formulação da política tecnológica nacional seja ampliada e institucionalizada.

 

 

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  1. Introdução: PNI e NPI
A Política Nacional de Informática (PNI) brasileira tem seis características principais: - A identificação da eletrônica como area estratégica do ponto de vista econômico, político e militar; - Estar baseada no mercado...

“Avaliação da Política Nacional de Informática”

Fabio S. Erber, In: Relatório “Avaliação da Política Nacional de Informática” (CNPq)

Este relatório elaborado, em novembro de 1989, para o projeto UNICAMP/CNPq “Avaliação da Política Nacional de Informática” nos ensina a história das dificuldades, problemas e comenta sobre as distorções de informações que ocorreram na implantação dessa política. Aponta como sua proposta, transformada no governo Figueiredo na lei nº 7232 de 29 de outubro de 1984, sofreu pressões políticas fortíssimas, inclusive, em 1987, o governo americano retaliou as exportações brasileiras. Na Introdução, Erber conta que, teoricamente, se pensou que a política de informática deveria abranger o “complexo eletrônico integrado”, envolvendo a indústria de equipamento de telecomunicações, cujo capital era estrangeiro, mas tendo a mesma base técnica, que poderia fornecer pessoal às universidades e centros de pesquisa. Ao mesmo tempo, se asseguraria às empresas nacionais, reserva de mercado e tratamento integrado para estas e para serviços do referido complexo. Erber explicita, ainda, que a Política Nacional de Informática (PNI), de outubro de 1984, gerou enormes conflitos internos e internacionais, devido a ambição de suas características. O autor narra que, nas negociações para viabilizá-la, o governo Sarney cedeu às pressões. Os equipamentos de telecomunicações não foram incluídos na política, de modo que não foi possível absorver internamente os conhecimentos técnicos da base tecnológica do complexo de setores escolhidos, notadamente engenharia de projeto, fundamental à inovação. Foi, consequentemente, ampliada a gama de ofertantes internacionais de tecnologia inibindo o desenvolvimento local. Além disso, a Nova Política Industrial terminou com a reserva de mercado. Imputava-se à política de informática um desejo de autarquia tecnológica, de “reinventar a roda”, o que constituiu uma crítica infundada, uma vez que ela passou a apoiar diretamente a importação de tecnologia, tanto na forma de engenharia reversa, como através de contratos formais de licenciamento e de importação de componentes. Contraditoriamente, a Nova Política Industrial (NPI), de junho de 1986, não manteve a distinção entre empresas segundo o seu capital, o que foi referendado pela Constituição de 1988. Para preservar o Plano Nacional de Informática (PNI), o Estado excluiu este setor dos regimes fiscais definidos pela NPI, exceto no que tange aos incentivos à exportação. A NPI assemelhava-se à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, no que se refere aos programas de desenvolvimento tecnológico interno, combinando-os às atividades produtivas de todo um complexo industrial e a formação de recursos humanos que apoiassem atividades industriais. Numa política industrial articulada por programas setoriais, a PNI por sua horizontalidade necessitava de articulação com as políticas de outros setores, que foi muito falha por parte do governo, tendo sido mantidos regimes distintos para indústrias de bens de consumo e de equipamentos de telecomunicações. Portanto, a eletrônica não foi pensada como área estratégica. Na segunda seção, Fabio Erber analisa as principais questões dessas ligações interindustriais, e, complementarmente, na seção 3, distingue as principais articulações deste complexo com o resto do sistema produtivo de uma forma mais geral. Enfatiza que a política teria sido bem-sucedida se tivesse havido a formação de grupos empresariais capazes de explorar as economias de escopo e aprendizado, e que tivessem condições de superar as crescentes barreiras de escala, voltando-se também para o mercado internacional. Acrescenta ainda que a ação destes grupos deveria ter sido articulada a um padrão de intervenção estruturante de parte do Estado, que abrangesse não só o complexo eletrônico mais também os vínculos deste para trás na cadeia produtiva, com a formação de pessoal e a pesquisa científica e tecnológica extramuros do complexo. Da mesma forma, deveriam ser desenvolvidos encadeamentos para frente, com os usuários dos bens e serviços eletrônicos. Observa-se que, como fornecedor de bens e serviços, o complexo deveria ser dividido naqueles produtos que são de uso final, adquiridos por unidades familiares, e aqueles que são comprados como bens de produção pelo setor público ou privado. Com relação aos comprados para os bens de produção, chamou a atenção para o fato de que a eletrônica ensejou aos usuários um novo padrão de produção, caracterizado pela flexibilidade da automação, que permite diversificar as linhas de produção com economias tanto de capital, como de mão de obra, configurando um novo paradigma de produção. A proposta que Fabio Erber defendeu no texto é que o complexo eletrônico, posto que exerce papel de dinamizador do processo de acumulação de capital e de progresso técnico, deve ser internalizado no país, em decorrência do fato de que o processo de difusão de inovações é fortemente afetado pela proximidade econômica e geográfica entre fornecedores e usuários. Durante a sua argumentação defende ainda que o que caracteriza a dependência tecnológica é a baixa relação entre gastos locais e importação, não é a importação de tecnologia, posto que esta é indispensável. Na seção 4, Erber analisou a questão do manejo dos hiatos tecnológicos, e concluiu que qualquer política que fosse adotada teria como consequência hiatos absolutos. Entretanto, lembrou que as críticas à política de Informática são mais consistentes no campo do hiato relativo, quando se compara os preços de produtos similares no mercado brasileiro e americano. Finalmente, a quinta seção volta a defender a necessidade de uma política integrada para o complexo eletrônico, assim como de seletividade de produtos para administrar os hiatos tecnológicos. Sugere que política seja focada em algumas famílias de produtos por seu uso, definidas pela análise de três dimensões básicas: 1) utilização e desenvolvimento de recursos tecnológicos; 2) barreiras econômicas à produção local e; 3) conflitos político-econômicos.

 

 

  1. Introdução: PNI e NPI

A Política Nacional de Informática (PNI) brasileira tem seis características principais:

– A identificação da eletrônica como area estratégica do ponto de vista econômico, político e militar;

– Estar baseada no mercado interno, através de uma substituição de importações “antecipatória”, em que importações são impedidas pela produção local potencial;

– 4% objetivo de desenvolvimento de uma capacidade tecnológica autônoma, através de investimentos locais, sem prescindir do licenciamento de tecnologia externa, nas transcendendo os limites que a lógica deste impõe à transferência de conhecimentos, especialmente na concepção de produtos e processos a diferenciação de tratamento entre empresas nacionalmente controladas e aquelas controladas do exterior, atendendo aos objetivos de autonomia de decisões e, especialmente, de controle tecnológico, pela reserva do mercado brasileiro às empresas sob controle nacional para os produtos que estas sejam capazes de fabricar, deixando os demais produtos preferencialmente às empresas sob controle externo; a busca de um tratamento integrado das várias indústrias e serviços que compõem o “complexo eletrônico”; e ter sido objeto de uma Lei específica, amplamente debatida pela opinião pública e no Congresso, dando-lhe legalidade e legitimidade.

Até recentemente estas características conferiam à PNI uma singularidade dentro da política econômica nacional, embora algumas destas características fossem compartilhadas por outras, políticas traçadas para setores estratégicos do ponto de vista tecnológico e de soberania nacional como o aeronáutico (*).

For configurar um padrão de política industrial distinto, em que o peso dos atores nacionais é muito maior que o usual em setores estratégicos e onde a autonomia tecnológica é privilegiada, a PNI transformou-se num pólo de conflitos tanto internos como internacionais.

Nos últimos anos ocorrem dois movimentos, aparentemente contraditórios: de um lado, tangido pela oposição à PNI, o Executivo fez várias concessões a seus críticos (por exemplo, no que toca ao software) e não implementou a integração de políticas na área eletrônica, mantendo regimes para as indústrias bens de consumo e de equipamentos de telecomunicações distintos dos prefigurados pela Lei de Informática.

Da mesma forma, ao definir um novo regime de incentivos fiscais para a indústria através dos Decretos da Nova Política Industrial (NPI), o Estado não fez qualquer distinção entre empresas segundo o centro do seu capital.

Em contraposição, referendou se na Constituição a diferença entre empresas brasileiras em função do seu controle estar ou não em mãos nacionais, bem como o princípio de que o mercado interno constitui patrimônio nacional podendo seus acessos ser regulamentado para atender objetivos nacionais especialmente nos setores considerados estratégicos.

Por outro lado, o Estado para preservar a PNI excluiu a informática dos regimes Fiscais definidos pela PNI exceto no que tange os incentivos à exportação, dos quais zsa empresas que operam ao abrigo da Lei de Informática podem fazer uso.

A NPI assemelha-se ainda à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, na ênfase dada a programas de desenvolvimento tecnológico interno, inclusive pela combinação deste com a importação de tecnologia e na concepção de uma política industrial articulada por programas setoriais em que se combinem as atividades produtivas de todo um complexo industrial as atividades de desenvolvimento tecnológico e de formação de recursos humanos que apoiam as atividades industriais.

A NPI assemelha-se ainda à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, na ênfase dada a programas de desenvolvimento tecnológico interno, inclusive pela combinação deste com a importação de tecnologia e na concepção de uma política industrial articulada por programas setoriais, em que se combinem as atividades produtivas de todo um complexo industrial às atividades de desenvolvimento tecnológico e de formação de recursos humanos que apoiem as atividades industriais.

Estas contradições refletem tanto os conflitos que são inerentes à PNI como a própria indefinição da sociedade brasileira quanto ao seu padrão de desenvolvimento industrial. No presente momento, em que se conclui o longo processo de transição de um regime autoritário para uma democracia contemporaneamente a pior crise econômica do pós-guerra, há um consenso quanto à necessidade de reverse-se o padrão de desenvolvimento industrial do país.

Dadas as singularidades da PNI, que a fazem emblemática de um padrão distinto e o caráter estratégico da informática, que permeia toda a sociedade, essa revisão passa, necessariamente, pela discussão da PNI e de seus vínculos com outras políticas setoriais.

As seções subsequentes pretendem contribuir a esse debate enfocado principalmente questões relativas a vínculos interindustriais, tanto dentro do complexo econômico (CE) como entre o CE e demais complexos, mantendo dessa maneira, a convergência entre a PNI e a NPI.

Assim, a próxima seção detalha algumas características de CE que são importantes para entender sua dinâmica interna e conexões com os outros complexos, com a natureza da interdependência que une as indústrias que compõe o CE.

As duas seções seguintes concentram-se sobre as relações entre o CE e outros complexos. A seção 3, de uma forma mais geral, distinguindo as principais articulações do CE com o resto do CE em condições como as brasileiras.

Finalmente, a quinta seção propõe uma abordagem para a PNI que permitiria combinar a abrangência decorrente da interdependência entre os componentes do CE com a seletividade importa pela administração do hiato tecnológico.

 

  1. A Economia do CE e a PNI

As indústrias eletrônicas e serviços conexos fornecem bens e serviços destinados, lato senso, ao processamento da informação. Esta característica faz com que seus mercados sejam extremamente diversificados – do entretenimento a automação industrial. O espectro de mercados tende a se ampliar tanto pela criação de novos produtos (Por exemplo, vídeo- texto) como pela substituição de outras formas de processamento de informação (por exemplo eletromecânica) pela eletrônica. Este processo de expansão do uso da eletrônica na sociedade, assemelhado a uma mancha de óleo que se espalha de forma irregular, e reforçado pela redução do custo relativo de vários atributos que caracterizam um produto – desempenho, confiabilidade, durabilidade etc.

Apesar de suprirem mercados que tem dinâmicas muito distintas, as indústrias e serviço eletrônicos tem uma dinâmica interdependente, que é estabelecida pelas características dos produtos que fornecem e pelo uso de uma base cientifica e técnica comum, tanto na concepção com na produção desses bens. Estes vínculos de interdependência dinâmica entre as várias industriais eletrônicas tendem a ser mais fortes que os vínculos que as unem outras indústrias de distinta base técnica, e tem um efeito de sinergia, onde a resultante da interação e maior que a soma das partes.

As indústrias eletrônicas e seus serviços constituem, assim um complexo industrial – o complexo eletrônico (CE). Este complexo tem uma forma especial, o leque, onde o centro e constituído pelas atividades de concepção de produtos (pesquisa e desenvolvimento) e por insumos e componentes de uso comum, notadamente componentes semicondutores e software. Os raios do leque são constituídos pelas diversas cadeias produtivas orientadas para mercados distintos- automação, processamento de dados etc. A convergência entre alguns mercados, que antes eram separados, como a informática e telecomunicação formando a telemática, reforça a referida interdependência entre as várias cadeias.

O tipo de interdependência verificado entre as indústrias eletrônicas faz com que, na sua dinâmica, destaquem-se as economias de escopo, derivadas dos usos dos mesmos recursos para linhas de produção distintas. Por outro lado, o caráter intensivo em tecnologia, fortemente utilizador de mão de obra muito qualificada (especialmente na fase de concepção dos produtos) e o ciclo de vida relativamente curto dos bens e serviços eletrônicos, enfatizam as economias de aprendizado, tem efeitos de sinergia e constituem um importante barreira a entrada do setor.

No passado recente, as barreiras também têm aumentado de altura devido a crescente padronização de alguns produtos e a expansão da automatização dos seus processos de pesquisa e desenvolvimento e de produção, ampliando a importância das economias de escala estáticas tradicionais – o que é interpretado por alguns como um sinal de um relativo “amadurecimento” do CE.

Está combinatória de economias de escopo e escala, estáticas e dinâmicas, tem profundos efeitos sobre a estratégia das empresas que participam do CE. Tradicionalmente, essas economias foram exploradas por meio de integrações horizontais e verticais dentro do mesmo grupo, ou seja, um efeito de aglomeração eletrônica. Mais recentemente, somou-se a conglomeração a cooperação entre grupos, tano ao nível de tecnologia, por meio de licenciamentos cruzados e projetos cooperativos de P&D, como ao nível da produção, por meio de “joint-ventures” e “joint-businsessses”.

Nos países centrais, onde o CE nasce e se desenvolve mais, as características do CE também definiram um padrão de intervenção do Estado especifico, da natureza “estruturante”, onde o Estado plasmou, ao mesmo tempo, as condições de oferta e demanda do CE, atuando de forma abrangente e sustentada no tempo, sobre todas as etapas da cadeia que vai da pesquisa as vendas dos produtos e serviços, utilizando medidas redutoras de custos e, especialmente, de riscos para as empresas nacionais, numa perspectiva ofensiva, de ganhar espaço no mercado internacional. Mesmo onde o CE já se implantou, a intervenção do Estado se mane, assumindo um caráter estruturante para os produtos que constituem a fronteira tecnológica do setor e fomentando ou estruturando a cooperação entre empresas.

As análises da intervenção do Estado no CE normalmente concentram sua atenção sobre a constituição da capacidade cientifica, tecnológica e produtiva do complexo, ou seja, ao nível da oferta de bens e serviços do complexo e de seus encadeamentos com o sistema educacional e de pesquisa. No entanto, convém assinalar que esta intervenção foi simultânea a ação sobre a demanda destes bens e serviços, feito tanto diretamente apelo Estado, através de suas políticas de compras, como indiretamente por meio de medidas que reduziam os riscos e custos do uso destes bens, especialmente para que eles compradores que os empregavam como bens de produção e eram oriundos de uma base técnica não eletrônica – por exemplo, na introdução do controle numérico na indústria de máquina-ferramenta.

