Inovação e desenvolvimento: a força e permanência das contribuições de Erber
Helena M. M. Lastres, José Cassiolato, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
The text examines some of Fabio Erber’s central contributions to Latin-American thought on development, technology and policy – the importance of endogenizing technical progress, the systemic nature and the local specificities of the innovation process, etc. and the role of the State in these processes. This recalls Erber’s discussion on the function of explicit and implicit policies; aspects of macro, meso and micro innovation; technological and economic relations of Latin-American countries with the most advanced countries and transnational corporations located there; the capacity of local companies to acquire technological know-how; and the limitations of using foreign technology as a focus and the main mechanism for local capacity-building. The text argues that Erber’s ideas, besides representing a pioneering contribution to understanding the circumstances that restricted the creation of production and innovative capacity in Latin-American economies over the last century, are still extremely useful in understanding the limits of current policies, dilemmas and opportunities for Brazilian development.
1. Introdução
As noções de que o desenvolvimento econômico e social resulta de mudanças qualitativas e de que nessas transformações a endogeneização da capacidade de promover inovações tem um papel central incluem-se entre as principais contribuições da abordagem estruturalista latino-americana. Surgidas no debate que teve lugar ao fim da Segunda Guerra Mundial, essas noções se intensificaram com o reconhecimento dos limites do processo de substituição de importações nos anos 1960, entre outros aprendizados práticos e teóricos, sofrendo aperfeiçoamentos que as revigoram até os dias de hoje. A sua prevalência é reconhecida, pois, apesar de inúmeras tentativas de promover capacitações científico-tecnológicas, as estruturas produtivas dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, continuam a apresentar fragilidades na montagem de uma estrutura inovativa autóctone e dinâmica. Fabio Erber foi tanto um dos pioneiros como um dos expoentes nesse debate. Produziu, especialmente nos anos 1970 e 1980, contribuições clássicas que ainda se mostram atuais e valiosíssimas para se compreenderem os processos de desenvolvimento tecnológico na região, seus problemas e limitações e os impasses que dificultam e restringem uma efetiva incorporação virtuosa do progresso técnico nas economias latino-americanas.
Interagimos com Fabio Erber em diferentes circunstâncias e situações. O papel da tecnologia nos processos de desenvolvimento, a importância das políticas públicas e privadas e o papel dos diferentes atores, nacionais e estrangeiros, no desenvolvimento de países como o Brasil foram objetos de inúmeras conversas e discussões. Com Cassiolato, durante 1977-1978, na Universidade de Sussex, Inglaterra, tanto durante as atividades formais da universidade quanto em longas caminhadas nas colinas de Falmer, Brighton; durante 1980-1981, no Instituto de Economia da UFRJ; e, posteriormente, quando ambos participaram da constituição da nova institucionalidade governamental, que resultou na criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), no qual ambos ocuparam cargos, entre 1985 e 1988 – Erber como secretário executivo adjunto e Cassiolato como secretário de planejamento. Lastres, nessa época, chefiava o Núcleo de Novos Materiais, também ligado ao novo MCT, que tinha como ministro Renato Archer, e vice-ministro, Luciano Coutinho. Uma nova rodada de interação ocorreu nos anos 1990, quando nos reencontramos no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Este texto pretende discutir algumas das contribuições centrais de Fabio Erber ao pensamento latino-americano sobre desenvolvimento, tecnologia e políticas. Objetiva-se extrair elementos considerados válidos e capazes de ampliar o entendimento da questão do desenvolvimento produtivo e tecnológico, assim como suas implicações para a política. Tais contribuições dizem respeito à importância da endogeneização do progresso técnico, do caráter sistêmico e das especificidades locais do processo de inovação e do papel do Estado nesses processos.
Em primeiro lugar, visa-se resgatar a discussão que Erber realiza sobre as necessárias e inevitáveis relações econômicas e tecnológicas dos países latino-americanos com os países mais avançados e com as corporações transnacionais lá sediadas. Em segundo lugar, e de forma articulada, sobre os condicionantes do aprendizado tecnológico por parte de empresas locais e as limitações da utilização de tecnologia estrangeira como foco e mecanismo principal dos processos de capacitação local. Em terceiro, a forma como Erber analisa o papel das políticas explícitas e implícitas e os aspectos macro, meso e microeconômicos da inovação.
