Formas de Intervenção do Estado em Ciência e Tecnologia: a experiência nacional e estrangeira

Fabio S. Erber, Conferência pronunciada na Escola Superior de Guerra, no dia 19 de outubro de 1984

A primeira parte deste artigo tem por objetivo delinear o padrão de intervenção estatal destinado a fomentar o desenvolvimento tecnológico nos cinco países que são responsáveis pela evolução tecnológica mundial (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na primeira seção apresentam-se indicações do papel que esses países desempenham na distribuição mundial de recursos da ciência e da tecnologia. Na segunda discute-se brevemente a concentração setorial do esforço de inovação. A Terceira seção trata as características da intervenção do Estado no fomento tecnológico dos países acima mencionados. A última seção sumariza esse padrão de intervenção. A segunda parte do artigo trata do caso brasileiro. Após uma breve revisão histórica, na primeira seção, apresenta-se na seção seguinte o atual padrão de financiamento e execução de atividades científicas e tecnológicas no país. Nas duas seções consecutivas discutem-se as medidas de estímulo à tecnologia na política de compras das empresas estatais e a política relativo às importações de tecnologia. A quarta seção vê os incentivos fiscais das atividades científicas e tecnológicas. A quinta seção trata brevemente das contradições entre a política científica e tecnológica e as demais medidas da política, cabendo à última seção uma análise das razões para a intervenção do Estado na área de ciência e tecnologia no Brasil.

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O Estudo do Processo de Trabalho – Notas para discussão

Fabio S. Erber, José Ricardo Tauille, Liliana Acero, Maria Valéria Junho Pena, Paulo Vieira da Cunha, Vera Maria Cândido Pereira, Literatura Econômica, 3 (2): 95 -104, 1981.  Notas preparadas para servir de introdução ao painel “Aspectos do Processo de Trabalho no Capitalismo industrial Brasileiro”, VIII Encontro Nacional de Economia, Nova Friburgo, dezembro de 1980

Esta “Notas para discussão” mostra preocupação com o distanciamento entre o campo de estudo do emprego e do progresso técnico, embora ambos sejam relevantes para a compreensão de uma realidade única. Mais ainda, no contexto de cada uma observam-se tendências preocupantes. Na seção 2, analisa-se a abordagem do processo de trabalho destacando-se a análise dos modos como são combinados equipamentos e máquinas, matérias primas e trabalhadores, em cada sistema produtivo. O texto entende que uma técnica de produção não consiste somente numa técnica de reprodução real do capital, mas necessita ser, concomitantemente, uma forma de dominação social. O progresso da sociedade industrial e sua capacidade de distribuir benefício a todas as camadas da população, especialmente no segundo pós-guerra, tornaram essa questão sem maior significado. Na seção 3 analisa-se os níveis e limites da análise do processo do trabalho, destacando o papel que desempenha na introdução e difusão de novas técnicas, a concorrência capitalista e a interferência do Estado. Finalmente, apresenta alguns resultados dos estudos brasileiros.

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José Pelúcio Ferreira: a pesquisa dentro do Governo

Fabio S. Erber, FINEP- Homenagem à Pelúcio

Fabio Erber participou diretamente de duas iniciativas de José Pelúcio Ferreira visando institucionalizar atividades de pesquisas no âmbito do Estado: o Grupo de Pesquisas da FINEP, do qual foi o organizador e Coordenador de 1971 a 1974, e o Instituto de Estudos de Política Científica e Tecnológica do CNPq, em 1978, que não vingou. As duas iniciativas são brevemente descritas nesta Nota. A participação de Pelúcio na criação do atual Instituto de Economia da UFRJ mereceu mais destaque do que lhe foi dado no texto, mas detalhá-la iria além do propósito da Nota, que se concentra nas pesquisas feitas intra-muros governamentais.

Uma das facetas do apoio de José Pelúcio Ferreira às atividades de pesquisa no país foi a institucionalização desse tipo de atividades no interior das organizações que dirigiu.

Sua preocupação com o tema estava baseada na percepção de que era importante para os aparelhos de Estado contarem com fontes próprias de informação e análise para melhor elaborar, monitorar e modificar as políticas públicas de que estavam encarregados. A contratação de outras instituições, acadêmicas e de consultoria, não substituía o conhecimento decorrente da realização de pesquisas intra-muros.

Provavelmente, a longa experiência de Pelúcio no Departamento Econômico do BNDES, dedicado a estudos econômicos setoriais e regionais, foi importante para esta percepção. A forte presença no Rio de Janeiro de órgãos federais dedicados à pesquisa, como o IPEA e o IBGE, também vinculados ao Ministério do Planejamento, provavelmente reforçou sua orientação.

Da mesma forma, a vivência de Pelúcio no BNDES mostrou-lhe os problemas envolvidos na convivência, na mesma instituição, de departamentos operacionais e de pesquisa, cujos prazos e requisitos de informação são distintos. Pelúcio sempre teve presente que subordinar a área de pesquisa às áreas operacionais significava transformar a primeira em assessoria da segunda, acabando por eliminar as atividades de pesquisa propriamente ditas. Esta segunda percepção levou-o a dar forma institucional específica às atividades de pesquisa intra-muros, a proteger essas atividades contra as demandas por assessoria imediata advindas das áreas operacionais e dar aos gestores da pesquisa o tempo e as condições necessárias para a realização de seus trabalhos.

O autor desta Nota participou diretamente de duas iniciativas de Pelúcio visando institucionalizar atividades de pesquisas no âmbito do Estado: o Grupo de Pesquisas da FINEP, do qual foi o organizador e Coordenador de 1971 a 1974, e o Instituto de Estudos de Política Científica e Tecnológica do CNPq, em 1978, que não vingou. As duas iniciativas são brevemente descritas a seguir. A participação de Pelúcio na criação do atual Instituto de Economia da UFRJ merece mais destaque do que lhe é dado no texto, mas detalha-la iria além do propósito da Nota, que concentra-se nas pesquisas feitas intra-muros governamentais.

1. O Grupo de Pesquisas da FINEP

A primeira experiência que Pelúcio fez no sentido de estabelecer atividades de pesquisa orientadas para a política científica e tecnológica foi feita em 1971, através da constituição de um Grupo de Pesquisas no âmbito do Ministério do Planejamento, onde era Secretário Geral Adjunto. Por razões administrativas (por exemplo, a contratação de pessoal), esse Grupo (GPq) foi transferido para a FINEP em 1972, onde existiu até 1980.

Cabe notar que, no início da década de setenta, os temas de política científica e tecnológica não eram explorados pela comunidade acadêmica. Na área governamental, o IPEA tinha recém concluído três estudos pioneiros sobre a transferência de tecnologia e atividades dos institutos de pesquisa tecnológica1, mas não manifestou interesse em dar continuidade a essa linha de trabalho.  Mesmo na área internacional, a literatura sobre esses temas ainda era incipiente.

Ou seja, o GPq veio a ocupar um campo em que a tradição de pesquisa no Brasil era muito limitada2. A isto associou-se a juventude dos seus membros e sua limitada experiência acadêmica3.  Visto em retrospecto, Pelúcio era um tomador de riscos.

Em sua primeira fase (1971/74), o GPq concentrou suas atividades em projetos que tinham forte proximidade com as prioridades da política econômica do período, como o desenvolvimento tecnológico da indústria de bens de capital e da indústria petroquímica e a demanda das empresas estatais por equipamentos e serviços tecnológicos. Composto por uma equipe multidisciplinar, em que haviam economistas, sociólogos e um engenheiro, desenvolveu métodos de pesquisa qualitativos apropriados a esses temas e inseriu-se na comunidade internacional, participando de projetos de pesquisa multinacionais.

Entre 1975 e 1978, sob a direção de José Tavares de Araújo Jr e, no fim do período, de Marcelo Paiva Abreu, o GPq abriu substancialmente o leque de pesquisas e recrutou diversos pesquisadores sênior, como Luciano Martins, Maria da Conceição Tavares e Simon Schvartzman, que realizaram importantes projetos sobre a burocracia brasileira, a organização da indústria nacional e a evolução da comunidade científica no país, além de dar continuidade aos estudos setoriais (a exemplo das indústrias farmacêutica  e de alimentos).

A partir de 1979, o afastamento de Pelúcio da FINEP coincide com a saída de vários técnicos sênior do GPq. Parte destes técnicos foi, junto com Pelúcio, montar o programa de pós-graduação e pesquisa da Faculdade de Economia da UFRJ, que, a seguir ganhou personalidade específica como o Instituto de Economia Industrial4. Pelúcio teve importante participação neste processo, tendo sido o Vice-diretor do Instituto, até afastar-se para dedicar-se à Fundação Leonel Franca da PUC/RJ.

Em 1980, com a nova mudança na direção da FINEP, o GPq foi extinto.

Foge aos propósitos desta Nota avaliar plenamente os resultados obtidos pelo GPq, mas cabe ressaltar que, entre estes destacam-se:

  • Uma robusta produção acadêmica
  • Legitimar e ajudar a consolidação da área de pesquisa em ciência e tecnologia na academia
  • Importantes contribuições para a política científica e tecnológica do país, como a concepção e avaliação de programas de apoio
  • Formar quadros técnicos, parte dos quais permaneceu na FINEP e outra parte foi trabalhar na academia e no setor público federal e estadual

2. O Instituto de  Estudos de Política Científica e Tecnológica

Em 1978, Pelúcio era Vice-Presidente do CNPq (além de Presidente da FINEP). Aproximando-se o fim do Governo Geisel, resolveu tentar uma institucionalização das atividades de pesquisa em política científica e tecnológica mais ambiciosa, estabelecendo um Instituto com esse fim junto ao CNPq. Uma proposta de constituição do referido Instituto foi elaborada pelo Dr. L. F. Candiota e pelo autor e submetida ao Conselho. No entanto, dissensões internas dentro do CNPq impediram que fosse implementada antes do fim do Governo. A administração subseqüente do CNPq abandonou a proposta. Na segunda metade dos anos oitenta, a idéia foi retomada no MCT, mas teve curta duração.

Escolha de tecnologias, preços dos fatores...

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As Convenções de Desenvolvimento no Governo Lula: um ensaio de Economia Política

Fabio S. Erber, Revista de Economia Política, vol. 31, nº 1 (121), pp.31-55, janeiro-março/2011

O artigo parte do princípio epistemológico que a Economia é ontologicamente política. Um dos seus propósitos é contribuir para a discussão dos interesses econômicos que estão subjacentes às teorias sobre os objetivos e procedimentos recomendados para o desenvolvimento brasileiro. Ou seja, move-se na contramão da visão que os conflitos são de ordem técnica. O objeto do ensaio é o processo de desenvolvimento brasileiro contemporâneo. Pelas suas características, o processo de desenvolvimento traz aos atores sociais uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada pela busca de mais informações e implica problemas de coordenação entre os atores. O artigo apresenta, sucintamente, o conceito de convenção, sua utilização na seleção de problemas e soluções e a disputa pela hegemonia entre convenções. Analisa o caso brasileiro, que é estudado em cinco partes. Na primeira, é analisada a incerteza vigente à posse do Presidente Lula e o reclamo por uma nova “convenção de desenvolvimento”. Nas duas partes seguintes, apresentam-se as duas convenções que se formaram, apoiadas em forças políticas diferentes, denominadas, por razões explicadas no texto, de “institucionalista restrita” e “neodesenvolvimentista”. A quarta parte examina as relações entre as duas convenções. A última parte discute brevemente as convenções de desenvolvimento alternativas surgidas na sociedade civil.

1. Introdução

O objetivo deste ensaio é discutir as concepções de desenvolvimento que se encontram no Brasil contemporâneo. Parte do conhecido dito de Keynes de que, por detrás dos “homens práticos”, estão as ideias de economistas, frequentemente mortos há muito tempo. Ou seja, a teoria econômica é importante para a política econômica. No entanto, como advertia Schumpeter, há quase um século, devemos nos precaver contra o “erro intelectualista” — as “ideias dos economistas” têm raízes nos problemas práticos que têm que enfrentar, assim como na filosofia (Schumpeter 1954).1 Mesmo a “economia pura”, concebida como uma “caixa de ferramentas”, é socialmente inserida — “o trabalho analítico principia com material extraído da nossa visão das coisas, e esta visão é, por definição, ideológica” (Schumpeter, 1964, p. 70) e a profissão de economista “desenvolve atitudes relativas às questões políticas e sociais que são similares também por outras razões além das científicas” (ibid, p. 75, ênfase do original). Na direção inversa, ele (ibid.) aponta para o papel que as teorias e o instrumental econômico desempenham na constituição dos “sistemas de economia política”, como o liberalismo e o socialismo.

Em síntese, parte-se do princípio epistemológico que a Economia é ontologicamente Política. Um dos seus propósitos é contribuir para a discussão dos interesses econômicos que estão subjacentes às teorias sobre os objetivos e procedimentos recomendados para o desenvolvimento brasileiro. Ou seja, move-se na contramão da visão que os conflitos são de ordem técnica.

O objeto do ensaio é o processo de desenvolvimento brasileiro contemporâneo. Pelas suas características, o processo de desenvolvimento traz aos atores sociais uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada pela busca de mais informações e implica problemas de coordenação entre os atores.

Para lidar com os problemas de incerteza e coordenação, as sociedades utilizam instituições — as “regras do jogo”. Nos planos cognitivo e comportamental estas regras estão estruturadas por convenções. Formalmente, temos uma convenção se, dada uma população P, observamos um comportamento C que tem as seguintes características:

(i) C é compartilhado por todos os membros de P;

(ii) cada membro de P acredita que todos os demais seguirão C e

(iii) tal crença dá aos membros de P razões suficientes para adotar C (Orléan, 2004).

Na próxima seção, discute-se, sucintamente, o conceito de convenção, sua utilização na seleção de problemas e soluções e a disputa pela hegemonia entre convenções. O caso brasileiro é tratado na terceira seção, em cinco partes. Na primeira, é analisada a incerteza vigente à posse do Presidente Lula e o reclamo por uma nova “convenção de desenvolvimento”. Nas duas partes seguintes, apresentam-se as duas convenções que se formaram, apoiadas em forças políticas diferentes, denominadas, por razões explicadas no texto, de “institucionalista restrita” e “neodesenvolvimentista”. A quarta parte examina as relações entre as duas convenções. A última parte discute brevemente convenções de desenvolvimento alternativas surgidas na sociedade civil. A seção final contenta-se em resumir as conclusões do ensaio.

2. O conceito de convenção de desenvolvimento

Tomemos como ponto de partida uma distinção tradicional entre crescimento e desenvolvimento: o primeiro consiste, essencialmente, em “mais do mesmo”, o segundo implica transformações estruturais. Estas transformações fazem com que os atores enfrentem uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada através da busca de mais informações.

Tal incerteza reduz a possibilidade de coordenação das ações dos atores, especialmente das suas estratégias. A sinergia e as externalidades que surgem através da ação conjunta são reduzidas, a mudança torna-se mais lenta e errática.

Instituições provêm a sociedade com meios para lidar com os problemas de incerteza e coordenação — “regras do jogo”, na definição de North (1990), amplamente aceita. Tais regras sobre a problemática social derivam de metáforas que são de conhecimento e aceitação gerais e que geram outras metáforas, complementares (Schön, 1968) ou, como argumentam Denzau e North (2004), de “modelos mentais compartilhados”.

Tais metáforas servem para definir os problemas, descrevendo o que está errado com a situação presente de tal forma a estabelecer a direção para sua transformação futura, Para cumprir adequadamente os seus papeis de redução de incerteza e aumento de coordenação, tais regras especificam agendas positivas e negativas — uma hierarquia de problemas que devem ser enfrentados (p.ex. controle da inflação, distribuição de renda), soluções para esses problemas que são aceitáveis (p.ex. metas de inflação) ou não (p.ex. controles administrativos de preços), organizações encarregadas (o Banco Central), assim como regras e regulamentos (Regras de Basileia). Ou seja, estabelecem uma ordem para a transformação.

O poder destas regras é substancialmente aumentado se elas obtêm coerência através de uma metáfora histórica — uma história, uma teoria que explica como o presente surgiu a partir do passado e, especialmente, como o futuro será se as regras forem seguidas. Em síntese, uma teleologia.

Este conjunto de regras, as agendas, positiva e negativa, que gera e a teleologia subjacente, constituem uma convenção — uma “representação coletiva” (Jodelet, 1989) que estrutura as expectativas e o comportamento individual, tal como definido na Introdução.

Uma convenção de desenvolvimento, seguindo a definição deste, acima dada, trata das transformações estruturais que devem ser introduzidas na sociedade, estabelecendo o que há de “errado” no presente, fruto do passado, qual o futuro desejável, quais estruturas devem ser mudadas e as agendas de mudança, positiva e negativa.

Uma convenção surge da interação entre atores sociais, mas é externa a esses atores e não pode ser reduzida à sua cognição individual — ou seja, é um fenômeno emergente, em que o todo não é redutível às partes (De Wolf & Holvoet, 2005). 

A força de uma convenção é proporcional ao tamanho de P e ao poder político e econômico dos seus membros. Tal força proporciona benefícios aos que aderem à convenção e sanciona os que dela se afastam. Em consequência, P contem não apenas “crentes”, como “oportunistas”, movidos apenas por razões utilitárias (Choi, 1993).

A legitimidade das convenções depende da fé depositada por seus aderentes no seu conteúdo cognitivo e, acima de tudo, da adequação de seus resultados às expectativas dos membros da população P.

O conteúdo cognitivo de uma convenção de desenvolvimento2 é composto de conhecimentos codificados e conhecimentos tácitos, estruturados por um “núcleo duro”, de natureza axiomática, que organiza o conhecimento, e por um “cinturão protetor”, que operacionaliza este conhecimento e o adapta às condições específicas.

Parte dos conhecimentos codificados tem origem na ciência, notadamente as ciências sociais — teorias econômicas, sociais e políticas — conhecimentos especializados, elaborados por profissionais no âmbito da academia internacional. A partir desta “versão erudita” (Sá Earp, 2000), normalmente expressa por afirmativas contingentes (“admitindo que os agentes econômicos têm expectativas racionais…”), são elaboradas versões mais simplificadas e normativas, através de outras instituições, como as organizações internacionais (veja-se o papel do Banco Mundial e do FMI), a mídia e a própria academia (através de manuais), que se expressam por indicadores empíricos (por exemplo, os de “boa governança” do Banco Mundial) e receituários de política, como o decálogo do Consenso de Washington. A integração internacional da academia e demais organizações difunde este conhecimento codificado nas sociedades específicas. A retórica atualmente adotada nas versões eruditas, em que “teoria” tornou-se sinônimo de “modelos formais”, sujeitos a um tratamento matemático sofisticado, torna restrito o público que as entende e confere-lhes um caráter sagrado.

Outra parte dos conhecimentos codificados tem origem religiosa e em procedimentos de socialização, a exemplo de mitos, fábulas e cerimônias de iniciação, que são compartilhados pelos membros da população P. Estes conhecimentos, além de estabelecer laços comunitários, têm a função de reduzir a incerteza, mostrando como, cumpridas certas condições, é possível sair de situações “más” (o pecado, a inflação, a pobreza) e chegar a situações “boas” (a virtude, a estabilidade, a riqueza).

O conhecimento tácito refere-se às percepções não codificadas sobre como a sociedade “é” e como “deveria ser”, compartilhadas pelos membros da população P, que resultam da experiência dos atores e que são transmitidas, dentro da mesma geração e entre gerações, através de vários mecanismos culturais e educacionais — por exemplo, provérbios como “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

A “visão das coisas” a que se referia Schumpeter, que precede a codificação científica do conhecimento, é constituída por conhecimentos tácitos e conhecimentos codificados não científicos. Através de alguns destes conhecimentos, como os mitos, a “visão das coisas” ganha um componente teleológico.3

Os conhecimentos codificados tendem a se traduzir em regras formais de conduta, frequentemente dotadas de um poder coator externo — o Estado, ao passo que os conhecimentos tácitos são normalmente expressos por regras em que a força de coação reside na aprovação do grupo.

Embora os conhecimentos codificados tenham, forçosamente, que ser adaptados às condições locais para se transformarem em regras de conduta, é nos conhecimentos tácitos, que refletem a vivência dos atores quanto à sociedade, e na interação entre os dois tipos de conhecimento, que a especificidade local mais se manifesta, até pela ineficácia das regras formais (as leis que “não pegam”).

Os conhecimentos tácitos e as regras informais de conduta são importantes na concepção e implementação das convenções de desenvolvimento, mas, atemo-nos aqui, por razões de espaço, aos conhecimentos codificados de base científica.

Uma convenção de desenvolvimento não se limita a um dispositivo cognitivo — para ser eficaz ela tende a se espraiar em outras instituições/regras, como leis e regulamentos e a inserir-se em organizações, como as burocracias públicas e privadas e a academia. Por gerar outras organizações e regras, é uma instituição constitucional. Este processo de difusão cumulativa assume características de auto-organização (De Wolf & Holvoet, 2005), formando um sistema adaptativo em que a estrutura é mantida sem que seja necessário um controle externo. Em consequência, a convenção passa a ser vista como algo natural e externo aos seus aderentes.

Conforme já apontado, a legitimidade de uma convenção depende da congruência dos seus resultados com as expectativas da população P. Se P é um grupo relevante dentro da estrutura de poder da sociedade, a legitimidade da ordem social da qual a convenção de desenvolvimento faz parte é reforçada.

No entanto, a natureza cumulativa do processo de constituição e difusão de uma convenção de desenvolvimento torna-a dependente em relação à trajetória que vinha sendo seguida. Assim, se surgem problemas distintos daqueles que a convenção identificou como prioritários e que demandam soluções não compatíveis com o núcleo duro da convenção, esta entra em crise e tende a ser substituída por outra convenção. Os episódios da dívida externa na América Latina ou da derrocada do socialismo na Europa Oriental e a substituição do desenvolvimentismo e do socialismo pelo neoliberalismo ilustram bem este processo.

As convenções de desenvolvimento constituem, pois, dispositivos de identificação e solução de problemas. Embora sejam sempre apresentadas como “projetos nacionais” que levam ao “bem comum”, refletem, na verdade a distribuição de poder econômico e político prevalecente na sociedade, num determinado período. Como o processo de desenvolvimento envolve mudanças estruturais, uma convenção eficaz deve oferecer escopo a grupos emergentes, que não pertencem ao bloco de poder, especialmente quando o regime político é democrático. No entanto, em sociedades complexas, em que existem diversos interesses conflitantes, nenhuma convenção de desenvolvimento consegue acomodar a todos. Assim, existem sempre diversas convenções de desenvolvimento que competem pela hegemonia.

Embora uma convenção que foi hegemônica durante um período possa deixar de sê-la, a perda de hegemonia não implica no seu desaparecimento — os grupos sociais a que servia de representação continuam presentes e ela está inserida em múltiplas instituições, cuja mudança é lenta. Assim, embora derrotada, ela segue competindo pela hegemonia, adequando-se à nova problemática.

A história brasileira ilustra bem a competição entre convenções.4 Mesmo quando o nacional-desenvolvimentismo foi hegemônico, os liberais não deixaram de apresentar uma convenção alternativa (Bielschowsky, 1982). Da mesma forma, são conhecidos os conflitos entre neodesenvolvimentistas e neoliberais, durante a hegemonia do liberalismo no período Cardoso, mesmo no seio do Governo (Sallum Jr. ,2000). Conforme detalhado a seguir, esta competição encontra-se no governo Lula.

3. As convenções de desenvolvimento no Governo Lula

3.1 A necessidade de uma nova convenção de desenvolvimento

Todo começo de governo é incerto, mas, no início do primeiro mandato do Presidente Lula, a incerteza era extraordinária. Embora durante a campanha eleitoral de 2002 o candidato Lula tivesse abandonado a retórica radical de “ruptura com o modelo neoliberal” em favor de uma “transição lúcida”, assegurando, na Carta aos Brasileiros, “o respeito aos contratos”, pairavam sobre seu futuro governo as dúvidas decorrentes do seu passado, onde figurava inclusive a . operário e a insistência dos oponentes, secundada pela mídia, sobre sua falta de preparo intelectual para o exercício da Presidência. Somava-se a estas dúvidas a brusca deterioração da economia no segundo semestre de 2002, quando a ação conjunta de vários atores econômicos, temerosos quanto aos resultados das eleições e visando estabelecer condições de barganha vantajosas, produziu brusca elevação da taxa de inflação, desvalorização da taxa de câmbio e redução da taxa de crescimento. Para completar, as cores do quadro internacional eram sombrias: ainda se faziam sentir os efeitos das crises da Argentina e das empresas de energia e tecnologia de informação e uma nova guerra no Golfo era iminente.

Respondendo à incerteza, o discurso de posse de Lula no Congresso, reiterou sua convicção de que o antigo modelo estava esgotado e que “mudança” era a palavra-chave, mesmo que esta devesse ser gradual, perseguida com paciência e perseverança. Para tanto, eram necessários um “projeto nacional de desenvolvimento”, apoiado num “planejamento estratégico”.

Tal projeto seria dirigido principalmente para as necessidades dos pobres — empregos, educação, saúde e, especialmente, alimentação. Para atingir estes objetivos, Lula enfatizou a necessidade de estabilidade macroeconômica, principalmente a administração responsável das finanças públicas. O crescimento resultaria de um aumento das poupanças e investimentos, com foco no mercado interno, principalmente nas pequenas e médias empresas, infraestrutura e capacidade tecnológica. Uma ampla gama de reformas institucionais era prevista, nos campos fiscal, previdenciário, agrário, da legislação trabalhista e político. Para realizar este ambicioso programa, seria necessário um novo “pacto social”, unindo trabalho e capital produtivo, de forma a gerar uma “energia solidária”.

Pode-se interpretar tal discurso como o reconhecimento da necessidade de uma nova “convenção de desenvolvimento”, ratificada pelo recuo da convenção neoliberal, tanto no plano internacional como no Brasil. O apelo a um “pacto social amplo” também era consistente com o “presidencialismo de coalizão” que caracteriza o sistema político brasileiro e que obriga o Presidente a realizar coalizões com forças que não sustentaram a sua candidatura e que têm objetivos programáticos (quando os têm) distintos.

Na verdade, a necessidade de uma nova convenção, de natureza mais inclusiva do ponto de vista econômico e social, foi interpretada, no âmbito do Governo, de forma diferenciada, gerando duas convenções distintas, tratadas, a seguir, a partir de documentos programáticos governamentais.

Antes, porém, cabe registrar uma ironia da História. Ao governo Cardoso, que apostou todas as suas fichas no comportamento favorável do mercado externo, coube um período de grande conturbação deste mercado — da crise mexicana à argentina, passando pela nossa. Ao contrário, o governo Lula, que iniciou sob o consenso de restrições externas, foi beneficiado, entre meados de 2003 e a crise de 2008, por uma enorme expansão do comércio e da liquidez internacionais, concentrado o primeiro em commodities primárias e produtos semielaborados, o Brasil conta com inequívocas vantagens comparativas.

3.2 A convenção institucionalista restrita

A convenção institucionalista, tal como apresentada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, tem uma visão de sociedade competitiva e meritocrática, cuja eficiência é garantida pelo funcionamento do mercado.

Seu cerne analítico é neoclássico, enriquecido pelos aportes da Nova Economia Institucional (North, 1990). Visa ao estabelecimento de normas e organizações que garantam o correto funcionamento dos mercados, de forma que estes cumpram suas funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando poupanças, investimento e, em consequência, crescimento econômico. Quanto mais eficientes forem os mercados em termos presentes e futuros, maior será a probabilidade de crescimento. Para tanto, são essenciais a garantia dos direitos de propriedade e a redução dos custos de transação, que, por sua vez, demandam instituições estatais eficientes. Os mercados têm dimensão internacional e, portanto, a abertura da economia, em termos comerciais, financeiros e de investimento é essencial para o desenvolvimento.

A inovação, tecnológica e institucional, é vista como o motor do desenvolvimento e a abertura internacional desempenha um importante papel no seu estímulo através da importação de tecnologias mais produtivas, incorporadas em bens de capital e insumos.