Esta dupla intervenção, a que, por isso, chamamos de “estruturante”, dá-se, pois, tanto dentro do CE como nas interfaces deste com outros complexos industriais ou com os consumidores finais, constituindo a política industrial (lato sensu) para o CE e uma parte fundamental (dada a importância da eletrônica para o sistema econômico e social) da política industrial geral.

Finalmente, não é ocioso insistir sobre o caráter internacionalmente do CE – tanto em termos de mercados como de produção, seja na definição de estratégias por parte das empresas como nos Estados nacionais, há uma dimensão internacional, que tem um efeito cumulativo. Assim, a intervenção de um Estado nacional favor das empresas do seu CE nacional, obriga-os demais a intervir, sob pena de prejudicar a posição competitiva de suas empresas nacionais.

Em síntese, a economia tecnológica, industrial e política do CE sugere que este será bem-sucedido se houver a formação de grupos empresariais capazes de explorar as economias de escopo e aprendizado e superar as crescentes barreiras de escala, voltando-se também para o mercado internacional. A ação destes grupos deve estar articulada a um padrão de intervenção estruturante de parte do Estado, que abrange não só o CE como os vínculos destes para trás, como a formação de pessoal e a pesquisa cientifica e tecnológica extramuros do complexo, e os encadeamentos para frente, com os usuários dos bens e serviços eletrônicos.

A luz destas conclusões, a parcialidade da PNI brasileira e patente. A segmentação da política, entre setores e, dentro dos setores, por produtos, implicou que as economias de escopo, aprendizado e escala fossem reduzidas. A relutância em assumir uma postura claramente estruturante, que teria impicado em medidas mais restritivas de ordenamento de oferta, fez com que a formação de grupos capazes de usufruir das economias de escopo e escala fosse retardada, o que foi agravado pela ausência de uma política de exportação adequada as especifidades do setor.

Ainda no âmbito do CE, note-se que o apoio das agencias financiadoras do Estado foi tardio e, frequentemente, hesitante, especialmente no que toca a capital de risco, como bem evidencia a crônica falta de capital da única empresa estatal do complexo, cuja vocação de liderança tecnológica e provedora de externalidades para as demais empresas jamais foi plenamente assumida pela política.

Em termos dos encadeamentos para trás, a constituição de tecido científico e tecnológico sobre o qual repousa o complexo, foi notoriamente precária, limitada por uma política míope de controle dos gastos públicos – o que levou as empresas nacionais a internacionalizar custos e riscos que, em outros países, constituem externalidade para seus congêneres, limitando assim sua competividade internacional.

As relações com os demais complexos industriais, como para frente como para trás, são analisadas em maior detalhe na próxima sessão, mas cabe aqui, enfatizar a parcialidade das políticas de demanda por produtos eletrônicos, tanto os adquiridos diretamente pelo Estado como os dirigidos pelo setor privado.

Na verdade, a PNI utilizou basicamente dois instrumentos: o controle de importações, tanto de produtos acabados como de partes e componentes, e a aprovação de projetos e produtos. Embora incentivos fiscais, créditos de agências governamentais e compras estatais também fossem utilizados, foram-no de forma limitada e descontinuada ao longo do tempo.

Embora poderosos, especialmente pelo conteúdo importado relativamente alto (para padrões brasileiros, conhecidos pela quase-autarquia), estes instrumentos não constituem um arcabouço estruturante para um setor e, muito menos, para o CE, onde sua insuficiência e agravada pela desconexão entre as políticas setoriais.

Esa insuficiência torna-se muito mais grave quando situada num contexto internacional não só as condições do CE brasileiro são muito mais precárias, como a intervenção dos Estados nacionais e, essas sim, de caráter nitidamente estruturante.

 

  1. Política Inter complexos

Para trás, como consumidor de produtos industriais fornecidos por outros complexos industriais, o CE demanda bens de vários complexos, notadamente do complexo eletromecânico, como fiação elétrica e componentes de mecânica fina, e do complexo petroquímico, pelo consumo de plástico e outros derivados sintéticos.

Embora suas compras possam não ser vultuosas, em termos quantitativos, o CE pode exercer um importante efeito sobre seus supridores ao definir requisitos técnicos apurados para os produtos que compra (por exemplo, em ermos de tamanho ou dissipação de energia), obrigando os fornecedores a aperfeiçoar os seus procedimentos de projeto e produção. Como esta capacitação técnica pode ser utilizada para suprimento de outras indústrias, esta articulação para trás do CE tende a gerar externalidades para outros complexos industriais.

No caso brasileiro, o suprimento de insumos não eletrônicos constitui uma das principais causas do custo relativamente alto dos produtos de CE (veja-se abaixo a discussão do hiato tecnológico) e deveria constituir uma das prioridades de uma política industrial que articula o CE aos demais complexos.

Para frente, ao olhar o CE como fornecedor de bens e serviços, convém distinguir entre os bens e serviços que são de uso final, adquiridos por unidades familiares, e aqueles que são comprados como bens de produção pelo setor público ou privado.

A composição e quantidade dos primeiros depende diretamente da política de rendas e apenas medianamente pela política industrial externa ao CE. No entanto, a evolução deste último e, conforma já assinalado, fortemente afetado pela política tecnológica e industrial definida para as indústrias que produzem esses bens de consumo (notadamente áudio e vídeo, mas, crescentemente, microcomputadores também) e, desta forma indireta, os demais complexos industriais são também afetados.

Assim, no caso brasileiro, a baixa integração tecnológica, produtiva e da política entre o setor de bens de consumo sediado na Zona Franca de Manaus e o resto do CE nacional em efeitos negativos que transbordam os já notados para o CE, incidindo sobre o resto do sistema industrial.

No passado recente e no presente, a política de renda do país tem induzido uma produção de bens de consumo eletrônicos que busca a diversificação dos modelos, reforçando a propensão a importar tecnologia e componentes. Caso houvesse uma modificação desta política de rendas, privilegiando uma distribuição mais equitativa de rendimentos, e provável que o consumo destes bens não se alterasse em termos quantitativos (ao contrário, e provável que a densidade de eletrônicos por domicílios aumentasse) mas sua composição, rumo a modelos mais simples, provavelmente seria alterada.

Por mais importante que sejam os efeitos da difusão da eletrônica sobre os padrões de consumo domiciliar (a que devem somar-se os impactos políticos e culturais), do ponto de vista estritamente econômico, o principal impacto do Ceda-se pelo uso de seus produtos e serviços como meios de produção de outros bens e serviços.

Conforme já foi apontado, a rápida difusão dos bens eletrônicos como meios de produção deve-se a uma combinação de fatores: o objeto que transformam – a informação, em todos os seus usos, a diversificação destes bens eletrônicos, adaptáveis a diversos usos, e a drástica redução das relações entre o preço destes bens e suas demais características (desempenho, durabilidade, confiabilidade etc.).

Com o e sabido, a eletrônica ensejou aos seus usuários novo padrão de produção, caraterizado pela flexibilidade da automação, que permite diversificar as linhas de produção com economias tanto de capital como de mão-de-obra, configurando um novo paradigma de produção.

Desta forma, o CE fornece os meios para que os demais setores revolucionam sua base técnica, induzindo um processo de inovação encadeado, em “cascata”, que afeta todo o sistema econômico.

Mais indiretamente, ao definir procedimentos de pesquisa e produção com margens de tolerância muito restritas, o CE estabelece paradigmas para o resto do sistema, como por exemplo, o “grau de pureza eletrônica” na produção.

Para que o CE exerça a contento esses papeis de dinamizador processo de acumulação de capital e de progresso técnico, e necessário que este complexo esteja internalizado no país, posto que o processo de difusão de inovações e fortemente afetado pela proximidade econômica e geográfica entre fornecedores e usuários. Dadas as conhecidas limitações do processo de transferência internacional de tecnologia, e necessário que o CE local tenha uma capacidade tecnológica própria, sem prescindir, obviamente, da importação de tecnologia. Convém aqui reiterar que o que caracteriza a dependência tecnológica não é a importação de tecnologia, posto que é indispensável, mas a baixa relação entre os gastos locais e a importação.

Neste sentido, a PNI tem um sentido verdadeiramente estratégico para o resto do sistema econômico ao garantis a internacionalização de um CE sob controle nacional, sendo de deprecar os pequenos investimentos feitos na montagem do sistema científico e tecnológico externo ao CE e que dá sustento a capacidade de inovação deste último.

A presença de um CE, mesmo dotado de capacidade tecnológica própria, não garante, porém que o processo em cadeia previamente descrito se dê. E necessário também quer que estejam presentes no sistema aqueles setores industriais e serviços que desenvolvem e adaptam as inovações eletrônicas (fazendo na linguagem shumpeteriana “inovações secundarias”) aos seus múltiplos usos.

Entre os setores industriais que fazem este papel de “intermediários” entre os “motores” da inovação, como o CE, e o resto do sistema econômico (Erber, 1988), destacam-se os produtores de bens de capital, lócus clássicos da incorporação e difusão do progresso técnico.

Na segunda metade da década de setenta, o Brasil, deu um salto quantitativo na capacidade de produção de bens de capital baseada na tecnológica não-eletrônica. A trajetória natural dessa indústria nos anos oitenta, que seria a introdução da eletrônica, foi freada pela crise da década, originada por fatores financeiros extra industriais.

A redução do ritmo de investimentos teve como consequência imediata a diminuição da introdução da eletrônica na indústria de bens de capital, que, por estar em seus estágios iniciais, demanda altos gastos em inversão e um grande esforço de aprendizado.

Esta contração da demanda esperada por meios de produção de base eletrônica teve um efeito perverso cumulativo, ao ocorrer quando se implantava a produção local destes bens, contribuindo, pelos aumentos dos custos fixos unitários, a aumentar os preços destes bens e, assim a desestimular mais ainda a sua demanda.

Não obstante, o número de máquinas-ferramenta com controle numérico instalado no país, em 1988, era mais de cinco vezes superior ao do início da década e o número de controladores programáveis vendidos naquele último ano era onze vezes superior ao vendido em 1984 (Laplane 1989 e Sei 1989).

Embora os números acima atestem que o processo de difusão não estancou, tendo prosseguido a ritmos superior ao do crescimento industrial do país, esta difusão ainda e pequena em termos internacionais. A título de exemplo, enquanto no Brasil, em 1987, apenas 4% das máquinas-ferramenta produzidas eram de controle numérico, nos países avançados esse percentual supera, em média, a metade da produção.

Em consequência, uma das prioridades da política industrial deve ser a incorporação da eletrônica pela indústria de bens de capital. Neste sentido, a definição do setor de máquinas-ferramenta como uma das prioridades para a elaboração de um programa setorial integrado, no âmbito da NPI e positivo, como é a constituição pelo BNDES de uma linha específica de apoio a automação industrial. Note-se, porém, que, nos países avançados, o apoio governamental a introdução da eletrônica na indústria de bens de capital abrange um conjunto de medidas mais amplo, que visa reduzir tanto os riscos como os custos dos usuários (Sa, 1989).

Por ter o estado brasileiro, tanto a Administração Central como as Empresas Estatais, assumido os principais ônus da crise financeira, a demanda publica por bens eletrônicos foi especialmente afetada. Em consequência, a PNI foi privada, no campo econômico, de um dos principais instrumentos utilizados nos países avançados para desenvolver seus CEs, inclusive com sentido anticíclico, e, no campo político, de um de seus esteios de legitimidade, que seria a utilização dos bens de serviços do CE para fins sociais, inclusive para a modernização do aparto estatal.

Embora medidas de política industrial, estrito senso, possam aumentar a articulação entre o CE e os demais complexos industriais, esta depende, em boa medida, de condições macroeconômicas que transcendem o âmbito da referida política, entre as quais se destaca a alteração do padrão de financiamento do processo de desenvolvimento industrial e de operação do Estado brasileiro. Como bem ilustra o caso do sistema financeiro, onde a introdução eletrônica foi célere e baseada em soluções tecnológicas locais, quando estas condições são propicias, o CE nacional e capaz de responder adequadamente.

Embora o preço de vários produtos do CE, notadamente de tecnologia nacional com as qualificações devidas ao seu estágio “infantil”, a oferta de bens de produção do CE brasileiro ainda parece de uma relação entre preços e demais atributos excessivamente alta, o que sugere ser conveniente, do ponto de vista da política industrial como um todo, priorizar os esforços de redução de custos nesse segmento do CE.

Dada a interdependência entre os segmentos do CE, esta orientação remete, uma vez mais, para uma política integrada dentro do CE e deste com seus supridores, notadamente os metalmecânicos, que constituem um dos principais obstáculos a redução de preços. Dadas as limitações de tamanho do mercado brasileiro e a escassez de recursos técnicos e produtivos de famílias de produtos a serem desenvolvidas localmente se impor, tema tratado em mais detalhe nas duas seções seguintes.

 

  1. A administração do Hiato Tecnológico

As firmas nacionais de informática já alçaram uma clara capacitação tecnológica em vários domínios tecnológicos. No campo da fabricação, capacitaram-se inicialmente a manufatura os produtos localmente e, agora, vem ampliando sua competência no controle e melhoria de qualidade e nos serviços de manutenção dos equipamentos. Na area de projeto de produtos desenvolveram a capacidade de engenharia reversa e de projetar produtos internamente, tanto em hardware (por exemplo, equipamentos de automação bancária) como em software (por exemplo, o sistema operacional SOX da COBRA).

Não obstante estes resultados positivos, a Política de Informática enfrenta o problema da capacidade de inovação e de acompanhar o desenvolvimento internacional na area, pontos centrais do questionamento da política, e que em obvias implicações para os demais setores motores da inovação.

A política de Informática imputa-se com frequência um curioso desejo de autarquia tecnológica, de “reinventar a roda”. Os fatos, no entanto, invalidam esta crítica. A política, tal como vem sendo posto em prática, tem-se apoiado diretamente sobre a importação de tecnologia, tanto sob a forma de engenharia reversa como através de contratos formais de licenciamento e plena importação de componentes.

Em verdade, a política ampliou a gama de ofertantes internacionais de tecnologia, como pode ser visto comparando as ofertas de licenciamentos nas duas concorrências feitas de para a produção local de microcomputadores, em 1977, no início da política, e em 1983, para superminis. Na segunda, as empresas líderes do setor dispuseram-se s ceder tecnologia a firmas nacionais, ao contrário do que ocorrera na primeira.

A experiencia da indústria brasileira de informática confirma a de outros setores no que toca as relações entre importação de tecnologia e desenvolvimento de uma capacitação tecnológica interna. Assim, a importação de tecnologia serve para desenvolver algumas capacidades, como a de engenharia de fabricação, mas tende as inibir outras, como a engenharia de projeto.