O artigo argumenta que essas ideias representaram uma contribuição significativa à compreensão dos condicionantes que restringiram a endogeneização do progresso técnico por parte das economias latino-americanas nos anos 1970 e 1980, ao contrário do sucesso alcançado por diferentes economias asiáticas, como o Japão e a Coreia do Sul. Ao retomar as características fundamentais da situação brasileira na segunda década do milênio, percebe-se que essa contribuição permanece extremamente útil para se compreenderem os limites das políticas de inovação, os dilemas e as oportunidades do desenvolvimento tecnológico.
Do ponto de vista conceitual, o texto vale-se da abordagem de sistemas de inovação como elemento central do processo de desenvolvimento econômico e social. Essa abordagem, conforme utilizada pela RedeSist, articula a abordagem neoschumpeteriana com o estruturalismo latino-americano, em especial no que se refere à centralidade do progresso técnico nos processos de desenvolvimento.1
O estudo está organizado da seguinte maneira. Na segunda seção, discutimos a questão da endogeneização do progresso técnico. Na terceira, os condicionantes e limites do aprendizado por parte de atores econômicos e sociais na América Latina são objeto de análise. Na quarta seção, debatemos a importância de atividades portadoras do progresso técnico e o caráter sistêmico do desenvolvimento tecnológico e da inovação. O papel dos diferentes atores empresariais no sistema nacional de inovação é analisado na quinta seção; já a importância das políticas públicas e o papel do Estado são discutidos na sexta. Nas conclusões, é enfatizada a relevância das ideias de Fabio Erber no contexto atual da globalização dominada pelas finanças.
2. Desenvolvimento e Endogeneização do Progresso Técnico
As principais contribuições de Fabio Erber produzidas a partir do início dos anos 1970 enfatizaram a necessidade de endogeneização do progresso técnico como fator fundamental do processo de desenvolvimento brasileiro. Elas constituíram parte importante do debate sobre a insuficiência da industrialização na qualidade de elemento transformador das estruturas econômicas e sociais do país. Erber apontava que o modelo de industrialização adotado, com base na substituição de importações, mostrava-se incapaz de resolver os sérios problemas brasileiros de desigualdade, em especial de incorporar a população brasileira de baixa renda. Na mesma linha do economista Celso Furtado, Erber sustentava que a importação de tecnologia era reforçadora de problemas, na medida em que as tecnologias trazidas – intensivas em capital – haviam sido desenvolvidas para países com diferentes condições e dotações de fatores [Erber (1972)].
Um dos pontos centrais do pensamento estruturalista latino-americano é que as mudanças na economia ocorrem por meio de descontinuidades (geralmente de caráter tecnológico) que afetam, e também são afetadas, pela estrutura econômica, social, política e institucional de cada nação.
Nessa perspectiva, o desenvolvimento é considerado processo único, não linear e não sequencial. É, portanto, muito criticada a hipótese de alcançar o desenvolvimento por meio de processos de catch-up a partir da importação, reprodução e adaptação de técnicas supostamente superiores de desenvolvimento para outros contextos históricos.2
A mobilização do progresso técnico e a capacidade de tornar endógenos os processos de inovação são consideradas as principais determinantes da dinâmica de acumulação capitalista e de seu desenvolvimento. Os avanços (produtivos, tecnológicos, organizacionais, institucionais etc.) resultantes de processos inovativos são tidos, assim, como fatores básicos na formação dos padrões de transformação da economia, bem como de seu desenvolvimento de longo prazo.
As nações que, historicamente, se colocaram à frente do processo inovativo tenderam a ser mais dinâmicas e competitivas, obtendo melhor desempenho econômico e maior poder geopolítico. Dessa forma, foram se estabelecendo as linhas divisórias entre os que estão capacitados a promover ou participar ativamente da dinâmica da inovação e de desenvolvimento e aqueles que foram, ou tendem a ser, deslocados e marginalizados. Freeman (1988), o decano dos autores da corrente neoschumpeteriana, afirma que o hiato temporal entre inovadores e imitadores está positivamente relacionado à sustentação do fluxo de inovações pelos inovadores e à fragilidade das condições necessárias para inovar nos países imitadores. As “assimetrias tecnológicas” agem, ao mesmo tempo, como uma barreira ao acesso às novas tecnologias e como um novo incentivo à inovação para aqueles (empresas, organizações ou países) que estão liderando o processo tecnológico.