Como o mercado de conhecimentos é inerentemente imperfeito, a intervenção do Estado é neste campo, necessária, assim como em atividades em que existem “monopólios naturais”.

Dada a conhecida carência brasileira em inovação e infraestrutura, o Estado deveria ter um papel ativo no seu fomento. Para esta última havia, no Ministério da Fazenda, uma clara preferência pelo modelo principal-agente, no qual o Governo (o principal) fixa as diretrizes de política e a Agência, apoiada em regras estáveis e transparentes de gestão, executa tais diretrizes e presta contas ao principal por sua execução. Este modelo, destinado a evitar as ineficiências do suprimento direto de serviços por instituições estatais e, ao mesmo tempo, reduzir os riscos de “captura” das agencias pelos seus regulados, havia sido adotado no Brasil nos setores privatizados (com variados graus de sucesso) e, conforme discutido a seguir, para a execução do regime de metas inflacionárias pelo Banco Central.

A adesão do governo Lula a esse modelo organizacional foi muito parcial. As relações governo-agências setoriais têm sido marcadas por fortes conflitos. A exceção corre pelo caso do Banco Central, visto a seguir.

Reconhecida a prioridade a ser dada a uma distribuição de renda mais equitativa, inclusive para os objetivos de maior crescimento, recomendava-se não só o investimento em capital humano através da educação, como políticas “focalizadas” nos “pobres”. A “focalização”, que seguia o cânone estabelecido por instituições internacionais como o Banco Mundial, encontrava apoio no diagnóstico de que os gastos sociais feitos pelo Estado brasileiro eram significativos — o problema estava na sua ineficácia, posto que parte substancial destes gastos estaria dirigida aos “não pobres”. A solução, pois, era a “focalização” nos “pobres” através de mecanismos institucionais eficientes e eficazes, mesmo que tal orientação estivesse em oposição ao “universalismo” defendido pelo PT. O Bolsa Família viria a concretizar a focalização.

A estabilidade de preços e a expectativa dos atores econômicos de que esta é duradoura constituem parte indispensável desta convenção, posto que afetam não apenas as transações correntes como os contratos futuros e, portanto, a poupança e o investimento. Ao mesmo tempo, afeta positivamente a equidade, posto que os “pobres” tendem a ser mais afetados pela alta inflação.

O cânone liberal condiciona a estabilidade ao estabelecimento de regras formais que disciplinem o comportamento do Governo e dos agentes privados. Tais regras se expressam através de metas, fiscais e de inflação, que permitem à sociedade monitorar o desempenho do Governo. Implícita, está a crença na tendência do Governo em incorrer num “viés inflacionário”, mas os agentes privados também necessitam ser disciplinados, cabendo à política monetária do Banco Central o papel central na “ancoragem” das expectativas, através de metas inflacionárias, e à flexibilidade da taxa de câmbio a correta adequação da economia às condições internacionais.

Ao iniciar-se o primeiro mandato do Presidente Lula, o Ministério da Fazenda (2003) anunciou que “o novo governo tem como primeiro compromisso da política econômica a resolução dos graves problemas fiscais que caracterizam nossa história econômica, ou seja, a promoção de um ajuste definitivo das contas públicas” (p. 8, ênfase original). No mesmo sentido de estabilização, deveria ser dada prioridade à reforma da Previdência, conferida autonomia legal ao Banco Central e reforçados os direitos de credores, o que, em tese, conduziria a uma redução dos prêmios de risco e, portanto, à redução da taxa de juros.

“Reforma fiscal” é um bordão de todo Ministro da Fazenda a partir da agonia do Estado desenvolvimentista nos anos 1980 e constitui um tema que, em termos gerais evoca consenso, mas que, quando busca-se implementá-lo, esbarra em interesses incontornáveis e irreconciliáveis, à semelhança das reformas administrativa e política. O governo Lula seguiu as linhas de menor resistência, aumentando a carga tributária, sem deixar de enviar ao Congresso a ritual proposta de reforma, que se encontra “em discussão”. Para a Previdência, feita uma pequena reforma, o tema foi abandonado.

Quanto às reformas dirigidas ao sistema monetário e financeiro, o Banco Central não ganhou sua independência legal, mas seu Presidente foi alçado ao status ministerial e a organização reteve sua capacidade de estabelecer objetivos e sua forte autonomia operacional para implementá-los (veja-se a seguir). Os direitos dos credores foram reforçados (p.ex. via Lei de Falências), mas os efeitos da sua maior segurança sobre as taxas de juros são difíceis de discernir.

O silêncio é tão eloquente como a fala. Embora privilegiasse a eficiência institucional, o documento da Fazenda omitia-se quanto a mudanças institucionais de caráter estrutural, como a reforma administrativa do Estado e a reforma política, apesar dos inequívocos efeitos destas sobre a eficiência dos mercados e do próprio Estado. A trajetória histórica manifestava seu peso.

Do ponto de vista cognitivo, as reformas institucionais propostas eram derivadas da convenção liberal e faziam parte da “segunda geração” de reformas do Consenso de Washington, dando continuidade ao processo iniciado na década de 1990. Não obstante, apontavam para problemas estruturais, como a reforma fiscal e o equacionamento financeiro da Previdência. A solução destes problemas não necessita ser feita segundo as propostas liberais — soluções alternativas podem ser encontradas, desde que a importância dos problemas seja reconhecida e as alternativas resolvidas politicamente. A minimização do debate e o adiamento das soluções, apontam para uma preferência pelo curto prazo e para as dificuldades inerentes à governança no “presidencialismo de coalizão”. A mesma conjectura aplica-se às reformas omitidas.

Concebida de forma restrita e implementada parcialmente, a agenda institucionalista acabou por restringir sua prioridade à estabilização de preços, deixando o Banco Central no epicentro da política macroeconômica. Esta configuração não é nova — remonta aos anos 1980, em que o principal instrumento para impedir a eclosão da hiperinflação foi a alta taxa de juros paga por títulos da dívida pública, transformados em quase moeda. A centralidade do BACEN foi mantida no governo Collor e ampliada no primeiro mandato do Presidente Cardoso, quando o Banco estabeleceu a ancoragem cambial, a despeito da oposição de parte da equipe econômica. Apesar de ter conduzido o país à anunciada crise de 1999, o BACEN ressurgiu das cinzas sob o regime de metas de inflação, com poderes ampliados.

No Brasil, as metas de inflação são definidas pelo Conselho Monetário Nacional. As atas do Conselho, que poderiam indicar quais os critérios usados para sua definição, não são divulgadas, mas pode-se supor que, à semelhança do Federal Reserve Board, envolvam “ciência e arte” (Bernanke, 2007). Dado o traumático passado inflacionário brasileiro e os efeitos deletérios da inflação sobre os rendimentos das camadas mais pobres da população, que compõem o grosso do eleitorado, há uma compreensível relutância política do Governo em mostrar-se leniente com a inflação, o que torna a definição de metas dependente da sua evolução anterior. Na avaliação de executivos do Banco Central (Bevilaqua et al., 2007), a estabilidade de preços está associada a uma taxa de inflação inferior a 5% anuais.

No regime de metas de inflação em que o Banco Central tem, nominalmente, apenas autonomia operacional, o Banco recebe as metas de uma autoridade e tem a incumbência de executá-las, seguindo normas de transparência e de prestação de contas — um arranjo institucional do tipo principal-agente. No caso brasileiro, a separação entre fixação e execução (principal e agente) de metas é muito parcial, posto que o Presidente do Banco Central tem assento no Conselho Monetário Nacional, ao lado dos Ministros da Fazenda e Planejamento, e sua opinião, lá, pesa, e muito.

Cabe, ainda, insistir sobre dois pontos. Primeiro, o centro da meta inflacionária e a banda de variação são o resultado de uma decisão política. A dependência em relação à trajetória passada não impede que, face a mudanças bruscas de cenário ou a objetivos eventualmente conflitantes com a manutenção do centro da banda, este ou os seus limites sejam alargados pelo CMN. Na verdade, o próprio BACEN pode fazê-lo, como já o fez em janeiro de 2003, quando “ajustou” o centro da meta em função da crise do segundo semestre do ano anterior, e em setembro de 2004, a título de acomodação à inércia inflacionária (Bevilaqua et al., 2007). Em segundo lugar, como testemunha o insuspeito Bernanke (2007), por mais sofisticados que sejam os modelos de previsão, há uma necessária dose de discrição nessas previsões.

Conforme explicado por seus executivos, o BACEN “guia suas decisões de política [para atingir as metas] por suas próprias previsões de inflação e dos respectivos balanços de riscos. As expectativas de inflação do mercado são insumos importantes nos modelos de previsão do BACEN… e são influenciadas pelo comportamento passado da inflação, as metas de inflação, o desenvolvimento da taxa de câmbio e do preço das commodities, a atividade econômica e o posicionamento da política monetária” (Bevilaqua et al., 2007, p. 5). Embora acreditem que o peso do passado na definição de expectativas tenha diminuído, atestando o sucesso da política de metas, constatam que, “muitas vezes, as expectativas apresentaram reações excessivas a eventos correntes, especialmente a surpresas inflacionárias… Neste sentido, o processo de desinflação tem sido, e ainda é, um processo de domar as expectativas inflacionárias” (ibid., p. 5) e “os custos de curto prazo, em termos de atividade econômica perdida, devem ser vistos como um investimento em estabilidade” (ibid., p. 13, ênfase adicionada).

Ao longo deste processo de disciplinar o mercado, o BACEN é rápido na elevação das taxas de juros e lento na sua redução (Modenesi, 2008) e pratica taxas de juros que, apesar de oscilarem, estão sempre entre as mais altas do mundo. Nesta operação, condiciona as outras duas pontas do tripé de políticas macro.

Do lado cambial, a entrada de capitais estrangeiros, atraída pelo diferencial de juros, valoriza o Real e contém o preço dos bens e serviços comercializáveis internacionalmente. Instrumentos financeiros como swaps cambiais reversos adicionam importantes aliados à política de manter a Selic elevada e a taxa de câmbio valorizada.

Do lado fiscal, obriga a política a estabelecer suas metas em termos primários, comprimindo gastos, notadamente de investimento, de forma a liberar recursos para o pagamento de juros sobre a dívida pública (não incluídos no resultado primário). A valorização do real e a liquidez do mercado internacional permitiram a acumulação de reservas cambiais e que o Tesouro eliminasse a sua dívida externa. Estas reservas foram um importante instrumento de defesa da economia durante a crise de 2008. No entanto, dado o diferencial entre os juros internos e externos, as reservas têm um importante “custo de carregamento”, que é contabilizado no déficit nominal do setor público.5

Argumenta-se com frequência que a estabilidade de preços tem a natureza de um bem público, no sentido de que ninguém pode ser excluído de seus benefícios. No entanto, a política acima resumida tem distintos perdedores e ganhadores.

Entre os perdedores, os devedores encimam a lista. Entre estes, destaca-se o Estado, que pagou, em média, cerca de 6% do PIB ao ano à conta de juros no período 2003-2008, aproximadamente dez vezes o gasto no programa Bolsa Família. Dado que a tributação no Brasil é notoriamente regressiva, resulta uma maciça transferência de renda dos pobres para os ricos.

Há também perdedores no setor privado — todos os que necessitam utilizar mecanismos de crédito, dos consumidores que desejam adquirir ativos familiares a empresas que precisam financiar o seu capital de giro e investimentos.

Em consequência, a demanda final de bens de consumo é contida, com reflexos sobre toda a cadeia produtiva e os investimentos. O curto prazo da política monetária e o poder discricionário do BACEN aumentam a incerteza e o alto rendimento, grande liquidez e baixo risco das aplicações financeiras elevam a taxa mínima de retorno (hurdle rate) dos investimentos produtivos. Assim, o portfolio de investimentos produtivos das empresas tende a se concentrar em projetos de curto prazo e baixo risco, exceto quando o mercado em expansão e a concorrência obrigam as empresas a investir, como foi, no período 2003-2007, o caso das atividades exportadoras de produtos primários e semielaborados.

As aplicações dos grandes gestores de recursos financeiros, como os fundos de pensão sofrem o mesmo viés e o sistema financeiro é encorajado a concentrar suas operações em títulos públicos, em detrimento da concessão de crédito, que tende a priorizar operações de curto prazo e baixo risco. Em consequência, o sistema privado de financiamento torna-se pouco funcional para as transformações estruturais típicas do desenvolvimento, deixando este papel a cargo dos bancos públicos.

Atividades cruciais para o desenvolvimento, como a inovação, notadamente projetos mais criativos, são desestimuladas, a taxa de crescimento do emprego diminui e o crescimento e a igualdade também. O “investimento em estabilidade” tem altos custos.

Do outro lado da lista, entre os ganhadores, destaca-se, primum inter pares, o sistema financeiro. O balanço consolidado dos bancos brasileiros mostra que o volume de lucros líquidos triplicou entre 2003 e 2007 e que a sua taxa de lucro passou de 14,8% em 2003 para 22,9% em 2007 (Valor Econômico, 2008). No entanto, o sistema financeiro não está só. Investidores institucionais como fundos de pensão, companhias de seguro, empresas com alta geração de caixa (empresas industriais produtoras de bens intermediários, produtores e vendedores de commodities agrícolas, atacadistas, cadeias de lojas de bens de consumo) também se beneficiam, assim como os domicílios mais ricos, notadamente os que pertencem ao 1% superior da pirâmide de distribuição de renda e recebem cerca 13% da renda total do país. Os dados de Bruno (2007) indicam que as empresas não financeiras e indivíduos receberam, na média, cerca de 80% das rendas financeiras durante o período 1995-2005.

A valorização do câmbio é irmã siamesa dos altos juros. Os exportadores e os produtores locais de bens comercializáveis são os principais prejudicados pela valorização. No entanto, entre os primeiros, os que exportam commodities, sejam produtos primários ou semielaborados, foram, a partir de 2003, parcialmente compensados pelo aumento dos preços no mercado internacional e, sendo grandes geradores de caixa, pelos altos juros locais. Em contrapartida, os importadores de bens e serviços beneficiam-se muito com a valorização do câmbio, de tal forma que, apesar das condições favoráveis para as exportações brasileiras, o saldo em transações correntes, que havia chegado a quase 2% do PIB em 2004, foi praticamente nulo em 2007 e negativo a seguir. Vistas pelo ângulo da conta de capitais, as duas irmãs atuam no sentido de favorecer as empresas que têm condições de aceder ao crédito externo e a todos a quem convém remeter recursos para o exterior, seja para investimentos (principalmente os produtores de commodities), seja a título de juros, lucros e dividendos, cujo montante mais do que dobrou entre 2003 e 2008.

Existe, pois, uma ampla e poderosa constelação de interesses, estruturada ao longo do tempo em torno à combinatória altos juros-câmbio valorizado, que estabeleceu uma convenção que estes elementos são essenciais para o desenvolvimento do país. A política do Banco Central atende estes interesses e minimiza os riscos de ocorrência de episódios de turbulência, como os ocorridos no segundo semestre de 2002.

Argumentos como o “pecado original” da moratória de 1987, a “incerteza jurídica” dos credores e o crédito “não livre” ou o déficit público são oferecidos como justificativa. Fatos como as taxas de juros muito mais baixas que as brasileiras em países que também entraram em moratória, como o México, a concessão de “grau de investimento” por agências internacionais de avaliação de risco, que deveria ter redimido o pecado, o reforço das garantias dos credores, acima mencionado, a falta de disposição do sistema financeiro privado para o crédito agrícola e de longo prazo e o bom desempenho fiscal do Governo são convenientemente omitidos.

Esta coalizão de interesses tem poderosos instrumentos para consolidar e difundir sua convenção de desenvolvimento. O mais explícito está nas mãos do sistema financeiro, como demonstrado na crise do segundo semestre de 2002, que tão efetivamente domou as expectativas do governo entrante. Mas há outros instrumentos, mais sutis, como o financiamento de campanhas políticas,6 as relações com os membros do Congresso, os “anéis burocrático-empresariais” de que, no passado, falava Cardoso, o sociólogo, e as relações com a mídia, que difunde a convenção de estabilidade.

O Banco Central é um membro necessário desta coalizão — é a instituição que concebe e executa a política monetária, com os efeitos já apontados sobre a política cambial e fiscal e a distribuição de rendas. A autonomia do BACEN reflete a força da coalizão e, ao mesmo tempo, dadas as características já apontadas da política que pratica, reforça o peso econômico e político da coalizão, num processo cumulativo — sem que isto implique, necessariamente, uma “captura” do Banco pelo sistema financeiro no sentido da “escolha pública”. Para o estabelecimento da coalizão e da convenção que lhe serve de representação social, basta que o Banco Central e os membros privados derivem benefícios conjuntos da mesma política — no caso, o prestígio de cumprir as metas e os lucros derivados dos altos juros e do câmbio valorizado.

Além de objetivos comuns, diversos mecanismos reforçam a coesão desta coalizão e a força da convenção a ela vinculada.

A atual estrutura do sistema financeiro brasileiro foi muito influenciada pela crise bancária de 1995 e pela privatização dos bancos estaduais, processos em que o Banco Central teve um papel decisivo, participando da gênese ou desenvolvimento dos grandes grupos privados que dominam o sistema. A mesma crise levou ao aprofundamento das atividades de supervisão do sistema financeiro exercidas pelo Banco Central (p.ex. a aplicação das regras de Basileia), estreitando os laços entre as partes. Como toda agência reguladora, o Banco Central tem que manter contato estreito e contínuo, formal e informal, com os atores regulados, formando uma percepção comum dos problemas e soluções. A execução da política monetária aumenta a integração: as estimativas de inflação feitas pelo sistema financeiro (que tem implícito um viés favorável ao aumento de juros) constituem um importante insumo para as estimativas do Banco Central e as reuniões do COPOM onde a taxa de juros básica é definida têm periodicidade fixa e são precedidas de incontáveis manifestações de representantes do sistema financeiro sobre a decisão do Comitê. Finalmente, o horizonte com que as metas são estabelecidas pelo Conselho Monetário — um ano e meio adiante — facilita a convergência entre o BACEN e o sistema financeiro.

No plano cognitivo, a convenção se expressa na crença, partilhada pelos membros da coalizão que a sustenta, na eficácia e legitimidade do mercado como a principal instituição encarregada de organizar e conduzir a economia e a sociedade através de uma distribuição eficiente no uso de recursos. Tal crença valida o uso da força da coalizão para ampliar a gama de relações sociais regidas pelo mercado (a exemplo da saúde, previdência e educação) e vetar projetos e políticas que possam reduzir o poder do mercado em favor de outras instituições. Implícita nestas duas agendas — positiva e negativa — está a tese neoliberal de que, mesmo que o mercado não se coadune ao ideal concorrencial, as falhas introduzidas no processo de alocação eficiente de recursos pela ação de outras instituições, notadamente o Estado, são ainda maiores. Neste sentido, a crise não resolvida do Estado desenvolvimentista, manifesta nos aspectos político, fiscal e administrativo, joga a favor da convenção.

Um viés conservador une ainda mais o Banco Central e os interesses privados — o primeiro quer manter a estabilidade de preços, os segundos o rentável status quo, consolidado ao longo dos anos. Ambos se opõem a mudanças estruturais que alterem a distribuição de riqueza e renda e preços relativos, aumentando o risco de inflação. Em consequência, a coalizão usa seu poder não apenas para promover políticas que a beneficiem, mas também para obstar políticas que alterem o status quo.

Denominamos, inicialmente, a convenção acima descrita como sendo institucionalmente “restrita”. No entanto, conforme a análise acima aponta, o adjetivo pode também ser aplicado à gama de mudanças estruturais que tal convenção propugna. Se desenvolvimento é mudança estrutural, trata-se, na melhor das hipóteses de um “desenvolvimento restrito”.

3.3 A convenção neo‑desenvolvimentista

Coexistindo com a convenção acima descrita, mas a ela subordinada, há outra, a que podemos chamar de “neodesenvolvimentista”. À diferença da convenção institucionalista, esta tem uma visão de sociedade essencialmente cooperativa, expressa através do conceito de “pacto social” e das metáforas usadas pelo Presidente da República, que assemelham a sociedade a uma família ou a uma equipe esportiva, que se traduz, na prática, na prioridade à inclusão social.

Do ponto de vista econômico, seu núcleo duro é de inspiração keynesiana — o crescimento é impulsionado pelo aumento autônomo da renda familiar dos grupos mais “pobres”, via salário mínimo e transferências fiscais, e de investimentos em infraestrutura e construção residencial, regidos pelo Estado. No entanto, distingue-se da convenção “novo-desenvolvimentista”, que tem a mesma matriz teórica (ver quarta seção), pela aceitação, mesmo que a contragosto, da política macroeconômica da convenção institucionalista restrita, que os “novo-desenvolvimentistas” explicita e fortemente rejeitam.

Proposta inicialmente no Plano Plurianual de Aplicações (PPA) 2003-2007, ampliada pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e pela tentativa de estabelecer parcerias público-privadas, em 2003, a convenção neodesenvolvimentista foi reforçada, a partir de 2006, pela mudança de equipe no Ministério da Fazenda e pela reeleição do Presidente Lula. Encontra sua forma atual no Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010 (PAC) e na recente Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

A convenção repousa sobre cinco pilares, que justificam a denominação dada:

  • Investimento em infraestrutura (principalmente energia, logística e saneamento), a ser feito majoritariamente por empresas estatais e privadas, com o financiamento do BNDES e, em menor grau, diretamente pelo Estado. Parte destes investimentos responde a carências há muito identificadas e podem ser vistos como a “recuperação do atraso”. No entanto, a descoberta de grandes jazidas de petróleo em águas muito profundas (o pré-sal) abre a perspectiva de enormes investimentos nesta área e, a seguir, da remoção da restrição de divisas pela exportação de petróleo e seus derivados. Para tanto, porém, será necessário equacionar adequadamente as condições institucionais que regerão a exploração desta área e o esquema de financiamento para os referidos investimentos, que, na sua maior parte, serão realizados após a conclusão do PAC atual.
  • Investimento residencial incentivado pelo crédito, público e privado, amparado por maiores garantias dos credores. Buscava-se aqui também reduzir o enorme déficit habitacional do país (estimado em 6 milhões de residências) e da baixa participação do crédito para este fim no PIB (menos de 2%).
  • Círculo virtuoso entre, de um lado, o aumento de consumo das famílias — derivado dos aumentos do salário mínimo, das transferências do Bolsa Família, da expansão do emprego formal7 e do crédito8 — e, do outro lado, o aumento do investimento em capital fixo e inovação, incentivado pela desoneração fiscal e pelo crédito dos bancos públicos.
  • Investimento em inovação, amparado por incentivos fiscais, crédito subsidiado e subvenções.
  • Política externa independente, que privilegia as relações com outros países em desenvolvimento (seja da América Latina, seja do grupo BRIC) e busca afirmar o papel do Brasil como protagonista do processo de mudanças na arquitetura institucional mundial.

O Estado, nesta convenção, volta a assumir um papel de liderança no processo de desenvolvimento, recuperando, inclusive, o protagonismo das empresas estatais e dos bancos públicos, perdido durante o período liberal.

Nos dois primeiros pilares e no último, é clara uma atualização da antiga proposta desenvolvimentista. Restabelece-se a tradicional coalizão entre empreiteiras da construção pesada e leve, fornecedores de insumos e equipamentos e seus empregados com o governo.

A capacidade local de inovação (o quarto pilar), buscada pelo desenvolvimentismo dos anos 1970, é, hoje, objeto de um consenso que abarca todas as correntes de pensamento, contando com forte apoio do Banco Mundial. A PITCE de 2003 tinha um forte componente heterodoxo em sua agenda positiva, ao estabelecer claras prioridades setoriais e tecnológicas9, em função de encadeamentos tecnológicos e dos déficits no comercio internacional. Esta heterodoxia foi atenuada em favor de políticas “horizontais”, possivelmente devido à redução da restrição externa. Também, à diferença do período desenvolvimentista, na agenda atual não se distinguem os detentores da capacidade de inovação pela origem do seu capital, apesar dos efeitos desta diferença sobre a competitividade internacional e a soberania nacional.

Cabe destacar que, à diferença da antiga convenção desenvolvimentista e da convenção neoliberal, o governo Lula, colocou no topo de sua agenda, através dos mecanismos apontados no que é descrito acima como o terceiro pilar neodesenvolvimentista, a redução da pobreza, herdada do longo período em que as duas convenções foram hegemônicas. A agenda atual almeja o consumo de massas e seu investimento derivado, mas também sanar a restrita inclusão econômica, há muito apontada como óbice principal à sustentabilidade do desenvolvimento (Furtado, 1961).

Do ponto de vista político, a forma como a política de inclusão foi implementada, de outorga de um benefício pelo Estado, é consistente com trajetória de um Estado paternalista que remonta ao varguismo10 e tem como efeito colateral a perda de importância das organizações da sociedade civil, notadamente as que representam os “pobres” e o aumento da importância dos poderes locais, responsáveis pela inclusão dos “pobres” nos programas de assistência. A redução dos conflitos sociais, inerente à política e sua forma de implementação, inclusive pelo baixo custo fiscal que envolve, é de interesse também dos grupos de maior renda, estabelecendo uma ponte entre as duas convenções.

A inclusão se dá via aumento de renda — não contempla a redistribuição de riqueza. Os detentores desta última (notadamente a financeira), fortemente beneficiados pelas políticas da convenção de estabilização, têm seus interesses preservados. Dada a regressividade da estrutura fiscal, na medida em que a inclusão é financiada via gastos fiscais são os “pobres” que arcam com parcela maior do seu custo. Neste sentido, os “pobres” são as vítimas principais dos impasses que cercam a reforma fiscal do Estado brasileiro.

O principal ativo desenvolvido pela política de inclusão é o da educação, através da condicionalidade das transferências à presença das crianças das famílias beneficiadas nas escolas — um efeito intergeracional. Aos adultos, a política oferece poucas “portas de saída”, entre as quais destaca-se a expansão do emprego de baixa qualificação.

Este efeito intergeracional é, infelizmente, mitigado pela má qualidade do ensino público. A esta lacuna somam-se outras deficiências no atendimento dos serviços básicos, de responsabilidade do Estado, como saúde, transporte público, segurança pessoal e acesso à proteção legal, que incidem principalmente sobre os “pobres”.

O lento progresso nessas áreas, historicamente carentes, enfrenta inúmeros obstáculos institucionais. Aumentar os gastos públicos nestas áreas esbarra, de um lado, na resistência política ao aumento da carga tributária e, de outro, nas metas de superávit primário, estipuladas pela convenção de estabilização. Reformas dos sistemas de governança desses serviços públicos, incluindo as atribuições de responsabilidade, estabelecimento de metas e procedimentos de monitoramento e avaliação, esbarram em interesses particularistas fortemente constituídos (por exemplo, as empresas privadas de transporte público e sua projeção política nos governos municipais) e na representação dos “pobres” por políticos que privilegiam medidas de curto alcance, de natureza clientelística.11 Desta forma, uma vez mais, são os “pobres” os principais perdedores da ausência das reformas (fiscal e administrativa) do Estado brasileiro.

Em síntese, a convenção desenvolvimentista do governo Lula também reúne um conjunto de relevantes interesses, econômicos e políticos, embora sua dimensão “inclusiva” também seja restrita. Não obstante, é importante destacar que a prioridade dada aos “pobres”, manifesta na redução dos índices de pobreza e desigualdade, constitui uma modificação crucial na agenda positiva de desenvolvimento que, dado o seu impacto político, tende a se manter.

3.4 A coexistência entre as duas convenções

Conforme apontado acima, as duas convenções têm “visões das coisas” e “núcleos duros” distintos e atendem interesses diferentes. Tais diferenças se traduzem nas prioridades de modificação estrutural postuladas pelas duas convenções e em agendas de políticas distintas.

As diferenças nas agendas se expressam de forma clara nas políticas atinentes aos investimentos e à taxa de câmbio.

À primeira vista, ambas as convenções compartilham o desejo de ampliar os investimentos, notoriamente baixos no Brasil.