Como as capacidades tecnológicas que tendem a ser inibidas são aquelas indispensáveis pelas inovações, a importação de tecnologia tende a ser perpetuada, a menos que os importadores realizem um investimento autônomo na sua capacitação nas atividades que a importação não desenvolve.

Esse constitui um dos principais objetivos e, ao mesmo tempo, desafios da política brasileira de informática, que se repete nas outras áreas de ponta.

Embora a percentagem do faturamento das empresas brasileiras devotada a atividades tecnológicas na area de informática seja alta (cerca de 10%), o tamanho de muitas destas firmas faz com que o nível absoluto de gastos seja insuficiente para atuar na fronteira internacional, onde o patamar mínimo de gastos se elevando.

Os gastos governamentais brasileiros também não são suficientes para alcançar os dos países avançados e o estoque de recursos de que o País dispõe, especialmente recursos humanos, e claramente insuficiente para inovar numa faixa muito ampla de produtos de alta tecnologia.

Entretanto, para Pais como o Brasil, não é necessário nem factível estar colado as fronteiras internacionais em todos os produtos das áreas de ponta. Tanto nas decisões quanto a o que produzir internamente, com que parâmetros de custo/desempenho, como nas decisões quanto a concentração da capacidade de inovar, as condições do País impõem uma postura seletiva em termos de produtos.

Esta política seletiva implica numa análise mais cuidadosa da problemática do “hiato tecnológico” em condições de relativo subdesenvolvimento.

O hiato tecnológico na oferta de produtos e identificado pelas diferenças entre as relações preço/desempenho prevalecentes nos mercados internacionais e brasileiro. Quando certos produtos são ofertados internacionalmente e não no Brasil, há um hiato “absoluto”. Quando os produtos são ofertados em ambos os mercados, o hiato eventual e “relativo”.

A dinâmica do complexo eletrônico caracteriza-se, conforme já foi mencionado, pela diversidade de produtos e, ao confrontar as ofertas no mercado brasileiro e no exterior, constatam-se inúmeros exemplos de “hiato absoluto”.

Cabe, porém, questionar o significado deste hiato. O conceito de “hiato” contém, implícita, uma noção de “necessidade” universal, que se expressaria através dos parâmetros de custo e desempenho dos produtos. Estes, porém, são definidos pelas empresas com base em critérios internos de competição e acumulação aplicados as condições dos países desenvolvidos. Nem os critérios nem as condições podem ser mecanicamente extrapolados para os países como Brasil. Um conceito mais apropriado de “hiato” implica na identificação detalhada de que necessidades não são atendidas pela oferta brasileira.

Em outras palavras, a identificação de um hiato na oferta e uma decisão política, além de econômica.

Cabe considerar que, mesmo nos países desenvolvidos, nos setores de alta tecnologia observa-se, com frequência, o que se pode chamar da “síndrome da câmara refles”. Com efeito, como se sabe, são incontáveis os compradores de potentíssimas câmeras fotográficas, capazes de tirar fotos nítidas na escuridão ou de um cavalo cruzando a reta final no hipódromo, que usam apenas para fotografar as crianças no jardim, paradas sob céu azul. O mesmo descompasso entre uso (necessidade) e oferta se aplica a outros produtos, como computadores pessoais e, mesmo, em equipamentos profissionais. A crise pela qual passou recentemente a indústria de computadores nos Estados Unidos e atribuída, em boa medida, a essa capacidade ociosa dos equipamentos.

No caso brasileiro, não há evidência disponível que ateste que a Política de Informática tenha deixado necessidades de alta prioridade social ou econômica inatendidas, embora enha, certamente, privado muitos usuários de prazer e prestígio de possuir o “dernier cri” em matéria tecnológica.

O conceito de “hiato” contém ainda, implícita, a hipóteses de disponibilidade de recursos para importar os bens não ofertados localmente. A crise cambial brasileira e de tais dimensões que torna indispensáveis maiores comentários sobre o realismo desta hipótese.

O controle de importações desempenha um papel fundamental na política de informática brasileira. Em primeiro lugar, dada a falta de integração vertical do complexo eletrônico, permite pelo controle de importações das partes, componentes e equipamentos, selecionar que produtos serão produzidos no País. Ao mesmo tempo, permite manter, pelo mesmo canal, os hiatos tecnológicos (absoluto e relativo) sob relativo controle. Em terceiro lugar, tem sido um importante elemento de barganha para elevar as subsidiarias implantadas no País a tanto aumentar suas compras locais de partes e componentes, como de elevar suas exportações intragrupo. Recentemente, a lista de produtos cujos pedidos de importação necessitam ser examinados pela Secretaria Especial de Informática foi reduzida, ao mesmo tempo que os procedimentos de exame estão sendo agilizados.

Potencialmente o controle de importações poderia ainda constituir um importante elemento salvaguarda dos interesses dos consumidores, atuando como elemento de pressão para que as empresas endividam dessem esforços para reduzir as relações de preços/desempenhos de seus produtos. Esta pressão que poderia traduzir-se em medidas de proteção (tarifaria e/ou administrativa) cadentes ao longo do tempo não foi utilizada pela PNI, que se caracterizou por uma proteção sem claros limites temporais.

A restrição de divisas que pesa sobre a economia brasileira, combinada a dados como a dimensão do mercado nacional, recursos disponíveis localmente para implantar o setor etc., implica que qualquer política que fosse adotada, teria como consequência hiatos absolutos. Entretanto, e possível que a composição da oferta onde tais hiatos fossem consignados, fosse distinta caso a política fosse levada a cabo por empresas multinacionais, ou alternativamente, exclusivamente por empresas estatais. Parece, porém, difícil afirmar que as necessidades cobertas por estas estratégias alternativas teriam, a priori, maior validade econômica e social que as atendidas pela atual política.

As críticas a Política de Informática parecem pisar terreno mais firme no campo do hiato relativo. Comparando os preços de produtos similares no mercado brasileiro e americano, constatam-se diferenciais substanciais para produtos como microcomputadores, periféricos, discos e unidades de controle numérico.

No entanto, quando analisamos ao longo do tempo, estes diferenciais tendem a cair, algumas vezes de forma abrupta. No caso de microcomputadores, reduzem-se de quase 200% a zero, no prazo de dois anos. Para as unidades de controle numérico localmente projetadas, caem de 46% a zero em 4 anos. Embora para outros produtos, como periféricos e discos, as reduções sejam menos intensas. Elas todas apontam a presença de economias de escala dinâmicas, um das justificativas clássicas da indústria nascente.

Igualmente significativo e o fato de os diferenciais de preços dos produtos de informática fabricados por subsidiarias de firmas internacionais os preços de produtos eletrônicos, fabricados na Zona Franca de Manaus. Não serem distintos daqueles observados para as firmas nacionais de informática, sugerindo que o problema tem raízes em condições estruturais, como a dimensão do mercado brasileiro, antes que nas características da Política de Informática.

Dois outros fatos apontam na mesma direção. Em primeiro lugar, o custo de equipamentos onde o mercado brasileiro e de porte internacional, como na automação bancária, e comparável e frequentemente, maior que no exterior. Em segundo lugar, estudos detalhados de custos de produtos de informática nacionais indicam que o principal fator que explica as diferenças observadas entre produtos nacionais e estrangeiros e o custo dos insumos e componentes, que, fabricados no País ou importados em pequena escala, oneram o preço do produto final.

Este último fator remete, de um lado, novamente, a importância de conceber a política integradamente para o complexo, mesmo que de forma seletiva ao nível de famílias de produtos. De outro lado, aponta para a já mencionada propensão a importar das filiais de firmas multinacionais, que, embora instaladas no País há várias décadas, passaram a desenvolver fornecedores locais apenas quando a Política restringiu as importações.

E importante, ainda, notar que, neste tipo de análise, estão sendo comparados resultados de uma indústria madura, como a americana, com os de uma indústria infante, como a brasileira. Sabe-se, porém, que as indústrias, em todos os países, levam um longo tempo para amadurecer. Tomando a indústria automobilística como exemplo de uma estratégia distinta, apoiada sobre firmas multinacionais, o seu amadurecimento, expresso pela redução de diferenciais de preços, parece ter sido muito mais lento que o evidenciado pela indústria brasileira de informática.

Embora a defesa dos interesses do consumidor seja um objetivo meritório em todas as circunstâncias, não deixa de ser curioso, politicamente, que muitos do que presentemente atacam a Política de Informática tenham, no passado, justificado os diferenciais de preços constatados em indústrias estabelecidas segundo o padrão ortodoxo, precisamente com os argumentos da indústria infante.

As considerações acima são feitas com um horizonte temporal de prazo longo. Apesar de apropriado a avaliação de políticas, este horizonte frequentemente não e compartilhado por usuários dos produtos. A observação do seu comportamento sugere que tais usuários tem uma “margem de tolerância” em relação ao hiato de oferta existente num dado momento, a qual opera ao longo de um período relativamente curto. Esgotada no tempo esta margem de tolerância, os usuários passam a pressionar para que o hiato seja removido, total ou parcialmente.

O hiato será mais tolerado se houver um compromisso de parte dos produtores de reduzi-lo em prazos definidos e se a política governamental incluir medidas que garantem o cumprimento deste compromisso, tanto por meio de sanções as empresas que não as honrem (por exemplo, cobrança de incentivos fiscais) como pela rápida abertura a competição externa.

Uma das características das áreas de tecnologia de ponta e a sua alta taxa de inovação, que faz com que a gama de produtos e as características destes estejam em movimento contínuo. Os usuários destes produtos andem a estar bem-informados sobre o “estada-da-arte” internacional e o movimento deste afeta a sua posição no “intervalo de tolerância” com o hiato, aumentando as pressões para a rápida redução deste. Estas pressões são potencializadas pela presença de subsidiarias estrangeiras, ofertantes virtuais das novas safras de produtos.

Os dois conceitos acima utilizados – a margem de tolerância dos consumidores com o hiato tecnológico na oferta interna de bens de serviços e a capacidade interna de inovar – podem ser combinados numa matriz, em que as células são compostas por produtos classificados segunda a margem de tolerância e capacidade de inovar, conforme o quadro 1.

A matriz, embora esquemática, fornece indicações para uma estratégia seletiva de desenvolvimento tecnológico. Para os produtos em que a margem de tolerância e alta e a capacidade interna de inovar também e, o desenvolvimento local destes produtos parece aconselhável. Contrariamente, para aqueles produtos em que a margem de tolerância e baixa e, similarmente o e a capacidade interna de inovação, a importação de tecnologia parece a melhor solução. Finalmente, na diagonal da esquerda, em que estão combinadas altas (baixas) tolerâncias com baixas (altas) capacidades de inovar, a melhor solução parece importação de tecnologia acompanhada de um esforço de inovação interno.

 

QUADRO 1 – Administração do Hiato Tecnológico

 

Margem de Tolerância – Capacidade interna de inovar

 

Alta                                 Baixa

Alta                       Desenvolvimento Local          Importação

Des. Local

Baixa                     Importação                                Importação

Desenvolvimento Local

 

A matriz acima descrita pode ser utilizada de forma estática, para classifica os produtos num dado ponto no tempo, ou de forma dinâmica, para definir a distribuição de produtos pelas células da matriz ao longo do tempo, ou, em outras palavras, para definir as prioridades de investimento em desenvolvimento tecnológico por linhas de produtos.

A definição da margem de tolerância, conforme descrito acima, cabe essencialmente aos consumidores. No entanto, o Estado pode, com base em critérios sociais ou pautado por um horizonte de tempo distinto, impor hiatos mais longos que os desejados pelos consumidores, pagando por isso o correspondente custo político.

A decisão sobre a distribuição dos hiatos por produtos – ou seja, a relação que se estabelece entre os perfis de oferta nacional e internacional, com suas obvias implicações em termos de importações, produtividade, satisfação dos consumidores etc., e uma decisão política de maior alcance que acima discutida, dependendo de considerações, como a política de rendas, que vão além do âmbito da política industrial.

A análise anterior sugere que se pode estabelecer critérios para definir esta distribuição de hiatos com base nos encadeamentos do CE com o resto do sistema econômico – por exemplo, a margem de tolerância em bens de consumo de entretenimento pode ser maior que bens de capital.

Esses critérios serviriam também para dar a matriz antes apresentada sua definição dinâmica, de instrumento auxiliar das decisões de investimento.

A política brasileira de informática parece ter atuado de forma semelhante, selecionando as estratégias tecnológicas para produtos ou grupos destes, em função da capacidade interna de prover soluções tecnológicas e das pressões para que os produtos fossem rapidamente ofertados no mercado interno.

Embora o prazo para avaliação dos seus resultados ainda seja curto, os que podem ser observados tendem a validar a PNI. No entanto, essa parece ter sido implementada de uma forma muito pontual, produto a produto, e com limitada capacidade de antecipação de problemas. Para que seja eficaz e evidente pressões insuportáveis, procedimentos mais sistematizados de administração do hiato tecnológico terão que ser estabelecidos.

Paradoxalmente, os próprios conflitos que cercaram apolítica, parecem ter contribuído para que ambas as metas claras de redução do hiato não fossem estabelecidas para os produtos protegidos e, ainda mais, para que sanções não fossem impostas quando do não cumprimento destas metas, prejudicando, em última instancia, a legitimidade da própria política.

Num plano mais amplo, da definição da distribuição dos hiatos por produtos, a PNI defrontou-se com um contexto em que inexistiu uma política industrial e onde a política econômica privilegiou, sem sucesso, o controle da inflação. Esta indefinição contribui fortemente para que a PNI fosse mais influenciada por indicações do mercado do que por considerações do uso social da eletrônica.

 

  1. Política Industrial e Informática – Uma Abordagem por Famílias de Produtos

Nas seções anteriores enfatizou-se, de um lado, a necessidade de uma abordagem integrada para o CE e, de outro, a necessidade de seletividade em ermos de produtos ao administrar-se o hiato tecnológico.

Estes dois princípios, abrangência e seletividade, poderiam ser conciliados operando a política ao nível de famílias de produtos que utilizassem recursos técnicos e produtivos semelhantes, e, ancilar mente, fosse dirigido para mercados com características semelhantes. Desata forma, seriam exploradas as economias de escopo, aprendizado e escala que originam a sinergia do CE, resguardando-se os seus usuários de um hiato tecnológico excessivo.

Nesta perspectiva, as famílias de produtos eletrônicos seriam divididas em três grandes grupos: produtos a serem importados, produtos a serem fabricados no país com tecnologia importada, e produtos a serem fabricados no país com tecnologia local. Como na análise anterior do hiato tecnológico, esta divisão teria tanto um caráter estático, de taxionomia inicial, como um caráter dinâmico, expressando os objetivos da política industrial pela alocação de famílias de produtos a um ou outro grupo no tempo.

Imaginado uma política industrial articulada as prioridades econômicas e sociais do país, uma primeira priorização das famílias de produtos eletrônicos, bastante ampla, poderia ser obtida de seus usos. Assim, a título de exemplo, a ênfase no aperfeiçoamento dos serviços básicos presados a população de baixa renda, como saúde e educação, levar a política industrial a privilegiar produtos eletrônicos distintos daqueles que serão priorizados pelo funcionamento do mercado, mantida a atual política de rendas.