Furtado (1983) apontava que, uma vez estabelecido o padrão de apropriação do produto social, o comportamento dos agentes dominantes – organizações e países que controlam posições estratégicas – passa a ser guiado pelo propósito de conservar os privilégios alçados e de que desfrutam. Dessa forma, compreendia a subordinação da inovação aos processos de acumulação e competição capitalista, visando perpetuar e intensificar a reprodução de assimetrias internacionais econômicas, tecnológicas e de acesso ao conhecimento e ao aprendizado.
A visão que Fabio Erber enfatizava, já em seus trabalhos dos anos 1970, tinha como ponto fundamental essa mesma noção de que a orientação dada ao desenvolvimento tecnológico relaciona-se às especificidades e interesses das nações que lideraram esse processo. Essa percepção ressalta a descontextualização e inadequação dessas técnicas ao conjunto de recursos produtivos disponível nos países menos desenvolvidos, entre outras limitações [Erber (1972; 1977)].
Na esteira de outros autores latino-americanos, como Octavio Rodríguez e Celso Furtado, e como apontado por Prado (2011), Erber correlacionou a importação de padrões de consumo no Brasil à importação de tecnologias estrangeiras, impossibilitando o desenvolvimento de tecnologias adequadas às condições brasileiras. Em tal contexto, as empresas de propriedade local tiveram um papel subordinado tendendo a utilizar, de forma defensiva, o licenciamento de tecnologias estrangeiras para poder competir com as filiais de empresas transnacionais.
Em texto que tinha como objetivo principal realizar uma comparação das experiências de desenvolvimento tecnológico e suas políticas no Brasil e em países capitalistas centrais, Erber enfatizava a importância de avançar o entendimento das novas formas de competitividade, assim como do papel do progresso técnico, das empresas transnacionais e seus oligopólios:
foi só após a II Guerra Mundial que os economistas passaram a dar mais atenção às condições que proporcionam o progresso técnico, abandonando a visão do desenvolvimento tecnológico como um fenômeno exógeno à esfera econômica. Subjacente a esse novo interesse estava não apenas a intensificação do ritmo de inovações, como o reconhecimento da expansão dos mercados organizados de forma oligopólica, onde a constituição de barreiras à entrada e a competição com base na diferenciação de produtos eram fortemente influenciadas pelo progresso técnico. Especialmente importante nesse contexto foi o reconhecimento de que um ator passara a desempenhar papel de importância crescente no cenário mundial: as firmas multinacionais [Erber (1980, p. 10)].
3. Assimetrias de acesso ao conhecimento e ao aprendizado
Fabio Erber discute, de forma pioneira e em diversas ocasiões, os condicionantes e limites do aprendizado por parte de atores econômicos e sociais na América Latina. Particularmente relevantes são duas de suas contribuições: a tese de doutorado sobre desenvolvimento tecnológico no caso de bens de capital no Brasil [Erber (1977)] e um texto onde ele comenta e critica as literaturas da dependência latino-americana e a de inspiração neoclássica sobre aprendizagem [Erber (1983)]. Erber aponta como os diversos tipos de assimetria – particularmente as de poder econômico e político – limitam o aprendizado local e as possibilidades de implementar estratégias de desenvolvimento autóctone. Ressalta especialmente as limitações de pôr em prática os conhecimentos adquiridos por meio de licenciamento de tecnologias externas.
Nesses trabalhos, Erber já sugere que as assimetrias tecnológicas são apenas um dos elementos de assimetrias mais amplas e complexas, as quais implicam a impossibilidade de acessar, compreender, absorver, dominar, usar e difundir conhecimentos. Reforça as percepções de que, na grande maioria dos casos, mesmo quando o acesso à nova tecnologia torna-se possível, esta não é adequada à realidade dos países periféricos e de que estes não dispõem de conhecimentos suficientes para fazer uso adequado dessa tecnologia. Isso porque as necessárias capacidades produtivas e inovativas nem sempre estão disponíveis ou suficientemente desenvolvidas. Assim é que, ao discutir as características e impactos das transformações associadas ao desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicações (TIC), aponta a ampliação da separação entre Norte e Sul e a criação de novas formas de divisão do desenvolvimento muito mais sérias do que a tão discutida divisão digital. Arocena e Sutz (2003 e 2005) avançam essa conclusão, argumentando que as novas formas de divisão do conhecimento passam a constituir o aspecto maior da problemática do subdesenvolvimento.