Para a neodesenvolvimentista, esta é a mola do crescimento e, para tanto, segue, para os investimentos privados, uma estratégia de “pinça”: de um lado amplia o mercado, via consumo familiar e governamental e pelos encadeamentos do investimento público autônomo, e de outro, concede estímulos fiscais e de crédito, via bancos públicos, que reduzem o custo do investimento. Ao mesmo tempo vem ampliando os investimentos públicos, notadamente em infraestrutura e energia. Os diferentes prazos de maturação destas medidas implicam a forte probabilidade de ocorrerem descompassos temporários entre oferta e demanda em mercados específicos, que, num regime de metas de inflação, podem ser acomodados na margem de variação em torno do centro da meta. A previsibilidade das taxas de juros e câmbio, baixa taxa de juros e taxa de câmbio que mantenha as atividades locais competitivas internacionalmente, constituem ingredientes básicos de uma agenda de estímulo ao investimento.

Para o BACEN, o aumento da capacidade de oferta é essencial para um cenário “benigno” para a inflação futura, evitando que a demanda exerça pressões sobre o nível de preços. O Banco não divulga suas estimativas de hiato de produto, mas Barbosa (2009) argumenta que os estudos do BACEN sobre o hiato utilizam procedimentos que, num contexto de aceleração do investimento, tem um viés conservador.

Dado o poder do BACEN de afetar o crescimento, a ampliação da taxa de investimento torna-se essencial não apenas no plano “real” como no simbólico, reduzindo a probabilidade de interrupções no processo de crescimento impostas pelo Banco, para o qual os “custos de curto prazo, em termos de atividade econômica perdida, devem ser vistos como um investimento em estabilidade” (Bevilaqua et al., 2007, p. 13). Ao investimento em estabilidade seguir-se-ia, algum dia, o investimento em capacidade produtiva. Conforme apontado acima, ao contrair a demanda via aumento da taxa de juros, o BACEN afeta negativamente, de forma direta e indireta, o investimento produtivo.

A hierarquia de prioridades é, pois, distinta entre as duas convenções. A história recente mostra claramente não apenas as preferências como o poder do BACEN.

Assim, o temor da pressão de demanda foi um dos principais determinantes da elevação da taxa de juros em setembro de 2004 (alta que durou um ano), visando reduzir o crescimento do PIB, que vinha evoluindo a taxas de cerca de 6% nos trimestres anteriores (ibid.). Como resultado, a taxa de crescimento do PIB caiu de 5,7% em 2004 para 3,2% em 2005.

Em 2008, o BACEN deu outras demonstrações de poder e conservadorismo. Embora o aumento da inflação no primeiro trimestre fosse atribuível aos preços internacionais, o Banco a atribuiu à pressão da demanda interna sobre a capacidade produtiva e, estimando que havia um forte risco da inflação ficar acima do centro da meta (embora dentro da margem de variação de 2%), deu início, em abril, a um novo — e forte — ciclo de elevação da taxa básica de juros, que passou de 11,25% ao ano em março para 13,75% em setembro. Em outubro, mais de um mês após a crise internacional tornar-se virulenta, o COPOM continuava preocupado com os riscos “para um cenário menos benigno” de inflação, postos pelo descompasso entre os aumentos de demanda e oferta (Ata da Reunião 138). À diferença dos seus pares no mundo, tanto de países desenvolvidos como emergentes, o Banco Central manteve a taxa de juros no seu nível elevado, quando a crise de liquidez e as condições fiscais sugeriam a conveniência de reduzi-la. Mais, o COPOM acenava claramente com a elevação da taxa de juros se as expectativas de inflação não convergissem para o centro da meta (ibid). Assim, à incerteza para a produção e investimentos, decorrente da situação internacional, somava-se a produzida pelo BACEN. Com a retração do crescimento do PIB no último trimestre do ano, o BACEN, além de adotar medidas de ampliação da liquidez, cortou a Selic, chegando a 8,75% em agosto de 2009, quando deu fim às reduções. Embora o investimento tenha apresentado forte contração em 2009, há consenso que o BACEN voltará aumentar a taxa de juros em 2010.

Assinale-se que, durante as fases de redução da Selic, há uma convergência entre os interesses representados pelas duas convenções. A redução da remuneração dos títulos do Tesouro e as medidas institucionais que reduziram o risco do crédito pessoal e habitacional, estimulam o sistema financeiro a ampliar sua oferta de crédito. Como a remuneração destas operações cai menos que a Selic, a expansão do crédito aumenta a rentabilidade do sistema financeiro. Associada ao aumento da massa salarial, a expansão do crédito possibilita forte aumento do consumo familiar e condições mais favoráveis para a operação das empresas. Estabelecida entre 2005 e 2008, a convergência rompeu-se com a crise, quando o sistema privado contraiu sua oferta de crédito. Em resposta, sob a orientação do Ministério da Fazenda, os bancos públicos ampliaram substancialmente sua participação no mercado, reforçando o peso político da convenção desenvolvimentista. A convergência restabeleceu-se no segundo semestre de 2009.

A valorização do câmbio, agravada recentemente, fornece evidência adicional sobre as relações entre as duas convenções. Denunciada como causa de “doença holandesa”, torna a indústria localizada no país pouco competitiva no mercado externo e na competição contra importações, e, no limite, ameaça a economia brasileira de desindustrialização (Bresser-Pereira, 2008). A manter-se a valorização do câmbio, o estímulo a investimentos industriais no país seria reduzido e haveria perda de densidade das cadeias produtivas, reduzindo os efeitos de encadeamento e sinergia e a capacidade de inovação associada às relações próximas entre vendedores e produtores.

A valorização está associada a movimentos da conta de capitais, alimentados pela alta taxa de juros brasileira e pela busca de aplicações rentáveis por investidores externos. Conta com a inequívoca simpatia do BACEN, que vem tomando medidas para ampliar a liberalização do câmbio, e dos atores no mercado de crédito e de capitais. Ambos atribuem a valorização aos “fundamentos” da economia brasileira. Em contrapartida, refletindo a convenção neodesenvolvimentista, o Ministério da Fazenda manifesta-se contra a valorização e estabeleceu em 2009 uma taxação sobre a entrada de capitais destinados a investimentos mobiliários, que, embora tenha valor simbólico, é de eficácia limitada.

Mais eficaz do ponto de vista desenvolvimentista foi a política fiscal, especialmente no combate à crise de 2008-9.12 A meta de superávit primário foi reduzida para 2,5% do PIB e os investimentos da Petrobras excluídos do cálculo. O consumo das famílias foi fomentado pela antecipação do aumento do salário mínimo, pelo aumento do valor e da cobertura da Bolsa Família e pela redução de impostos sobre bens de consumo. O investimento foi estimulado pela ampliação de recursos do BNDES e pela redução da TJLP, assim como por incentivos fiscais para bens de produção e pela manutenção dos investimentos do PAC, ampliados por um novo programa de habitação popular. No entanto, o Ministério da Fazenda já anunciou a volta, em 2010, à meta de superávit primário de 3,3% do PIB, respondendo à “normalização” das condições econômicas.

Existem, porém, “pontes” entre as duas convenções, que reduzem os conflitos entre elas e, ao mesmo tempo, consolidam a hegemonia da convenção de estabilidade. Entre estas, destaca-se a percepção de que os “pobres” tendem a ser os mais prejudicados em períodos de alta inflação e o sucesso político das políticas de inclusão, que, obtido com baixo custo fiscal e taxas de crescimento relativamente restritas, reduz a importância de altas taxas de crescimento como instrumento de legitimação política, típica do desenvolvimentismo, seja em seu período democrático (os “50 anos em 5”), seja no período autoritário (“ninguém segura este país”) e permite a conciliação entre as duas convenções.

A interpretação dominante sobre a crise de 2008-9 reforça esta correlação de forças. Argumenta-se que a crise foi causada exclusivamente por fatores exógenos, gerados nos países mais desenvolvidos. No Brasil, inexistiriam fatores estruturais que o tornassem propenso a crises — ao contrário, os “fundamentos” da economia brasileira seriam mais sólidos que os daqueles países e o Estado brasileiro mostrou-se extremamente eficaz na reação à crise. A rápida recuperação da economia, a partir do segundo semestre de 2009 e a expectativa de uma volta aos patamares de crescimento e inflação pré-crise seriam a demonstração inequívoca de que a convenção de desenvolvimento existente é a melhor possível.

Em síntese, a convivência entre as duas convenções se estabelece sob a hegemonia da convenção institucional restrita, assegurada pelo controle do tripé de políticas macroeconômicas e pelo fato das políticas neo-desenvolvimentistas não ferirem os interesses representados pela convenção institucionalista restrita, desde que as políticas em que esta última se materializa sejam mantidas. A combinação entre as duas convenções atende a uma ampla gama de interesses, que a torna muito forte, nos termos antes definidos.

3.5 Convenções alternativas

Conforme apontado acima, em toda sociedade complexa existem várias convenções de desenvolvimento que disputam a hegemonia. No Brasil contemporâneo destacam-se duas visões críticas às convenções acima descritas.

De um lado, há uma forte reação liberal ao desenvolvimentismo presente no governo Lula, notadamente ao aumento da participação do Estado na economia. Criticam-se o protagonismo das empresas e bancos públicos, a carga tributária e o aumento dos gastos correntes. Dados, porém, o colapso do modelo liberal no mundo e o seu desempenho no Brasil, a probabilidade que esta venha a se tornar uma convenção dominante parece remota.

De outro lado, economistas, principalmente de origem pós-keynesiana, críticos da convenção liberal, têm levado à frente um conjunto de estudos e propostas de política econômica que tem a intenção de fundar uma nova convenção de desenvolvimento, aplicável aos países de renda média. Reunidos sob a expressão “novo-desenvolvimentismo”, buscam a “virtus in medio”, situando-se, no plano político, entre o liberalismo e o socialismo e, no plano econômico, entre o desenvolvimento endógeno e a integração internacional (Sicsu, de Paula & Michel, 2005; Sicsu & Vidotto, 2008).

Uma sistematização recente dos aspectos macro-econômicos (Bresser-Pereira e Gala, 2010) enfatiza sua especificidade, demarcando as diferenças com o tradicional pensamento estruturalista latino-americano (por exemplo, em relação à “complacência” com a inflação e os déficits públicos e à centralidade da política industrial) e, notadamente, com o mainstream neoliberal. Contra este, argumenta que a “nação” é o agente responsável pela definição da principal instituição para o desenvolvimento — uma “estratégia nacional”13 e que, portanto, as trajetórias de desenvolvimento tem especificidades nacionais. Ainda no plano institucional, defende o fortalecimento do Estado, notadamente, de sua capacidade de regular os mercados e executar políticas industriais “estratégicas”.

Do estruturalismo, recupera a existência, nestes países, de tendências à valorização da taxa de câmbio, causando os problemas da “doença holandesa” (Bresser-Pereira, 2008) e ao crescimento dos salários inferior aos aumentos de produtividade, que acarreta problemas de distribuição de renda e falta de demanda efetiva. Finalmente, contrapõe-se fortemente à ideia, compartilhada por neoliberais e antigos desenvolvimentistas, de que o desenvolvimento tenha que ser financiado por poupanças externas.

Em consequência, propõe uma política macro-econômica distinta da atual, em que a taxa de câmbio seja administrada, inclusive através de controles de capitais, visando a uma taxa de equilíbrio industrial, o padrão fiscal seja mais rigoroso em termos de déficit público e que a política de rendas seja tal que os salários cresçam de acordo com os aumentos de produtividade.

A recuperação da “nação” como agente econômico e de uma “estratégia nacional de desenvolvimento” como instituição traz ao primeiro plano a problemática da economia política em termos da composição de interesses do “agente nacional” e da estratégia de desenvolvimento a ser seguida.

4. Conclusões

Argumentamos acima que o processo de desenvolvimento requer um dispositivo congnitivo coletivo, composto por conhecimentos codificados e tácitos, que permita hierarquizar problemas e soluções e facilitar a coordenação entre os atores sociais — uma convenção de desenvolvimento. Esta convenção reflete a distribuição de poder econômico e social na sociedade, constituindo, pois, um objeto de economia política.

Atualmente, após o fracasso da convenção neoliberal, não há, internacionalmente, uma convenção de desenvolvimento hegemônica. Embora a crise em curso tenha descartado alguns postulados como a capacidade de autorregulação dos mercados e tenha recolocado o Estado num papel central, a indefinição quanto a uma convenção de desenvolvimento foi provavelmente ampliada. A saída da crise nos países desenvolvidos atua a favor das forças, notadamente o capital financeiro internacional, que têm interesse em retornar, tanto quanto possível, ao status quo ante.

No governo Lula, havia, desde o início, o reconhecimento da necessidade de uma nova convenção de desenvolvimento e que, no governo duas convenções disputavam a hegemonia, a que chamamos de “institucionalista restrita” e “neodesenvolvimentista”. As convenções apresentam “visões de mundo” e núcleos duros analíticos distintos e são, portanto, ontológicamente conflitivas. A convivência entre elas se dá através da hegemonia da primeira, que privilegia a estabilidade de preços ao custo de um desenvolvimento restrito.

Sumariamente, a hegemonia é explicada, de um lado, pela força da coalizão conservadora que sustenta a primeira, somada à percepção de que as políticas desenvolvimentistas e de inclusão não prejudicam os interesses desta coalizão e, de outro, pela percepção de que taxas de crescimento restritas não obstam a inclusão social e que os “pobres” são os mais prejudicados pela alta inflação.

A convivência das duas convenções atende a uma ampla gama de interesses, que confere-lhe força. Esta é ampliada pela retomada da atividade econômica após a crise, que enseja a interpretação de que a crise foi de natureza exógena e o desenvolvimento em curso satisfatório. No entanto, a médio prazo, a contradição entre investimentos produtivos e a política macro de juros altos e câmbio valorizado tende a exacerbar os conflitos.

Conforme previsto pelo quadro analítico proposto, as duas convenções presentes no Governo não exaurem o debate. Na sociedade civil estão presentes pelo menos duas convenções que radicalizam o debate — uma convenção mais liberal, que se opõe à ampliação dos papeis do Estado e outra convenção autodenominada “novo-desenvolvimentista”, que propõe uma síntese entre elementos de origem keynesiana e do antigo desenvolvimentismo que leva a políticas macro distintas das atualmente em vigor.

Para concluir, chamamos a atenção para o fato de que nenhuma das duas convenções em disputa no Governo enfrenta os problemas da transformação do Estado, notadamente as reformas política, fiscal e administrativa, que, a nosso juízo, são essenciais para um processo de desenvolvimento alto, sustentável e inclusivo. Possivelmente, a explicação para este silêncio encontra suas raízes na governança que caracteriza o presidencialismo de coalizão brasileiro e que acaba por induzir a dependência em relação à trajetória passada e tem, assim, um forte viés conservador.14

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Convenções do Desenvolvimento no Brasil...

0.      Apresentação

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mantêm atividades conjuntas desde 1971, abrangendo vários aspectos do estudo do desenvolvimento econômico e social do Brasil, da América Latina...

Convenções do Desenvolvimento no Brasil Contemporâneo

Fabio S. Erber, CEPAL – Escritório no Brasil/IPEA, 2010. (Textos para Discussão CEPAL-IPEA, 13). 46p.

O objeto do ensaio é o processo de desenvolvimento brasileiro contemporâneo. O ponto de partida é a distinção tradicional entre crescimento e desenvolvimento: o segundo implica transformações estruturais, o primeiro consiste, essencialmente, em “mais do mesmo”. Pelas suas características, o processo de desenvolvimento traz aos atores sociais uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada pela busca de mais informações e implica problemas de coordenação entre os atores. Na próxima seção, discute-se, sucintamente, o conceito de convenção, a sua utilização na seleção de problemas e soluções e a disputa pela hegemonia entre convenções competitivas. A segunda seção aponta as incertezas que cercam atualmente a teorização internacional do desenvolvimento, em contraste com as certezas da convenção neoliberal dos anos 1990. O caso recente brasileiro é tratado na quarta seção, em quatro breves partes. Na primeira, é analisada a incerteza vigente à posse do presidente Lula e o reclamo por uma nova “convenção de desenvolvimento”. Nas duas partes seguintes, apresentam-se as duas convenções que se formaram, apoiadas em forças políticas diferentes, denominadas, por razões explicadas no texto, de “institucionalista restrita” e “neodesenvolvimentista”. Argumenta-se que, na disputa pela hegemonia, a primeira, que privilegia a estabilidade de preços, foi dominante ao longo do período 2003-2008. A quarta parte discute a reação do governo brasileiro à crise internacional e como isso afetou a correlação de forças entre as duas convenções.

0.      Apresentação

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mantêm atividades conjuntas desde 1971, abrangendo vários aspectos do estudo do desenvolvimento econômico e social do Brasil, da América Latina e do Caribe. A partir de 2010, os Textos para Discussão Cepal– Ipea passaram a constituir instrumento de divulgação dos trabalhos realizados entre as duas instituições.

Os textos divulgados por meio desta série são parte do Programa de Trabalho acordado anualmente entre a Cepal e o Ipea. Foram publicados aqui os trabalhos considerados, após análise pelas diretorias de ambas as instituições, de maior relevância e qualidade, cujos resultados merecem divulgação mais ampla.

O Escritório da Cepal no Brasil e o Ipea acreditam que, ao difundir os resultados de suas atividades conjuntas, estão contribuindo para socializar o conhecimento nas diversas áreas cobertas por seus respectivos mandatos. Os textos publicados foram produzidos por técnicos das instituições, autores convidados e consultores externos, cujas recomendações de política não refletem necessariamente as posições institucionais da Cepal ou do Ipea.

1. Introdução

O objetivo deste trabalho1 é discutir as concepções de desenvolvimento que se encontram em disputa no Brasil contemporâneo. Parte do conhecido dito de Keynes que por detrás dos “homens práticos” estão as ideias de economistas, frequentemente mortos há muito tempo. Ou seja, a teoria econômica é importante para a política econômica. No entanto, como advertia Schumpeter, há quase um século, devemos nos precaver contra o “erro intelectualista” – as “ideias dos economistas” têm raízes no estudo da filosofia e nos problemas práticos que têm de enfrentar (SCHUMPETER, 1954).2 Mesmo a “economia pura”, concebida como uma “caixa de ferramentas”, é socialmente inserida – “o trabalho analítico principia com material extraído da nossa visão das coisas, e esta visão é, por definição, ideológica” (SCHUMPETER, 1964, p. 70) e a profissão de economista “desenvolve atitudes relativas às questões políticas e sociais que são similares também por outras razões além das científicas” (SCHUMPETER, 1964, p. 75, grifos do original). Schumpeter (1964) aponta ainda para o papel que as teorias e o instrumental econômico desempenham na constituição de ideologias, notadamente dos “sistemas de economia política”, como o liberalismo e o socialismo, em que amplo conjunto de políticas econômicas era unificado por uma visão normativa.

Em síntese, parte-se do princípio epistemológico de que a economia é ontologicamente política – daí parte do título do ensaio. Um dos seus propósitos é contribuir para a discussão dos interesses econômicos que estão subjacentes às teorias sobre os objetivos e os procedimentos recomendados para o desenvolvimento brasileiro. Ou seja, move-se na contramão da corrente que vê os conflitos como sendo de ordem técnica e busca, assim, politizar o debate.

O objeto do ensaio é o processo de desenvolvimento brasileiro contemporâneo. Tomamos como ponto de partida a distinção tradicional entre crescimento e desenvolvimento: o segundo implica transformações estruturais, o primeiro consiste, essencialmente, em “mais do mesmo”. Pelas suas características, o processo de desenvolvimento traz aos atores sociais uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada pela busca de mais informações e implica problemas de coordenação entre os atores.

Para lidar com os problemas de incerteza e coordenação, as sociedades utilizam instituições – as “regras do jogo”. Nos planos cognitivo e comportamental, essas regras estão estruturadas por convenções. Formalmente, temos uma convenção se, dada uma população P, observamos um comportamento C que tem as seguintes características: i) C é compartilhado por todos os membros de P; ii) cada membro de P acredita que todos os demais seguirão C; e iii) tal crença dá aos membros de P razões suficientes para adotar C (ORLÉAN, 2004).

Na próxima seção, discute-se, sucintamente, o conceito de convenção, a sua utilização na seleção de problemas e soluções e a disputa pela hegemonia entre convenções competitivas.  A segunda seção aponta as incertezas que cercam atualmente a teorização internacional do desenvolvimento, em contraste com as certezas da convenção neoliberal dos anos 1990.

O caso recente brasileiro é tratado na quarta seção, em quatro breves partes. Na primeira, é analisada a incerteza vigente à posse do presidente Lula e o reclamo por uma nova “convenção de desenvolvimento”. Nas duas partes seguintes, apresentam-se as duas convenções que se formaram, apoiadas em forças políticas diferentes, denominadas, por razões explicadas no texto, de “institucionalista restrita” e “neodesenvolvimentista”. Argumenta-se que, na disputa pela hegemonia, a primeira, que privilegia a estabilidade de preços, foi dominante ao longo do período 2003-2008. A quarta parte discute a reação do governo brasileiro à crise internacional e como isso afetou a correlação de forças entre as duas convenções. A última seção contenta-se em resumir as conclusões do ensaio.

1.2 O conceito de convenção de desenvolvimento

Tomemos como ponto de partida uma distinção tradicional entre crescimento e desenvolvimento: o primeiro consiste, essencialmente, em “mais do mesmo”, o segundo implica transformações estruturais. Estas transformações fazem que os atores enfrentem uma incerteza substantiva, que não pode ser eliminada pela busca de mais informações.

Tal incerteza reduz a possibilidade de coordenação das ações dos atores, especialmente das suas estratégias. A sinergia e as externalidades que surgem por meio da ação conjunta são reduzidas, a mudança tornase mais lenta e errática.

Instituições provêm a sociedade com meios para lidar com os problemas de incerteza e coordenação – “regras do jogo”, na definição de North (1990), amplamente aceitas por institucionalistas de todos os matizes. Tais regras sobre a problemática social derivam de metáforas que são de conhecimento e aceitação gerais e que geram outras metáforas, complementares (SCHÖN, 1988) ou, como argumentam Denzau e North (2004), de “modelos mentais compartilhados”.

Tais metáforas servem para definir os problemas, descrevendo o que está errado com a situação presente de tal forma a estabelecer a direção para sua transformação futura. Para cumprir adequadamente seus papéis de redução de incerteza e aumento de coordenação, tais regras especificam agendas positivas e negativas – uma hierarquia de problemas que devem ser enfrentados (por exemplo, controle da inflação, distribuição de renda), soluções para esses problemas que são aceitáveis (por exemplo, metas de inflação) ou não (por exemplo, controles administrativos de preços), organizações encarregadas (o Banco Central do Brasil – Bacen), assim como regras e regulamentos (Regras de Basileia). Ou seja, estabelecem uma ordem para a transformação.

O poder dessas regras é substancialmente aumentado se elas obtêm coerência por meio de uma metáfora histórica – uma história, uma teoria que explica como o presente surgiu a partir do passado e, especialmente, como o futuro será se as regras forem seguidas. Em síntese, uma teleologia.

Esse conjunto de regras, as agendas, positiva e negativa, que gera e a teleologia subjacente constituem uma convenção – uma “representação coletiva” (JODELET, 1989), que estrutura as expectativas e o comportamento individual, tal como definido na introdução.

Uma convenção de desenvolvimento, seguindo a definição deste, anteriormente comentada, trata das transformações estruturais que devem ser introduzidas na sociedade, estabelecendo o que há de “errado” no presente, fruto do passado, qual o futuro desejável, quais estruturas devem ser mudadas e as agenda de mudança, positiva e negativa. Conforme já apontado, uma convenção é um dispositivo cognitivo compartilhado por uma população P, que segue um comportamento C, adotado por todos os membros de P, na suposição de que todos os membros de P o compartilharão. Uma convenção surge da interação entre atores sociais, mas é externa a esses atores e não pode ser reduzida à sua cognição individual – ou seja, é um fenômeno emergente, em que o todo não é redutível às partes (DE WOLF; HOLVOET, 2005).

A força de uma convenção é proporcional ao tamanho de P e ao poder político e econômico dos seus membros. Tal força proporciona benefícios aos que aderem à convenção e sanciona os que dela se afastam. Em consequência, P contém não apenas “crentes”, como “oportunistas”, movidos apenas por razões utilitárias (CHOI, 1993).

A legitimidade das convenções depende da fé depositada por seus aderentes no seu conteúdo cognitivo e, acima de tudo, da adequação de seus resultados às expectativas dos membros da população P.

O conteúdo cognitivo de uma convenção de desenvolvimento3 é composto de conhecimentos codificados e conhecimentos tácitos, estruturados por um “núcleo duro”, de natureza axiomática, que organiza o conhecimento, e por um “cinturão protetor”, que operacionaliza esse conhecimento e o adapta a condições específicas.

Os conhecimentos codificados – teorias econômicas, sociais e políticas – são elaborados no âmbito da academia internacional. A partir dessa “versão erudita” (SÁ EARP, 2000), normalmente expressa por afirmativas contingentes – “admitindo que os agentes econômicos têm expectativas racionais”… –, são elaboradas versões mais simplificadas e normativas, por meio de outras instituições, como as organizações internacionais – veja-se, por exemplo, o papel do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) –, a mídia e a própria academia (por meio de manuais), que se expressam por indicadores empíricos (por exemplo, os de “boa governança” do Banco Mundial) e receituários de política, como o decálogo do Consenso de Washington.  A integração internacional da academia e das demais organizações difunde esse conhecimento codificado nas sociedades específicas. Vale notar que a retórica atualmente adotada nas versões eruditas em que “teoria” tornou-se sinônimo de “modelos formais”, sujeitos a um tratamento matemático sofisticado, torna restrito o público que as entende e confere-lhes um caráter sagrado.

O conhecimento tácito refere-se às percepções sobre como a sociedade é e como deveria ser, compartilhadas pelos membros da população P, não codificadas em linguagem científica, que resultam da experiência dos atores e que são transmitidas, na mesma geração e entre gerações, por meio de vários mecanismos culturais e educacionais. Os provérbios constituem uma dessas formas de transmissão e expressam, de forma eloquente, a percepção sobre a sociedade. Por exemplo, no caso brasileiro, “manda quem pode, obedece quem tem juízo” é bem ilustrativo do autoritarismo que permeia nossa sociedade. Outra manifestação importante do conhecimento tácito são os mitos, cujo papel na configuração das teleologias que compõem as convenções de desenvolvimento é discutido em Furtado (1974), ao apontar a especificidade dos países subdesenvolvidos (o Mito do Progresso), e em Erber (2002), que analisa o papel do Mito da Terra Prometida na conformação da teleologia da convenção de desenvolvimento neoliberal.

Os conhecimentos codificados tendem a se traduzir em regras formais de conduta, frequentemente expressas na forma de leis, ou seja, regras dotadas de um poder coator externo – o Estado, ao passo que os conhecimentos tácitos são normalmente expressos por regras informais, em que a força de coação reside na aprovação do grupo.

Embora os conhecimentos codificados tenham, forçosamente, de ser adaptados às condições locais para se transformarem em regras de conduta, é nos conhecimentos tácitos e na interação entre os dois tipos de conhecimento que a especificidade local mais se manifesta, inclusive pela ineficácia das regras formais – as leis que “não pegam” –, posto que os conhecimentos tácitos reflitam a vivência dos atores quanto à sociedade em que operam.

Os conhecimentos tácitos e as regras informais de conduta são importantes na concepção e na implementação das convenções de desenvolvimento, mas atemo-nos aqui, por razões de tempo e espaço, aos conhecimentos codificados, discutindo, na próxima seção, o atual “estado das artes” internacional sobre desenvolvimento, dado que este influi sobre o debate brasileiro, objeto deste artigo.