Esta primeira seleção de famílias de produtos deveria, a seguir, ser objeto de um escrutínio mais cuidadoso, embora ainda mais amplo que o nível do projeto, seguindo três dimensões básicas, abaixo detalhadas.

I. Utilização e desenvolvimento de recursos tecnológicos no país.

A utilização e o desenvolvimento de uma capacitação tecnológica são objetivos em boa medida complementares, porque a utilização desenvolve os recursos disponíveis (via “learning by doing”) e os limites que esse aprendizado encontra aponta as prioridades do desenvolvimento, como, por exemplo, na transferência internacional de tecnologia.

O objetivo da política industrial ao longo desta dimensão, e ampliar o uso de recursos científicos e tecnológicos mais complexos, criando, ao mesmo tempo, postos de trabalho mais bem renumerados e melhores condições para que a produção local estreito o hiato tecnológico em relação a fronteira internacional.

No entanto, as considerações de ordem econômica e político-institucional, expressas nas outras dimensões do processo de escolha, podem recomendar, para certas famílias prioritárias de produtos, cautela neste avanço, que pode até ser excluído para as famílias que se julgue devam ser importadas ou fabricadas localmente sob licença.

Nos termos do esquema Antes proposto para a administração do hiato tecnológico, a dimensão “capacidade de inovação local” ali utilizada encontra-se subsumida nesta ordem de considerações.

 

II.Barreiras econômicas a produção local

Conforme já foi assinalado, há uma tendencia internacional a elevação dos gastos mínimos em P&D e produção dos produtos eletrônicos. Esta elevação afeta inclusive as interfaces entre o CE e outros complexos como as máquinas-ferramenta com controle numérico, cuja escala mínima de produção tende a ser superior à das máquinas convencionais e que, por sua vez, demandam, por seu alto custo, um uso intensivo por seus compradores.

Assim, a politica industrial deveria, ao selecionar famílias de produtos eletrônicos, considerar, ao lado da escala mínima de investimentos necessários, o mercado potencial destes produtos, priorizando, em ordem decrescente, no mercado nacional, a ocupação de “espaços vazios” na oferta nacional, preenchendo hiatos absolutos de ofertas e , a seguir, a substituição de importações e, no mercado internacional, na mesma ordem, as exportações independentes e as vinculadas a subcontratação e empreendimentos conjuntos com firmas internacionais.

A política de administração do hiato tecnológico acima discutida incide diretamente sobre esta dimensão, ao definir o “timing” de entrada dos produtos no mercado e a dimensão deste ao longo do tempo, pela manutenção do hiato. Outras políticas, como a de reserva de mercados para firmas nacionais, afetam igualmente esta dimensão, ordenando a competição.

 

III. Conflitos político-econômicos

Conflitos de interesse são invitáveis em qualquer política. Para tomarmos alguns exemplos da análise anterior, a harmonização de políticas setoriais dentro do CE só pode ser feita se alguns interesses forma inferidos, dada a discrepância de objetivos que norteiam as várias políticas.

Da mesma forma, a reserva de mercado para firmas nacionais e naturalmente, conflitiva, ao excluir as firmas multinacionais de um dos mercados de mais rápido crescimento no mundo. Neste caso, porém, ao configurar um padrão distinto de distribuição de benefícios entre os vários setores sociais, aplicável outros complexos industriais, notadamente aqueles onde ainda há “áreas vazias”, não ocupadas por firmas estrangeiras, o conflito transborda os limites do CE e adquire feição internacional.

O conceito de margem de tolerância com o hiato tecnológico, antes discutido, situa os conflitos na interface entre o CE e seus usuários e, indiretamente, entre o CE e seus supridores. O processo de solução deste conflito, ou seja, a administração do hiato tecnológico, e, ao mesmo tempo, técnico-econômico e político, pois a decisão quanto a que hiatos tecnológicos serão tolerados para que produtos e por quanto tempo e permeada por juízos de valor sobre que segmentos da sociedade pagam o custo da industrialização e quais desta se beneficiam.

Ao implementar qualquer política econômica, como a reserva de mercado e a administração do hiato tecnológico, o Estado conta com recursos políticos finitos, que são utilizados na gestão dos conflitos inerentes a estas políticas. Em consequência, e recomendável que a política industrial ao selecionar as famílias prioritárias de produtos eletrônicos, tome em consideração explicita os conflitos que ocasiona, ano com a ilusão de poder evitá-los, mas com o proposito de conferir a esta política, ao mesmo tempo, maior transparência e maior eficácia.

Neste sentido, a inovação da PNI de estabelecer camarás setoriais onde os conflitos dentro da cadeia produtiva e com os consumidores fossem explicitados, reservando ao Conselho de Ministros (CDI) apenas as decisões maiores de política, parece que um procedimento mais eficaz do que o adotado na PNI, onde as decisões são tomadas por uma instancia governamental, caso a caso, e todos os conflitos são remetidos a um Conselho misto (CONIN).

As dificuldades na implementação deste processo de seleção são, a dizer pouco, grandes. A quantificação das variáveis, na maior parte dos casos, e dificultou mesmo inviável, podendo-se apenas trabalhar com escalas do tipo qualitativo (“alta”, “média”, “baixa”) ou com ordens nocionais de grandeza (por exemplo, escala de investimento, tamanho do mercado). Aos obstáculos técnicos soma-se a tradição política brasileira do casuísmo e a consequente dificuldade de transparência de critérios e decisões.

No entanto, exatamente por estas dificuldades, que recolocam em questões as relações entre Estado e sociedade civil e, dentro desta, das relações entre vários grupos, a prática de um planejamento reconhecidamente limitado, mas participativo e transparente, serve a uma função econômica, política e social que vai muito além da política industrial. Neste campo, também, a eletrônica pode vir a constituir-se num paradigma para o resto do sistema.

Política industrial no Brasil: um quadro...

  l) Introdução Não existe política sem teoria, pelo menos implícita, frequentemente feita por algum economista há muito morto, como já advertia Keynes. Um quadro teórico claro e consistente não garante a qualidade da política - posto que pode ser fantasioso - mas, pelo menos torna-a...

Política industrial no Brasil: um quadro analítico e algumas propostas.

Fabio S. Erber, IN: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987.22p (Texto para discussao, n.136)

Este texto apresenta um quadro teórico-analítico que Erber utilizava como arcabouço metodológico para elaboração de suas propostas de política industrial. Ele parte do pressuposto de que as decisões sobre a indústria não fluem adequadamente dos mecanismos de mercado, dada uma política macroeconômica correta. Relembra das discussões de décadas sobre as imperfeições de mercado, a existência de mecanismos de causação circular e o fato de o desenvolvimento industrial ter sempre contado, não só no Brasil, mas também no mundo, com o apoio decisivo de participação do Estado. Não esqueceu de enfatizar também as consequências de mudanças radicais que vêm ocorrendo na base técnica mundial, que tem levado o Brasil e o mundo a uma grande concentração de renda. Na segunda seção, desenvolve conceitos (notadamente o de “paradigma tecnológico”) que explicitam as características e a dinâmica de uma estrutura industrial, e de “complexo industrial” que articula esses conceitos à intervenção do Estado, o que vem ocorrendo atualmente nos países desenvolvidos, que procuram se reindustrializar. A última seção trata do caso brasileiro, nesse artigo de 1987, sendo bastante interessante verificar que, as histórias factual e intelectual da industrialização brasileira nos mostram que alguns problemas continuam os mesmos, agora que há necessidade de reindustrializar o País – primeiro vencer os que foram bem-sucedidos nos períodos anteriores (que tendem a impor resistência a mudanças) e, a seguir, avançar e reformular a industrialização, além da infraestrutura (transportes, energia, etc.) No processo de industrialização anterior, e o mesmo deve acontecer agora com a reindustrialização, pois é típico da indústria, ocorreu a implantação de alguns setores “puxando”, pelas interdependências setoriais, o estabelecimento de outros, à sombra das restrições de divisas e ao amparo do Estado. Cabe enfatizar, no entanto que, o processo de constituição do tecido industrial no período de industrialização anterior não foi totalmente concluído, pois faltaram implantar os setores de ponta tecnológica e o conjunto de atividades que gera uma capacidade tecnológica além da necessária a operar plantas. Em algumas áreas de ponta, como a eletrônica, trata-se ainda de construir um novo complexo industrial, no qual a interdependência entre as indústrias é estabelecida por uma base técnica comum e onde a convergência de mercados tende a reforçar esta interdependência. Este complexo tende a invadir a base técnica dos demais complexos e, assim, constituir novos vínculos intersetoriais. Em outras áreas de ponta, como na química fina e na biotecnologia trata-se ainda de transformar alguns complexos já existentes numa ótica “estruturante”. A ação do Estado deve ser utilizada para aumentar a capacitação tecnológica, que exige uma visão integrada, abarcando a capacitação científica e a formação de recursos humanos. Podem, também, ser usados incentivos aos setores já implantados, pois devem ser articulados ao complexo científico-tecnológico. Embora o eixo da restrição de divisas tenha se deslocado do plano comercial para o financeiro, é previsível que o país necessite por um longo tempo de se preocupar com este problema. As transformações em curso na base técnica mundial e seus reflexos sobre a estrutura industrial brasileira levam à necessidade de retomada do debate sobre a estratégia de industrialização e dos meios de operacionalizá-la. Neste sentido, Erber sugere uma visão de planejamento integrado, mais amplo do que os usuais “Planos Industriais” elaborados nos Fóruns do MDIC, em face do impacto que a nova política deve ter na sociedade como um todo. O planejamento autoritário e arbitrário do passado não deve se repetir já que a “História não se repete a não ser como farsa”. O processo de planejamento integral proposto, deve ser fruto de pactos/convenções/ acordos abrangendo as mais diversas áreas (social, política, financeira, industrial, tecnológico, educacional etc.), e formulada com critérios explícitos de política. O planejamento integral é um instrumento que tende a ser companheiro da democracia.

 

l) Introdução

Não existe política sem teoria, pelo menos implícita, frequentemente feita por algum economista há muito morto, como já advertia Keynes. Um quadro teórico claro e consistente não garante a qualidade da política – posto que pode ser fantasioso – mas, pelo menos torna-a mais inteligível e “transparente”.

O que segue ê uma contribuição ao debate sobre um tema que se faz urgente no Brasil – a política industrial.

Ha, é verdade, os que sustentam ser o debate sobre o tema inútil dada uma política macroeconômica correta, as decisões sobre a indústria fluirão naturalmente, guiadas pelos mecanismos de mercado. Esta visão consegue” ignorar décadas de discussão sobre as imperfeiçoes do mercado como orientador de decisões, a existência de mecanismos de causação circular e o fato do desenvolvimento industrial, no Brasil e no resto do mundo, ter contado, de forma decisiva, com a intervenção estatal. Ignora também as transformações radicais que vêm ocorrendo na ” base técnica mundial, que têm um forte componente concentrador, se deixadas ao sabor do mercado, e suas repercussões no Brasil, bem como a problemática da estrutura industrial brasileira ao concluir sua fase de implantação. Insere se, pois, no reino da fé fora dos limites estreitos deste artigo. . .

As duas próximas seções são de caráter analítico – a primeira (I) desenvolve alguns conceitos (notadamente as ideias de “paradigma tecnológico” e “complexo industrial”) úteis a compreender as características e a dinâmica de uma estrutura industrial moderna, enquanto a segunda articula estes conceitos à intervenção do Estado.

A última seção trata do caso brasileiro, apontando 0s traços principais do atual estágio de desenvolvimento da estrutura industrial do país e as implicações para a política econômica sugeridas pelo quadro analítico desenvolvida nas seções precedentes.

 

(2) Dinâmica Industrial: paradigmas tecnológicos e complexos industriais

A teorizado do mundo industrial é dificultada pela descontinuidade dos fenômenos, expressa, p. ex., pelas economias de escala estáticas e dinâmicas resultantes, -umas de propriedades técnicas de instalações e equipamentos e, outras, de efeitos de aprendizado. A estas, somam-se o caráter cumulativo da concorrência e do progresso técnico e a ocorrência simultânea de interdependências entre os vários setores que compõem a estrutura industrial, estabelecidas por relações tecnológicas e de mercado, com a heterogeneidade no ritmo de evolução destes setores, que estabelece relações de hierarquia entre eles, do ponto de vista da sociedade como um todo.

Alguns destes fenômenos estou há muito incorporados a discussão sobre política industrial e desenvolvimento, como por exemplo, a dificuldade de industrializar os países mais pobres dada pelo confronto entre o mercado destes países e a escala mínima das plantas industriais, (geradas para os mercados dos países mais ricos). Da mesma forma, data de muito tempo o reconhecimento de que os diversos setores dentro da estrutura industrial desempenham papéis distintos em termos dos seus encadeamentos interindustriais e com os demais setores e da sua capacidade de mobilização do investimento, consumo e outras categorias macroeconômicas. Em consequência, o conhecido peso dentro de uma estrutura industrial dos setores dinamicamente mais relevantes serve de parâmetro para as possibilidades de desenvolvimento econômico.

E a luz desta constatação que deve ser interpretada a importância atribuída a falta de uma indústria de bens de capital nos países em desenvolvimento como fator que, tanto definia a especificidade do seu padrão de desenvolvimento, em comparação com os países já industrializados, como explicava um processo de acumulação de capital menos dinâmico e mais dependente do exterior.

No passado mais recente avançou-se substancialmente na compreendo da importância de progresso técnico como fator dinâmico da estrutura industrial e, ainda mais, na capacidade analítica de tratar este progresso técnico como um fenômeno endógeno & dinâmica industrial, algo que este gera internamente, em resposta as pressões da concorrência, do mercado e da ação estatal.

Este avanço analítico rompe com a tradição neoclássica de tratar o progresso técnico como algo exógeno a economia, que sobre ela tomba como mana do céu, e retoma o pensamento clássico e Schumpeter ano sobre industrialização, atualizando-o, face as condições de crise cíclica e emergência de tecnologias que configuram uma nova base técnica para a indústria (notadamente a microeletrônica, biotecnologia e novos materiais).

Um dos conceitos mais ricos surgidos recentemente na literatura e o de “paradigma tecnológico”. Seu autor, Dosi (1982), propõe que, a semelhança das ciências, as tecnologias têm a forma de “paradigmas”, que constituem “modelos” ou “padrões” de solução de alguns problemas técnicos, baseados em princípios científicos selecionados, (derivados das ciências naturais) e em técnicas especificas (equipamentos, materiais etc.). Assim, os paradigmas tecnológicos incorporam uma “visão” que seleciona os problemas relevantes, os procedimentos de pesquisa e os critérios de progresso na solução dos problemas.

Novos paradigmas surgiriam de novas oportunidades abertas pelo desenvolvimento científico ou pela crescente dificuldade em avançar ao longo de um paradigma já existente, tanto por razões técnicas como econômicas e sociais. 0 surgimento de novos paradigmas estaria associado a constituição de novos setores produtivos ‘e as transformações substanciais*da estrutura produtiva – ou seja, na terminologia shumpeteriana clássica, seriam “inovações primarias”.