De fato, a importância do conhecimento, assim como da forma e dos condicionantes que cercam seus processos de difusão, aprendizado e acumulação, é destacada por diversos autores latino-americanos explícita ou implicitamente. Furtado (2003, p. 89), por exemplo, aponta que:
o avanço da ciência experimental (e do progresso técnico) é facilitado pela secularização do saber e pela difusão dos conhecimentos que acompanham a ascensão da burguesia, atuando como um mecanismo multiplicador, abrindo o caminho à revolução tecnológica.
Já em 1949, o economista Raúl Prebisch destacava que os problemas da produtividade e do desenvolvimento nos países periféricos também estão relacionados à questão da capacitação e que esta se relaciona intimamente à própria evolução do desenvolvimento tecnológico, constituindo um dos contrastes do grau muito desigual de desenvolvimento. Já nos países industrializados, as aptidões desenvolveram-se progressivamente, à medida que foi evoluindo a técnica produtiva.
Tavares (1972, p. 50), ao analisar o processo de industrialização por substituição de importações, enfatizou que:
os países subdesenvolvidos importam uma tecnologia que foi concebida pelas economias líderes de acordo com as suas constelações de recursos totalmente diversas das nossas. A necessidade de importar essa tecnologia estaria dada pela impossibilidade de criarmos técnicas novas mais adequadas às nossas condições peculiares.
Dessa forma, o núcleo industrial pode se desenvolver, em um país periférico, utilizando inovações tecnológicas que permitem aproximar-se da estrutura de custos e preços dos países exportadores de manufaturas, mas que não permitem uma rápida transformação da estrutura econômica, pela absorção do setor de subsistência. Processo este que resulta em lenta modificação da produtividade, da estrutura ocupacional e de desenvolvimento do país [Furtado (1961)].
Nesse sentido, é possível industrializar e crescer sem romper com a estrutura de dependência e dominação que perpetuariam o subdesenvolvimento [Furtado (1961; 1974)]. Isso ocorre porque é possível que as economias subdesenvolvidas atinjam um alto grau de diversidade e complexidade produtiva, sem desfazer os laços da dependência tecnológica (e dos conhecimentos necessários a sua geração, difusão e uso) e econômica dos grandes centros. Diante desse quadro, identificou-se o mais importante desafio para os países latino-americanos, o qual é ainda muito pertinente nos dias atuais: nosso desenvolvimento orienta-se mais propriamente por processos de imitação do que por uma reflexão sobre as carências e potencialidades internas. Fajnzylber (1990) resume essa questão da seguinte maneira:
o traço central do processo de desenvolvimento latino-americano é a incorporação insuficiente de progresso técnico – sua contribuição escassa de um pensamento original, baseado na realidade, para definir o leque de decisões que a transformação econômica e social pressupõe. O conjunto-vazio,3 do desenvolvimento econômico e social latino-americano, estaria diretamente vinculado ao que se poderia chamar de incapacidade de abrir a “caixa-preta” do progresso técnico [Fajnzylber (1990, p. 22)].
Essas condições ampliam as condições assimétricas de desenvolvimento econômico e social existentes entre países do centro e de periferia, as quais são reforçadas pelas diferenças em geração, aquisição e uso de conhecimentos, contribuindo para erigir fossos cada vez mais rígidos entre economias avançadas e periféricas [Lastres, Cassiolato e Arroio (2005)].
4. O Caráter Sistêmico do Desenvolvimento Tecnológico e da Inovação
A importância da inovação e do progresso técnico pode, portanto, ser mais bem apreciada por intermédio de uma visão ampla, contextualizada e sistêmica do desenvolvimento do capitalismo, principalmente em escala mundial. Furtado é reconhecido como autor que em muito destacou a necessidade de compreender os fenômenos relacionados ao avanço tecnológico por meio de tal perspectiva. Furtado explicita que as manifestações mais significativas do progresso técnico4 somente podem ser captadas plenamente por meio de uma visão global do sistema nacional, que inclua a percepção das relações desse sistema com o ambiente que o controla e influencia [Furtado (1961; 1968)].