Uma convenção de desenvolvimento não se limita a um dispositivo cognitivo – para ser eficaz ela tende a se espraiar em outras instituições/regras, como leis e regulamentos e a inserir-se em organizações, como as burocracias públicas e privadas e a academia. Nesse sentido, de geração de outras organizações e regras, trata-se de uma instituição constitucional. Esse processo de difusão cumulativa assume características de auto-organização (DE WOLF; HOLVOET, 2005), formando um sistema adaptativo em que a estrutura é mantida sem que seja necessário um controle externo.  Em consequência, a convenção passa a ser vista como algo natural e externo aos seus aderentes.

Conforme já apontado, a legitimidade de uma convenção depende da congruência dos seus resultados com as expectativas da população P. Se P é um grupo relevante dentro da estrutura de poder da sociedade, a legitimidade da ordem social da qual a convenção de desenvolvimento faz parte é reforçada. Em outras palavras, uma convenção de desenvolvimento desempenha importante papel na manutenção da ordem social.

No entanto, a natureza cumulativa do processo de constituição e difusão de uma convenção de desenvolvimento torna-a dependente em relação à trajetória que vinha sendo seguida (path-dependent). Assim, se surgem problemas distintos daqueles que a convenção identificou como prioritários e que demandam soluções não compatíveis com o núcleo duro da convenção, esta entra em crise e tende a ser substituída por outra convenção. Os episódios da dívida externa na América Latina ou da derrocada do socialismo na Europa Oriental e a substituição do desenvolvimentismo e do socialismo pelo neoliberalismo ilustram bem esse processo.

As convenções de desenvolvimento constituem, pois, dispositivos de identificação e solução de problemas. Embora sejam sempre apresentadas como “projetos nacionais” que levam ao “bem comum”, refletem, na verdade, a distribuição de poder econômico e político prevalecente na sociedade em determinado período. Como o processo de desenvolvimento envolve mudanças estruturais, uma convenção eficaz deve oferecer escopo a grupos emergentes, que não pertencem ao bloco de poder que governa aquela sociedade, especialmente quando o regime político é democrático. No entanto, em sociedades complexas, em que existem diversos interesses conflitantes, nenhuma convenção de desenvolvimento consegue acomodar a todos. Assim, existem sempre diversas convenções de desenvolvimento que competem pela hegemonia.

Embora uma convenção que foi hegemônica durante um período possa deixar de sê-la em função de um episódio súbito (como o duplo choque dos preços de petróleo e juros, sofrido pelo desenvolvimentismo no fim dos anos 1970), ou da evolução de problemas com os quais a convenção não consegue lidar (como no caso dos países socialistas), a perda de hegemonia não implica seu desaparecimento – os grupos sociais a que servia de representação continuam presentes e ela está inserida em múltiplas instituições, cuja mudança é lenta. Assim, embora derrotada, ela segue competindo pela hegemonia, adequando-se à nova problemática.

O caso brasileiro ilustra bem a competição entre convenções. Mesmo quando o nacional desenvolvimentismo foi hegemônico, os liberais não deixaram de apresentar uma convenção alternativa, conforme estudado em detalhe por Bielschowsky (1988). Da mesma forma, são conhecidos os conflitos entre neodesenvolvimentistas e neoliberais, durante a hegemonia do liberalismo no período Cardoso, mesmo no seio do governo (SALLUM JR., 2000; PRADO, 2005). Conforme detalhado a seguir, essa competição encontra-se, exacerbada, no governo Lula.

Antes, porém, de discutir o atual debate brasileiro, é conveniente apresentar, sucintamente, a indefinição do estado das artes, que, no mínimo, amplia a margem de discordância interna.

2. A incerteza internacional

A convenção de desenvolvimento neoliberal, que varreu qual um tsunami o mundo durante os anos 1990, encontra-se em crise. Esta incide tanto sobre os seus pilares teóricos quanto sobre sua tradução prática.

Do ponto de vista teórico, a convenção neoliberal apoiava-se em um tripé analítico, constituído pela macroeconomia derivada da microeconomia fundada sobre expectativas racionais e mercados em equilíbrio, pela teoria política da escolha pública, que acoimava qualquer intervenção estatal como estimuladora de investimentos improdutivos, visando à obtenção de rendas (rent seeking) e pela visão neoclássica das instituições que privilegiava os direitos de propriedade e a fluidez dos mercados como mecanismos propulsores da inovação e do crescimento. Capeava este tripé a teleologia do “fim da história”, que apontava para a tendência de todos os países a convergirem rumo a sociedades em que a economia era regida pelo mercado e a política pelos mecanismos da democracia representativa. Subjacente ao tripé estava o individualismo metodológico.

Essa combinação levava a focar a estratégia de desenvolvimento nas transformações da estrutura institucional. “Adotar as instituições corretas” tornou-se o mantra do desenvolvimento a ser aplicado urbi et orbe. As instituições “corretas” eram as do mercado e cabia aos países que haviam incorrido no pecado original do desenvolvimentismo reduzir e controlar a intervenção do Estado e abrir suas economias ao mundo, em termos comerciais, financeiros e de investimento. A seguir, seriam necessárias outras reformas institucionais, de “segunda geração” e de “gerações” subsequentes, mas, com fé e perseverança, virtudes teológicas chegar-se-ia, enfim, à Terra Prometida da sociedade pós-histórica.

No entanto, os dias em que Fukuyama (1989) anunciava o “fim da história”4 e o padrinho do Consenso de Washington5 dizia ser este o “Consenso Universal” que “resumia o núcleo de sabedoria comum adotado por todos os economistas sérios”, ensejando, assim, ampla coalizão de forças políticas a favor das reformas (WILLIAMSON, 1993, p. 1.334), ficaram para trás.

O seu fim foi determinado por causas concretas – as sucessivas crises internacionais dos anos 1990, que mostraram o risco de confiar muito no caráter benfazejo do capitalismo internacional, o fracasso de casos exemplares de aderência ao Consenso, como a Argentina, especialmente quando comparado com o sucesso de caminhos heterodoxos, seguidos por países como a China e a Índia e, especialmente, as baixas taxas de crescimento obtidas nos países em desenvolvimento. Com efeito, o crescimento do produto per capita nesses países durante a vigência da convenção neoliberal foi menos da metade do que alcançaram durante os anos 1960 e 1970, quando seguiram a convenção desenvolvimentista (CHANG, 2007).

A realidade impôs-se também no campo teórico. Reconheceu-se que os agentes econômicos não têm pleno conhecimento do mundo e que formam suas expectativas por meio de um processo de aprendizado; que os mercados, notadamente o de tecnologia, mola propulsora do desenvolvimento, são imperfeitos; que nem toda intervenção estatal redunda em “rendas improdutivas” e, finalmente, que as instituições estão inseridas em contextos específicos, definidos historicamente, e que, portanto, mesmo que sejam formalmente iguais, operam distintamente.

Assim, foram-se as “listas de lavanderia” de reformas institucionais destinadas a transformar Zâmbia na Suécia da noite para o dia. Reformas abruptas e radicais (big bangs) perderam seu charme. A história está de volta por meio do reconhecimento da diversidade das trajetórias nacionais de desenvolvimento – uma das marcas do antigo desenvolvimentismo – e da importância da cumulatividade e da dependência em relação ao passado. A economia política também voltou – veja-se, por exemplo, a acusação feita por Stiglitz (2002) de que as políticas de “ajuda” do FMI aos países endividados durante a década de 1990 atendiam, em verdade, aos interesses do capital financeiro internacional. Até a política industrial – verdadeiro palavrão para os bem-pensantes durante os anos 1990 – foi resgatada por nada menos que o Banco Mundial (WORLD BANK, 2007).

No entanto, a economia política da convenção liberal – notadamente, o fim do “socialismo real” na Europa, a crise do Estado de Bem-Estar nos países desenvolvidos e, especialmente, a hegemonia do capital financeiro sobre os demais (a “financeirização” do capitalismo) – não desapareceu apesar da recente crise, conforme será discutido a seguir.

Nesse quadro, ainda não se divisa uma nova convenção de desenvolvimento – a cautela, quase um agnosticismo, prevalece na esfera internacional. Exemplar, nesse sentido, é o recente relatório da Comissão Spence, cujo nome deriva do seu presidente, o prêmio Nobel Michael Spence,6 voltado para o crescimento sustentável e socialmente inclusivo, sob o patrocínio do Banco Mundial, de uma fundação internacional e de governos de diversos países desenvolvidos. A comissão foi composta por “19 líderes”, a maioria vindos dos países em desenvolvimento, mas incluindo dois Prêmios Nobel em economia (Robert Solow e Michael Spence), e realizou, ao longo de dois anos, 12 reuniões de trabalho, para as quais contribuíram “mais de 300 notáveis acadêmicos” (SPENCE COMMISSION, 2008). Insumo intelectual ortodoxo não foi, pois, o que faltou.

A comissão baseia suas recomendações sobre a análise de 13 países7 que tiveram “crescimento alto e sustentado” no período do pós-guerra – uma lista que abrange de Botswana e Malta até a China e o Brasil.8 Note-se que a lista, apesar da sua heterogeneidade, não inclui aderentes à convenção neoliberal, com a possível exceção de Hong Kong. Ou seja, a nova ortodoxia confere respeitabilidade às estratégias “desviantes”, um artifício retórico semelhante ao executado pelo Banco Mundial no início dos anos 1990 ao analisar o caso dos países do sudeste asiático (WORLD BANK, 2007).

As conclusões da comissão não chegam a surpreender. Os 13 países teriam em comum cinco pontos:

  1. Exploraram plenamente a economia mundial.
  2. Mantiveram estabilidade econômica.
  3. Obtiveram altas taxas de poupança e investimento.
  4. Deixaram os mercados alocarem recursos.
  5. Tiveram governos comprometidos, críveis e competentes.

Embora as conclusões pouco se adicionem a listas semelhantes, o que mais chama atenção são as qualificações apostas a todas as recomendações. Estas vão do geral ao particular. Tomamos apenas dois exemplos, remetendo o leitor interessado ao texto do relatório.

Ao tratar de política econômica, após reconhecer que as recomendações anteriores de simplesmente “estabilizar, privatizar e liberalizar” constituem uma “afirmativa extremamente incompleta”, a comissão conclui que “nosso modelo das economias em desenvolvimento é muito primitivo neste momento para predefinir com sabedoria o que os governos deveriam fazer” (SPENCE COMMISSION, p. 30) e, a seguir, antes de especificar os “ingredientes de política para estratégias de crescimento”, a comissão adverte que “da mesma forma que não podemos dizer que essa lista é suficiente, não podemos dizer com segurança que todos os ingredientes são necessários” (SPENCE COMMISSION, p. 33).

De forma análoga, ao discutir o problema de estabilidade macroeconômica, a comissão realça que “economistas e formuladores de política […] discordam a respeito da definição precisa de estabilidade e a respeito da melhor maneira para preservá-la” (SPENCE COMMISSION, p. 53) e, após discutir as políticas monetária e fiscal, adverte que as regras atinentes a essas políticas “podem tornar-se contra-produtivas se forem aplicadas muito estritamente e por tempo demasiado”, concluindo que as ditas regras devem preservar um elemento de “ambiguidade criativa” (SPENCE COMMISSION, p. 54).

Cautela semelhante transparece na análise de Ben Bernanke (2007), certamente insuspeito de heterodoxia. Após declarar que a estabilidade de preços “é uma coisa boa em si”, e que, a longo prazo, a inflação baixa promove crescimento, eficiência e estabilidade, que, por sua vez, apoiam o nível máximo de emprego sustentável, ele admite que “medir a relação de longo prazo entre crescimento ou produtividade e inflação é difícil” e acaba propondo um consenso negativo, que políticas inflacionárias não promovem o crescimento do emprego a longo prazo (BERNANKE, 2007 p. 2). Posteriormente, após analisar como o Federal Reserve Board prevê a inflação futura, conclui que “em resumo, apesar de todos os avanços que foram feitos em modelagem e análise estatística, na prática, a previsão continua a envolver tanto arte como ciência” (BERNANKE, p. 6).

A recente crise internacional introduziu novos elementos de incerteza no pensamento sobre o desenvolvimento.

Na interpretação ortodoxa, a crise atual tem raízes no “otimismo, gerado por longo período de alto crescimento e baixas taxas de juros reais e volatilidade, junto com falhas de política” (IMF, 2009, p. xix). Essas falhas estariam concentradas na regulação financeira, que não estava equipada para lidar com a concentração de risco e incentivos distorcidos subjacentes ao boom de inovação financeira e nas políticas macroeconômicas, que não levaram em conta o acúmulo de riscos sistêmicos no sistema financeiro e nos mercados de habitação (IMF, 2009).

Assim, recomenda-se aos governos que ampliem o perímetro da regulação do sistema financeiro, cobrindo todas as instituições que sejam sistemicamente relevantes. Os bancos centrais deveriam adotar uma visão macroeconômica mais ampla, dando atenção à estabilidade financeira, além da estabilidade de preços, incluindo o movimento dos preços dos ativos e o crescimento do risco sistêmico do sistema financeiro. Embora reconheça a importância da intervenção do Estado, notadamente da política fiscal, para lidar, a curto prazo, com a crise, essa intervenção é vista como geradora de “distorções” (CLAESSENS, 2009) e deveria ser removida o quanto antes.

Nessa visão, os desequilíbrios mundiais teriam pouca relevância no desencadeamento da crise, cabendo a todos os países evitar o protecionismo, seja nos termos explícitos das políticas comerciais, seja, implicitamente, pela proteção dada a indústrias e empresas nacionais.

Em síntese, removendo imperfeições observadas nos mercados e, notadamente, nas políticas macroeconômicas, o sistema voltaria à “normalidade”.

Outras análises apontam, porém, para desequilíbrios de natureza estrutural, tanto no âmbito de países líderes – a baixa taxa de poupança nos Estados Unidos e o baixo consumo doméstico na China – (BLANCHARD, 2009), quanto no âmbito dos fluxos financeiros internacionais (JOHNSON, 2009). Em termos mais agregados, a crise refletiria a “financeirização” do capitalismo e a hegemonia do capital financeiro sobre o produtivo (CHESNAIS, 2005).

Os dados recentes sobre o desempenho econômico dos países avançados têm propiciado a interpretação de que “o pior” da crise já passou e, a partir de 2010, haveria uma retomada do crescimento. Há muitas dúvidas quanto à rapidez dessa retomada, expressas, sinteticamente, se ela teria o formato de V, rápida, portanto, ou de U, sendo, pois, precedida de um período de estagnação. Os mais precavidos advertem que existem indícios de formação de novas bolhas especulativas – por exemplo, nos mercados de commodities –, que podem levar o sistema a uma configuração de W, com novas crises.

A menos que essa última configuração se verifique, o âmbito das reformas tende a se manter restrito. Conforme identifica Helleiner (2008), existem dois diagnósticos dominantes no debate internacional sobre modificação da regulação do sistema financeiro internacional. O primeiro aponta que os reguladores perderam o passo em relação ao sistema financeiro internacional e o segundo argumenta que o atual sistema tem um viés pró-cíclico, porque está baseado no mercado para avaliar ativos e riscos. Ambos conduzem a medidas incrementais de ajuste, semelhantes às que já vinham sendo debatidas no âmbito do G-7 antes da crise. O controle de capitais, muito debatido após a crise de 1997-1998, aparece, hoje, com ênfase reduzida. Ou seja, o sistema financeiro internacional vem resistindo, discreta, mas eficazmente, às propostas mais radicais de (re)regulação. Stiglitz (2009) já apelidou o plano do atual governo americano para lidar com os bancos de “um substituto inferior (ersatz) de capitalismo”, um jogo de ganha, ganha, perde – os bancos ganham, os investidores ganham e os contribuintes perdem. Em outras palavras, a economia política da financeirização mostra a sua força.

Aos países em desenvolvimento, a crise atual reiterou, com maior ênfase que as anteriores, os riscos inerentes à recomendação da Comissão Spence, antes citada, de “explorar plenamente a economia mundial”, notadamente os riscos da integração financeira internacional. Ao mesmo tempo, a atuação conjunta dos bancos centrais dos países desenvolvidos mostrou a importância da ação coletiva e de mecanismos formais e informais de coordenação.

No auge da crise, a importância de alguns desses países, notadamente os superavitários em divisas e os que têm maiores mercados internos, reunidos no G-20, foi reconhecida pelos países mais avançados. Não obstante, a continuidade do processo de descentralização mundial das decisões econômicas e financeiras ainda não está clara e, provavelmente, dependerá muito do formato da recuperação (se em V, U ou W) dos países do G-7.

Em síntese, a convenção neoliberal e os interesses que nela encontram sua representação social tentam adequar-se à crise e às suas implicações. Embora a crise tenha posto fim à fé na capacidade de autorregulação dos mercados e nos efeitos benéficos desta regulação e o Estado tenha voltado ao centro da cena para, como deus ex machina, resgatar o mercado dos seus desatinos, há forte corrente que prevê e auspicia uma volta à “normalidade” pré-crise, corrigida institucionalmente para evitar a reincidência. No entanto, é possível que estejamos diante de um fenômeno de histerese, no qual não é possível retornar a uma antiga trajetória depois que ela foi modificada por um evento significativo como a recente crise.

Na ausência de uma convenção de desenvolvimento forte no plano internacional, os diversos países terão, mais do que nunca, de buscar suas convenções internamente. “Crise”, conforme o conhecido clichê (um conhecimento comum), aponta para “problemas” e “oportunidades”.

3 As convenções de desenvolvimento no governo Lula

3.1   A incerteza e o discurso de posse: A necessidade de uma nova convenção de desenvolvimento

Todo começo de governo é incerto, mas, no início do primeiro mandato do presidente Lula, a incerteza era extraordinária. Embora durante a campanha eleitoral de 2002 o candidato Lula tivesse abandonado a retórica radical de “ruptura com o modelo neoliberal” em favor de uma “transição lúcida”, assegurando, na Carta aos Brasileiros, “o respeito aos contratos”, pairavam sobre seu futuro governo as dúvidas decorrentes do seu passado, em que figurava inclusive a profissão de fé no socialismo (por mais indefinido que este fosse), o preconceito social contra um ex-operário e a insistência dos seus oponentes, secundada pela mídia, sobre sua falta de preparo intelectual para o exercício da Presidência. Somava-se a essas dúvidas a brusca deterioração da economia no segundo semestre de 2002, quando a ação conjunta de vários atores econômicos, temerosos quanto aos resultados das eleições e visando a estabelecer condições de barganha vantajosas, produziu brusca elevação da taxa de inflação, desvalorização da taxa de câmbio e redução da taxa de crescimento. Para completar, as cores do quadro internacional eram sombrias: ainda se faziam sentir os efeitos das crises da Argentina e das empresas de energia e tecnologia de informação e os atentados de 11 de setembro de 2001 tornavam iminente nova guerra no Golfo.

Respondendo à incerteza, o discurso de posse de Lula no Congresso reiterou sua convicção de que o antigo modelo estava esgotado e que “mudança” era a palavra-chave, mesmo que esta devesse ser gradual, perseguida com paciência e perseverança. Para tanto, eram necessários um “projeto nacional de desenvolvimento”, apoiado em um “planejamento estratégico”.

Tal projeto seria dirigido principalmente para as necessidades dos pobres – empregos, educação, saúde e, especialmente, alimentação. Para atingir esses objetivos, Lula enfatizou a necessidade de estabilidade macroeconômica, principalmente a administração responsável das finanças públicas. O crescimento resultaria de um aumento das poupanças e dos investimentos, com foco no mercado interno, principalmente nas pequenas e médias empresas, infraestrutura e capacidade tecnológica. Uma ampla gama de reformas institucionais era prevista, nos campos fiscal, previdenciário, agrário, da legislação trabalhista e político. Para realizar esse ambicioso programa, seria necessário um novo “pacto social”, unindo trabalho e capital produtivo, para gerar uma “energia solidária”.

Pode-se interpretar tal discurso como o reconhecimento da necessidade de uma nova “convenção de desenvolvimento”, ratificada pelo fracasso do projeto liberal dos governos anteriores, expresso nas taxas de baixo crescimento e alto desemprego.9 Conforme apontado anteriormente, àquela época, o projeto liberal encontrava-se na defensiva, inclusive no plano internacional. O apelo a um “pacto social amplo” também era consistente com o “presidencialismo de coalizão”, que caracteriza o sistema político brasileiro e que obriga o presidente a realizar coalizões com forças que não sustentaram a sua candidatura e que têm objetivos programáticos – quando os têm – distintos.

Na verdade, a necessidade de uma nova convenção, de natureza mais inclusiva do ponto de vista econômico e social, foi interpretada de forma diferenciada, gerando duas convenções distintas, tratadas a seguir, a partir de documentos programáticos governamentais.10

Antes, porém, cabe registrar uma ironia da história. Ao governo Cardoso, que apostou todas as suas fichas no comportamento favorável do mercado externo, coube um período de grande conturbação desse mercado – da crise mexicana à argentina, passando pela nossa. Ao contrário, o governo Lula, que iniciou sob o consenso de restrições externas, foi beneficiado, a partir de meados de 2003, por enorme expansão do comércio e da liquidez internacionais, concentrado o primeiro em commodities primárias e produtos semielaborados, em que o Brasil conta com inequívocas vantagens comparativas. O fantasma da restrição externa só viria a se manifestar no fim de 2007, despertado, do lado interno, pelo galopante aumento das importações e, do lado externo, pela crise do sistema financeiro internacional, que, iniciada no segmento de hipotecas dos Estados Unidos, ampliou-se a partir de setembro de 2008.

3.2 A Convenção Institucionalista Restrita

O cerne da convenção institucionalista, tal como apresentada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, é o estabelecimento de normas e organizações que garantam o correto funcionamento dos mercados, de forma que estes cumpram suas funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando poupanças, investimento e, em consequência, crescimento econômico. Quanto mais eficientes forem os mercados em termos presentes e futuros, maior será a probabilidade de crescimento. Para tanto, são essenciais a garantia dos direitos de propriedade e a redução dos custos de transação, que, por sua vez, demandam instituições estatais eficientes. Os mercados têm dimensão internacional e, portanto, a abertura da economia, em termos comerciais, financeiros e de investimento é essencial para o desenvolvimento.

A inovação, tecnológica e institucional, é vista como o motor do desenvolvimento e a abertura internacional desempenha importante papel no seu estímulo, notadamente para os países de industrialização retardatária, que se beneficiam da importação de tecnologias mais produtivas, incorporadas ou não em bens de capital e insumos.

Como o mercado de conhecimentos é inerentemente imperfeito, a intervenção do Estado é, nesse campo, necessária, assim como em atividades em que há “monopólios naturais”.

Dada a conhecida carência brasileira em inovação e infraestrutura, o Estado deveria ter papel ativo no seu fomento. Para esta última havia, no Ministério da Fazenda, clara preferência pelo modelo principal–agente, no qual o governo (o principal) fixa as diretrizes de política e a agência (o agente), apoiada em regras estáveis e transparentes de gestão, executa tais diretrizes e presta contas ao principal por sua execução. Esse modelo – destinado a evitar as ineficiências do suprimento direto de serviços por instituições estatais e, ao mesmo tempo, a reduzir os riscos de “captura” das agências pelos seus regulados – havia sido adotado no Brasil nos setores privatizados (com variados graus de sucesso) e, conforme discutido em mais detalhe a seguir, para execução do regime de metas inflacionárias pelo Banco Central.

A adesão do governo Lula a esse modelo organizacional foi muito parcial. As relações governo–agências setoriais tem sido marcada por fortes conflitos. A exceção corre pelo caso do Banco Central que manteve sua independência operacional.

Reconhecida a prioridade a ser dada a uma distribuição de renda mais equitativa, inclusive para os objetivos de maior crescimento, recomendava-se não só o investimento em capital humano por meio da educação, como políticas “focalizadas” nos “pobres”.  A “focalização”, que seguia o cânone estabelecido por instituições internacionais como o Banco Mundial, encontrava apoio no diagnóstico de que os gastos sociais feitos pelo Estado brasileiro eram significativos – o problema estava na sua ineficácia, posto que parte substancial desses gastos estaria dirigida aos “não pobres”. A solução, pois, era a “focalização” nos “pobres” por meio de mecanismos institucionais eficientes e eficazes, mesmo que tal orientação estivesse em oposição ao “universalismo” das políticas públicas defendido pelo Partido dos Trabalhadores (PT). O Bolsa Família viria a concretizar a focalização.

A estabilidade de preços e a expectativa dos atores econômicos de que esta é duradoura constituem parte indispensável dessa convenção, posto que afetem não apenas as transações correntes como os contratos futuros e, portanto, a poupança e o investimento. Ao mesmo tempo, afeta positivamente a equidade, posto que os “pobres” tendem a ser mais afetados pela alta inflação.

O cânone atual condiciona a estabilidade ao estabelecimento de regras formais que disciplinem o comportamento do governo e dos agentes privados. Tais regras se expressam por meio de metas, fiscais e de inflação, que permitem à sociedade monitorar o desempenho do governo. Implícita está a crença na tendência do governo em incorrer em um “viés inflacionário”, mas os agentes privados também necessitam ser disciplinados, cabendo à política monetária do Banco Central o papel essencial na “ancoragem” das expectativas, por meio de metas inflacionárias, e à flexibilidade da taxa de câmbio a correta adequação da economia às condições internacionais.

Ao iniciar o primeiro mandato do presidente Lula, o Ministério da Fazenda (2003) anunciou que “o novo governo tem como primeiro compromisso da política econômica a resolução dos graves problemas fiscais que caracterizam nossa história econômica, ou seja, a promoção de um ajuste definitivo das contas públicas” (p. 8, ênfase do documento). No mesmo sentido de estabilização, deveria ser dada prioridade à reforma da Previdência, conferida autonomia legal ao Banco Central e reforçados os direitos de credores, o que, em tese, conduziria a uma redução dos prêmios de risco e, portanto, à redução da taxa de juros.

“Reforma fiscal” é um bordão de todo ministro da Fazenda a partir da agonia do Estado desenvolvimentista nos anos 1980 e constitui um tema que, enunciado em termos gerais, evoca consenso, mas que, quando se busca implementá-lo, esbarra em interesses incontornáveis e irreconciliáveis, à semelhança das reformas administrativa e política. À falta de poder político, o governo Lula seguiu as linhas de menor resistência, aumentando a carga tributária, sem deixar de enviar ao Congresso a ritual proposta de reforma, que se encontra “em discussão”. Por sua vez, feita uma pequena reforma na Previdência, o tema foi abandonado.

Quanto às reformas dirigidas ao sistema monetário e financeiro, o Banco Central não ganhou sua independência legal, mas seu presidente foi alçado ao status ministerial e a organização reteve sua capacidade de estabelecer objetivos e sua forte autonomia operacional para implementá-los. Os direitos dos credores foram reforçados (por exemplo, via Lei de Falências e instituição da alienação fiduciária para créditos habitacionais), mas os efeitos da sua maior segurança sobre as taxas de juros são difíceis de discernir.

O silêncio é tão eloquente como a fala. Embora privilegiasse a eficiência institucional, o documento da Fazenda omitia-se quanto a reformas institucionais de caráter estrutural, como a reforma administrativa do Estado e a reforma política, apesar dos inequívocos efeitos destas sobre a eficiência dos mercados e do próprio Estado. A trajetória histórica manifestava seu peso.

Do ponto de vista cognitivo, as reformas institucionais propostas eram derivadas da convenção liberal antes descrita e faziam parte da “segunda geração” de reformas do Consenso de Washington (RODRIK, 2004). Ou seja, podiam ser interpretadas como a continuidade do processo de reformas liberais iniciadas na década de 1990. Não obstante, apontavam para problemas estruturais, como a reforma fiscal e o equacionamento financeiro da Previdência. A solução desses problemas não necessita ser feita segundo as propostas liberais – soluções alternativas podem ser encontradas, desde que a importância dos problemas seja reconhecida e as diversas alternativas debatidas e resolvidas politicamente. A minimização do debate e o adiamento das soluções apontam para uma preferência pelo curto prazo e, provavelmente, para as dificuldades inerentes à governança no “presidencialismo de coalizão”. A mesma conjectura aplica-se às reformas omitidas.