Depois de estabelecido, um paradigma seguiria um processo de desenvolvimento “normal” ao longo de uma ‘trajetória tecnológica” (2), definida pelo próprio paradigma. O progresso técnico constituiria na melhoria dos trade-offs entre as variáveis tecnológicas que o paradigma define como relevantes – por exemplo velocidade e densidade dos circuitos em semicondutores. Este progresso técnico se expressaria através de uma série de inovações “secundárias” de produtos e processos, de caráter cumulativo, em que efeitos de aprendizado, advindos da experiência, seriam de grande import4ncia. A evoluído destas trajetórias influenciada tanto por fatores econômicos, entre os quais se destacam as condições de mercado, como por
elementos institucionais e políticos, como a intervenção do Estado fomentando ou restringindo o desdobramento de determinadas trajetórias.

A noção de paradigma envolve, pois, a ideia de agrupamento (clustering) de inovações e da transformação de, pelo menos, uma parte da base técnica da economia pela constituição de novas indústrias, que têm em comum, no mínimo-, certas características tecnológicas -o que estabelece interdependências na sua dinâmica, que, assim, tende a assumir efeitos de sinergia.

A problemática da interdependência dinâmica entre indústrias, coloca a necessidade de conduzir a análise a um nível de agregação intermediaria entre o setor industrial e a macroeconomia. Como resposta desenvolveu-se recentemente o conceito de “complexo industrial” – um grupo de indústrias que se movem particularmente, embora com ritmos diferenciados, sob a liderança de uma indústria motriz, que organiza o complexo.

Na maior parte dos casos, os complexos industriais têm sido tratados pelo angulo das relações de compra-e-venda interindustriais (3), tanto por razões analíticas como pela facilidade que matrizes de insumo-produto oferecem para delimitar empiricamente os diversos complexos. Estes são, em regra, definidos pelo mercado p. ex. automotriz, onde a indústria importadora de veículos atua como organizadora hegemônica do complexo. No entanto, existem grupos de setores industriais, orientados para mercado distintos, cuja interdependência estabelecida por uma base técnica comum, dinamiza-
dá pelo fluxo intersetorial de inovações, cujo melhor exemplo é dado pela indústria que compõem o “complexo eletrônico”. Neste segundo tipo de complexo, a hegemonia mais difusa, tendendo, porém, recair na indústria que tenha uma alta taxa de inovações, utilizáveis pelas demais industrias que compartilham sua base técnica.

Veja-se Haguenauer e outros (1984) para um tratamento detalhado do conceito e sua aplicação ao caso brasileiro, através das relações de insumo-produto. A evidência empírica (4) quanto aos fluxos interindustriais de inovações mostra que os setores industriais podem ser agrupados em 3 grupos:

– Setores “motores” da inovação – aqueles que, além da de gerarem o grosso das inovações que usam, são supridores de inovações para o resto do sistema. No presente, estes setores “intensivos em ciência”, que atuam na “ponta “da tecnologia, desenvolvendo as novas trajetórias tecnológicas para o sistema econômico, a exemplo da eletrônica, novos materiais e da nova biotecnologia.

– Setores “receptores” de inovações – aqueles cuja demanda por inovações é atendida principalmente pela oferta de outros setores. Este grupo composto principalmente pelos produtores de bens de consumo não durável.

– Setores “intermediários” – aqueles cuja demanda por inovações e suprida em parte por esforços internos (principalmente inovações incrementais) e em parte (as inovações mais radicais) por inovações geradas nos setores “motores”, eventualmente desenvolvidas internamente. Estes setores atuam também como supridores importantes de inovares entre si e para o segundo grupo. Compõem este último grupo os setores produtores de bens de capital, intermediários e de consumo durável.

As inovações geradas no primeiro conjunto de setores tendem a ter múltiplos setores usuários, estabelecendo relações intersetoriais que, inicialmente, s&0 tecnológicas e, a seguir, de insumo-produto e investimento. Os setores motores têm, porém, em comum a base cientifica e técnica do seu paradigma e a mesma trajetória, que faz com que sua dinâmica seja interdependente, mesmo que forneçam a distintos mercados. Desta forma, um novo paradigma tecnológico expressa-se em plano produtivo por um complexo industrial articulado pela base técnica.

(4) Vejam-se Scherer (1982) para os Estados Unidos, Pavitt (1984) e Soete (1986) para o Reino Unido. Com estes conceitos pode-se avançar na compreensão das questões relativas as relações entre complexos industriais e hierarquia destes na estrutura industrial, em termos do dinamismo que lhe imprimem. Na medida em que um paradigma tecnológico, gerado no primeiro grupo de industriais, demonstra ser inequivocamente superior para resolver certos problemas técnicos, econômicos e sociais, ele tende a ser adotado pelas indústrias: dos outros grupos, provocando uma “destruição criadora”” na base técnica destas.

Em consequência, forjam-se novos vínculos intersetoriais, provocando uma transformação da estrutura industrial pela articulação entre o complexo-industrial que gera o novo paradigma e os complexos cuja base técnica está sendo modificada pelo novo paradigma. As relações em curso entre os complexos automobilístico e eletrônico são um bom exemplo deste processo.

Na nova estrutura industrial que surge deste processo, a dimensão relativa do complexo industrial vetor do novo paradigma no
aparato produtivo e a sua dinâmica de expansão – i.e., os novos espaços econômicos que cria por meio de novos produtos e processos e os espaços de antigos complexos que ocupa, substituindo-os – “dão (ou não) ao novo paradigma um caráter de inovação primaria (ou não).

O impacto do novo paradigma será maior se seus principais setores usuários formam os setores “intermediários” (conforme a taxa economia acima), devido ao peso que estes têm na estrutura industrial e, principalmente, pelo seu poder de encadeamento nos fluxos tecnológicos e de insumo-produto.

Ao mesmo tempo que o complexo industrial de materialidade produtiva ao paradigma tecnológico, esta última noção pode servir a entender e evolução do complexo e as estratégias das empresas que o formam.

Essa linha de investigação foi recentemente desenvolvida por Aratijo Jr. (1985). Este autor sugere que os complexos passam
inicialmente por uma fase formativa, em que as estratégias das firmas lideres privilegiam a exploracao da inovação primaria e desenvolvimento de inovações secundarias, transformando seu comportamento usual. Nesta fase, a distribuição do poder dentro do complexo estaria fortemente concentrada na indústria produtora de inovações, cuja estrutura tenderia a concentração e altas barreiras à entrada, ao passo que as demais industrias do complexo teriam uma estrutura facilmente contestável pela indústria motriz. Ao mesmo tempo, as relações interindustriais dentro do complexo apresentariam um grau relativamente alto de indefinição.

A análise anterior dos complexos “motores” da inovação complementa a de Aratijo Jr., explicando a tendência a diversificação e
integração nas firmas líderes do complexo ao longo de diversos mercados com base técnica comum, com o objetivo de captar as economias de escopo que esta proporciona, a exemplo do que ocorre na eletrônica.

Se não ocorrerem outras inovações primárias, o complexo tendera a maturidade, evidenciada pela consolidação das relações interindustriais e pela redução da contestabilidade dos mercados pela indústria motriz, bem como por uma redução relativa da hegemonia desta. Aratjo Jr. sugere que, neste momento, as firmas líderes desta indústria podem tanto optar por uma estratégia de diversificação de investimentos para fora do complexo, como tentar revitaliza-lo através da busca de uma nova inovação primaria. No primeiro caso o dinamismo do complexo tendera a reduzir-se e provavelmente ocorrerão transformações substanciais na sua estrutura, ao passo que, no segundo, o ciclo pode reiniciar-se pelo “rejuvenescimento” do complexo.

Se, no presente, os paradigmas são gerados principalmente pela pesquisa cientifica, a observação desta fronteira torna-se um
fator importante na estratégia das firmas, especialmente para aquelas de complexos maduros. Nesse sentido o comportamento de várias grandes firmas do complexo químico, que adquirem participações acionarias de pequenas empresas, de origem académica, para ter conhecimento do que ocorre na area de engenharia genética, parece exemplar.

3) A Intervenção do Estado

Os conceitos de paradigma tecnológico e complexo industrial têm diversas implicações para a intervenção do Estado na dinâmica industrial.

As trajetórias adotadas nos países centrais, que se encontram expressas no mercado, so0 apenas uma parte das trajetórias disponíveis, selecionadas no leque de alternativas por mecanismos de mercado e fatores institucionais, especialmente a ação do Estado, específicos daqueles países. Em consequência a noção de paradigma e trajetórias, refuta a ideia de determinismo tecnológico. No entanto, ao enfatizar a importância de processos cumulativos e de mecanismos seletivos na definição dos paradigmas e trajetórias, aponta para a existência de limites à vontade política.

O caráter científico dos novos paradigmas científicos aponta para a importância da pesquisa básica e da formação de recursos
humanos de alto nível, para a dinâmica industrial. Dada a ineficiência dos mecanismos de mercado para fomentar o investimento privado nestes campos, devido a problemas de incerteza, longo prazo de maturação e dificuldade de apropriação de resultados do investimento, estes constituem campos clássicos de atuação do Estado.

No entanto, e importante lembrar que os fluxos intersetoriais de progresso técnico dependem da constituição de um “tecido científico e tecnológico” que vai além da capacitação em pesquisa básica, abrangendo um amplo leque de competências, parte localizadas em empresas (por exemplo a capacidade de projeto de produtos e processos) e parte em outros tipos de organização, como serviços de normas e metrologia, informado etc., frequentemente providos pelo Estado.

Este conjunto de atividades e dotado das mesmas características do sistema industrial-econômica de escala, aprendizado e escopo, efeitos de sinergia etc.- que dependem da sua articulação com o sistema industrial.

Onde este sistema está precariamente constituído e pouco articulado a indústria, cabe ao Estado estruturá-lo, fomentando a sua vinculação industrial.

A análise anterior também leva a conclusão de que uma política industrial, para ser eficaz e eficiente, tem que corresponder a heterogeneidade de situações encontradas no sistema industrial.

Pode-se dividir a intervenção estatal em setores industriais em três tipos, de acordo com uma abrangência decrescente (5):

  1. I) Estruturante – quando o Estado atua diretamente na montagem de um setor ou complexo industrial, criando, simultaneamente, o mercado (p. ex. via restrições a importação ou políticas de rendas) e seus fornecedores, tanto por meio de empresas públicas como pela definição de regras para participação de empresas privadas (p. ex. reservas de mercado por nacionalidade dos proprietários ou por tamanho de empresa).
  2. II) Fomento – quando o Estado define incentivos para certas atividades e condicionalidades para o uso destes incentivos, mas deixa ao mercado a estrutura ao final do setor.

III) Normalização – quando o Estado atua ao nível de produtos e processos, definindo suas características, p. ex. segundo critérios de segurança dos consumidores ou de poluição ambiental.

Nos países onde existe uma política industrial, esta pode ser sistematizada segundo a taxionomia de intervendo acima apresentada e o papel que os setores industriais desempenham nas relações ecológicas interindustriais.

Assim, para os setores de ponta tecnológica, os “motores de inovação”, a intervenção de cunho marcadamente, ““estruturante”,
abrangendo da pesquisa e desenvolvimento a proteção dos produtores locais, no mercado interno e no exterior, por meio de uma ampla gama de instrumentos que vão dos subsídios a P&D até a formação de empresas locais, estatais ou privadas.

Para os setores que são principalmente receptores de tecnologia, a intervenção de natureza essencialmente “normativa” enquanto para os demais setores o Estado provê incentivos variados, de acordo com as condições locais.

A figura 1, a seguir, onde no eixo horizontal está representada a intervenção estatal e no vertical o papel do setor no progresso técnico industrial, sintetiza estas relações.

As nodes de paradigma e complexo, apontam, porém, para a necessidade de conceber a política industrial a luz dos vínculos inter setoriais. Isto implica numa política industrial não apenas heterogénea, diferenciada por setores, como também dotada de uma visão integrada.

Esta dimensão integrada obtida a partir da justaposição de políticas setoriais. Embora a política para complexos abarque e necessite de políticas setoriais, ela se distingue destas almas por uma dimensão maior, dada pelas relações intersetoriais dinâmicas, que se estabelecem de forma plena apenas ao nível de complexos.

Numa primeira aproximação, os complexos podem ser classificados, ‘segundo sua indústria motriz, em “motores”, “intermediários” e “receptores” de progresso técnico e, de acordo com seu estágio de desenvolvimento, em “nascentes”, “maduros estáveis” e “rejuvenescentes”. Cruzando as duas classificações numa matriz, suas células seriam as medidas de intervenção estatal, de cunho “estruturante” para os complexos “motores nascentes” e “maduros rejuvenescentes”, de “fomento” para os complexos “maduros estáveis” e “normativo ” para os complexos “receptores” conforme a figura 2. O detalhamento das medidas “estruturante”, “de fomento” e “normativas” depende, naturalmente, das condições históricas especificas, obedecendo o sentido geral desta classificação.

Tanto pela taxionomia adotada para os complexos como pelo tipo de medida sugerida para as diversas categorias de complexo, e a proposta acima privilegia a dinâmica industrial, especialmente a formação de uma capacitação cientifica e tecnológica na sociedade de uma forma dinâmica, ao enfatizar não apenas a geração como o uso do progresso técnico através dos fluxos intersetoriais.

Ao mesmo tempo, compatibiliza a heterogeneidade do mundo industrial com a necessidade de dotar a política de orientações gerais, operando a um nível de integração intermediário entre a especificidade do setor industrial e a generalidade das medidas macroeconômicas.

A realidade, a “concretude” da qual conceitos como paradigmas tecnológicos e complexos industriais são abstrações, impõe esta integração. Ela se dá tanto por mecanismos de “tatonnement” econômico e político, como, de forma mais racional e explicita, através do planejamento, para o qual os conceitos acima discutidos são instrumentais.

Diversas qualificações podem ser introduzidas neste esquema. Assim a intervenção estatal e matizada de diversas formas pela dimensão internacional de economia. De um lado, esta adiciona motivações fundamentais para a intervenção do Estado, tanto no caso de países cuja economia faz face a restrições de divisas, como no caso dos Estados que se movem por uma lógica de potência militar e/ou econômica. De outro, a internacionalização da economia pode impor sérios limites a efetiva capacidade do Estado intervir, quer pelo peso político que detém grandes firmas multinacionais, quer pela redução dos – ‘vínculos
interindustriais internos que a propensão a importar destas firmas acarreta (veja-se próxima seção). O leitor interessado certamente descobrira muitas outras -e será bem-vindo.

 

4) Aplicações ao caso brasileiro

As histórias factual e intelectual da industrialização brasileira são dominadas pela problemática da montagem de um parque industrial no país – primeiro para vencer os que sustentavam a “vocação primário-exportadora” do pais e, a seguir, para avançar na industrialização “a montante” das cadeias produtivas, implantando as indústrias fornecedoras de bens de capital e insumos, além da infraestrutura (transportes, energia, etc.).

Este processo deu-se, como & típico da indústria, de forma descontinua, mas articulada, com a implantação de alguns setores “puxando”, pelas interdependências setoriais, o estabelecimento de outros, a sombra das restrições de divisas e ao amparo do Estado.