Em linha semelhante, a visão neoschumpeteriana entende a inovação como um processo sistêmico, gerado e sustentado por relações interfirmas e por uma complexa rede de relações interinstitucionais dependente de seus ambientes sociopolítico-institucionais. Portanto, o impulso ao desenvolvimento, produzido pela introdução e difusão de novas tecnologias, é considerado resultado de trajetórias que são cumulativas e construídas historicamente, de acordo com as especificidades inerentes a um determinado país, região e atividade produtiva.5
Como objeto principal das preocupações de Fabio Erber quanto ao tipo de desenvolvimento produtivo necessário aos processos de mudança estrutural, apontam-se os estudos por ele realizados nos anos 1970 e 1980 sobre as atividades de bens de capital e de eletrônica. A sua tese de doutorado é uma detalhada e complexa pesquisa sobre bens de capital como atividade central na dinâmica industrial, na medida em que ela apresenta ligações técnicas e econômicas com todo o restante de atividades produtivas [Erber (1977)]. Posteriormente, em uma série de trabalhos sobre as atividades de bens de capital, ele concluiu que o entorno sistêmico dessas atividades gera grande influência na competitividade dos produtores [Erber (1992; 2001); Vermulm e Erber (2002)].
Discutindo a falta dessa perspectiva mais ampla e estratégica da política industrial e tecnológica brasileira, em especial no que se referia às TICs, ele assinalou que décadas de estudos sobre desenvolvimento mostram que as diversas atividades industriais desempenham papéis diferentes na dinâmica industrial e tecnológica, em função de seus encadeamentos produtivos, tecnológicos e de investimentos, que fazem com que um grupo restrito dessas atividades atue como motor do desenvolvimento [Erber (1992)]. Essa função motriz é cumprida por atividades com alta intensida de tecnológica e capacidade de irradiação para outros setores, como notadamente o caso do complexo eletrônico. Erber utilizava constantemente a frase “computer chips não são equivalentes a potato chips” para indicar a importância relativa da criação de capacitações nas diferentes atividades produtivas. Porém, também enfatizava que, no entanto, no caso brasileiro, não apenas inexistia qualquer hierarquia no tratamento dos diferentes setores e atividades produtivas, como também não havia política especial definida para o complexo eletrônico [Erber e Cassiolato (1997)].
Nesse caso, também a perspectiva sistêmica da inovação aparece de forma destacada, ao serem notadas as
interdependências nas cadeias produtivas e tecnológicas […] [e que] a ação sobre este conjunto de interdependências remete para as políticas de articulação industrial e de estímulo a segmentos particulares que se apresentam como elos importantes da matriz produtiva [Erber (1992, p. 31)].
A ideia básica de sistemas de inovação é que o desempenho inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas também de como elas interagem entre si e com vários outros atores e como as instituições, incluindo as políticas, afetam o desenvolvimento dos sistemas. Entende-se, desse modo, que os processos de inovação que têm lugar no nível da firma são, em geral, gerados e sustentados por suas relações com outras organizações, reforçando que a inovação consiste em fenômeno sistêmico e interativo.
Outro corolário direto de tal entendimento é que, por exemplo, o setor financeiro e as políticas macroeconômicas mais amplas passam a ser objeto de preocupação e ação. Adicionalmente ao entendimento da natureza sistêmica da inovação, destaca-se a relevância da análise das dimensões micro, meso e macroeconômicas, assim como das características das esferas produtiva, financeira, social, institucional e política. A forma como são criadas e evoluem as capacitações produtivas e inovativas em qualquer país passou então a ser compreendida como função do modo de inserção dos diferentes países na economia e geopolítica mundial e de como se articulam essas diferentes dimensões e esferas.
As implicações de política da visão sistêmica aparecem claramente quando Erber aponta que as situações de atraso vigentes nos países subdesenvolvidos se caracterizam pela ausência de elos centrais na estrutura produtiva e institucional, fazendo-se necessária a ação estruturante do Estado para induzir – ou mesmo assumir a responsabilidade, via empresas estatais – de competências na matriz produtiva e inovativa, envolvendo uma ruptura radical das rotinas preexistentes [Erber (1992)].
5. O Papel dos diferentes atores: Empresas Transnacionais e Empresas Locais
O processo de industrialização brasileira, a partir de meados dos anos 1950, é tido como exemplo típico de substituição de importações conduzida pelo Estado com forte participação de capital e tecnologia estrangeiros. O papel do Estado não se restringiu a suas funções fiscais e monetárias tradicionais e à prestação de bens públicos. Um papel mais ambicioso foi concebido, incluindo suporte, definição, articulação e financiamento de grandes blocos de investimento, criação de infraestrutura e produção direta de insumos necessários para a industrialização.