Concebida de forma restrita e implementada parcialmente, a agenda institucionalista acabou por restringir sua prioridade à estabilização de preços, deixando o Banco Central no epicentro da política macroeconômica. Essa configuração não é nova – remonta aos anos 1980, durante os anos de agonia do desenvolvimentismo, em que o principal instrumento para impedir a eclosão da hiperinflação foi a alta taxa de juros paga por títulos da dívida pública, transformados em quase moeda. A centralidade do Bacen foi mantida no governo Collor, seja sob a gestão de Ibrahim Eris, seja quando Marcílio Marques Moreira ocupou o Ministério da Economia e utilizou a taxa de juros para conter a demanda, indexar a economia e atrair capitais estrangeiros, condições que favoreceram a posterior implementação do Plano Real. Durante o primeiro governo Cardoso, o poder do Bacen foi ainda maior, tendo imposto, sob a égide da estabilização de preços, a ancoragem cambial, a despeito da oposição de parte da equipe econômica. Apesar de ter conduzido o país à anunciada crise de 1999, o Bacen ressurgiu das cinzas sob o regime de metas de inflação, com poderes ampliados.

As metas de inflação, na institucionalidade brasileira, são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). As atas do conselho, que poderiam indicar quais os critérios usados para sua definição, não são divulgadas, mas pode-se supor que, à semelhança do Federal Reserve Board, envolvam “ciência e arte”. Dado o traumático passado inflacionário brasileiro e os efeitos deletérios da inflação sobre os rendimentos das camadas mais pobres da população, que compõem o grosso do eleitorado, há compreensível relutância política de parte do governo em mostrar-se leniente com a inflação, o que torna a definição de metas dependente da sua evolução anterior. Finalmente, sabe-se que, na avaliação de executivos do Banco Central (BEVILAQUA et al., 2007), a estabilidade de preços está por eles associada a uma taxa de inflação inferior a 5% anuais.

Como se sabe, no regime de metas de inflação em que o Banco Central tem, nominalmente, apenas autonomia operacional, o banco recebe as metas de uma autoridade e tem a incumbência de executá-las, seguindo normas de transparência e de prestação de contas – um arranjo institucional do tipo principal–agente. No caso brasileiro, a separação entre fixação e execução (principal e agente) de metas é muito parcial, posto que o presidente do Banco Central tem assento no Conselho Monetário Nacional, ao lado dos ministros da Fazenda e do Planejamento, e sua opinião, lá, pesa e muito.

Cabe, ainda, insistir sobre dois pontos. Primeiro, o centro da meta inflacionária e a banda de variação são o resultado de uma decisão discricionária, “política”, como se pode dizer. A dependência em relação à trajetória passada não impede que, face a mudanças bruscas de cenário ou a objetivos eventualmente conflitantes com a manutenção do centro da banda, este ou os seus limites sejam alargados pelo CMN. Na verdade, o próprio Bacen pode fazê-lo, como já o fez em janeiro de 2003, quando “ajustou” o centro da meta em função da crise do segundo semestre do ano anterior, e em setembro de 2004 a título de acomodação à inércia inflacionária (BEVILAQUA et al., 2007). Em segundo lugar, como testemunha o insuspeito Bernanke (ver anteriormente), por mais sofisticados que sejam os modelos de previsão, há uma necessária dose de discrição nessas previsões.

Conforme explicado por alguns de seus executivos, o Bacen

[…] guia suas decisões de política [para atingir as metas] por suas próprias previsões de inflação e dos respectivos balanços de riscos. As expectativas de inflação do mercado são insumos importantes nos modelos de previsão do Bacen […] e são influenciadas pelo comportamento passado da inflação, as metas de inflação, o desenvolvimento da taxa de câmbio e do preço das commodities, a atividade econômica e o posicionamento da política monetária (BEVILAQUA et al., 2007, p. 5).

Embora acreditem que o peso do passado na definição de expectativas tenha diminuído, atestando o sucesso da política de metas, constatam que:

[…] muitas vezes, as expectativas apresentaram reações excessivas a eventos correntes, especialmente a surpresas inflacionárias. Assim, o Bacen frequentemente teve de agir de modo que impedisse que desenvolvimentos negativos de curto prazo contaminassem as perspectivas de médio prazo. Nesse sentido, “o processo de desinflação tem sido, e ainda é, um processo de domar as expectativas inflacionárias” (BEVILAQUA et al., 2007, p. 5, ênfase adicionada).

Ao longo desse processo de disciplinar o mercado, “os custos de curto prazo, em termos de atividade econômica perdida, devem ser vistos como um investimento em estabilidade” (BEVILAQUA et al., 2007, p. 13).

Como se sabe, nesse processo de livrar os atores econômicos do peso do passado e de domar as expectativas inflacionárias, o Bacen vem praticando taxas de juros que, apesar de oscilarem, estão sempre entre as mais altas do mundo. Ao fazê-lo, condiciona as outras duas pontas do tripé de políticas macro. Do lado cambial, a entrada de capitais estrangeiros, atraída pelo diferencial de juros, valoriza o real e contém o preço de bens e serviços comercializáveis internacionalmente. O uso de swaps cambiais reversos – em que as instituições financeiras ficam passivas em dólar e ativas em Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic)/Certificados de Depósito Interbancário (CDI) e o Banco Central fica na posição inversa – adicionou importantes aliados à política de manter a Selic elevada e a taxa de câmbio valorizada estável. Do lado fiscal, obriga a política a estabelecer suas metas em termos primários, comprimindo gastos, notadamente de investimento, de forma que liberasse recursos para o pagamento de juros sobre a dívida pública – não incluídos no resultado primário.

Argumenta-se com frequência que a estabilidade de preços tem a natureza de um bem público, no sentido de que ninguém pode ser excluído de seus benefícios. No entanto, a política anteriormente resumida tem distintos perdedores e ganhadores.

Entre os perdedores, os devedores encimam a lista. Entre estes, destaca-se o Estado, que pagou, em média, cerca de 7% do produto interno bruto (PIB) ao ano à conta de juros no período 2003-2008, aproximadamente dez vezes o gasto no programa Bolsa Família. Dado que a tributação no Brasil é notoriamente regressiva, resulta uma maciça transferência de renda dos pobres para os ricos.

Há também perdedores no setor privado – todos os que necessitam utilizar mecanismos de crédito, dos consumidores que desejam adquirir ativos familiares a empresas que precisam financiar o seu capital de giro e investimentos.

Em consequência, a demanda final de bens de consumo é contida, com reflexos sobre toda a cadeia produtiva e os investimentos. O curto prazo da política monetária e o poder discricionário do Bacen aumentam a incerteza e o alto rendimento, grande liquidez e baixo risco das aplicações financeiras elevam a taxa mínima de retorno (hurdle rate) dos investimentos produtivos. Assim, o portfólio de investimentos produtivos das empresas tende a se concentrar em projetos de curto prazo e baixo risco.

As aplicações dos grandes gestores de recursos financeiros, como os fundos de pensão, sofrem o mesmo viés, e o sistema financeiro é encorajado a concentrar suas operações em títulos públicos, em detrimento da concessão de crédito. Esta tende a priorizar operações de curto prazo e baixo risco. Em consequência, o sistema privado de financiamento torna-se pouco funcional para as transformações estruturais típicas do desenvolvimento, deixando este papel a cargo dos bancos públicos, notadamente o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal (CEF).

Atividades cruciais para o desenvolvimento, como a inovação, notadamente projetos mais criativos, são desestimuladas, a taxa de crescimento do emprego diminui e o crescimento e a igualdade também.  O “investimento em estabilidade” tem altos custos.

Do outro lado da lista, entre os ganhadores destaca-se, primum inter pares, o sistema financeiro. O balanço consolidado dos bancos brasileiros mostra que o volume de lucros líquidos triplicou entre 2003 e 2007 e que a sua taxa de lucro passou de 14,8% em 2003 para 22,9% em 2007 (VALOR ECONÔMICO, 2008). No entanto, o sistema financeiro não está só. Investidores institucionais como fundos de pensão, companhias de seguro, empresas com alta geração de caixa (por exemplo, empresas industriais produtoras de bens intermediários, produtores e vendedores de commodities agrícolas, atacadistas, cadeias de lojas de bens de consumo) também se beneficiam, assim como os domicílios mais ricos, notadamente os que pertencem ao 1% superior da pirâmide de distribuição de renda e recebem cerca de 13% da renda total do país. Os dados de Bruno (2007) sobre a participação dos “rentistas” na renda nacional indicam que as empresas não financeiras e os indivíduos receberam, na média, cerca de 80% das rendas financeiras durante o período 1995-2005.

A valorização do câmbio é irmã siamesa dos altos juros. Os exportadores e os produtores locais de bens comercializáveis são os principais prejudicados pela valorização. No entanto, entre os primeiros, os que exportam commodities, seja produtos primários, seja semielaborados, foram, a partir de 2003, parcialmente compensados pelo aumento dos preços no mercado internacional e, sendo grandes geradores de caixa, pelos altos juros locais. Em contrapartida, os importadores de bens e serviços beneficiam-se muito com a valorização do câmbio, de tal forma que, apesar das condições favoráveis para as exportações brasileiras, o saldo em transações correntes, medido como participação no PIB, que havia chegado a quase 2% em 2004, foi praticamente nulo em 2007 e negativo (1,8%) em 2008. Vistas pelo ângulo da conta de capitais, as duas irmãs atuam no sentido de favorecer as empresas que têm condições de aceder ao crédito externo e a todos a quem convém remeter recursos para o exterior, seja para investimentos – principalmente os produtores de commodities –, seja a título de juros, lucros e dividendos, cujo montante passou de US$ 18,6 bilhões em 2003 para US$ 37,3 bilhões em meados de 2008. Entre os beneficiários, conta-se o Tesouro, que eliminou sua dívida externa, passando a ser credor líquido. Finalmente, conforme já apontado, as instituições financeiras que fazem contratos de swap reverso são beneficiadas pelas duas irmãs.

Existe, pois, ampla e poderosa constelação de interesses, estruturada ao longo do tempo em torno à combinatória altos juros/câmbio valorizado, que estabeleceu uma convenção que estes elementos são essenciais para o desenvolvimento do país.

Argumentos como o “pecado original” da moratória de 1987, a “incerteza jurídica” dos credores e o crédito “não livre” ou o déficit público são oferecidos como justificativa. Fatos como as taxas de juros muito mais baixas que as brasileiras em países que também entraram em moratória, como o México, a concessão de “grau de investimento” por agências internacionais de avaliação de risco, que deveria ter redimido o pecado, o reforço das garantias dos credores, já mencionado, a falta de disposição do sistema financeiro privado para o crédito agrícola e de longo prazo e o bom desempenho fiscal do governo são convenientemente omitidos. Provavelmente, pouco importam – o que conta é a manutenção da convenção.

Essa coalizão de interesses tem poderosos instrumentos para consolidar e difundir sua convenção de desenvolvimento. O mais explícito está nas mãos do sistema financeiro, como demonstrado na crise do segundo semestre de 2002, que tão efetivamente domou as expectativas do governo entrante. Mas há outros instrumentos, mais sutis, como o financiamento de campanhas políticas,11 as relações com os membros do Congresso, os “anéis burocrático-empresariais” de que, no passado, falava Cardoso, o sociólogo, e as relações com a mídia, que difunde a convenção de estabilidade.

O Banco Central é um membro necessário dessa coalizão – é a instituição que concebe e executa a política monetária, com os efeitos já apontados sobre a política cambial e fiscal – sem que isto implique, necessariamente, “captura” no sentido da “escolha pública”. Para o estabelecimento da coalizão e da convenção que lhe serve de representação social, basta que o Banco Central e os membros privados derivem benefícios conjuntos da mesma política – no caso, o prestígio de cumprir as metas e os lucros derivados dos altos juros e do câmbio valorizado.

Além de objetivos comuns, diversos mecanismos reforçam a coesão dessa coalizão e a força da convenção a ela vinculada.

A atual estrutura do sistema financeiro brasileiro foi muito influenciada pela crise bancária de 1995 e pela privatização dos bancos estaduais, processos em que o Banco Central teve papel decisivo, participando da gênese ou do desenvolvimento de grandes grupos.12 A mesma crise levou ao aprofundamento das atividades de supervisão do sistema financeiro exercidas pelo Banco Central (por exemplo, a aplicação das Regras de Basileia), estreitando os laços entre as partes. Como toda agência reguladora, o Banco Central tem de manter contato estreito e contínuo, formal e informal, com os atores regulados, formando uma percepção comum dos problemas e das soluções. A forma como a política monetária é implementada aumenta essa integração: as estimativas de inflação feitas pelo sistema financeiro constituem importante insumo para as estimativas do Banco Central – apesar do viés favorável ao aumento de juros implícito nas estimativas privadas –, e as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) em que a taxa de juros básica é definida têm periodicidade fixa e, portanto, são precedidas de incontáveis manifestações de representantes do sistema financeiro sobre a decisão do comitê. Finalmente, o horizonte com que as metas são estabelecidas pelo Conselho Monetário – um ano e meio adiante – facilita a convergência entre o Bacen e o sistema financeiro.

No plano cognitivo, a convenção se expressa na crença, partilhada pelos membros da coalizão que a sustenta, na eficácia e na legitimidade do mercado como a principal instituição encarregada de organizar e conduzir a economia e a sociedade por meio de uma distribuição eficiente no uso de recursos. Tal crença valida o uso da força da coalizão para ampliar a gama de relações sociais regidas pelo mercado – a exemplo da saúde, da previdência e da educação – e vetar projetos e políticas que possam reduzir o poder do mercado em favor de outras instituições. Implícita nestas duas agendas – positiva e negativa – está a tese neoliberal de que, mesmo que o mercado não se coadune ao ideal concorrencial, as falhas introduzidas no processo de alocação eficiente de recursos pela ação de outras instituições, notadamente o Estado, são ainda maiores. Nesse sentido, a crise não resolvida do Estado desenvolvimentista manifesta-se nos aspectos político, fiscal e administrativo, cujas reformas seguem pendentes, apesar de serem amplamente reconhecidas como necessárias, joga a favor da convenção.

Um viés conservador une ainda mais o Banco Central e os interesses privados – o primeiro quer manter a estabilidade de preços, o segundo, o rentável status quo, consolidado ao longo dos anos. Ambos se opõem a mudanças estruturais que alterem a distribuição de riqueza e renda e preços relativos, aumentando o risco de inflação. Em consequência, a coalizão usa seu poder não apenas para promover políticas que a beneficiem, mas também para obstar políticas que alterem o status quo. Convenções de desenvolvimento que levem a mudanças estruturais destes parâmetros estão excluídas – um bom exemplo de manutenção de trajetória.

Denominamos, inicialmente, a convenção anteriormente descrita como sendo institucionalmente “restrita”. No entanto, conforme a análise aponta anteriormente, o adjetivo pode também ser aplicado à gama de mudanças estruturais que tal convenção propugna. Se desenvolvimento é mudança estrutural, trata-se, na melhor das hipóteses de um “desenvolvimento restrito”.

3.3 A Convenção Neodesenvolvimentista

Coexistindo com a convenção já descrita, mas a ela subordinada, há outra que podemos chamar de “neodesenvolvimentista”. Proposta inicialmente no Plano Plurianual de Aplicações (PPA) 2003-2007, ampliada pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce) e pela tentativa de estabelecer parcerias público-privadas, em 2003, encontra sua forma atual no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2007-2010 e na recente Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

A convenção repousa sobre cinco pilares, que justificam a denominação dada:

1. Investimento em infraestrutura – principalmente energia, logística e saneamento – a ser feito majoritariamente por empresas estatais e privadas, com o financiamento do BNDES e, em menor grau, diretamente pelo Estado. A descoberta de grandes jazidas de petróleo em águas muito profundas (o pré-sal) abre a perspectiva de enormes investimentos nessa área e, a seguir, da remoção da restrição de divisas pela exportação de petróleo e seus derivados. Para tanto, porém, será necessário equacionar adequadamente as condições institucionais que regerão a exploração desta área13 e o esquema de financiamento para os referidos investimentos, que, na sua maior parte, serão realizados após a conclusão do PAC atual.

2. Investimento residencial incentivado pelo crédito, público e privado, amparado por maiores garantias, como a alienação fiduciária.

3. O círculo virtuoso entre, de um lado, o aumento de consumo das famílias, derivado dos aumentos do salário-mínimo, das transferências do Bolsa Família, da expansão do emprego formal (explicado em boa parte por medidas institucionais como o tratamento tributário simplificado para pequenas empresas e maior fiscalização) e do crédito (explicado pela alta rentabilidade dessas operações) e, do outro lado, o aumento do investimento em capital fixo e inovação, incentivado pela desoneração fiscal e pelo crédito dos bancos públicos.

4.  Investimento em inovação, amparado por incentivos fiscais, crédito subsidiado e subvenções.

5. Política externa independente, que privilegia as relações com outros países em desenvolvimento (seja da América Latina, seja do grupo Brasil, Rússia, Índia e China – Bric) e busca afirmar o papel do Brasil como protagonista do processo de mudanças na arquitetura institucional mundial.

O Estado volta a assumir papel de liderança no processo de desenvolvimento, recuperando, inclusive, o protagonismo das empresas estatais e dos bancos públicos, perdido durante o período liberal.

Nos dois primeiros pilares e no último, é clara uma atualização da antiga proposta desenvolvimentista. Restabelece-se a tradicional coalizão entre empreiteiras da construção pesada e leve, fornecedores de insumos e equipamentos e seus empregados com o governo. O terceiro pilar vai além: almeja não só o consumo de massas e seu investimento derivado, sob inspiração keynesiana, mas também sanar a grande deficiência do antigo padrão desenvolvimentista: a restrita inclusão econômica, apontada por keynesianos como Furtado (1961) como óbice principal à sustentabilidade do desenvolvimentismo.

A capacidade local de inovação, buscada pelo desenvolvimentismo dos anos 1970, é, hoje, objeto de um consenso que abarca todas as correntes de pensamento, contando com forte apoio do Banco Mundial. No entanto, a Pitce de 2003 tinha forte componente heterodoxo em sua agenda positiva ao estabelecer claras prioridades setoriais e tecnológicas,14 estabelecidas em função dos seus encadeamentos tecnológicos e do seu peso na balança comercial. Essa heterodoxia foi substancialmente atenuada, em favor de políticas “horizontais”, de natureza mais canônica, possivelmente por causa da redução da restrição externa. Também, à diferença do que ocorria no período desenvolvimentista, na agenda atual não se distinguem os detentores da capacidade de inovação pela origem do seu capital e há inequívoco entusiasmo com a importação de tecnologia. Enquanto no período anterior havia a preocupação, movida por objetivos de soberania econômica nacional, de privilegiar a capacitação tecnológica sob controle nacional, esta prioridade deixou de existir.

Cabe destacar que, à diferença da antiga convenção desenvolvimentista e da convenção neoliberal, o governo Lula colocou no topo da sua agenda desenvolvimentista a redução da pobreza por meio dos mecanismos apontados no que é descrito anteriormente como o terceiro pilar desta agenda. A percepção de que os “pobres” tendem a ser os mais prejudicados em períodos de alta inflação estabelece uma ponte entre a convenção neodesenvolvimentista e a convenção institucional restrita já descrita.

No entanto, essa ponte não implica a necessária adoção das metas de inflação e das políticas monetária e cambial praticadas pelo Bacen. Outras configurações de política macro podem conduzir à manutenção da estabilidade de preços. A análise dessas configurações alternativas foge ao escopo deste ensaio, mas cabe reiterar o peso econômico e político da coalizão de interesses que se expressa por meio da convenção de desenvolvimento restrito, cuja agenda positiva postula que a atual configuração de políticas é a mais “eficiente” do ponto de vista técnico, apagando com a retórica tecnocrática e com o debate político.

Por mais que se possa criticar os programas de transferência por oferecerem poucas “portas de saída” aos seus beneficiários, a prioridade dada aos “pobres” constitui modificação crucial na agenda de desenvolvimento que, dado o seu manifesto impacto político, parece pouco provável que seja infletida no futuro. Ao mesmo tempo, a forma como a prioridade foi implementada, de outorga de um benefício pelo Estado, é consistente com a trajetória de um Estado paternalista que remonta ao varguismo15 e tem como efeito colateral a perda de importância das organizações da sociedade civil, notadamente as que representam os “pobres”.

Assim, a convenção desenvolvimentista do governo Lula também reunia um conjunto de relevantes interesses, econômicos e políticos.

Se implementado o PAC conforme previsto, estimava o governo que a taxa de investimento passaria de 16,4% do PIB, em 2006, para 21%, em 2010, e a taxa de crescimento do PIB seria mantida estável ao longo do período 2008-2010, em 5% ao ano (a.a.). Sem dúvida uma melhora em relação ao período 1998-2003, quando o PIB cresceu a uma média de 1,6% e mesmo em relação ao primeiro mandato do presidente Lula, quando, em média, o crescimento foi de 3,4% a.a. e a taxa de investimento foi 15,9% do PIB, mas longe ainda dos níveis alcançados pelo desenvolvimentismo brasileiro ou, atualmente, pelas nações asiáticas.

Admitida uma taxa de crescimento populacional de 1,5% ao ano, a taxa de crescimento prevista levaria à duplicação da renda per capita em 20 anos, o que não pode ser descrito como um objetivo muito ambicioso.  No entanto, tal taxa era compatível com as estimativas de crescimento potencial do Banco Central.

O programa partia da premissa de um cenário internacional e de evolução macroeconômica do país favorável. A inflação seria 4,1%, em 2007, e se estabilizaria em 4,5% a.a. no período 2008-2010. A taxa básica de juros declinaria lentamente, atingindo 10,1% em 2010, e o superávit fiscal primário permaneceria estável em 4,25% do PIB durante todo o período.

À época de sua elaboração, tais premissas eram plausíveis: a demanda internacional por produtos brasileiros continuava forte, compensando, em parte, a valorização do real, a crise do sistema financeiro internacional ainda não se fizera plenamente manifesta. No plano interno, o superávit primário mantinha-se nas metas previstas, e o Banco Central reduzira gradualmente a taxa de juros básica a partir de setembro de 2005, um ano após elevá-la bruscamente.

Havia outras razões para o otimismo, decorrentes da melhoria dos problemas herdados do passado. Em primeiro lugar, a taxa de investimento apresentava evolução favorável. Em 2006, havia voltado ao nível de 2002 (16,4% do PIB) e apresentava tendência crescente. Essencial para as obras de infraestrutura, o investimento público, que caíra a um nível mínimo em 2003 (0,3% do PIB), aumentara para 0,64% em 2006, prevendo-se que chegaria a 1,2% em 2009. Previa-se também que os investimentos da Petrobras, um dos pilares do PAC, que haviam caído de 0,81% do PIB, em 2003, para 0,76%, em 2006, voltariam a se elevar.16

Em segundo lugar, a redução da remuneração dos títulos do Tesouro, junto a medidas institucionais que reduziam o risco de crédito (como o crédito consignado para pessoas físicas e a alienação fiduciária para o crédito habitacional), estimularam o sistema financeiro a ampliar sua oferta de crédito que, em 2006, representava pouco mais de 30% do PIB. Associada ao aumento da massa salarial, a expansão do crédito levou a forte aumento do consumo familiar. Como a remuneração dessas operações caíra menos que a Selic, a expansão do crédito aumentava a rentabilidade do sistema financeiro.

Os dois fatores anteriormente apontados – ampliação da taxa de investimento e ampliação do crédito e da rentabilidade do sistema financeiro – não cumpriam apenas a função de implementar o PAC, asseguravam também a compatibilidade entre a  convenção desenvolvimentista e a convenção institucionalista restrita.

As convenções de desenvolvimento no governo Lula

Para o Bacen, o aumento da capacidade de oferta é essencial para um cenário “benigno” para a inflação futura, evitando que a demanda exerça pressões sobre o nível de preços. Embora o estudo de Bevilaqua et al. (2007) mostre que o hiato de produto tem pouca influência sobre as expectativas de inflação a serem domadas, a avaliação de que esta pressão de demanda poderia vir a ocorrer, reduzindo o “hiato do produto”, foi um dos principais determinantes da elevação da taxa de juros em setembro de 2004 (alta que durou um ano), visando a reduzir o crescimento do PIB, que vinha evoluindo a taxas de cerca de 6% nos trimestres anteriores (BEVILAQUA et al., 2007). Como resultado, a taxa de crescimento do PIB caiu de 5,7%, em 2004, para 3,2%, em 2005.

Conforme aponta Barbosa (2009), os estudos do Bacen sobre hiato de produto utilizam expectativas “voltadas para trás”, o que, em um contexto de aceleração do crescimento, induz a uma postura conservadora sobre o potencial de expansão da economia. Dado o poder do Bacen de afetar o crescimento, bem ilustrado pelo episódio de 2004-2005, a ampliação da taxa de investimento torna-se essencial não apenas no plano “real” como no simbólico, reduzindo a probabilidade de interrupções no processo de crescimento impostas pelo banco. Como mostra Modenesi (2008), para todo o período de aplicação do regime de metas de inflação, o Banco Central é rápido na elevação das taxas de juros e lento na sua redução.

Para o sistema financeiro, o aumento de rentabilidade trazido pela expansão do crédito era, obviamente, bem-vindo.

A compatibilidade entre as duas convenções teve curta duração.

A forte expansão na oferta de bens de capital era interpretada pelo governo como evidência da formação do círculo virtuoso entre consumo e investimento e equilíbrio entre demanda e capacidade de oferta, atenuando pressões inflacionárias.

No entanto, o círculo virtuoso de consumo–crédito–investimento parecia ter-se estabelecido principalmente no setor de construção, recuperando parte da defasagem na participação da construção na formação bruta de capital17 e na ínfima participação do crédito para construção (menos de 2% do PIB), refletida em um déficit habitacional estimado em 8 milhões de moradias.

Para os demais setores, em que pese o inequívoco aumento de investimentos, os mapeamentos feitos pelo BNDES para os períodos 2007-2010 e 2008-2011 (TORRES FILHO; PUGA, 2007; PUGA; BORÇA JR., 2007), mostravam o forte peso que a expansão da infraestrutura, notadamente em energia, tem nesse processo e que os investimentos no setor industrial continuavam concentrados em setores intensivos em capital e recursos naturais (petróleo e gás, mineração, siderurgia, papel e celulose, petroquímica), orientados principalmente para exportação e substituição de importações. Em que pese a expansão da demanda, os investimentos em bens de consumo – notadamente dos setores automobilístico, eletrônico e fármacos – respondiam por 12% do total. Dados da produção nacional de bens de capital, desagregados por uso e por setores (IEDI, 2008) apontavam na mesma direção – a expansão era mais forte em bens destinados à agricultura, à energia elétrica e ao transporte – notadamente vagões ferroviários, usados pelas indústrias extrativas. Quadro semelhante era mostrado pelas importações de bens de capital, em que, além dos já citados anteriormente, também se destacam os bens do complexo eletrônico (informática, comunicações e automação).

A maior parte dos investimentos em infraestrutura estava sendo, segundo os documentos governamentais de acompanhamento do PAC, realizada segundo o cronograma previsto, embora a imprensa registrasse vozes discordantes. Inequivocamente, existem problemas de compatibilidade entre o nível e, especialmente, o ritmo dos investimentos previstos no programa e outros objetivos de desenvolvimento, como a preservação do meio ambiente. Neste, como em tantos outros aspectos da problemática brasileira, aparecem as dificuldades institucionais inerentes ao nosso Estado, seja em termos de objetivos, seja em termos de adequação administrativa.

Na visão do Bacen, ao fim de 2007, o cenário para a inflação futura ainda era “benigno”, mas o Relatório de Inflação de dezembro daquele ano registrava sua preocupação com a pressão exercida pela demanda sobre a oferta e com o estreitamento do “hiato de produto”.

Os problemas foram substancialmente agravados pela evolução da situação internacional.