Usando a taxionomia da seção anterior, de modo simplificado o Estado brasileiro atuou de forma “estruturante” nos setores de
infraestrutura e de bens de produção (insumos e bens de capital) e concedeu fortes incentivos aos demais, com pouca atuação “normative”.

No presente, este processo de constituição do tecido industrial encontra-se quase concluído. Faltam, principalmente, implantar
os setores de ponta tecnológica e o conjunto de atividades que gera uma capacidade tecnológica além da necessária a operar plantas. As duas lacunas no tecido industrial brasileiro sa0 complementares.

Conforme já foi mencionado, uma das principais formas pelas quais os setores de ponta dinamizam a economia é pela transformação de base técnica dos demais setores. Para que isso ocorra é necessário que, tanto nos setores de ponta como nos demais, exista uma capacidade técnica e cientifica, adequada as circunstâncias especificas, que lhes permita gerar e absorver o progresso técnico.

Conforme demonstra abundantemente a literatura sobre transferência de tecnologia, esta capacidade não se move internacionalmente, nem por meio do investimento externos, nem pelo licenciamento de tecnologia entre partes independentes.

A lógica de comportamento de licenciadores de tecnologia e de empresas internacionais faz com que se transfiram as capacidades de projeto básico de produtos e processos e, ainda menos, as de pesquisa – transferem-se, apenas, a competência de operações de planta e engenharia de detalhe, das quais não se evolui, sem investimento autônomo, para as anteriores, indispensáveis as tarefas de inovação e absorção.

Em consequência, mesmo que, por absurdo, se atribua ao capital estrangeiro a responsabilidade maior da industrialização, esta permanecera limitada ao nível da capacidade tecnológica interna e do dinamismo que desta decorre. A constatação destes fenômenos não conduz a uma política de autarquia tecnológica – a importação de tecnologia é indispensável por razão de custo, risco, tempo e escassez de recursos internos. No entanto, ela se frutifica plenamente quando associada a investimentos internos que suprem suas deficiências naturais. O Japão, renomado importador de tecnologia, dá um bom exemplo dos frutos de adotar
uma estratégia pela qual gasta internamente seis vezes o que dispende com importações.

E necessário reconhecer que a importação de tecnologia além de complementar a capacidade interna pode representar uma competição para esta, justificando a sua proteção. Em verdade, a capacidade tecnológica interna aplica-se todos os argumentos clássicos da “indústria infante”, como economias de escala estáticas e dinâmicas, que justificam a proteção contra as importações – o que implica em proteção aos produtos e processos que incorporem a tecnologia localmente desenvolvida.

Dado o comportamento diferenciado de empresas nacionais e estrangeiras no que toca a constituição da capacidade tecnológica de inovação, que decorre da própria lógica das segundas, a proteção a tecnologia nacional abarca medidas explicitas de proteção as primeiras.

No entanto, esta proteção tem que ser seletiva, tanto ao nível de produtos como de tecnologias, envolvendo uma política de “administração do hiato tecnológico”, expressa pela operação articulada dos instrumentos de política de importação (de bens de capital e tecnologia), controle de acesso ao mercado nacional, investimento etc.

Assim, onde se faz presente a necessidade de uma acao estruturante” do Estado, no momento atual, e na montagem dos setores de ponta e da capacidade tecnológica interna, que requer, como complemento indispensável, o reforço das instituições académicas de pesquisa e um grande esforço de formação de recursos humanos adequadamente qualificados.

Para os demais setores, e imperioso reconhecer que estão montados, e exceção da capacidade tecnológica antes referida. Ou seja, não e de esperar que repitam, no futuro próximo, os maciços investimentos constitutivos de indústria que caracterizaram a história recente da industrialização do país. Seu dinamismo dependera, agora, da evolução da demanda final e do progresso técnico. A este último cabe o papel fundamental, tanto pela melhoria de produtividade e aumento de competitividade internacional como pelos efeitos indutores de investimento e encadeamento intersetoriais.

As atuais circunstâncias internas e externas da indústria brasileira requerem uma grande transformação da política industrial tanto da sua concepção como de seus instrumentos.

Em algumas áreas de ponta, como na eletrônica, trata-se de constituir um novo complexo industrial, no qual a interdependência entre as indústrias é estabelecida por uma base técnica comum e onde a convergência de mercados (p.ex. telemática) tende a reforçar este interdependência. Este complexo tende a “invadir” a base técnica dos demais complexos via automação e, assim, constituir novas vínculos intersetoriais. Em outras áreas de ponta, como na química fina e na biotecnologia trata-se de transformar alguns dos complexos já existentes (p.ex. química e agroindustrial), numa ótica “estruturante”.

Da mesma forma, a capacitação tecnológica, crescentemente baseada na ciência, exige uma visão integrada, abarcando a capacitação cientifica e a formação de recursos humanos, conforme já foi mencionado.

Para os setores já implantados será necessário transformar o leque de incentivos que o Estado lhes oferece, privilegiando sua
capacidade tecnológica, articulando-os ao “complexo tecnológico e científico”. A título de exemplos pode-se citar a concessão de incentivos fiscais para P&D, que o Brasil e 0 único país de relativa industrialização a não conceder, e a realização de programas de capacitação tecnológica pelas empresas, intramuros ou contratados, como condição de obtenção de incentivos creditícios ou fiscais.

Neste contexto, a ação “normativa” do Estado, até agora relegada a plano secundário, pode ser proficuamente utilizada como estímulo a capacitação tecnológica e ao aumento de competitividade internacional, especialmente nos setores “receptores” de inovações, que desta forma, estreitando o seus laços com os demais.

As condições internacionais sob as quais se desenvolve a industrialização brasileira também recomendam uma ênfase na capacitação tecnológica. Embora o eixo da restrição de divisas tenha se deslocado do plano comercial para o financeiro, é previsível que o país necessitara por um longo tempo de manter superávits na balança comercial.

Já no presente o desempenho exportador brasileiro depende em boa medida de uma capacidade tecnológica interna, tanto ao nível do binômio escala de produção-custos para produtos primários e manufaturados intermediários, como ao nível da competência em projetar e fabricar produtos adequados a mercados específicos, como nos casos conhecidos da indústria aeronáutica, armamentos e bens de capital.

No futuro, a importância de capacidade de projeto e de fabricaca0 com qualidade estável e adequada para entrar e ampliar a presença no mercado internacional tende a aumentar – o que requer um aumento da capacitação tecnológica da indústria nacional.

Em decorrência, tanto os instrumentos de controle de importações como os de incentivo as exportações devem ser revistas a luz desses requisitos. Neste contexto, a repetição de modelos exportadores datados da década de sessenta, baseados no estímulo a exportaca0 via baixo custo de mão de obra e benefícios fiscais e cambiais, serão ineficazes e, provavelmente, contraproducentes na sua interaca0 com o resto da indústria, justificando a assertiva de que a História não se repete senão como farsa.

A complexidade das condições atuais, internas e externas, do processo de industrialização brasileira impõem uma retomada do planejamento no país.

Ha no Brasil uma longa tradição de pensar a industrialização pela ótica da interdependência, dos “pontos de estrangulamento” do Plano de Metas, A estratégia de montagem da indústria de bens de capital e intermediários do II PND.

Na prática, porém, inclusive devido ao caráter descontinuo e concentrado do processo de implantação dos blocos de industriais, o planejamento deu-se ao nível setorial, especialmente em empresas estatais, como a ELETROBRAS.

Na última década, com o predomínio de políticas de curto prazo frequentemente de cunho recessivo, e com o desmantelamento dos aparatos de planejamento, a visado estratégica tendeu a desaparecer. Restou, de forma precária, o planejamento a nível setorial. No entanto, as transformações em curso na base técnica mundial e seus reflexos sobre a estrutura industrial brasileira, bem como o fim de uma era de montagem do parque industrial, necessitam que se tome o debate sobre a estratégia de industrialização e dos meios de operacional.

A estruturação dos setores de ponta e da capacitação tecnológica e dos seus vínculos com os demais setores, — do parque industrial já existente e o aumento da competitividade internacional ‘“requerem uma visão de planejamento integrado, que vá além do Âmbito setorial.

As seções anteriores apresentam um quadro analítico de caráter preliminar que pode ser útil a discuss4o em torno dos conceitos e procedimentos que deverão informar o indispensável planejamento da industrializado, agora e no futuro próximo.

Qualquer que seja o marco analítico adotado, o novo tipo de planejamento, necessário ao progresso da industrializado brasileira, requerera, substanciais modificações nos vínculos internos do aparato estatal e de suas articulações com o setor privado, com importantes consequências sociais e políticas. Convém aqui ressaltar que, a identificação do planejamento com autoritarismo. Ao autoritarismo, e ao particularismo que o acompanha, servem mais a obscuridade e o policy-making in câmera. O planejamento, os critérios explícitos de política, tendem a ser companheiros da democracia.

No passado, o Estado foi o grande motor da industrialização brasileira. O desafio que se coloca agora e se sera capaz de seguir cumprindo este papel histórico em condições substancialmente distintas. O padrão de desenvolvimento brasileiro depende, em boa medida, da resposta que será dada a esse desafio.

O sistema de inovações em uma economia...

1. Introdução

Este artigo apresenta uma agenda de pesquisas sobre sistemas nacionais e locais (regionais e setoriais) de inovação derivada da abordagem keynesiana de uma “economia monetária”. O artigo é parte de um processo de pesquisa teórica que se encontra em suas etapas iniciais....

O sistema de inovações em uma economia monetária

Fabio S. Erber, In: J.E. Cassiolado; H. Lastres. (Org.). Globalização e inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. 1ed.Brasília: IBICT/MCT

Este artigo é parte de uma agenda de pesquisa sobre sistemas nacionais e locais (regionais e setoriais) de inovação derivada da abordagem keynesiana de uma “economia monetária”. Ele é composto por quatro seções, além da introdução. Cada seção apresenta uma breve exposição analítica e algumas sugestões de pesquisa. A primeira mostra, de forma axiomática, uma visão sintética de uma “economia monetária”, na perspectiva pós-keynesiana. A seguir, comenta a compatibilidade desta visão com a neo-schumpetriana. A segunda seção enfoca o investimento em tecnologia em uma ótica microeconômica, dentro da perspectiva monetária, o que implica em tratar esse investimento como parte de um portfólio. A terceira seção discute as instituições e as políticas estatais que afetam os investimentos em tecnologia. A última seção situa a abordagem apresentada anteriormente no âmbito dos estudos sobre sistemas de inovação. Dado o público a que se dirige, o artigo supõe a familiaridade do leitor com a literatura neo-schumpeteriana e, especificamente, com a leitura que trata de sistema de inovação.

1. Introdução

Este artigo apresenta uma agenda de pesquisas sobre sistemas nacionais e locais (regionais e setoriais) de inovação derivada da abordagem keynesiana de uma “economia monetária”. O artigo é parte de um processo de pesquisa teórica que se encontra em suas etapas iniciais. Portanto, suas conclusões teóricas têm um caráter fortemente conjectural – razão adicional para levá-las ao debate com especialistas que compartilham os mesmos interesses. Da mesma forma, as sugestões de pesquisa são nada mais que indicativas – visam a abrir caminhos e não mapear o terreno.

O artigo é composto por quatro seções, além desta. Cada seção é composta por uma breve exposição analítica e algumas sugestões de pesquisa. A primeira apresenta, de forma axiomática, uma visão sintética de uma  “economia monetária”, na perspectiva pós-keynesiana. A seguir, comenta a  compatibilidade desta visão com a perspectiva neo-schumpeteriana. A segunda seção enfoca o investimento em tecnologia por uma ótica microeconômica, dentro da perspectiva monetária, o que implica tratar esse investimento como parte de um portfólio. A terceira seção discute as instituições e políticas estatais que afetam os investimentos em tecnologia. A última seção situa a abordagem apresentada anteriormente no âmbito dos estudos sobre sistemas de inovação.

Um caveat é oportuno: dado o público a que se dirige, o artigo supõe a familiaridade do leitor com a literatura neo-schumpeteriana e, especificamente, com a literatura que trata de sistemas de inovação.

2. Os axiomas da Economia Monetária e o Programa de Pesquisas Neo-Schumpeterino

Uma economia monetária pode ser caracterizada a partir de cinco axiomas (Carvalho 1989):

  1. Axioma da Produção: a produção é realizada por firmas, com o fim de venda em mercados. A firma é um ator social de pleno direito, uma instituição que não pode ser reduzida a seus proprietários. A firma é um locus de acumulação de capital, cuja função-objetivo é a busca de riqueza, definida em termos monetários.
  2. Axioma da Decisão: O poder de decisão é diferenciado segundo a classe dos agentes. As decisões empresariais são as que regem a operação de uma economia monetária porque são os empresários que controlam o capital.
  3. Axioma da Inexistência da Pré-conciliação: A instituição de pagamentos em moeda implica que a coordenação entre produção e consumo só se dá após a ocorrência da primeira. Assim, a coordenação pode não ocorrer. A possibilidade de falta de coordenação é agravada porque a moeda não é apenas um meio de pagamentos – é um ativo que pode ser retido pelos agentes econômicos, por vários motivos (especulação, incerteza etc.).
  4. Axioma da Irreversibilidade do Tempo e da Incerteza: O tempo em uma economia monetária é irreversível. Os capitalistas agem em função de expectativas formadas em um quadro de incerteza substantiva (não-ergódica), que não pode ser eliminada pelo acréscimo de informações. A frustração de expectativas reforça o axioma anterior. O tempo e a incerteza são especialmente relevantes para as atividades de investimento. Para restringir a incerteza, a economia capitalista desenvolve instituições e normas de comportamento empresariais. A preferência pela liquidez constitui um dos principais mecanismos utilizados pelos empresários para lidar, simultaneamente, com a irreversibilidade do tempo e com a incerteza.
  5. Axioma das Propriedades da Moeda: As funções cumpridas pela moeda, especialmente de servir de unidade de conta para a realização de contratos e de reserva de valor (via preferência pela liquidez), requerem que a moeda tenha elasticidades de produção e substituição nulas ou negligenciáveis.

Usando a caracterização de “programa de pesquisa” de Lakatos (1970)1, os axiomas anteriormente resumidos podem ser interpretados como o “núcleo central” do programa de pesquisa pós-keynesiano. O núcleo central neo-schumpeteriano compartilha diversos aspectos do núcleo pós-keynesiano, mas apresenta também diferenças importantes:

  1. Os axiomas 1 e 2 de Carvalho são plenamente compartilhados pelo programa neo-schumpeteriano.
  2. O enunciado geral dos axiomas 3 e 4 aplica-se ao programa neo-schumpeteriano. Em consequência, nos dois programas, não há no capitalismo tendência ao equilíbrio de pleno emprego – os desequilíbrios são inerentes ao capitalismo. Da mesma forma, os dois programas enfatizam a importância de comportamentos empresariais e instituições para lidar com a incerteza e a irreversibilidade do tempo. No entanto, a causalidade é distinta. Enquanto no programa pós-keynesiano enfatiza-se a moeda, no programa neo-schumpeteriano a ênfase recai sobre inovações. Em consequência, o cinturão protetor do primeiro programa tende a priorizar aspectos de demanda efetiva (monetária), a um nível alto de agregação2. Em contraste, o programa neo-schumpeteriano parte da diversidade dos agentes e utiliza categorias mesoeconômicas como o setor e o paradigma tecnológico para lidar com essa diversidade, visando a analisar as transformações na estrutura produtiva e institucional.
  3. O axioma 5 pertence apenas ao programa pós-keynesiano. No paradigma neoschumpeteriano, a moeda tem funções de meio de pagamento – não se exploram suas funções de unidade de conta para a realização de contratos nem seu papel como ativo (a preferência pela liquidez). Em consequência, a moeda não tem natureza temporal – o que é surpreendente em um programa de pesquisas que privilegia o tempo.