Tavares e Serra (1973) notam que o investimento público teve importante papel de apoio ao setor privado, em particular ao capital estrangeiro. Consideram que o elemento principal que garantiu o dinamismo econômico do período foi o alto grau de “solidariedade orgânica” entre o Estado e as corporações multinacionais, o que garantiu a formação de externalidades e o suprimento de insumos básicos de baixo custo visando sustentar a expansão das multinacionais nos mercados interno e externo. Foi delegado às empresas transnacionais (ETN), entre outros, o papel de canalizar a tecnologia moderna para a economia, cabendo às empresas de capital local um papel subsidiário. Esse papel central das subsidiárias das ETNs no sistema brasileiro de inovação implicaria a transferência de tecnologia de suas matrizes, e as empresas de capital local utilizariam o licenciamento de tecnologias para também participar dos projetos de substituição de importações.
Seguindo a mesma linha crítica, Erber, nos anos 1980, também mostrava os limites desse tipo de estratégia. Discutindo as limitações para o aprendizado local, advindas das tecnologias trazidas por essas empresas, destaca:
the limited learning […] in the case of foreign subsidiaries, where the parent company had to transfer a manufacturing and detailed design capability but not the others. The Latin American literature suggests that this strategy was not only due to scale-economies in the production of technology but also to the extraordinary profits they reaped through technology-related intra-firm transactions [Erber (1983, p. 15)].
A conclusão de Erber (1983, p.15) é que a transferência de tecnologia a partir dos países centrais é estruturalmente limitada no lado do fornecedor da tecnologia (as empresas multinacionais), tendo em vista suas estratégias globais.6 Mas Erber avança ainda mais quando acrescenta que a dependência de tecnologias estrangeiras – originalmente desenvolvidas para atender a problemas de outras sociedades – limita, também de forma estrutural, a acumulação de capacitações voltadas ao aprendizado por parte das empresas controladas pelo capital local.
[…] (no Brasil) não existem distinções entre capitais segundo sua origem. No entanto, há uma extensa literatura que mostra que as atividades de P&D de firmas transnacionais tendem a ser centralizadas, normalmente junto ao seu país de origem. A tendência ao uso de tecnologia importada tende a propagar-se, entre os fornecedores e competidores destas empresas. Ignorar a diferença e não negociar a implantação dessas atividades na região implica em aceitar um padrão de programas tecnológicos orientado para atividades de adaptação de tecnologias importadas, mantendo baixo o “teto” destes programas [Erber (1999, p. 15-16)].
Utilizando evidência empírica de estudos realizados ao longo dos anos 1970 sobre tecnologia e inovação em empresas brasileiras de capital nacional,7 Erber aponta a baixa capacitação das empresas locais e sua pequena interação com as universidades e institutos públicos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Sua conclusão é que:
industrial entrepreneurs […] were […] “satisfied” with a low level of local technological activities and a strong reliance on imported technology […] and […] such “satisfaction” can be understood in the light of the pattern of development followed in Brazil since the mid-fifties […] which reduced the importance […] (of) […] a policy of more technological self-reliance [Erber (1980, p. 422)].
Erber sugere algumas razões para que tais empresas tivessem inibidas suas estratégias de desenvolvimento tecnológico local. Em primeiro lugar, a desigual concorrência de tecnologias estrangeiras, a qual elevaria o risco e o custo das tentativas de desenvolvimento local, tendo em vista a política de abertura ao capital estrangeiro. Em segundo lugar, particularmente válido para as indústrias de bens de capital e insumos básicos, havia uma pressão dos clientes, em sua maioria empresas subsidiárias de multinacionais, que frequentemente condicionavam as compras ao uso e licenciamento de tecnologias estrangeiras. Uma terceira razão seria as estruturas de mercado nas quais as empresas locais operavam, que permitiam às empresas repassar aos consumidores o custo das tecnologias importadas. Em quarto lugar, o limitado tamanho do mercado local seria supostamente insuficiente para amortizar os custos do desenvolvimento autóctone. Outra razão seria o horizonte temporal de curto prazo com o qual operavam os empresários locais, em razão da fragilidade da estratégia e do planejamento governamental de longo prazo.
Essas razões se associavam à instabilidade, à vulnerabilidade, à hiperinflação e aos demais desafios colocados pelo quadro macroeconômico e contribuíam para conformar políticas implícitas [Herrera (1975)] e regimes malignos [Coutinho (2003)] que em muito limitavam as possibilidades de sucesso de políticas públicas e privadas para o desenvolvimento produtivo e em especial inovativo. A inércia e a placidez do empresariado brasileiro diante de tais desestímulos levava Erber – com suas ponderações certeiras e ácida ironia – a descrever tal postura como de happy dependency.