Recentemente, o ex-presidente do FED (Reserva Federal dos Estados Unidos da América – em inglês oficialmente Federal Reserve System), Allan Greenspan, ao depor no Congresso americano, descreveu a atual crise internacional como um tsunami. A metáfora é mais adequada que a da “bolha”, posto que o tsunami vem do fundo do oceano, causado por modificações sísmicas. No caso, o terreno sobre o qual repousava a enorme massa de capital financeiro em circulação pelo mundo. O deslocamento teve início no período 2004-2006, quando, após manter taxas de juros muito baixas, o FED elevou-as drasticamente (de 1% para 5,35%). Com essa elevação, o mercado de hipotecas de alto risco (subprime) entrou em crise, reconhecida pelo atual presidente do FED, Ben Bernanke, em meados de 2007. Ao longo de 2007, a crise estendeu-se ao resto do sistema financeiro e provocou um forte movimento especulativo nos preços das commodities, que subiram drasticamente.

Nesse quadro de turbulência internacional, um aumento da inflação seria provável. Com efeito, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA), que serve de baliza ao Banco Central, medido no intervalo de 12 meses, passou de 4,56% em janeiro de 2008 para 4,61% em fevereiro e 4,73% em março, superando a meta de 4,5%, mas dentro da margem de variação estabelecida pelo CMN, de mais ou menos 2%.

É legítimo duvidar se a taxa de juros, que incide principalmente sobre a demanda, é instrumento eficaz para debelar pressões de custos, de origem externa, sem que isso implique contração muito forte do nível de atividade. Em outros países, notava o Bacen, verificava-se o “caráter refratário do processo inflacionário, mesmo diante da desaceleração global” (Ata da Reunião no 134, § 57, do Copom. Disponível em: <http:// www.bcb.gov.br/?COPOM134>).

Embora vários analistas sugerissem que a elevação de preços observada no primeiro trimestre de 2008 fosse atribuível ao aumento nos preços internacionais das commodities, o Bacen preferiu interpretá-la como sendo causada pela pressão da demanda interna sobre a capacidade produtiva e, estimando que havia forte risco de a inflação ficar acima do centro da meta, deu início, em abril, a um novo – e forte – ciclo de elevação da taxa básica de juros, que passou de 11,25% ao ano em março para 13,75% em setembro, mantida em outubro. Outras medidas, como a redução dos prazos de financiamento, que seriam eficazes para conter uma demanda movida a crédito, mas que teriam prejudicado o setor financeiro, não foram tomadas.

O silêncio obsequioso do CMN, principal do qual o Bacen é agente, mostra bem a força da convenção de estabilização vigente no país.

3.4 A Crise e os seus desdobramentos

A partir de setembro de 2008, como se sabe, a crise internacional assumiu dimensões sistêmicas, comparadas por muitos aos eventos de 1929. O tsunami estendeu-se pelo mundo, afogando no seu percurso a tese do “descolamento” dos países em desenvolvimento.

Até então, a crise internacional – que eclodira um ano antes – havia repercutido no Brasil principalmente por meio da elevação dos preços das commodities e da saída de capitais, lucros e dividendos, visando, em boa parte, a cobrir perdas sofridas pelos investidores nos países centrais,18 derrubando as cotações da Bolsa de Valores e fechando um canal de capitalização de empresas que vinha tendo utilização crescente, dado o alto custo do crédito.19 No entanto, a taxa de câmbio mantinha-se estável e valorizada.

O governo reagiu, inicialmente, como outros que o precederam, reduzindo o tsunami a uma “marola”. Assim, como no passado fomos “diferentes” do México em 1982 e 1994, da Ásia em 1997, da Rússia em 1998 e da Argentina em 2001, agora éramos “diferentes” dos países desenvolvidos: nossos “fundamentos” são mais sólidos.20 No entanto, como em 1973, o Brasil mostrou, mais uma vez, que não é uma “ilha de tranquilidade” no encapelado mar internacional. A crise manifestou-se, imediatamente, por uma elevação na taxa de câmbio e pela contração da liquidez, mostrando que a retórica do “descolamento” é ineficaz, podendo até ser contraproducente. A busca de ganhos financeiros por parte de grandes e médias empresas que apostaram com derivativos na manutenção da taxa de câmbio impôs-lhes pesadas perdas, mostrou importantes falhas nos mecanismos de regulação do mercado e aumentou a incerteza, à semelhança do que ocorreu em outros países.

Com a crise, o Banco Central ganhou ainda maior peso político. A política de metas de inflação e as próprias metas permaneceram – e permanecem – inalteradas e, ao fim de outubro, mais de um mês após a quebra do Lehman Brothers, o Copom continuava preocupado com os riscos “para um cenário menos benigno” de inflação, postos pelo descompasso entre os aumentos de demanda e oferta (Ata da Reunião no 138). À diferença dos seus pares no mundo, tanto de países desenvolvidos como emergentes,21 o Banco Central manteve a taxa de juros no seu nível elevado, quando a crise de liquidez e as condições fiscais sugeriam a conveniência de reduzi-la. Mas o Copom acenava claramente com a possibilidade de elevar a taxa de juros se as expectativas de inflação não convergissem para o centro da meta (Ata da Reunião no 138 do Copom. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/?COPOM138). Assim, à incerteza para produção e investimentos, decorrente da situação internacional, somava-se a produzida pelo Bacen.

No último trimestre de 2008, a crise se fez manifesta, com a queda na taxa de crescimento do PIB. No semestre seguinte, a crise se agravou, e o PIB apresentou evolução negativa.22 

Em consequência, a agenda positiva de políticas públicas concentrou-se no combate à crise.23 No plano macroeconômico, a meta de superávit primária foi reduzida para 2,5% do PIB e os investimentos da Petrobras excluídos do cálculo; o Bacen cortou a Selic em 5 pontos percentuais (p.p.), chegando a 8,75% em agosto de 2009, quando parece ter dado fim ao ciclo de reduções. Não obstante a queda, o Brasil mantém uma das mais altas taxas de juros do mundo.24

Ao mesmo tempo, buscou-se a manutenção da demanda efetiva, tanto em termos de consumo das famílias, quanto do investimento. O primeiro foi fomentado pela antecipação do aumento do salário-mínimo, pelo aumento do valor e da cobertura da Bolsa Família e pela redução de impostos sobre bens de consumo. Para contrabalançar a retração na concessão de crédito do setor privado, os bancos públicos (notadamente o BB e a CEF) ampliaram suas operações e reduziram os encargos cobrados. O investimento foi estimulado pela ampliação de recursos do BNDES e pela redução da Taxa de Juros de Longo prazo (TJLP), assim como por incentivos fiscais para bens de produção e pela manutenção dos investimentos do PAC, ampliados por novo programa de habitação popular.

Em contrapartida, o sistema financeiro privado adotou uma postura defensiva, em termos de concessão de crédito e de taxas de juros, retraindo a primeira e aumentando as últimas, a despeito da queda da Selic, estratégia que preservou a lucratividade do sistema.25

A política anticrise deteve o processo de contração econômica. Estima-se que o crescimento do PIB anual seja levemente positivo no ano em curso e que, em 2010, volte ao patamar desejado de 4% a 5% a.a. Não obstante, a indústria de transformação ainda apresenta resultados negativos e, mais grave, os investimentos sofreram contração, cuja amplitude não está clara – as estimativas situam-se em um intervalo amplo, que vai desde a avaliação do BNDES que a formação de capital manter-se-ia estável em 19% do PIB em 2009, atingindo a meta de 21% em 2012, um atraso de dois anos em relação à meta do PAC (PUGA; BORCA JR., 2007), até estimativas de empresas de consultoria de que a taxa de formação de capital só voltará ao (baixo) nível de 2008 (19% do PIB) em 2012 ou 2013. Tendo em conta o peso dos investimentos atrelados ao mercado internacional, antes mostrado, tais resultados futuros dependem, naturalmente, da evolução da taxa de câmbio, que vem apresentando forte valorização, e da economia internacional, que, conforme já apontado, tem formato incerto.

A crise e as políticas adotadas para debelá-la têm repercussões sobre o debate sobre desenvolvimento.

Superadas a fase do descolamento e a retórica da “marola”, houve uma convergência entre as duas convenções, mantendo-se, de um lado, juros altos e, de outro, adotando medidas de cunho fiscal e de crédito para sair da crise.

Ou seja, a verificar-se o cenário otimista para as economias internacional e nacional, a tendência parece ser rumo a uma situação próxima à vigente antes da eclosão da crise, em que convivem duas convenções – a institucional restrita e a desenvolvimentista – sob a hegemonia da primeira. Nesse quadro, consistente com o diagnóstico de que o Brasil se desenvolvia adequadamente e a crise foi exógena, os interesses que formam a coalizão de suporte da segunda convenção têm liberdade de adotar as políticas pertinentes aos seus objetivos, desde que não firam os interesses da primeira coalizão, que detém, em última instância poder de veto sobre o desenrolar do desenvolvimento brasileiro.

Caso, porém, a demanda interna se amplie e as estimativas menos otimistas sobre o investimento se provem verazes, é provável que o Banco Central, mantendo a meta de inflação, volte a elevar os juros, sob a justificativa do estreitamento do hiato de produto e da ameaça que este representa para a “benignidade” do cenário inflacionário, mantendo, assim, a tendência à valorização do câmbio. Conforme argumentamos, essa combinação juros altos/câmbio valorizado desestimula os investimentos produtivos, gerando um círculo vicioso em que o capital financeiro é o principal beneficiário.

A expectativa do mercado financeiro, evidenciada por meio do Relatório de Mercado Focus, preparado pelo Bacen, é de que este voltará subir a Taxa Selic no próximo ano, mesmo que a taxa de inflação, medida pelo IPCA, se iguale ao centro da meta26 e a adoção de uma meta de crescimento de 4% a 5%, modesta, mas compatível com o suposto “produto potencial” – e com o poder do Banco Central –, sintetizam bem essa situação de convívio e dominação consentida. Em outros termos, nesse cenário não há histerese – a trajetória retoma seu curso anterior e a dependência em relação ao passado manifesta sua força.

No entanto, o período recente também evidenciou conflitos entre as duas convenções.

A estratégia defensiva do sistema financeiro, já descrita, foi duramente criticada pelo Ministro da Fazenda, que ameaçou o sistema privado com a perda de mercado para os bancos públicos e até pelo Presidente da República, que criticou pela mídia os altos spreads cobrados pelos bancos privados. Estes, após alguma tergiversação, preferiram não prosseguir no debate público, mas o governo vem mantendo a postura agressiva dos bancos públicos na oferta de crédito.

Ao lado da discussão sobre a força e a rapidez da recuperação, notadamente dos investimentos, dois temas vêm ocupando o debate macroeconômico: a tendência à redução do superávit primário, em função do aumento dos gastos correntes e da diminuição da receita, e a valorização do real frente ao dólar (28% no período janeiro/agosto do corrente ano).27 Em ambos os temas, notam-se posições distintas entre o Ministério da Fazenda, que vem adotando postura mais desenvolvimentista, e o Bacen, que segue apegado ao seu objetivo de conter a inflação próxima do centro da meta.

Quanto ao problema fiscal, enfatizado pela mídia, com o discreto apoio do Bacen, a posição do Ministério da Fazenda é a de que, apesar de terem aumentado, os gastos correntes estão sob controle e a receita aumentará com recuperação da economia. Vale notar que a parte principal do aumento dos gastos correntes é devida à expansão das transferências de renda às famílias28 e aos estados e aos municípios e, portanto, sua redução é, política e legalmente, muito difícil, exceto por improváveis reformas (política, fiscal e da Previdência) que, de todo modo, só terão efeitos a prazos mais longos. Ao mesmo tempo, o Ministério da Fazenda tem rejeitado qualquer ajuste fiscal via redução de investimentos, reiterando a disposição de manter os níveis previstos no PAC e sustentando, assim, um dos principais pilares da convenção desenvolvimentista.

A valorização do câmbio já vinha sendo denunciada como causa de “doença holandesa”, tornando a indústria localizada no país pouco competitiva no mercado externo e na competição contra importações e, no limite, ameaçando a economia brasileira de desindustrialização (BRESSER PEREIRA, 2008). A manter-se a valorização do câmbio, o estímulo a investimentos industriais no país seria reduzido, sendo mais rentável adquirir insumos, partes e componentes e, eventualmente, bens de capital no exterior, provocando a perda de densidade das cadeias produtivas, reduzindo os efeitos de encadeamento e sinergia e a capacidade de inovação associada às relações próximas entre vendedores e produtores.

A valorização está associada a movimentos da conta de capitais, alimentados pela alta taxa de juros brasileira e pela busca de aplicações rentáveis por investidores externos, estimulados pelo sucesso brasileiro em lidar com a crise, em comparação com outros países. Conta com a inequívoca simpatia do Bacen e dos atores no mercado de crédito e de capitais, que atribuem tal valorização às condições “estruturais” da economia brasileira. Não obstante, o Ministério da Fazenda, contrariando esses interesses, estabeleceu uma taxação sobre a entrada de capitais destinados a investimentos mobiliários. Medida semelhante havia sido tomada, em março de 2008, e eliminada alguns meses depois, após a quebra do Lehman Brothers. Embora sua eficácia para desvalorizar o real seja duvidosa,29 a medida tem inequívoco valor simbólico que pode indicar maior disposição do governo em intervir na conta de capitais, em favor da convenção desenvolvimentista.

É possível que o período eleitoral próximo venha a agravar as tensões entre as duas convenções, conferindo maior peso político à convenção desenvolvimentista. No entanto, a história recente do país apresenta farta evidência do poder, econômico e político, da coalizão de interesses que encontra sua expressão na convenção de desenvolvimento restrito, de modo que futura correlação de forças entre as duas convenções é altamente incerta.

4. Conclusão

Argumentamos anteriormente que o processo de desenvolvimento requer um dispositivo congnitivo coletivo, composto por conhecimentos codificados e tácitos, que permita hierarquizar problemas e soluções e facilitar a coordenação entre os atores sociais – uma convenção de desenvolvimento. Esta convenção reflete a distribuição de poder econômico e social na sociedade, constituindo, pois, um objeto de economia política.

Atualmente, após o fracasso das convenções desenvolvimentista e neoliberal, não há, internacionalmente, uma convenção de desenvolvimento firmemente constituída. Embora a crise em curso tenha servido a descartar alguns postulados anteriores, como a capacidade de autorregulação dos mercados, e tenha recolocado o Estado em um papel central, a indefinição quanto a uma convenção de desenvolvimento foi provavelmente ampliada. A saída mais rápida da crise nos países desenvolvidos atua a favor daquelas forças, notadamente o capital financeiro internacional, que têm interesse em minimizar as mudanças institucionais e em retornar, tanto quanto possível, ao status quo ante.

Argumentamos também que, no governo Lula, havia, desde o início, o reconhecimento da necessidade de nova convenção de desenvolvimento e que duas convenções disputavam a hegemonia. Parece-nos que a convenção que chamamos de “institucionalista restrita”, que privilegia a estabilidade de preços ao custo de um desenvolvimento também restrito, detém a hegemonia sobre a convenção neodesenvolvimentista, o que é explicado pela força da coalizão conservadora que sustenta a primeira e pela percepção de que os “pobres”, prioridade do governo, são os mais prejudicados pela alta inflação.

No entanto, esta ponte entre as duas convenções não implica a necessária adoção das metas de inflação e das políticas monetária e cambial praticadas pelo Bacen. Outras configurações de política macro podem conduzir à manutenção da estabilidade de preços. A análise dessas configurações alternativas foge ao escopo deste ensaio, mas cabe reiterar o peso econômico e político da coalizão de interesses que se expressa por meio da convenção de desenvolvimento restrito, cuja agenda positiva postula que a atual configuração de políticas é a mais “eficiente” do ponto de vista técnico, apagando com a retórica tecnocrática o debate político.

A crise internacional introduziu novos elementos de incerteza e perturbação no processo de desenvolvimento brasileiro. No entanto, com a retomada da atividade econômica, há forte tendência para a volta da correlação de forças entre as duas convenções, consistente com o diagnóstico de que a crise foi de natureza exógena e o desenvolvimento até então em curso era satisfatório.

Não obstante, a configuração das políticas anticíclicas e  seu resultado estabeleceram conflitos entre as duas convenções em relação ao equilíbrio fiscal e, especialmente, à valorização cambial e o correlato tratamento dos juros e do capital financeiro, nacional e internacional. A médio prazo, a contradição entre investimentos produtivos – cuja contração em função da crise ainda não está clara – e o aumento de juros/valorização do câmbio pode exacerbar os conflitos.

Como sabemos, economista é um profeta que olha para trás e o desdobramento destes conflitos, que tende a se acentuar em um período eleitoral, é imprevisível, dependendo da evolução da correlação de forças políticas e econômicas representadas pelas duas convenções de desenvolvimento.

Para concluir, chamamos atenção para o fato de que nenhuma das duas convenções em disputa enfrenta os problemas da transformação do Estado brasileiro, notadamente as reformas política, fiscal e administrativa, que, a nosso juízo, são essenciais para um processo de desenvolvimento alto e sustentável. Possivelmente, a explicação para este silêncio encontra suas raízes na governança que caracteriza o presidencialismo de coalizão brasileiro e que acaba por induzir a dependência em relação à trajetória passada e, assim, um forte viés conservador.

 

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lnnovation and the Development Convention...

1. lntroduction

From the beginning of the nineties to the present the Brazilian economy was ruled by a specific view of the process of economic development, which emphasized the role of technical progress as a means to achieving fast and stable...

Inovação Tecnológica na Indústria Brasileira no Passado Recente – uma resenha da literatura econômica

Fabio S. Erber, Parcerias Estratégicas (CGEE) v.15, n.30, p.177-250, jan-jun 2010

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) solicitou a Erber uma revisão da literatura brasileira sobre inovação e desenvolvimento a partir da década de 1990, com o objetivo de “sistematizar o pensamento gerado no Brasil a respeito das características e determinantes do desempenho das empresas atuantes no país em matéria de P&D, geração de tecnologias e inovação em processos e produtos”. A identificação dos textos foi feita por meio da consulta a publicações e pesquisadores (as) atuantes nessa área de conhecimento. A divulgação desta versão do texto visa a sanar omissões, além de submeter, em um espírito habermasiano, as conclusões ao debate. Estudos sobre o desenvolvimento tecnológico no Brasil foram frequentes durante a década de 1970, conforme mostra uma revisão feita há 30 anos (ERBER, 1979). Após um período de relativo ocaso, voltaram a proliferar no passado recente. Na próxima seção, apresento uma interpretação do que fez que a temática da inovação reassumisse um papel de relevo: a transformação tecnológica que ocorreu no mundo durante o período considerado, a convergência entre os economistas de diversas persuasões teóricas sobre a importância da inovação, assinalando as correntes que mais influenciaram a literatura nacional, os problemas enfrentados pela economia brasileira a partir do início dos anos 1990, as políticas destinadas a lidar com alguns desses problemas, notadamente a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior de 2003 e a disponibilidade de novos dados sobre a inovação no Brasil a partir das pesquisas sobre inovação tecnológica feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec). As seções seguintes analisam a literatura sobre inovação no Brasil. A seção 2 olha para os estudos que situam o Brasil no contexto internacional. A terceira seção examina os estudos que analisam o fenômeno no Brasil. Conforme explicado em breve introdução teórica, em que se destaca a importância do contexto macroeconômico para o investimento em inovação, o ordenamento dos estudos é feito cronologicamente, seguindo as etapas de investimento observadas na história brasileira dos anos 1990 até meados da presente década, período sobre o qual se dispõe de dados para pesquisas. Finalmente, a seção conclusiva sugere uma agenda de pesquisas futura, visando a aprofundar e complementar os estudos resenhados e, eventualmente, preencher algumas lacunas que Erber percebeu.

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Eficiência coletiva em arranjos produtivos...

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Eficiência coletiva em arranjos produtivos locais industriais: comentando o conceito

Fabio S. Erber, Nova Economia, Belo Horizonte 18 (1), pp.11-32, janeiro-abril de 2008

Arranjos produtivos locais (APLs), caracterizados como aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, que têm foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos entre si, vêm ganhando importância crescente como objeto de estudo acadêmico e de políticas públicas. Parte dessa atenção deriva da hipótese que essas aglomerações possibilitam ganhos de eficiência que os agentes que as compõem não podem atingir individualmente – ou seja, que nelas está presente uma "eficiência coletiva" que confere às aglomerações uma vantagem competitiva específica. Baseando-se na literatura sobre APLs industriais, este artigo comenta a base analítica desta "eficiência coletiva", fundada em "economias externas locais" e "ação conjunta". Os dois fundamentos e os resultados da eficiência coletiva em termos de vantagens competitivas são discutidos em seções separadas, ficando a seção conclusiva reservada às implicações da análise precedente para a política econômica.

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The Brazilian development in the nineties...

Comme la tête tranchée d ́Orphée, la mythologie continue à chanter, même aprés l’heure de sa mort, même à travers l’éloignement.1

1. Introduction

O sistema de inovações em uma economia monetária

Fabio S. Erber, In: J.E. Cassiolado; H. Lastres. (Org.). Globalização e inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. 1ed.Brasília: IBICT/MCT

Este artigo é parte de uma agenda de pesquisa sobre sistemas nacionais e locais (regionais e setoriais) de inovação derivada da abordagem keynesiana de uma “economia monetária”. Ele é composto por quatro seções, além da introdução. Cada seção apresenta uma breve exposição analítica e algumas sugestões de pesquisa. A primeira mostra, de forma axiomática, uma visão sintética de uma “economia monetária”, na perspectiva pós-keynesiana. A seguir, comenta a compatibilidade desta visão com a neo-schumpetriana. A segunda seção enfoca o investimento em tecnologia em uma ótica microeconômica, dentro da perspectiva monetária, o que implica em tratar esse investimento como parte de um portfólio. A terceira seção discute as instituições e as políticas estatais que afetam os investimentos em tecnologia. A última seção situa a abordagem apresentada anteriormente no âmbito dos estudos sobre sistemas de inovação. Dado o público a que se dirige, o artigo supõe a familiaridade do leitor com a literatura neo-schumpeteriana e, especificamente, com a leitura que trata de sistema de inovação.

1. Introdução

Este artigo apresenta uma agenda de pesquisas sobre sistemas nacionais e locais (regionais e setoriais) de inovação derivada da abordagem keynesiana de uma “economia monetária”. O artigo é parte de um processo de pesquisa teórica que se encontra em suas etapas iniciais. Portanto, suas conclusões teóricas têm um caráter fortemente conjectural – razão adicional para levá-las ao debate com especialistas que compartilham os mesmos interesses. Da mesma forma, as sugestões de pesquisa são nada mais que indicativas – visam a abrir caminhos e não mapear o terreno.

O artigo é composto por quatro seções, além desta. Cada seção é composta por uma breve exposição analítica e algumas sugestões de pesquisa. A primeira apresenta, de forma axiomática, uma visão sintética de uma  “economia monetária”, na perspectiva pós-keynesiana. A seguir, comenta a  compatibilidade desta visão com a perspectiva neo-schumpeteriana. A segunda seção enfoca o investimento em tecnologia por uma ótica microeconômica, dentro da perspectiva monetária, o que implica tratar esse investimento como parte de um portfólio. A terceira seção discute as instituições e políticas estatais que afetam os investimentos em tecnologia. A última seção situa a abordagem apresentada anteriormente no âmbito dos estudos sobre sistemas de inovação.

Um caveat é oportuno: dado o público a que se dirige, o artigo supõe a familiaridade do leitor com a literatura neo-schumpeteriana e, especificamente, com a literatura que trata de sistemas de inovação.

2. Os axiomas da Economia Monetária e o Programa de Pesquisas Neo-Schumpeterino

Uma economia monetária pode ser caracterizada a partir de cinco axiomas (Carvalho 1989):

  1. Axioma da Produção: a produção é realizada por firmas, com o fim de venda em mercados. A firma é um ator social de pleno direito, uma instituição que não pode ser reduzida a seus proprietários. A firma é um locus de acumulação de capital, cuja função-objetivo é a busca de riqueza, definida em termos monetários.
  2. Axioma da Decisão: O poder de decisão é diferenciado segundo a classe dos agentes. As decisões empresariais são as que regem a operação de uma economia monetária porque são os empresários que controlam o capital.
  3. Axioma da Inexistência da Pré-conciliação: A instituição de pagamentos em moeda implica que a coordenação entre produção e consumo só se dá após a ocorrência da primeira. Assim, a coordenação pode não ocorrer. A possibilidade de falta de coordenação é agravada porque a moeda não é apenas um meio de pagamentos – é um ativo que pode ser retido pelos agentes econômicos, por vários motivos (especulação, incerteza etc.).
  4. Axioma da Irreversibilidade do Tempo e da Incerteza: O tempo em uma economia monetária é irreversível. Os capitalistas agem em função de expectativas formadas em um quadro de incerteza substantiva (não-ergódica), que não pode ser eliminada pelo acréscimo de informações. A frustração de expectativas reforça o axioma anterior. O tempo e a incerteza são especialmente relevantes para as atividades de investimento. Para restringir a incerteza, a economia capitalista desenvolve instituições e normas de comportamento empresariais. A preferência pela liquidez constitui um dos principais mecanismos utilizados pelos empresários para lidar, simultaneamente, com a irreversibilidade do tempo e com a incerteza.
  5. Axioma das Propriedades da Moeda: As funções cumpridas pela moeda, especialmente de servir de unidade de conta para a realização de contratos e de reserva de valor (via preferência pela liquidez), requerem que a moeda tenha elasticidades de produção e substituição nulas ou negligenciáveis.

Usando a caracterização de “programa de pesquisa” de Lakatos (1970)1, os axiomas anteriormente resumidos podem ser interpretados como o “núcleo central” do programa de pesquisa pós-keynesiano. O núcleo central neo-schumpeteriano compartilha diversos aspectos do núcleo pós-keynesiano, mas apresenta também diferenças importantes:

  1. Os axiomas 1 e 2 de Carvalho são plenamente compartilhados pelo programa neo-schumpeteriano.
  2. O enunciado geral dos axiomas 3 e 4 aplica-se ao programa neo-schumpeteriano. Em consequência, nos dois programas, não há no capitalismo tendência ao equilíbrio de pleno emprego – os desequilíbrios são inerentes ao capitalismo. Da mesma forma, os dois programas enfatizam a importância de comportamentos empresariais e instituições para lidar com a incerteza e a irreversibilidade do tempo. No entanto, a causalidade é distinta. Enquanto no programa pós-keynesiano enfatiza-se a moeda, no programa neo-schumpeteriano a ênfase recai sobre inovações. Em consequência, o cinturão protetor do primeiro programa tende a priorizar aspectos de demanda efetiva (monetária), a um nível alto de agregação2. Em contraste, o programa neo-schumpeteriano parte da diversidade dos agentes e utiliza categorias mesoeconômicas como o setor e o paradigma tecnológico para lidar com essa diversidade, visando a analisar as transformações na estrutura produtiva e institucional.
  3. O axioma 5 pertence apenas ao programa pós-keynesiano. No paradigma neoschumpeteriano, a moeda tem funções de meio de pagamento – não se exploram suas funções de unidade de conta para a realização de contratos nem seu papel como ativo (a preferência pela liquidez). Em consequência, a moeda não tem natureza temporal – o que é surpreendente em um programa de pesquisas que privilegia o tempo.

A principal conjectura teórica deste artigo é que as semelhanças entre os dois programas de pesquisa são substantivas e que as diferenças  são reconciliáveis3.

Nada impede, do ponto de vista teórico, que o programa pós-keynesiano incorpore o tratamento sistemático da inovação. Em seu Treatise on Money (1930), escrevendo sobre as flutuações da taxa de investimento, Keynes comentava que “Professor Schumpeter’s explanations of the major movements may be unreservedly accepted” (p.96). É instigante que, 50 anos depois, Joan Robinson comentasse: “A influência das mudanças na tecnologia sobre a demanda por mão-de-obra, sobre a acumulação e sobre a demanda efetiva tem sido muito pouco discutida. Este é um sério defeito do nosso aparato teórico, pois a evolução da tecnologia é o mais importante de todos os aspectos do desenvolvimento capitalista”4.