A principal conjectura teórica deste artigo é que as semelhanças entre os dois programas de pesquisa são substantivas e que as diferenças  são reconciliáveis3.

Nada impede, do ponto de vista teórico, que o programa pós-keynesiano incorpore o tratamento sistemático da inovação. Em seu Treatise on Money (1930), escrevendo sobre as flutuações da taxa de investimento, Keynes comentava que “Professor Schumpeter’s explanations of the major movements may be unreservedly accepted” (p.96). É instigante que, 50 anos depois, Joan Robinson comentasse: “A influência das mudanças na tecnologia sobre a demanda por mão-de-obra, sobre a acumulação e sobre a demanda efetiva tem sido muito pouco discutida. Este é um sério defeito do nosso aparato teórico, pois a evolução da tecnologia é o mais importante de todos os aspectos do desenvolvimento capitalista”4.

Analisando as contribuições de Keynes e Schumpeter, Vercelli (1991) argumenta que “an attempt at synthesis is urgently needed if we want to overcome the limitations of both theories” (p. 210). Analisando o papel da moeda nos dois autores, Vercelli reconhece as substanciais diferenças no seu tratamento, mas conclui que “the two approaches are complementary in their essential meaning, though not in language and detail. In both cases the basic role of money is seen as that of giving the economic system a certain degree of strucutural instability which facilitates discontinuous structural changes. Those examined by Schumpeter are mainly physiological in the sense they make possible the survival and expansion of the capitalist system; those examined by Keynes are mainly pathological  in the sense they obstruct the performance of an individualistic economic order” (ibid.)

Examinando as relações entre ordem e mudança no sistema capitalista, Dosi e Orsenigo (1988) dão um passo adiante na proposta de complementaridade entre os dois programas de pesquisa, ao sugerir que “what underlies the ‘Keynesian machine’ linking investment, effective demand and income growth are micro (evolutionary) processes, which in turn  are shaped and constrained by the specific characteristics of technologies and institutions” (p.29). Esta sugestão abre uma riquíssima linha de pesquisa, até agora inexplorada (pelo menos ao nível de conhecimento do autor).

As propostas aqui apresentadas partem da constatação de que os núcleos centrais dos dois programas de pesquisa compartilham aspectos importantes em termos de visão da dinâmica capitalista, à semelhança dos autores citados anteriormente. No entanto, elas fazem o caminho inverso ao proposto por Dosi e Orsenigo, pois propõem a incorporação da moeda como unidade de conta e como ativo determinante dos investimentos ao programa neo-schumpeteriano. As seções seguintes apontam a conveniência e a viabilidade desse último passo, tratando, especificamente, do investimento em tecnologia. Seguindo a démarche evolucionista, parte-se do micro para o mesoeconômico e, a seguir, para o macro.

A incorporação da inovação no programa pós-keynesiano e a inclusão da moeda no programa neo-schumpeteriano não levam, necessariamente à síntese demandada por Vercelli. Pelo menos a curto prazo,  correspondem mais a um movimento de fertilização cruzada entre os dois programas de pesquisa, não implicando desaparecimento das especificidades de cada programa, que seguiriam retendo seus focos prioritários e os seus respectivos núcleos centrais. No entanto, permitiriam que os dois programas de pesquisa ampliassem o seu cinturão protetor, aumentando a gama de fenômenos que conseguem tratar, provando ser “programas progressivos”.

3. O investimento em tecnologia em uma Economia Monetária: um enfoque microeconômico

Conforme apontado anteriormente, em uma economia monetária, a moeda é um objeto de retenção. Ou seja, mesmo em uma economia muito simples, os investidores podem sempre escolher entre moeda e outro tipo de ativo – estão sempre em face de um portfólio de investimentos. Em sistemas econômicos complexos, o portfólio de investimentos é correspondentemente diversificado.

O primeiro passo em uma análise de portfólio consiste na identificação das características das várias alternativas de investimento, tais como:

  • Taxa de retorno esperado e sua variabilidade.
  • Taxa de retorno mínima (hurdle rate) para diversos tipos de investimentos.
  • Condições de apropriação de resultados.
  • Incerteza, distinguindo entre as fontes de incerteza: técnica, econômica, financeira.
  • Escala mínima de gastos.
  • Fontes e condições de financiamento – possibilidades de estratégias cooperativas.
  • Timing dos fluxos de gastos e receitas – o que implica considerar as possibilidades de realizar gastos de forma sequencial (com efeitos de aprendizado) e em níveis crescentes, visando a reduzir a incerteza e a irreversibilidade. Do lado das receitas, implica a consideração das estratégias de concorrentes efetivos e potenciais e das consequências de entrada diferida no tempo em dados mercados (p.ex., estratégias de líder vs. seguidor).
  • Liquidez e especificidade dos ativos, que estão relacionados à irreversibilidade e histerese do investimento.

A lista acima, de natureza puramente indicativa, registra várias características do investimento em tecnologia destacadas pelos autores neo-schumpeterianos (p.ex. Dosi, 1988). As mesmas características são enfatizadas pela literatura moderna de finanças (p.ex. Dixit e Pyndick, 1994). Em um nível mais alto de abstração, há forte convergência entre as duas literaturas no sentido de ver a firma como um conjunto de ativos, estruturado por rotinas, que origina um conjunto de opções de escolhas estratégicas (veja-se Teece e Pisano, 1994, para a perspectiva neo-schumpeteriana; Bowman e Hurry, 1993, para uma análise financeira).

Duas implicações podem ser derivadas da análise anterior para o estudo de sistemas de inovação:

  • Em primeiro lugar, pode-se pensar na construção de um portfólio específico de investimentos em tecnologia, baseado na diferenciação das características dos diversos tipos de investimento nessa área – p.ex., investimentos destinados a melhorias de qualidade e produtividade são distintos de investimentos em P&D em termos de incertezas, timing e imobilização, demandando estruturas de financiamento (fontes e condições) distintas. Este portfólio e, mais especificamente, as prioridades atribuídas pelas empresas às diversas alternativas podem constituir uma forma mais precisa que a habitual, de caracterizar as estratégias tecnológicas das firmas. A etapa seguinte seria identificar a prevalência regional e setorial dessas estratégias, de forma a caracterizar sistemas setoriais e regionais de inovação. O mesmo procedimento poderia ser adotado no nível nacional. A mesma sistemática pode ser seguida para lidar com problemas de diferenciação de estratégias tecnológicas de acordo com outras variáveis, como o tamanho e a origem da propriedade da firma, diferenças frequentemente apontadas pela literatura neo-schumpeteriana. Finalmente, esse tipo de procedimento parece bastante adequado para comparações internacionais, p.ex., no âmbito dos países do Mercosul.
  • Em segundo lugar, a abordagem anterior situa os investimentos em tecnologia no seu devido contexto, setorial, regional e nacional. Na perspectiva aqui proposta, os investimentos em tecnologia constituem parte de um portfólio mais amplo, sendo importante estudar suas relações – positivas e negativas – com as demais alternativas de investimento. Analogamente ao proposto acima, este tipo de estudo pode ser feito em bases setoriais, regionais e nacionais ou agregando as empresas segundo critérios de tamanho e propriedade. Prestase, igualmente, a comparações internacionais.

Por exemplo: é conveniente, em economias crescentemente monetárias do ponto de vista financeiro, saber se o aumento de rentabilidade de aplicações em títulos implica redução dos investimentos em tecnologia (diferenciando os vários tipos de investimento em tecnologia, conforme sugerido anteriormente) ou se os investimentos em tecnologia são independentes do resto do portfólio, obedecendo a rotinas do tipo “investimos em P&D x% do faturamento”. Neste último caso, seria conveniente saber se a independência aplica-se a gastos incrementais ou se vale também para expansões substanciais do investimento em tecnologia. Parece provável que o cálculo de portfólio aplique-se a estes últimos casos. Ou seja, é possível que a visão de portfolio seja mais pertinente a situações de empresas com pouca tradição em investimento em tecnologia do que a empresas em que esse investimento foi rotinizado. É possível ainda que a firma siga um padrão “piso” e “teto” para seus investimentos em tecnologia, em que existe um investimento mínimo que tem de realizar para permanecer no mercado (o “piso”) e que tenha um “teto” para esses  investimentos. Esse teto pode ter determinantes econômicos (p.ex. o tamanho da firma) e financeiros – como as alternativas de investimento. Nesse padrão, o piso seria independente das alternativas de investimento, mas o teto seria afetado por essas alternativas. Seguindo essa linha de conjecturas, pode-se hipotetizar que, em sociedades em que as empresas têm pouca tradição de investimento em tecnologia e estes investimentos estão próximos ao piso, as alternativas financeiras têm influência maior. Se estas alternativas são muito atraentes, o nível de investimento em tecnologia permanecerá baixo, constituindo um exemplo canônico de afastamento entre a racionalidade privada e a social5.

Os exemplos podem ser multiplicados. Parece importante estudar como se articulam investimentos em capacidade produtiva com vários tipos de investimento em tecnologia. No entanto, para o propósito de justificar uma abordagem do investimento em tecnologia que o considere como parte de um portfólio, os exemplos já elencados talvez sejam suficientes.

Uma propriedade dos estudos aqui propostos é a possibilidade de tratá-los quantitativamente, através de modelos, conferindo maior precisão e legitimidade (pelo menos acadêmica) aos seus resultados.

4. Os determinantes estruturais do Portfólio

O conceito de sistema de inovação apoia-se em relações estruturais – notadamente entre a estrutura produtiva e a estrutura institucional. A perspectiva proposta adiciona alguns elementos a esse quadro estrutural, a partir do questionamento dos parâmetros de determinação do portfólio.

Parte destes parâmetros já é tratada pela literatura neo-schumpeteriana, especialmente os parâmetros derivados dos distintos paradigmas tecnológicos e aqueles de natureza setorial que servem para caracterizar a necessidade de recursos para os investimentos em tecnologia (p.ex., definindo as escalas mínimas de P&D em certos setores ou o grau de incerteza associado a certos paradigmas). A perspectiva monetária aqui proposta enfoca outros determinantes, abaixo discutidos:

  • O sistema de preços, notadamente sua estabilidade e a credibilidade que os agentes depositam nesta. Este é um determinante fundamental do horizonte de tempo e da incerteza dos investimentos, enfatizado pela moderna literatura sobre investimentos (Dixit e Pyndick, 1994). Conforme apontam Fanelli e Frenkel (1996), ambientes de inflação alta e crônica, como os que prevaleceram até recentemente na Argentina e Brasil, produzem uma seleção de comportamentos microeconômicos específicos, orientados para o curto prazo e aplicações de alta liquidez. Pode-se conjecturar que a concentração de investimentos em tecnologia em atividades como melhorias de qualidade tenha o mesmo determinante. A pesquisa sobre os efeitos dos planos de estabilização nos dois países sobre o portfólio de investimentos, especialmente sobre o papel ocupado neste por investimentos em tecnologia de maior prazo de maturação, é obviamente oportuna.
  • O regime monetário, definido como o conjunto de regras institucionais e práticas das autoridades monetárias que presidem a criação de moeda e quase-moeda.
  • A completude e procedimentos (taxas, prazos, garantias, reciprocidades) dos mercados de crédito e capitais, especialmente no que diz respeito ao financiamento de investimentos e à oferta de aplicações alternativas. Uma das características do sistema de crédito e capitais em países latino-americanos é a falta de mecanismos que forneçam recursos às empresas para investimento em tecnologia. Mesmo onde existem instituições voltadas para esse fim, seus procedimentos operacionais são frequentemente inadequados a programas de prazo mais longo e dotados de maior grau de incerteza.
  • O regime de regulação dos mercados de crédito e capitais, ou seja, o conjunto de regras e práticas institucionais das autoridades governamentais, especialmente no que toca os investimentos. O regime de regulação direciona a oferta de crédito e capital para determinados tipos de aplicações, cuja estrutura pode ser mais ou menos favorável ao investimento em tecnologia.
  • O regime fiscal atinente aos investimentos (p.ex. as normas referentes à depreciação, deduções e incentivos fiscais), que pode estimular ou não os investimentos em tecnologia em confronto com outras aplicações.

Os dois primeiros parâmetros são atinentes principalmente ao exame de sistemas nacionais de inovação. No entanto, em países como o Brasil e a Argentina, em que há longa tradição de políticas setoriais e regionais e os mercados de crédito e capitais são incompletos e não têm abrangência nacional, os três últimos parâmetros devem ser considerados na  pesquisa de sistemas de inovação setorial e regional, bem como nos estudos que recortam o universo de empresas por tamanho e propriedade.

Entre os parâmetros anteriormente destacados, a literatura neo-schumpeteriana tem enfocado principalmente os atinentes ao crédito – o que é consistente com a importância atribuída por Schumpeter a esse fator na dinâmica do capitalismo6. No entanto, essas análises estão dirigidas a aspectos diferentes dos anteriormente salientados. Assim, enquanto o foco da abordagem aqui proposta é o da seleção de investimentos, análises como as de Dosi (1990) postulam que “the question of the influence of financial structures on innovation and industrial dynamics turns out to concern the influence that financial structures exert on the rates and modes at which firms learn and the rates and criteria on which particular environments select among firms and among technologies” (p.309). Da mesma forma, no capítulo do livro, já clássico, de Lundvall (1992), dedicado ao papel do financiamento nos sistemas nacionais de inovação, Christensen (1992) concentra-se no problema de como “different institutional set-ups of financial systems will support or limit the development of  relations between the lender and the borrower” (p.147).

O comentário anterior não é detrimental dos elucidativos resultados obtidos por esses autores, notadamente a discussão de que arranjos institucionais do sistema financeiros fomentam a inovação7, que são de grande utilidade no exame de sistemas de inovação,  mas visa, apenas, a sublinhar as diferenças de tratamento e a complementaridade de resultados.

Existe, porém, na literatura neo-schumpeteriana uma flagrante omissão quanto aos dois primeiros determinantes acima citados (a estabilidade e credibilidade do sistema de preços e o regime monetário)8, devido, provavelmente, à omissão da natureza temporal da moeda, já comentada. Embora atribua-se ao sistema de preços papel de destaque entre os mecanismos de seleção, sua estabilidade e confiabilidade não são questionadas, nem, portanto, os efeitos que esses atributos podem ter sobre o sistema de inovações.