6. O Papel do Estado
As políticas de Estado desempenham papel-chave para o desenvolvimento das nações, principalmente na indução do desenvolvimento de seus sistemas de produção e inovação. Em primeiro lugar, objetiva-se assegurar as condições básicas de um quadro político e macroeconômico favorável à conformação de regime benigno e capaz de estimular o desenvolvimento produtivo e inovativo [Coutinho (2003)].8
Em segundo, a articulação de uma estratégia convencionada de desenvolvimento capaz de ser implementada [Erber (2011)]. Além disso, destacam-se também os objetivos de fortalecer os vínculos produtivos, os processos de aprendizado e de criação e acumulação de capacitações produtivas e inovativas.
Na visão neoschumpeteriana, essas políticas são ainda mais necessárias em épocas consideradas de mudanças radicais, como aquelas associadas ao advento e à difusão de novos paradigmas técnico-econômicos. Autores como Freeman e Perez consideram que durante o estágio inicial de um novo paradigma tecnológico abre-se uma série de oportunidades e desafios para as nações (principalmente as nações periféricas), as quais não se encontram tão comprometidas com o padrão que está sendo superado.
Essas oportunidades serão maiores quanto maiores forem a descontinuidade do processo tecnológico e o tempo de adaptação das empresas líderes e instituições das nações centrais, que apresentam maiores graus de comprometimento com os padrões anteriores, fato que tende a gerar um maior nível de inércia às mudanças radicais.
Com base nisso, é que diversos autores sublinharam: (i) a importância de políticas buscando adaptar e reorientar os sistemas produtivos e de inovação aos novos cenários; (ii) que a adaptação da economia tenderá a se transformar em um processo lento e doloroso. Em tais ocasiões, o papel de políticas públicas estimulando a promoção e renovação do processo cumulativo de aprendizado é particularmente destacado.9 Nos países periféricos a importância dessas políticas públicas é exponencialmente aumentada. Nesse caso, sugere-se que as políticas e instrumentos sejam continuamente ajustados e reformulados à medida que as tecnologias evoluem, evitando a retração ou destruição do escasso potencial produtivo e inovativo dessas nações. Essas políticas também devem considerar a necessidade de limitar ou prevenir consequências sociais indesejáveis [Freeman (2004)], buscando, centralmente e antes de tudo, promover o desenvolvimento inclusivo, coeso e sustentável das diferentes regiões e países a que se destinam [Cassiolato e Lastres (1999)].10
A absorção do progresso técnico deveria ser realizada por investimentos nos setores mais dinâmicos e difusores do progresso técnico, setores que teriam a liderança no processo de evolução tecnológica e, dessa forma, seria possível inserir maior dinamismo nas economias periféricas. Em razão das dificuldades previsíveis de acumulação de capital e poupança, esses investimentos deveriam ser feitos majoritariamente pelo Estado de forma direta ou indireta. A industrialização dos países periféricos somente seria possível com o apoio de políticas de planejamento estatal, que Celso Furtado sistematizou e implementou com grande competência.
Fiori (2001) nota que os principais teóricos do estruturalismo latino–americano clássico,11 entre os quais, Furtado, defendiam a presença do Estado no apoio à pesquisa científica e tecnológica, à educação superior e à criação de instituições de fomento e no financiamento tanto à produção industrial quanto à capacitação científica e tecnológica:
Para o estruturalismo existia a importância do papel do Estado na construção de um sistema econômico integrado e capaz de auto-reproduzir-se, de forma relativamente endógena, graças a uma integração virtuosa entre agricultura e a indústria, ao incentivo estatal ao desenvolvimento tecnológico e à criação de um sistema econômico nacional que priorize o crescimento das forças produtivas (p. 43).
Conforme argumentado, por exemplo, por Erber e Cassiolato (1997), mesmo durante o auge do neoliberalismo, os Estados jamais deixaram de intervir fortemente para fomentar o desenvolvimento produtivo e tecnológico e a expansão de setores estratégicos para a dinâmica estrutural, mesmo que essas políticas fossem camufladas por imperativos estratégico-militares. Tais políticas, que se caracterizam pela complexidade, visam ao desenvolvimento de atividades consideradas estratégicas para o crescimento econômico e à consolidação das bases regionais e locais para o desenvolvimento tecnológico.