Analisando as contribuições de Keynes e Schumpeter, Vercelli (1991) argumenta que “an attempt at synthesis is urgently needed if we want to overcome the limitations of both theories” (p. 210). Analisando o papel da moeda nos dois autores, Vercelli reconhece as substanciais diferenças no seu tratamento, mas conclui que “the two approaches are complementary in their essential meaning, though not in language and detail. In both cases the basic role of money is seen as that of giving the economic system a certain degree of strucutural instability which facilitates discontinuous structural changes. Those examined by Schumpeter are mainly physiological in the sense they make possible the survival and expansion of the capitalist system; those examined by Keynes are mainly pathological  in the sense they obstruct the performance of an individualistic economic order” (ibid.)

Examinando as relações entre ordem e mudança no sistema capitalista, Dosi e Orsenigo (1988) dão um passo adiante na proposta de complementaridade entre os dois programas de pesquisa, ao sugerir que “what underlies the ‘Keynesian machine’ linking investment, effective demand and income growth are micro (evolutionary) processes, which in turn  are shaped and constrained by the specific characteristics of technologies and institutions” (p.29). Esta sugestão abre uma riquíssima linha de pesquisa, até agora inexplorada (pelo menos ao nível de conhecimento do autor).

As propostas aqui apresentadas partem da constatação de que os núcleos centrais dos dois programas de pesquisa compartilham aspectos importantes em termos de visão da dinâmica capitalista, à semelhança dos autores citados anteriormente. No entanto, elas fazem o caminho inverso ao proposto por Dosi e Orsenigo, pois propõem a incorporação da moeda como unidade de conta e como ativo determinante dos investimentos ao programa neo-schumpeteriano. As seções seguintes apontam a conveniência e a viabilidade desse último passo, tratando, especificamente, do investimento em tecnologia. Seguindo a démarche evolucionista, parte-se do micro para o mesoeconômico e, a seguir, para o macro.

A incorporação da inovação no programa pós-keynesiano e a inclusão da moeda no programa neo-schumpeteriano não levam, necessariamente à síntese demandada por Vercelli. Pelo menos a curto prazo,  correspondem mais a um movimento de fertilização cruzada entre os dois programas de pesquisa, não implicando desaparecimento das especificidades de cada programa, que seguiriam retendo seus focos prioritários e os seus respectivos núcleos centrais. No entanto, permitiriam que os dois programas de pesquisa ampliassem o seu cinturão protetor, aumentando a gama de fenômenos que conseguem tratar, provando ser “programas progressivos”.

3. O investimento em tecnologia em uma Economia Monetária: um enfoque microeconômico

Conforme apontado anteriormente, em uma economia monetária, a moeda é um objeto de retenção. Ou seja, mesmo em uma economia muito simples, os investidores podem sempre escolher entre moeda e outro tipo de ativo – estão sempre em face de um portfólio de investimentos. Em sistemas econômicos complexos, o portfólio de investimentos é correspondentemente diversificado.

O primeiro passo em uma análise de portfólio consiste na identificação das características das várias alternativas de investimento, tais como:

  • Taxa de retorno esperado e sua variabilidade.
  • Taxa de retorno mínima (hurdle rate) para diversos tipos de investimentos.
  • Condições de apropriação de resultados.
  • Incerteza, distinguindo entre as fontes de incerteza: técnica, econômica, financeira.
  • Escala mínima de gastos.
  • Fontes e condições de financiamento – possibilidades de estratégias cooperativas.
  • Timing dos fluxos de gastos e receitas – o que implica considerar as possibilidades de realizar gastos de forma sequencial (com efeitos de aprendizado) e em níveis crescentes, visando a reduzir a incerteza e a irreversibilidade. Do lado das receitas, implica a consideração das estratégias de concorrentes efetivos e potenciais e das consequências de entrada diferida no tempo em dados mercados (p.ex., estratégias de líder vs. seguidor).
  • Liquidez e especificidade dos ativos, que estão relacionados à irreversibilidade e histerese do investimento.

A lista acima, de natureza puramente indicativa, registra várias características do investimento em tecnologia destacadas pelos autores neo-schumpeterianos (p.ex. Dosi, 1988). As mesmas características são enfatizadas pela literatura moderna de finanças (p.ex. Dixit e Pyndick, 1994). Em um nível mais alto de abstração, há forte convergência entre as duas literaturas no sentido de ver a firma como um conjunto de ativos, estruturado por rotinas, que origina um conjunto de opções de escolhas estratégicas (veja-se Teece e Pisano, 1994, para a perspectiva neo-schumpeteriana; Bowman e Hurry, 1993, para uma análise financeira).

Duas implicações podem ser derivadas da análise anterior para o estudo de sistemas de inovação:

  • Em primeiro lugar, pode-se pensar na construção de um portfólio específico de investimentos em tecnologia, baseado na diferenciação das características dos diversos tipos de investimento nessa área – p.ex., investimentos destinados a melhorias de qualidade e produtividade são distintos de investimentos em P&D em termos de incertezas, timing e imobilização, demandando estruturas de financiamento (fontes e condições) distintas. Este portfólio e, mais especificamente, as prioridades atribuídas pelas empresas às diversas alternativas podem constituir uma forma mais precisa que a habitual, de caracterizar as estratégias tecnológicas das firmas. A etapa seguinte seria identificar a prevalência regional e setorial dessas estratégias, de forma a caracterizar sistemas setoriais e regionais de inovação. O mesmo procedimento poderia ser adotado no nível nacional. A mesma sistemática pode ser seguida para lidar com problemas de diferenciação de estratégias tecnológicas de acordo com outras variáveis, como o tamanho e a origem da propriedade da firma, diferenças frequentemente apontadas pela literatura neo-schumpeteriana. Finalmente, esse tipo de procedimento parece bastante adequado para comparações internacionais, p.ex., no âmbito dos países do Mercosul.
  • Em segundo lugar, a abordagem anterior situa os investimentos em tecnologia no seu devido contexto, setorial, regional e nacional. Na perspectiva aqui proposta, os investimentos em tecnologia constituem parte de um portfólio mais amplo, sendo importante estudar suas relações – positivas e negativas – com as demais alternativas de investimento. Analogamente ao proposto acima, este tipo de estudo pode ser feito em bases setoriais, regionais e nacionais ou agregando as empresas segundo critérios de tamanho e propriedade. Prestase, igualmente, a comparações internacionais.

Por exemplo: é conveniente, em economias crescentemente monetárias do ponto de vista financeiro, saber se o aumento de rentabilidade de aplicações em títulos implica redução dos investimentos em tecnologia (diferenciando os vários tipos de investimento em tecnologia, conforme sugerido anteriormente) ou se os investimentos em tecnologia são independentes do resto do portfólio, obedecendo a rotinas do tipo “investimos em P&D x% do faturamento”. Neste último caso, seria conveniente saber se a independência aplica-se a gastos incrementais ou se vale também para expansões substanciais do investimento em tecnologia. Parece provável que o cálculo de portfólio aplique-se a estes últimos casos. Ou seja, é possível que a visão de portfolio seja mais pertinente a situações de empresas com pouca tradição em investimento em tecnologia do que a empresas em que esse investimento foi rotinizado. É possível ainda que a firma siga um padrão “piso” e “teto” para seus investimentos em tecnologia, em que existe um investimento mínimo que tem de realizar para permanecer no mercado (o “piso”) e que tenha um “teto” para esses  investimentos. Esse teto pode ter determinantes econômicos (p.ex. o tamanho da firma) e financeiros – como as alternativas de investimento. Nesse padrão, o piso seria independente das alternativas de investimento, mas o teto seria afetado por essas alternativas. Seguindo essa linha de conjecturas, pode-se hipotetizar que, em sociedades em que as empresas têm pouca tradição de investimento em tecnologia e estes investimentos estão próximos ao piso, as alternativas financeiras têm influência maior. Se estas alternativas são muito atraentes, o nível de investimento em tecnologia permanecerá baixo, constituindo um exemplo canônico de afastamento entre a racionalidade privada e a social5.

Os exemplos podem ser multiplicados. Parece importante estudar como se articulam investimentos em capacidade produtiva com vários tipos de investimento em tecnologia. No entanto, para o propósito de justificar uma abordagem do investimento em tecnologia que o considere como parte de um portfólio, os exemplos já elencados talvez sejam suficientes.

Uma propriedade dos estudos aqui propostos é a possibilidade de tratá-los quantitativamente, através de modelos, conferindo maior precisão e legitimidade (pelo menos acadêmica) aos seus resultados.

4. Os determinantes estruturais do Portfólio

O conceito de sistema de inovação apoia-se em relações estruturais – notadamente entre a estrutura produtiva e a estrutura institucional. A perspectiva proposta adiciona alguns elementos a esse quadro estrutural, a partir do questionamento dos parâmetros de determinação do portfólio.

Parte destes parâmetros já é tratada pela literatura neo-schumpeteriana, especialmente os parâmetros derivados dos distintos paradigmas tecnológicos e aqueles de natureza setorial que servem para caracterizar a necessidade de recursos para os investimentos em tecnologia (p.ex., definindo as escalas mínimas de P&D em certos setores ou o grau de incerteza associado a certos paradigmas). A perspectiva monetária aqui proposta enfoca outros determinantes, abaixo discutidos:

  • O sistema de preços, notadamente sua estabilidade e a credibilidade que os agentes depositam nesta. Este é um determinante fundamental do horizonte de tempo e da incerteza dos investimentos, enfatizado pela moderna literatura sobre investimentos (Dixit e Pyndick, 1994). Conforme apontam Fanelli e Frenkel (1996), ambientes de inflação alta e crônica, como os que prevaleceram até recentemente na Argentina e Brasil, produzem uma seleção de comportamentos microeconômicos específicos, orientados para o curto prazo e aplicações de alta liquidez. Pode-se conjecturar que a concentração de investimentos em tecnologia em atividades como melhorias de qualidade tenha o mesmo determinante. A pesquisa sobre os efeitos dos planos de estabilização nos dois países sobre o portfólio de investimentos, especialmente sobre o papel ocupado neste por investimentos em tecnologia de maior prazo de maturação, é obviamente oportuna.
  • O regime monetário, definido como o conjunto de regras institucionais e práticas das autoridades monetárias que presidem a criação de moeda e quase-moeda.
  • A completude e procedimentos (taxas, prazos, garantias, reciprocidades) dos mercados de crédito e capitais, especialmente no que diz respeito ao financiamento de investimentos e à oferta de aplicações alternativas. Uma das características do sistema de crédito e capitais em países latino-americanos é a falta de mecanismos que forneçam recursos às empresas para investimento em tecnologia. Mesmo onde existem instituições voltadas para esse fim, seus procedimentos operacionais são frequentemente inadequados a programas de prazo mais longo e dotados de maior grau de incerteza.
  • O regime de regulação dos mercados de crédito e capitais, ou seja, o conjunto de regras e práticas institucionais das autoridades governamentais, especialmente no que toca os investimentos. O regime de regulação direciona a oferta de crédito e capital para determinados tipos de aplicações, cuja estrutura pode ser mais ou menos favorável ao investimento em tecnologia.
  • O regime fiscal atinente aos investimentos (p.ex. as normas referentes à depreciação, deduções e incentivos fiscais), que pode estimular ou não os investimentos em tecnologia em confronto com outras aplicações.

Os dois primeiros parâmetros são atinentes principalmente ao exame de sistemas nacionais de inovação. No entanto, em países como o Brasil e a Argentina, em que há longa tradição de políticas setoriais e regionais e os mercados de crédito e capitais são incompletos e não têm abrangência nacional, os três últimos parâmetros devem ser considerados na  pesquisa de sistemas de inovação setorial e regional, bem como nos estudos que recortam o universo de empresas por tamanho e propriedade.

Entre os parâmetros anteriormente destacados, a literatura neo-schumpeteriana tem enfocado principalmente os atinentes ao crédito – o que é consistente com a importância atribuída por Schumpeter a esse fator na dinâmica do capitalismo6. No entanto, essas análises estão dirigidas a aspectos diferentes dos anteriormente salientados. Assim, enquanto o foco da abordagem aqui proposta é o da seleção de investimentos, análises como as de Dosi (1990) postulam que “the question of the influence of financial structures on innovation and industrial dynamics turns out to concern the influence that financial structures exert on the rates and modes at which firms learn and the rates and criteria on which particular environments select among firms and among technologies” (p.309). Da mesma forma, no capítulo do livro, já clássico, de Lundvall (1992), dedicado ao papel do financiamento nos sistemas nacionais de inovação, Christensen (1992) concentra-se no problema de como “different institutional set-ups of financial systems will support or limit the development of  relations between the lender and the borrower” (p.147).

O comentário anterior não é detrimental dos elucidativos resultados obtidos por esses autores, notadamente a discussão de que arranjos institucionais do sistema financeiros fomentam a inovação7, que são de grande utilidade no exame de sistemas de inovação,  mas visa, apenas, a sublinhar as diferenças de tratamento e a complementaridade de resultados.

Existe, porém, na literatura neo-schumpeteriana uma flagrante omissão quanto aos dois primeiros determinantes acima citados (a estabilidade e credibilidade do sistema de preços e o regime monetário)8, devido, provavelmente, à omissão da natureza temporal da moeda, já comentada. Embora atribua-se ao sistema de preços papel de destaque entre os mecanismos de seleção, sua estabilidade e confiabilidade não são questionadas, nem, portanto, os efeitos que esses atributos podem ter sobre o sistema de inovações.

Alguns desses efeitos foram anteriormente sugeridos, cuja relevância para o estudo de sistemas de inovação em países como o Brasil e Argentina parece ser alta. Aqui, pretende-se enfatizar que essa omissão não é acidental nem deriva de fatores históricos, como o fato de a maioria dos autores desta corrente não ter vivido experiências de economias de alta e crônica inflação. A conjectura aqui proposta é que esta omissão é inerente à natureza da moeda no programa de pesquisas neo-schumpeteriano. Conforme sugerido na parte inicial desse trabalho, é possível que essa lacuna possa ser sanada pela incorporação dos atributos de unidade de contratos e reserva de valor da moeda ao núcleo central do programa neo-schumpeteriano. Espera-se que os argumentos expostos nesta seção e  na precedente confiram maior credibilidade a essa proposta.

5. O Estudo de Sistemas de Inovação

A ideia de um sistema de inovações tem grande apelo intuitivo, ao refletir a percepção de que existem múltiplos determinantes, inter-relacionados, da inovação. Como se sabe, o tratamento científico dessa ideia vem lutando com vários problemas de identificação. De um lado, alargou-se o campo das inovações que se busca explicar. Começou-se com tecnologia, rapidamente agregou-se à organização da empresa e agora abarca todo tipo de “inovação institucional”. A amplitude do conceito de instituição, mesmo na literatura sociológica, e a inclusão do “aprendizado” como objeto de estudo aumentaram ainda mais a abrangência do “sistema de inovações”. Em consequência, a demarcação do sistema de inovações – seus componentes e relações – varia consideravelmente9. Finalmente, a noção de sistema requer, para ser operacional, o estabelecimento de uma hierarquia entre os componentes do sistema – doutra forma  nada explica o que se passa pois tudo é relevante.  Tampouco essa hierarquia está caracterizada. É possível que, uma “teoria geral do sistema de inovações” simplesmente não seja factível, pelo saber enciclopédico que demanda. O conhecido conto de Borges sobre o mapa do Império talvez sirva de advertência.

A solução encontrada por vários pesquisadores, canônica do ponto de vista científico, é a de circunscrever o objeto de pesquisa. Um caminho adotado é o da limitação espacial – do sistema nacional aos sistemas regionais. Outro é o das atividades econômicas – os sistemas setoriais. Um terceiro caminho faz a limitação definindo a priori os componentes do sistema, a exemplo dos trabalhos liderados por Nelson (1992). Este artigo segue um outro procedimento, tomando um foco temático – o investimento em tecnologia pela empresa e construindo o sistema de inovações por meio dos determinantes dessa decisão.

Todos esses caminhos estão coalhados de trade-offs. Ganha-se algo com o foco mais apurado, mas as outras dimensões, ignoradas pelo foco, fazem-se presentes. Estudos setoriais e regionais fazem menção, inevitavelmente, a dimensões nacionais e estudos nacionais ao plano internacional. A abordagem aqui seguida não constitui exceção – a título de exemplo, pode-se mencionar que o nível de desenvolvimento do sistema científico e tecnológico afeta  os custos e incertezas do investimento em tecnologia. Da mesma forma, nas seções anteriores argumentou-se que alguns dos determinantes do investimento em tecnologia prestam-se a um tratamento setorial ou regional e outros são melhor tratados em nível nacional. A força intuitiva da idéia de sistema de inovações não é acidental – ela deriva da existência de complexas inter-relações entre todos esses níveis.

O que pode ser visto como um problema insolúvel – o do sistema de inovações – talvez possa ser mais bem entendido como uma recomendação de humildade, paciência e pertinácia, virtudes mais científicas que teologais. Através de abordagens parciais, reconhecidas como tais, talvez se possa, ao cabo de muitos estudos empíricos e de muita pesquisa teórica, chegar a um melhor entendimento de como essas várias dimensões do sistema de inovações se articulam.

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The Brazilian development in the nineties – myths, circles, and structures

Fabio S. Erber, Nova Economia, Belo Horizonte 12 (1), pp.11-37, janeiro-junho de 2002

O artigo argumenta que as teorias de desenvolvimento econômico são metáforas que têm um forte conteúdo mítico, embora este não seja normalmente reconhecido. As políticas que derivam destas teorias têm duas agendas: uma agenda “positiva”, que especifica quais problemas são relevantes e as formas aceitáveis de resolvê-los; e uma agenda “negativa”, que contém as questões e políticas que devem ser evitadas. Esta abordagem é usada para interpretar a visão hegemônica do desenvolvimento, tal como explicitada no Consenso de Washington, mostrando que esta visão contém todos os ingredientes de um mito milenarista – o da travessia do Deserto rumo à Terra Prometida. Analisa a seguir a aplicação das duas agendas desta visão de desenvolvimento ao caso brasileiro durante a segunda metade dos anos noventa. Finalmente, o artigo discute visões alternativas de desenvolvimento, argumentando a favor de metáforas abertas, como o mito de Ulisses.

Comme la tête tranchée d ́Orphée,
la mythologie continue à chanter,
même aprés l’heure de sa mort,
même à travers l’éloignement.
1

1. Introduction

Over the past years, watching the Brazilian policy-makers stick to their course in spite of all warnings about the high risks entailed by the strategy they were following, I was often reminded of Polonius’ remark about Hamlet: “if this madness be, there is method in it”. This essay is about the “method” – their view of development. The strategy is a consequence of such a view. Quite obviously, the view of development provides only a partial explanation of the strategy; other important factors, such as economic and political interests, play important roles in the definition of a development strategy.  Nonetheless, such other factors are not discussed below, except in terms of the roles economic actors are supposed to play in the strategy.

Development strategies are derived from “problem-setting” metaphors. Such metaphors lead to a “positive” agenda – problems which must be tackled – and a “negative” agenda – issues which must be avoided.

For reasons that are explained at some length below, I believe the strategy followed in Brazil – as well as in most developing countries – has strong mythical contents which the article tries to bring to the fore. Such contents help to explain the “positive” and “negative” agendas of the strategy, and thereby why the strategy has failed to achieve some of its most important objectives. Moreover, they help to explain the rigid adherence of policy-makers to a prescribed path.

Analytically, my hopes are that, by focusing on that hidden aspect of development, I am contributing to a multi-disciplinary debate which may lead to the creation of “cognitive metaphors” – metaphors which may “enable us to see aspects of reality that the metaphor’s production helps to constitute” (Black 1993, p. 38).

In the following section, I briefly describe the conditions of the Brazilian society at the end of the  eighties, which made it ripe for radical changes but, at the same time, posed a great uncertainty about the course to be followed.

Section 3 presents, first, a digression on problem setting and the role of myths in dealing with uncertainty faced at times of deep changes, and then it argues that the development strategy which was (and still is) hegemonic in Brazil has the same structure, the same view of the process of change and the same approach to history as the myth of “crossing the desert”. As a myth, it claims to be the result of a “universal convergence” of scientists and it holds a very restricted view of the “world” that has to be changed, which is limited to the institutional structure. It has its doctrine and initiates. In short, it is a closed-end metaphor.

Section 4 presents the “positive” agenda of the Brazilian policy-makers – its scope (institutional reform), actors and the three virtuous circles which were envisaged to produce growth. The evidence presented argues that although some of the envisaged results did come true, the virtuous circles turned into vicious circles.

Section 5 is an analysis of silence – the issues policy-makers refused to confront (their “negative” agenda) and of some implications of such agenda. The poor record of the strategy can be also ascribed to the “negative” agenda – especially its denials of the role played by the productive structure in the process of development and the role played by the state in changing the productive structure.

In the last section, I briefly review the debate about the reversibility of the reforms, but its gist lies in the argument that, contrary to what is currently stated, there are alternative views of development, such as the evolutionary approach, which sees development arising from the coevolution of productive and institutional structures. Such approach embodies uncertainty and history but, most importantly, it stresses theoretical humility, flexibility, and innovation. Therefore, it requires open-ended metaphors, which are not provided by cosmological myths such as the myth of crossing the desert.

2. A time of darkness

At the end of the eighties, Brazil was ripe for important changes. The long process of restoring democracy was ending: a new constitution was voted in 1988 and the first direct election for president since 1960 was scheduled for the end of 1989. But, defeating many hopes, democracy did not bring along economic prosperity. Quite the contrary, the economy was plagued by slow growth and inflation. The latter had been carried from “high and chronic” levels to the brink of hyperinflation, where indexing mechanisms played perverse roles. The short and sharp cycles of economic activity during the eighties –coupled with the incapacity of the governments (authoritarian and democratic) to kill the “dragon of inflation”2 and to negotiate the external debt – led to a deep disillusionment with the pattern of development which prevailed since the thirties, in which the state played a leading role (Castro, 1993).

The debacle of the Plano Cruzado at the end of 1986 (a “Plan which must succeed” and which promised an easy way out of inflation and the quick resumption of growth) was probably a watershed in the perception of agents about the possibilities of development of Brazil. It was no longer possible to sustain the idea that development was Brazil’s manifest destiny3 and the “convention of growth” which had ruled the country through military and democratic regimes (Castro, 1993) came asunder. It is significant that, in the 1989 election, there were no leading candidates upholding the previous pattern of development – and much less so the outgoing government.

International conditions favored drastic changes, too. The criticism of the import-substitution industrialization, which had mounted during the seventies (e. g. Krueger, 1974), coalesced with the reform wave of the Thatcher/Reagan period and became a blueprint for stabilization and growth of developing countries – the “Washington Consensus” (Williamson, 1990), to which we return in the next section. Such recommendations came at a time in which the capitalist world economy showed increased vigor in terms of trade, investment, and technological development, increasing the legitimacy of such recommendations.

3. Where do we go to? To cross the desert

The electoral campaign of 1989 showed that there was a consensus that deep changes were necessary in Brazil, but it also showed that the options presented by the two leading contestants were far from clear (Conti, 1999). Uncertainty was the hallmark of the period.

Economists of Keynesian and evolutionary persuasions have long argued that uncertainty is not synonymous with incomplete information, that economic agents breach the gulf of substantive uncertainty by recourse to institutions, conventions, and emotions, such as Keynes’s “animal spirits” and Schumpeter’s “entrepreneurship”.

Part of the conventions which help social actors to deal with uncertainty are “stories” told about change – of how change is necessary and, especially feasible, even under difficult circumstances. In fact, in his analysis of metaphors, Johnson (1987) argued that moving from one point to the other along a “path” is one of the basic image schemata we use. Coupled to the “scale” schemata which organizes our experience of “more” and “different” (ibid), the “path” schemata provides a basic experience of development. But to serve as guidelines for action in complex situations, such a schemata must be organized and enriched by more complex metaphors.

As pointed out by Schön (1993), we think about social problems “in terms of certain pervasive, tacit generative metaphors” (p. 139, emphasis added), which are used for problem-setting, “to describe what is wrong with the present situation in such a way as to set the direction for its future transformation” (p. 147).

Some of such tacit and pervasive metaphors are provided by myths. The function of the myth is to reveal models, reducing uncertainty (Eliade, 1963). “Myths guarantee to Man that what he is preparing to do was previously done, they help him to chase the doubts he could hold about the result of his enterprise”(Ibid, p. 173, his emphasis, my translation). Although they may have lost their sacred meaning, some myths are metaphors which are widely shared in a society – they provide “stories” about change that everybody knows.

Consider, for instance, the millenialist myth we all know. A People is immersed in sin and it is leading a miserable life under the rule of the Daemon. A courageous Leader guided by the Doctrine given by a Deity comes, and with the help of a devoted band of early followers, defeats the Daemon and leads the People to a Promised Land. However, before reaching this wondrous place, they must surmount many obstacles. Some of the obstacles are external (e. g. a desert), others are internal (doubts). Doubters must be convinced to continue by the combination of menaces and promises. Many of the persons who started the journey will not end it: either because of weakness or because they have backtracked and became allies of the Daemon. The latter must be eliminated ruthlessly. Faith and Perseverance are essential. Finally, the People reach the Promised Land. History – and the story – end here.

A characteristic of myths is that they have many variations.4 Readers of a Judeo-Christian culture will probably have recognized the story as that presented in the Exodus chapter of the Bible. However, Romans acquainted with Virgil could have recognized in the story several elements of the Aeneid. More modern versions of this myth can be found in some Marxist-Leninist visions of history: Try replacing the People by the Proletariat, the Leader by the Party, the Daemon by Capitalists and the Promised Land by Communism. As for individuals, all initiation rites (from those performed in Amerindian cultures to those necessary to be admitted to academic or esoteric communities) share some of the structural features of this myth (Johnson’s schemata): the path from a “bad” to a “good” situation is fraught with sacrifices and helped by a superior force.

A myth is no ordinary story – ancient people distinguished between “myths” (true stories) and  “fables” (false stories) (Eliade, 1963). To be a “true” story, it had to be told by someone holding special powers, a priest or a chaman. Nowadays, such sacred role is performed by scientists. If a version of the myth is presented under scientific language the original sacredness of the myth is restored5 and its power reinforced. An integral part of a mythical thinking is the initiates’ belief that they hold the Truth. Skeptics, who point out that the myth may reveal only part of reality, are not tolerated. At best, they are misguided and must be enlightened, but if they persist in their doubts, this is a clear sign of being allies of the Daemon.

By the end of the eighties the Washington Consensus presented all elements needed for a modern generative millenialist metaphor. To societies plagued by slow growth and high inflation, the  Washington Consensus identified the Daemon, the cause of their afflictions: the State. The State suffocated the market through protection, regulation, public property, fiscal profligacy and an ever-increasing and self-serving bureaucracy. Misallocation of resources, slow productivity growth, consumer’s damnation through high prices and poor quality products and services were the results.

The path to a new society was provided by institutional reform. Such reform, to be effective, had to  be pervasive. As examined in detail by Eliade (1963), cosmological myths hold that the New World cannot come into being unless the Old World has been destroyed. For the Washington Consensus, the “world” is equated to institutions, reversing the “old” emphasis on productive structure posed by ECLA and other developmentalists. If the latter, by and large, ignored institutions, the reformers of the Consensus dealt with institutions only – the blindness of one is the vision of the other. Therefore, not only the “world” must be renewed, but the whole concept of what is the “world” is changed.

Refraining to call such sweeping reforms a “revolution” is probably a result of the socialist overtone  the latter concept acquired. Nonetheless, the term adopted, “structural reforms”, has a deep resonance in Latin America, where during the sixties it was a rallying cry for change and development. It is true that, in the past, “structural reform” was a banner of the left, and now it had changed hands, but such rhetorical appropriations are not uncommon.

Although the sequencing of the reforms admitted variations, at the end of the path would lie a  society ruled by efficiency and merit. As all national societies followed the prescribed path and became market-driven and democratic, history would come to an end. If duly propitiated, foreign capital and international institutions would be the presiding angels which would help underdeveloped societies to reach the desired goal, bringing guidance and manna – finance and technology.