Alguns desses efeitos foram anteriormente sugeridos, cuja relevância para o estudo de sistemas de inovação em países como o Brasil e Argentina parece ser alta. Aqui, pretende-se enfatizar que essa omissão não é acidental nem deriva de fatores históricos, como o fato de a maioria dos autores desta corrente não ter vivido experiências de economias de alta e crônica inflação. A conjectura aqui proposta é que esta omissão é inerente à natureza da moeda no programa de pesquisas neo-schumpeteriano. Conforme sugerido na parte inicial desse trabalho, é possível que essa lacuna possa ser sanada pela incorporação dos atributos de unidade de contratos e reserva de valor da moeda ao núcleo central do programa neo-schumpeteriano. Espera-se que os argumentos expostos nesta seção e  na precedente confiram maior credibilidade a essa proposta.

5. O Estudo de Sistemas de Inovação

A ideia de um sistema de inovações tem grande apelo intuitivo, ao refletir a percepção de que existem múltiplos determinantes, inter-relacionados, da inovação. Como se sabe, o tratamento científico dessa ideia vem lutando com vários problemas de identificação. De um lado, alargou-se o campo das inovações que se busca explicar. Começou-se com tecnologia, rapidamente agregou-se à organização da empresa e agora abarca todo tipo de “inovação institucional”. A amplitude do conceito de instituição, mesmo na literatura sociológica, e a inclusão do “aprendizado” como objeto de estudo aumentaram ainda mais a abrangência do “sistema de inovações”. Em consequência, a demarcação do sistema de inovações – seus componentes e relações – varia consideravelmente9. Finalmente, a noção de sistema requer, para ser operacional, o estabelecimento de uma hierarquia entre os componentes do sistema – doutra forma  nada explica o que se passa pois tudo é relevante.  Tampouco essa hierarquia está caracterizada. É possível que, uma “teoria geral do sistema de inovações” simplesmente não seja factível, pelo saber enciclopédico que demanda. O conhecido conto de Borges sobre o mapa do Império talvez sirva de advertência.

A solução encontrada por vários pesquisadores, canônica do ponto de vista científico, é a de circunscrever o objeto de pesquisa. Um caminho adotado é o da limitação espacial – do sistema nacional aos sistemas regionais. Outro é o das atividades econômicas – os sistemas setoriais. Um terceiro caminho faz a limitação definindo a priori os componentes do sistema, a exemplo dos trabalhos liderados por Nelson (1992). Este artigo segue um outro procedimento, tomando um foco temático – o investimento em tecnologia pela empresa e construindo o sistema de inovações por meio dos determinantes dessa decisão.

Todos esses caminhos estão coalhados de trade-offs. Ganha-se algo com o foco mais apurado, mas as outras dimensões, ignoradas pelo foco, fazem-se presentes. Estudos setoriais e regionais fazem menção, inevitavelmente, a dimensões nacionais e estudos nacionais ao plano internacional. A abordagem aqui seguida não constitui exceção – a título de exemplo, pode-se mencionar que o nível de desenvolvimento do sistema científico e tecnológico afeta  os custos e incertezas do investimento em tecnologia. Da mesma forma, nas seções anteriores argumentou-se que alguns dos determinantes do investimento em tecnologia prestam-se a um tratamento setorial ou regional e outros são melhor tratados em nível nacional. A força intuitiva da idéia de sistema de inovações não é acidental – ela deriva da existência de complexas inter-relações entre todos esses níveis.

O que pode ser visto como um problema insolúvel – o do sistema de inovações – talvez possa ser mais bem entendido como uma recomendação de humildade, paciência e pertinácia, virtudes mais científicas que teologais. Através de abordagens parciais, reconhecidas como tais, talvez se possa, ao cabo de muitos estudos empíricos e de muita pesquisa teórica, chegar a um melhor entendimento de como essas várias dimensões do sistema de inovações se articulam.

Referências Bibliográficas

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Celso Furtado e as convenções do desenvolvimento

Fabio S. Erber, In Saboia, João e Carvalho, Fernando L. Cardim (org.). Celso Furtado e o século XXI- Barueri, SP: Manole; Rio de Janeiro: Instituto de Economia da UFRJ, 2007.

Ao ressaltar as horarias e desilusões que Celso Furtado recebeu por ser o cientista social brasileiro mais influente de todo o século XX, Fabio Erber enfatizou a preocupação desse cientista com a relação teoria e prática, quando expressou: “o objetivo da ciência é produzir guias para a ação prática”. Crítico do padrão de desenvolvimento brasileiro, Furtado se engajou, ao longo de sua vida na construção de um projeto de construção nacional. Para Erber, as homenagens a ele constituíram, também, um ato simbólico de reforço de uma “geração sociológica”, cuja “convenção do desenvolvimento” não teve a força para tornar-se hegemônica. Passou assim a discutir nas seções seguintes as noções de “geração sociológica”, “convenção do desenvolvimento” e de “força” dessa convenção. Na terceira seção, Erber situou Furtado na evolução da convenção desenvolvimentista e na superação desta pela convenção neoliberal, o que explicaria, em parte, a fraqueza da geração de Furtado. Na última seção, retoma o tema da introdução com o auxílio de Homero e Albert Camus.

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Com o protocolo de bens de capital entre 1996 e 1990, que antecedeu o Mercosul, o mercado brasileiro foi estabelecido como o principal destino da indústria argentina de máquinas-ferramenta. No caso brasileiro, a entrada de máquinas argentinas aumentou a competição interna em alguns segmentos de...

El impacto del Mercosur sobre la dinámica del sector de máquinas e herramientas

Fabio S. Erber, Daniel Chudnovsky, BID Banco Interamericano de Desarrolo, Departamento de Integration y Programas Regionales – INTAL –Instituto para a Integration de America Latina y el Caribe. Ano3, Número 7/8, Enero-Agosto 1999

Con el protocolo de bienes de capital entre 1996 y 1990 que antecedió al Mercosur, el mercado brasileño se constituyó en el principal destino de la industria argentina de máquinas herramientas. En el caso brasileño, la entrada de las máquinas argentinas aumentó la competencia interna en algunos segmentos de un Mercado altamente protegido, respecto a las importaciones de terceros países. A partir del Tratado de Asunción y la liberalización comercial en ambos países, la industria argentina se desempeña en condiciones muy desfavorables por la falta de financiamiento y de protección arancelaria (hasta el estabelecimiento del arancel externo común) frente al gran crecimiento de las máquinas importadas de terceros países. En estas condiciones, el Mercosur tiene menor importancia relativa como destino que en la previa. Para la industria brasileña, cuyo ajuste a las nuevas condiciones fue facilitado por la protección arancelaria y líneas de financiamiento, las importaciones argentinas tienen poca incidencia respecto a las de terceros países y el Mercosur amplia el tamaño del mercado para los fabricantes de bienes seriados y/o de máquinas menos sofisticadas. Hasta el momento, la integración lograda par el Mercosur se restringe esencialmente al área comercial, con claras características del comercio intraindustrial. Por otra parte, los beneficios del arancel externo común, la única política acordada, se han reducido en los hechos por las diversas exenciones tarifarias concedidas a importaciones de terceros países. El núcleo del articulo está dedicado al papel jugado por la integración en el desempeño del sector. No obstante, solo se pueden evaluar sus efectos si se consideran las características técnicas y económicas de la industria estudiada, el marco regulatorio en el que se inserta el proceso de integración y la trayectoria de la industria en la subregión. Por consiguiente, las tres secciones siguientes abordan sucesivamente estos temas, aunque de manera muy sintética, mientras que la quinta sección analiza en forma más detallada los efectos del proceso de integración y la última sección presenta brevemente los desafíos y las perspectivas de la industria de las máquinas herramienta em el ámbito del Mercosur.

Com o protocolo de bens de capital entre 1996 e 1990, que antecedeu o Mercosul, o mercado brasileiro foi estabelecido como o principal destino da indústria argentina de máquinas-ferramenta. No caso brasileiro, a entrada de máquinas argentinas aumentou a competição interna em alguns segmentos de um mercado altamente protegido em relação às importações de terceiros países.

Desde o Tratado de Assunção e da liberalização comercial em ambos os países, a indústria argentina enfrenta condições muito desfavoráveis ​​devido à falta de financiamento e proteção tarifária (até estabelecimento da tarifa externa comum) contra o grande crescimento de máquinas importadas de terceiros países. Nestas condições, o Mercosul tem menos importância relativa como destino que na etapa anterior. Para a indústria brasileira, cujo ajuste às novas condições foi facilitado por tarifas de proteção e financiamento tarifário, as importações argentinas têm pouco impacto em relação às de terceiros países e o Mercosul amplia o tamanho do mercado para os fabricantes de bens seriados e/ou de máquinas menos sofisticadas. Até o momento, a integração alcançada pelo Mercosul é essencialmente restrita à área comercial, com características claras de comércio intrasetorial. Por outro lado, os benefícios da tarifa externa comum, a única política acordada, foram reduzidos de fato pelas diversas isenções tarifarias concedidas às importações de terceiros países.

O núcleo do artigo é dedicado ao papel desempenhado pela integração no desempenho do setor. Entretanto, seus efeitos só podem ser avaliados se forem levadas em consideração as características técnicas e econômicas da indústria estudada, o marco regulatório em que se insere o processo de integração e a trajetória da indústria na sub-região. Por conseguinte, as três seções a seguir abordam sucessivamente estas questões, embora muito sinteticamente, enquanto a quinta seção discute mais detalhadamente os efeitos do processo de integração e a seção final apresenta sucintamente os dasafios e perspectivas para a indústria máquinas-ferramentas no âmbito do Mercosul.

 

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Política industrial: teoria e prática no...

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Política industrial: teoria e prática no Brasil e na OCDE

Fabio S. Erber, José Cassiolato, Revista de Economia Política, vol. 17, nº 2 (66), abril-junho/1997

O objetivo deste texto é examinar analiticamente as principais características das políticas microeconômicas de competitividade, especialmente as políticas tecnológicas e industriais. O artigo compõe-se de quatro partes. A primeira seção apresenta uma tipologia das principais perspectivas analítico-políticas de desenvolvimento industrial e das políticas pertinentes. A segunda seção revê a evolução do tema no Brasil durante os anos 90. A terceira seção apresenta as experiências de outros países, comparando-as com a política brasileira da mesma época.

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A economia mundial está passando por profundas mudanças, causadas por dois processos interrelacionados. O primeiro é o processamento de informações de revolução, baseado em eletrônica. Neste processo, o equipamento de automação industrial eletrônica (EIAE) desempenha um papel importante. O...

Industrial Automation and Integration between Argentina and Brazil

Fabio S. Erber, 1990

The world economy is presently going through deep changes, caused by two interrelated process. The first is the revolution in information processing, based on electronics. In this process, electronic industrial automation equipment (EIAE) plays a major role. The second process is the integration of national economies in to regional grouping. In the recent past Argentina and Brazil have fostered their electronics industries and they have signed an integration Agreement, which has expanded trade of numerically-controlled machine tools (NCMT), the most widely used EIAE between the two countries could be greatly expanded, as this report purports to show. The study begins by presenting the background to EIAE production and use in the two countries, reviewing their recent industrial development and, more specifically, comparing their ‘electronics complexes’, and the role of EIAE in such group of interrelated industries (sections 2 and 3). Section 4 analyses the production of EIAE in the two countries and section 5 narrows the focus by concentrating on numerical control (NC) units, NC machine tools and industrial robots. Both constrained by scale and learning factors, which could be alleviated by greater integration between the two countries. Section 6 examines the diffusion of NCMTs and industrial robots – their main users, the reasons for adoption and their impact on employment, arguing that, in spite of the differences in the rate of diffusion, the patterns of use are similar enough to warrant substantial scope for cooperation between enterprises and trade unions of Argentina and Brazil. The last section analyses the recent experiences of cooperation between the two countries in electronics and capital goods. It argues that notwithstanding their achievements, especially as regards trade, the instruments used are insufficient to bring about the integration of EIAE the two countries need. The report is based mainly on secondary data, published and unpublished, complemented by interviews with other researchers, industry representatives, entrepreneurs and Government officers of the two countries.

A economia mundial está passando por profundas mudanças, causadas por dois processos interrelacionados. O primeiro é o processamento de informações de revolução, baseado em eletrônica. Neste processo, o equipamento de automação industrial eletrônica (EIAE) desempenha um papel importante. O segundo processo é a integração das economias nacionais no agrupamento regional.

No passado recente, a Argentina e o Brasil fomentaram suas indústrias eletrônicas e assinaram um Acordo de Integração, que ampliou o comércio de máquinas-ferramenta numericamente controladas (NCMT), e o EIAE mais utilizado entre os dois países poderia ser bastante expandido, como relatório pretende mostrar.

O estudo começa apresentando os antecedentes da produção e uso da EIAE nos dois países, revendo seu recente desenvolvimento industrial e, mais especificamente, comparando seus ‘complexos eletrônicos’, e o papel da EIAE nesse grupo de indústrias interrelacionadas (seções 2 e 3).

A seção 4 analisa a produção de EIAE nos dois países e a seção 5 restringe o foco, concentrando-se em unidades de controle numérico (NC), máquinas-ferramentas NC e robôs industriais. Ambos limitados pela escala e fatores de aprendizagem, que poderiam ser aliviados por uma maior integração entre os dois países.

A Seção 6 examina a difusão de NCMTs e robôs industriais – seus principais usuários, as razões da adoção e seu impacto no emprego, argumentando que, apesar das diferenças na taxa de difusão, os padrões de uso são semelhantes o suficiente para justificar um escopo substancial para a cooperação entre empresas e sindicatos da Argentina e do Brasil.

A última seção analisa as experiências recentes de cooperação entre os dois países em eletrônica e bens de capital. Argumenta que, apesar de suas conquistas, especialmente no que diz respeito ao comércio, os instrumentos utilizados são insuficientes para promover a integração do EIAE que os dois países precisam.

O relatório é baseado principalmente em dados secundários, publicados e não publicados, e complementados por entrevistas com outros pesquisadores, representantes da indústria, empresários e funcionários do governo dos dois países.

 

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A Industrialização Latino-Americana: Teses...

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A Industrialização Latino-Americana: Teses e Resultados

Fabio S. Erber, Trabalho preparado para o Sistema Econômico Latino-americano –SELA, Março de 1987

Este trabalho apresenta uma retrospectiva das teses e resultados da industrialização latino-americana. A próxima seção expõe as idéias principais e as expectativas dos que defenderam esta industrialização no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, que constituíram, na nossa interpretação, o paradigma que norteou as avaliações posteriores da dinâmica e dos resultados da industrialização.A Terceira seção apresenta alguns resultados da industrialização que justificam classificá-la como vitória de Pirro, à luz das expectativas dos que por ela lutaram. No entanto, fugimos do catastrofismo endêmico, apontam-se também resultados positivos e elementos de dinamismo que existem na região. As duas seções seguintes aprofundam aspectos específicos da industrialização latino-americana, num marco de referência traçado pelas duas seções anteriores e pelas propostas de modificações de padrão de desenvolvimento.Finalmente, a sexta seção apresenta uma revisão das principais interpretações de industrialização latino-americana e de sua adequação às condições atuais, enfatizando as propostas de padrões alternativos de desenvolvimento.

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Notas sobre a Indústria de Bens de Capital:...

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