Several rhetorical elements reinforced the story told by the Consensus. First, its claim to scientism. As it is well known, the Consensus is based on a theoretical tripod: conventional neo-classical economics, public choice theory, and the new institutional economics. The latter two may be viewed as resulting from the “invasion” of political science and sociology by neo-classical economics assumptions such as methodological individualism. Reviewing the Consensus at the beginning of the nineties, its godfather argued that “most of the universal convergence… is drawn from that body of robust empirical generalizations that form the core of economics” (Williamson, 1993, p. 1333). To conclude, he states “I regard [the Washington Consensus] as an attempt to summarize the common core of wisdom embraced by all serious economists” (ibid, p. 1334). In other words, there is one and only one Doctrine and those who disagree are apostates (or cranks).

Second, its claim to universality. As shown by the first quote above, by the early nineties the Washington Consensus – thus baptized because it reflected a list of “economic reforms that were being urged on Latin American countries by the powers-that-be in Washington” (as explained by Williamson himself – ibid, p. 1329) – had become a “universal convergence”.6 The downfall of socialist regimes, and consequently of the socialist myth as a competitor to the Consensus, strengthened this claim further. The Hegelian view of history provided by Fukuyama (1989), whereby countries which combined political democracy and market-led economies had completed their trajectory, reaching a “post-historical” condition, provided a powerful metaphor for the claim to universality. Opposition to “universal trends” is both illegitimate and inefficient.

Last but not least, doubts about the persistence and relevance of mythical rhetoric can perhaps be dispelled by noting the emphasis of reformists on the “fundamentals” of the economy7 and recalling that the Washington Consensus is presented as a Decalogue (Williamson, 1990 and 1993).

It is true that the magic of the Consensus was short-lived, at least in Washington: by the end of the decade it was disowned by its institutional parents – its policies were dubbed “hardly complete and often misleading” by no less than the Senior Vice-President and Chief Economist of the World Bank (Stiglitz, 1998, p. 1).

Nonetheless, the Consensus marches on, with variations. Stiglitz has left the Bank and the latter’s bureaucracy now speaks of “second generation” reforms, i. e. the Consensus was correct but  incomplete. Although there are alternative views of development, such as provided by the evolutionary research program, which regards development as resulting from the coevolution of institutional and productive structures, they have not reached policy-making echelons.8 Moreover, there is no sign of recanting in the Brazilian policy-making team. Ideas sometimes take a long time to cross the Equator line.

4. Uses of the myth: the positive agenda – virtuous and vicious circles

Few politicians in the Brazilian history have presented such messianic traits to the public as Fernando Collor, the winner of the 1989 election. Not with standing the fact that he had run a millionaire campaign and been favored by the media and bourgeoisie, probably his victory was also the result that the electorate fell less insecure with a white,  handsome, educated, rich, and very determinate candidate than with a former worker – a testimony to the uncertainty previously mentioned and to the importance of the mythical Leader.9

Collor set the country along the reform path predicated by the Washington Consensus. Although he had to resign the Presidency in 1992 following corruption charges, the path was trod on by his  successors – Collor’s Vice-President, Itamar Franco and the latter’s Finance Minister, Fernando Henrique Cardoso, who was elected in 1994 and reelected in 1998. It is on the latter’s development strategy that we concentrate on.

The Consensus, as a truly generative metaphor, sets a “positive agenda”, the issues to which policy should be addressed to, and a “negative agenda”, the issues which should be avoided. Such agendas were wholeheartedly embraced by Cardoso’s policy-makers. In this section, we analyze the positive agenda and in the next section, the negative agenda.

The positive agenda was ambitious. Its foremost objective was to defeat the inflation dragon and then to keep it under control. The stabilization plan10 was based on fiscal measures to bring public deficit under control and on an ingenuous monetary reform, which first introduced an account currency to align prices and then transformed this currency into money proper. In subsequent stages, inflation was kept under control by a combination of foreign exchange and monetary anchors – an overvalued exchange rate (superimposed on import liberalization) and very high interest rates. Introduced in 1993, when Cardoso was the Finance Minister, the successful stabilization led to his subsequent election (1994) and reelection (1998) as President, indicating the degree to which the population abhorred the dragon.11

Nonetheless, the positive agenda did not stop at price stabilization. It aimed also at growth, by laying down “sound macroeconomic fundamentals” and establishing three virtuous circles of higher investment, higher productivity, and higher growth, described below. Moreover, at a deeper level, policy-makers intended to transform what was seen as an “organic” (corporative) fabric of relationships into a more individualistic society – a truly liberal intention.12

In practical terms, this has been equated to establishing market-friendly institutions, following the Consensus Decalogue – e. g. by privatizing state-owned enterprises and setting up sectoral regulatory agencies; eliminating differences between local and foreign-owned enterprises; eliminating price controls by the state and establishing a regulatory system to avoid market power misuse; liberalizing foreign trade and investment; establishing a new legislation for intellectual property which strengthens the rights of innovators;13 liberalizing labor legislation and fostering regional  Integration under the MERCOSUR.

Three entwined virtuous circles would arise from such reforms, leading to higher investment and growth.14 The first and most important circle was related to globalization (defined as trade and investment growth above production growth and elimination of distinctions between foreign and national capitals). Trade and foreign direct investment (FDI) would introduce competitive pressure into the erstwhile protected markets and bring in more modern machinery and inputs, increasing productivity. Trade and FDI are closely related: FDI requires freedom to import but it has, at the same time, a greater propensity to export. In the long run, such investment would lead to increases in productivity and hence to greater exports. It did not matter that a considerable part of FDI was  directed to purchasing local (private and state-owned) firms, since this was a prelude to increases in productivity and greater exports. Therefore, the large deficit in the transactions account of the balance of payments was a temporary phenomenon as was the reliance on short-term international finance to fill in the foreign exchange gap. By the same token, the very high interest rates required to attract financial capital would be short-lived. Moreover, financial liberalization would allow firms to access cheaper international sources, reducing the impact of the high internal interest rates. The first virtuous circle and, in fact, the whole strategy were predicated upon the availability of cheap, long-term foreign finance.

The second circle was related to stability: the end of inflation had brought about a positive income redistribution, favoring those which had suffered most under the dragon’s flames and thus increasing the internal market. At the same time, stability allowed for longer time frame, so that the entrepreneurs would be stimulated to invest and consumers to buy, fuelling the market.

Trade liberalization would further stability by acting as a brake on price domestic producers. Privatization and deregulation would coalesce with imports and FDI to increase competition. Wider markets, positive expectations, and greater competition would lead to new investment and trade liberalization would allow imports of new vintages of machinery and inputs and therefore to increased productivity, exports and growth. Fiscal reform would support a decline in interest rates and more “flexible” labor legislation would reduce costs and increase international competitiveness. The adoption of an over-valued exchange rate strengthened the mechanisms of the two circles, linking further the stabilization and growth components of the strategy.

Finally, ancillary to the two previously described circles, regional integration would increase trade and FDI and, at the same time, widen the national market.

From such virtuous circles, different roles for social actors are derived – as in Orwell’s farm, some are more equal than others and the former lead the process. In the virtuous circles, the state – shorn of its enterprises and committed to fiscal equilibrium – moves to the backstage and foreign enterprises – acting as investors, traders, and financiers – play the leading roles. To such demiurges of development, all propitiatory incentives were given: from changing the Constitution to nominally equalize them with national enterprises to fiscal and credit incentives in order to attract them. National enterprises play the supporting roles – as one would expect from reading President Cardoso’s (1964, 1971) academic works.15 Difficult roles, it should be said, given the import liberalization, the overvalued exchange rate, and the very high internal interest rates, especially for those enterprises which had limited access to the international market. To the many who failed to cross the desert, social Darwinism was the answer.

Faith and Perseverance were not lacking among policy-makers: despite the Mexican, Asian and  Russian crises, they adhered to the prescribed path, with some detours such as shifting the weight on foreign actors from financial capital to direct investment. The most important change came in early 1999 in the wake of a foreign exchange crisis, when policy-makers (after using up a considerable part of foreign exchange reserves) were obliged to overhaul the foreign exchange policy16 and adopted “inflation targeting”, under the “prudent supervision” of the International Monetary Fund. Although those are important tactical changes, the reform strategy is maintained. Therefore, it is worthwhile to briefly analyze the performance of the virtuous circles.17

Some expectations of the virtuous circles were fulfilled. First, inflation was kept under control: from a staggering 5,154% yearly rate in June 1994, just before the launching of last phase of the Real Plan, it declined to 1.7% in 1998. Although the drastic overhaul of the foreign exchange policy in the beginning of 1999 pushed the inflation rate up to 9%, this was much less than all analysts (including the government’s) had expected. Second, FDI did come in: from US$ 2 billion in 1994, it grew to about US$ 30 billion in 1999/2000. Third, productivity also increased – labor productivity in industry increased by close to 6% per year between 1991 and 1998.18 Fourth, with the end of inflation, urban labor real average earnings19 increased by 8.7% between 1994 and 1995, leading to a consumer expenditure boom.

Nonetheless, virtue was not duly rewarded. Gross Domestic Product growth rates changed from fair in 1994 (5.9%) to modest in 1995 (4.2%), mediocre in 1996 and 1997 (2.8% and 3.7%), and finally to nil (or close to) in 1998 and 1999 (0.8%). Investment measured at current prices was low in 1994 (20.8% of GDP) and declined to 19.1% in 1998. Unemployment rose to unprecedented levels,20 and informal employment now accounts for more than half of the total – features which partly explain increased productivity.

Labor earnings continued to grow up to 1997, albeit at a slower pace, but then declined in 1998 and 1999, when they stood at the same level as that of 1995. The combination of unemployment, reduced earnings, and tight and expensive credit led to a drop of consumer expenditures.21

Such poor performance can be ascribed to another circle – of vicious nature. The envisaged virtuous circles engendered a perverse progeny: vicious circles in which the stabilization anchors (over-valued exchange rate and high interest rates) led, on the one hand, to growing deficits in current transactions, increasing foreign capital requirements, and thus preventing any decline in interest rates. On the other hand, the latter led to low investment and unemployment as well as to growing fiscal deficits, which sustain high interest rates. In other words, the development strategy faces two entwined constraints: foreign exchange and fiscal restrictions.

It is worth showing a few figures to illustrate such constraints. Exports grew by 17% between 1994 and 1998, but imports soared ahead, increasing by 77% in the same period. As a consequence, the current account deficit was 4.5% of GDP in 1998.22 The high internal interest rates fuelled a drive to indebtedness abroad and the ratio of net debt/yearly exports grew from 3.5 in 1990 to 4.5 in 1999. Servicing this debt takes a toll – in 1999, payments for interest and amortization accounted for 71.5% of exports and were equivalent to more than double the entry of FDI (Kleber, 2000). In other words, the foreign front is structurally vulnerable – a point to which we will return in the next section.

Pushing interest rates to sky-high levels to attract foreign finance capital and keep inflation under control seriously damaged public accounts too. Although the government (all spheres) has managed to maintain a surplus on the primary account by cutting down expenses and increasing fiscal revenue by several ad-hoc measures, payment of interests has produced burgeoning deficits, which reached more than 10% of GDP in 1999. 23 By the end of that year, the net public debt was equivalent to 48% of GDP (Gazeta Mercantil, 24/1/2000). The poor quality of public services underlies such figures, which most deeply hurts the more underprivileged groups of society. Since Brazil presents one of the world’s most unequal income and wealth distribution, this means that it is the bulk of the population which bears the brunt.

The turn of the century was heralded as a new age. In fact, building upon idle capacity and lower interest rates – which enabled increases in the sales of durable consumer goods – and with foreign reserves bolstered by an IMF “package” during a period of relative calm in the international financial markets, GNP growth rate shot back to 4.2 % in 2000, inflation was kept within the targeted limits (6%), and open unemployment was slightly reduced – to 7.1%.  As a consequence of the reduction of interest rates, public deficit was cut down to 4.5% of GNP. Government officials, supported by a highly sympathetic media, boasted that a new growth cycle had started – the promised land was on sight.

By the second quarter of 2001, such optimism was substantially reduced. The Argentinean crisis led to another sharp devaluation of the real and the Central Bank inflected its previous policies of lowering interest rates, in order to keep inflation within its targeted limits. Moreover, the lack of investment in electric power generation and transmission, due to an ill-conceived privatization scheme, produced a severe rationing of energy. As a consequence, uncertainty has increased considerably and investment plans are being revised downwards. We are still plodding through the desert.

To conclude this section, let us consider an important part of the positive agenda which has remained largely unfulfilled – the reform of the state. The government has provided the economic team with a considerable degree of “bureaucratic insulation” and adopted several important measures as regards state intervention in the economy, such as the privatization of state-owned companies and the setting up of regulatory agencies, as previously mentioned.

Nonetheless, some of the most crucial state aspects in Brazil remain untouched. The Constitution of 1988 had still wet ink on its pages and fiscal experts all around the country proclaimed that its fiscal structure was unmanageable. Since then, projects of fiscal reform have piled up in Congress. It was supposed that a thorough fiscal reform would be one of the priorities of the government, since fiscal “soundness” is an acknowledged “fundamental”. This was not so! In spite of having an overwhelming majority in Congress, which has approved all major projects of the executive, the latter has shown no interest in presenting a coherent fiscal reform and the debate on the subject recently progressed only under IMF pressure. Other aspects of the state reform, such as electoral legislation, 24 distribution of power between the country’s states and even the administrative reform were also neglected.

It is probable that this important aspect of the reform’s positive agenda was curtailed by political realities: to reform the state in Brazil implies discussing the regional distribution of power, income and wealth, built along decades. The present government was elected by a coalition which brought together the President’s party, nominally a social-democrat party, and a conservative party which has been in power since decades, benefiting from all the advantages laid by the ancien régime. Although the latter has recently and vigorously adopted the liberal rhetoric, it is essentially a practitioner of the realpolitik with high stakes put on the status quo of the state. To breach the issues related to the state reform means opening a Pandora box or, more simply, a can of worms.

As evolutionary economists are fond of saying, “history matters”. After fifty years of deep involvement in direct promotion of the country’s development, it is not easy for the state to move backstage. As growth sputtered political pressures to step up, state intervention mounted. Throughout the Cardoso period, a conflict has divided the economic team, hinged upon the degree of state intervention which was necessary in industrial and trade policy (ITP). 25 

Since all members of the team are economists and many of them were previously academics, a substantial part of the debate was couched in terms of economic theory. 

The establishment and operation of the virtuous circles was fully entrusted to market mechanisms enhanced by the state reform. If ITP had a role, it would be found in the eventual failure of such mechanisms.

But the very abundance of market failures poses a strategic problem: by which failure should ITP begin. Welfare theory does not provide an answer to that question, since there is no a priori Paretian criterion to distinguish between two imperfect positions when there are several market failures and it is impossible to remove all failures simultaneously (Nath, 1969). External criteria deriving from other economic and political considerations must be introduced to select priorities, as Lall (1994) argued was done in Southeast Asia. 

Against this, the faction opposing any ITP has argued that market failures have to be balanced against failures introduced by the very action of the state. Unfortunately, once again, theory and empirical evidence prevent straightforward comparisons of cost and benefits of the two types of failures and we are driven back to other, “nonscientific” (i. e. not derived from neoclassical economics) criteria.

Lacking such criteria, industrial and trade policy was conducted on an ad-hoc manner, trying to solve specific problems afflicting some sectors or activities, especially exports. Such an outcome, which may be interpreted as a partial victory of interventionists (or a vindication of history), falls short of an ITP aiming at changing the productive structure of the country. Such a shortcoming can be partially ascribed to the negative agenda shared by all policy-makers – discussed in the next section.

5. Uses of the myth: the negative agenda – productive and regional structures

As remarked above, portraying the past as “evil” or “inefficient” is a common trait of cosmological myths. Franco, a learned economic historian, goes to the length of singling out the “lost” decade of the eighties, when import substitution was irrelevant, as the prime example of the slow productivity growth ascribed to the import substitution industrialization (Franco, 1998).

Denial extends to other structural components of the previous pattern of development. Thus “autonomy of decisions” looses any positive normative sense 26 and tends to become a clear sign of old/evil thinking. As I have argued in more detail elsewhere (Erber, 1999), this had deep consequences for activities which were linked to the autonomy objective but are also important to the transformation of the productive structure, such as scientific and technological activities. National enterprises and parts of the state bureaucracy were the greatest losers of this normative reversal.

If autonomy has become a bad word, “picking the winners” is even worse – something akin to praising pork among Moses followers. This has prevented industrial and trade policy from evolving from a set of ad-hoc interventions to a fully fledged ITP, in which it is recognized that sectors play different roles as regards economic and technological development and, therefore, as regards the international comparative advantages of the economy. Recognizing that potato and computer chips are not equivalent, the least a modern government of a developing country can do is to provide a “vision” of a desired  industrial and technological structure to be discussed with the private sector so as to orient investments.

No such vision can be found in Brazil. Given the role played by exports in the virtuous circles previously described, this omission is especially striking: since the eighties trade specialists have warned that Brazilian exports consisted mainly of products which tended to exhibit slow growth rates in the international market. Among such specialists, we find at least two above suspicion – Batista and Fritsch (1993) – who came to hold high posts in the Finance Ministry during Cardoso’s tenure – an indication that it is not lack of information coming from trustworthy sources which presides the silence around the productive structure.

Although Brazil is a “global trader”, in the sense that it exports to many countries, and close to 60% of its exports are manufactured products, 27 such products tend to be low-tech products, either resource – or scale-intensive commodities which grow slowly and are subject to cycles on which Brazil has no control (see Tables 1 and 2). 28 Those were the sectors established during the second half of the seventies, under the last stage of import substitution (II PND). 29 High-tech, science-intensive products, which are the fast-growth sectors in the international market, 30 account only for 11 and 7% of manufactured exports, respectively. More than a third (36%) of the high-tech and two thirds of the science-intensive exports are due to one firm only – Embraer, which produces airplanes. It is somewhat ironic that this success is to a large extent due to the heavy state investments the   ade in the enterprise during the import substitution, autonomy-seeking period, when the enterprise was state-owned.31

Table 1 – Structure of the Brazilian industrial production (Y); exports (X) and imports (M) according to technology level of products as a percentage of total value – 1989 and 1998

Source: Moreira (1999), elaborated by the author (see text).

Table 2 – Structure of the Brazilian industrial production (Y); exports (X) and imports (M)
according to factor intensity of products as a percentage of total value – 1989 and 1998

Source: Moreira (1999), elaborated by the author (see text).

 

Given such export structure, it is not surprising that the Brazilian exports increased by 4.6% per year during the period 1994/98, while international trade grew by 7.6% (Pinheiro et al., 1999) and that the Brazilian share of total world manufactured exports fell from 1.37% in 1980, when the projects of the II PND were coming on line, to 0.94% in 1997 (Lall, 1999). In 1999, the favorable export prospects, given by a sharp devaluation combined with a sluggish internal market, did not materialize: the quantum of manufactured exports remained stable and their value decreased by 7% (FUNCEX, 2000). Only in 2000, manufactured exports showed a better performance, surpassing the 1998 level by 10%, suggesting that it requires more than macroeconomic policies to fuel exports.

In contrast, imports are made up of medium and high-tech products, which increased their share of total manufactured imports along time (see Table 2), pointing to a structural trade balance deficit. In fact, over the period 1994/98, imports increased by 77%, as compared with an export growth of 17% only (Pinheiro et al., 1999). In the latter year, the trade deficit of electronics products accounted for 88% of the total trade deficit (ibid and Melo and Gutierrez, 1999). As expected, the 1999 devaluation led to a decline in non-oil imports, which was partly offset in 2000, as a result of imports of intermediary goods for the higher output level. As a consequence, the manufactures trade balance remained negative.

Foreign trade reflects the country’s productive structure and, as can be seen in Tables 1 and 2, the technological structure of industry has remained stable, with prevailing low-tech products. Comparing 1989 with 1998, there is a noticeable growth in the share of resource-intensive products, mostly at the expense of labor-intensive products and of specialized suppliers. The latter’s decline can be ascribed to imports of capital goods, which now account for more than 50% of the apparent consumption of such products.

It is true that important microeconomic changes underlie the relative structural stability – witness the impressive productivity increase in manufacturing industry previously mentioned, but those are infra-structural changes which do not alter the country’s international insertion. With the present productive and trade structure, the Brazilian economy is caught in a trap: any resumption of growth leads to a more  than proportional increase in imports, not accompanied in the same measure by exports. The ensuing deficit in the foreign current account must be closed by foreign capitals.

It is perhaps ironic that the trap above described, which results from the different elasticities of imports and exports, in fact, is an up-dating (applied to manufactures, which provide the bulk of the Brazilian foreign trade) of the well-known diagnostic of the foreign exchange constraint posed by Prebisch in 1949 (CEPAL, 1949), which laid the ground for justifying import-substitution industrialization in Latin America.

As shown above, the foreign indebtedness of Brazil has increased the vulnerability of the economy. Reliance on financial capitals to cover a growing current account deficit would further increase the vulnerability, requiring high interest rates to cover the risks and thus reducing investments. Moreover, as the recent experience has shown, international finance capital cannot be relied upon to support long-term development prospects. Therefore, FDI should sustain the main role. The main motives of recent FDI inflows have been the Brazilian market (enlarged by the other MERCOSUR countries) and the acquisition of local enterprises (Laplane and Sarti, 1997). 32 But, in the long run, the growth of such market as well as the growth of exports are limited by the existing productive structure, reducing the prospects of a robust growth of FDI and giving rise to another vicious circle. The same constraints apply to national firms too, since the latter are more tightly bound to the local market than the transnational companies.

In other words, we argue that attention should be paid to the productive structure of the economy. Given the well-known problems of coordination and time horizon entailed in structural change, 33 to hope that the market by itself will bring about the necessary changes requires a great amount of faith. Such attention could be paid even within the present development strategy, if policy-makers were a bit more skeptic about the power of the market. The silence imposed by the negative agenda on the change of the productive structure is deafening.

Moreover, even for sectors for which there were ITPs, no vision of structure is to be found. This is best exemplified by the automotive sector, where soaring imports and competition with Argentina for FDI led the Brazilian government to set up a complex scheme of incentives, in which restrictions on imports of final products were combined with incentives to import parts and components and fiscal incentives to investment. Nobody knows whether authorities government officials considered one, two or twenty new assemblers desirable.

Finally, the silence imposed by the negative agenda extends to the regional structure. Brazil is a continental country plagued with striking regional differences, which have not improved during the nineties, as shown in Table 3. Although a substantial part of the public deficit is due to the regional governments (states and municipalities) the federal government, nominally committed to reduce public deficit (one of the “fundamentals”) and constitutionally bound to oversee the Union, has turned a blind eye on the savage competition between the regional levels to attract investments. The “fiscal war” certainly benefits the enterprises which use the incentives, but the benefits accruing to the communities are more doubtful, especially if one takes into account the intergenerational conflict underlying the future reduction of fiscal revenue.

Table 3 – Brazil: regional structure of the gross domestic product – in percentage – 1991 and 1998

Source: Silva and Medina (1999).


In order to address the problems of regional development, a structural view of the spatial distribution of economic sectors is required. It is unlikely that market forces by themselves will lead to a more equitable distribution and the government, prodded by the political forces asking for more growth, commissioned a study of investment prospects along regional axes of development. Only a small share of investments would be funded by public resources, the rest depending upon private funds. The former have been included in the budget law, but it is worth recalling that the federal budget approved by the Congress is not mandatory – the Finance Ministry is at liberty to disburse the funds or not, according to its assessment of the fiscal conditions and, in the past, many projects remained at the planning board for such reasons. As discussed above, the destiny of this plan depends heavily on the outcome of the fiscal reform debate and on the possibility of reducing interest rates.

6. Conclusions

It is a consensus that for Brazil (as well as the for the rest of Latin America) the eighties were a lost decade from the point of view of development. As shown by Pinheiro et al. (1999), except for inflation (and it is a big exception) the record of the nineties as regards growth, employment, and export performance is worse. For the near future, no major change of strategy is foreseen, provided no major bad news emerge from the foreign front. 34 As indicated above, there are strong reasons to doubt about the capacity of this strategy to produce high and sustained growth rates which would lead to the reduction of unemployment. To many observers the government seems to be doomed to go on plodding through the desert.

Nonetheless, to consider the nineties simply as another lost decade is to miss the importance of the changes it introduced in the Brazilian society. Some observers may, simultaneously, recognize the importance of the changes and wish to cancel them. Other observers claim that the reforms are still incomplete and, therefore, it is sufficient to trod on the prescribed path, finishing the present wave of reforms and then moving on to the “second generation” of reforms (e. g. Pinheiro et al., 1999).

I differ from the two observations. I suggest that the former observers, placed most often in the opposition, are falling prey to another type of myth, cycle myths, in which time is reversible and a former, better world (a Golden Age) can be restored (Eliade, 1963). The “goodness” of the previous pattern of development is highly questionable – e. g. the income distribution it produced. Moreover, a trait which distinguishes primitive from modern thinking is the recognition by the latter of the irreversibility of time. Thinking about time and of social processes as irreversible is one of the cornerstones of the evolutionary theory. If this is true, the nineties produced a new institutional structure in Brazil.

As regards the latter observers, I argue that the basic assumption of the reform strategy – that institutional reform suffices to lead to development – is wrong and that their overall Weltanschaaung is reductionist and misleading.

From an evolutionary perspective, development comes from the coevolution of the institutional and productive structures. As indicated above, the reform of the productive structure must be tackled in Brazil. This will require further institutional change, since the state must intervene in the process and new governance mechanisms must be established (e. g. for coordination of state agencies and of such agencies with the private sector) as well as efficient mechanisms for financing investments out of national funds.

The coevolution of institutional and productive structures is path-dependent, laden with national specificity and it continuously poses new problems so that the past cannot be abolished and history never comes to a rest. Contrary to the perspective held by the institutional reformers, Heraclitus rules: we never plunge into the same waters twice and there is no map for the path.

Complex tasks as those involving development require open-ended metaphors to deal with them. The degree of uncertainty about development processes should lead to a substantial degree of theoretical humility. Substituting dialogue for the Doctrine is an important epistemological step which leads the development strategy to emphasize flexibility and learning. Such features are found in the evolutionary approach.

If such views are correct cosmological myths are a trap to be avoided but Odysseus, the wandering hero who uses intelligence to cross uncharted seas, 35 provides an appropriate myth to think about development.

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A Transformação dos Regimes de Regulação:...

Aqui você consegue ver o arquivo PDF original. Por se tratar de um registro histórico, algumas informações podem não estar totalmente legíveis. Veja a primeira parte da tese...

Celso Furtado e as convenções do desenvolvimento

Fabio S. Erber, In Saboia, João e Carvalho, Fernando L. Cardim (org.). Celso Furtado e o século XXI- Barueri, SP: Manole; Rio de Janeiro: Instituto de Economia da UFRJ, 2007.

Ao ressaltar as horarias e desilusões que Celso Furtado recebeu por ser o cientista social brasileiro mais influente de todo o século XX, Fabio Erber enfatizou a preocupação desse cientista com a relação teoria e prática, quando expressou: “o objetivo da ciência é produzir guias para a ação prática”. Crítico do padrão de desenvolvimento brasileiro, Furtado se engajou, ao longo de sua vida na construção de um projeto de construção nacional. Para Erber, as homenagens a ele constituíram, também, um ato simbólico de reforço de uma “geração sociológica”, cuja “convenção do desenvolvimento” não teve a força para tornar-se hegemônica. Passou assim a discutir nas seções seguintes as noções de “geração sociológica”, “convenção do desenvolvimento” e de “força” dessa convenção. Na terceira seção, Erber situou Furtado na evolução da convenção desenvolvimentista e na superação desta pela convenção neoliberal, o que explicaria, em parte, a fraqueza da geração de Furtado. Na última seção, retoma o tema da introdução com o auxílio de Homero e Albert Camus.

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El impacto del Mercosur sobre la dinámica...

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