As políticas centradas na promoção de sistemas de inovação e nas relações entre empresas e demais atores diferem das políticas baseadas nas antigas visões dicotômicas e linear da inovação. Quanto à forma, destaca-se a tendência de as políticas focalizarem conjuntos de atores e seus ambientes, visando potencializar, disseminar e tornar mais eficazes seus resultados. Os diferentes contextos, sistemas cognitivos e regulatórios e formas de articulação, cooperação e de aprendizado interativo entre agentes são reconhecidos como fundamentais em geração, aquisição, uso e difusão de conhecimentos, particularmente daqueles tácitos.
Alguns países vêm adotando estratégias que explicitamente visam à mobilização de sistemas de inovação [Cassiolato (1999)].12 Outros países, mesmo que não explicitando essa visão sistêmica, vêm na prática envolvendo atores e mobilizando elementos similares.13 Erber foi um dos primeiros autores brasileiros a salientar a importância da política de inovação no Brasil:
A análise da participação do Estado no processo de desenvolvimento científico e tecnológico dos países capitalistas centrais sugere três conclusões: 1. Embora o nível de desenvolvimento da acumulação de capital e da divisão de trabalho nas economias centrais favoreça o processo de desenvolvimento científico e tecnológico, essas condições favoráveis são em parte reforçadas pela ação do Estado mas, também, em parte criadas pela interferência estatal; 2. As medidas de apoio do Estado ao processo de desenvolvimento científico e tecnológico (especialmente este último) transcendem o apoio às atividades de P&D. Tais medidas, no entanto, são com frequência tomadas com outros objetivos que não o desenvolvimento tecnológico em si: garantir o suprimento interno de certos produtos, reforçar as condições de competição internacional, etc. Nesses casos o desenvolvimento tecnológico é um meio de atingir tais objetivos mais amplos, especialmente no caso das indústrias de ponta; 3. As medidas de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico estão fortemente concentradas em alguns setores industriais, as chamadas indústrias de ponta, especialmente aquelas ligadas às atividades militares e espaciais [Erber (1980, p. 29)].
A ação de política é necessária ainda em países como o Brasil, tendo em vista dois fatores principais. Primeiro, porque
as situações de atraso vigentes nos países subdesenvolvidos se caracterizam pela ausência de elos centrais na estrutura produtiva e institucional, (o) que requer uma ação estruturante do Estado para induzir – ou mesmo assumir a responsabilidade direta via empresas estatais – a montagem de determinados setores na matriz produtiva, envolvendo uma ruptura radical das rotinas preexistentes [Erber (1992, p. 16-17)].
Em segundo lugar, e à semelhança dos países avançados, mostra-se necessário criar capacitações naquelas atividades essenciais para a existência da produção industrial. Erber enfatiza as atividades vinculadas à indústria de bens de capital [Erber (1977)] e do complexo eletrônico [Erber (1985)].
Erber sugere que no Brasil tal tipo de política poderia mobilizar muitas oportunidades se fosse mais priorizado. No entanto, já em 1984, discutindo a política de compras de empresas estatais, ele aponta que elas não se preocupavam com as inovações locais dos fornecedores: “Companies were only hired to replicate technologies developed by Cenpes or foreign companies” [Erber (1981, p. 12)]. Em um dos seus textos clássicos dos anos 1980, ele aponta que essa atitude era comum entre as empresas estatais brasileiras durante o período da industrialização baseada em substituição de importações, que demandava que seus fornecedores utilizassem tecnologias já testadas internacionalmente. Para ele, tal requisito
tenderia a gerar um círculo vicioso no qual seus fornecedores, tendo em vista não ter experiência prévia no ‘design’, eram forçados a utilizar o licenciamento e, por usar o licenciamento, não podiam desenvolver sua própria capacidade de projeto [Erber, Guimarães e Araujo Jr. (1984, p. 24)].
Em trabalho produzido em 1999, Erber analisa a política tecnológica e de inovação implementada na América Latina na última década do milênio passado, ressaltando que um dos principais objetivos das políticas científicas e tecnológicas dos países da região passou a ser o aumento da participação privada no financiamento e na execução de atividades de ciência e tecnologia (C&T) sob a percepção de que a empresa privada deva ser o motor do desenvolvimento tecnológico. Ele aponta que:
em verdade, este não é um objetivo novo – o Estado desenvolvimentista também o perseguiu com afinco. Seu fracasso sugere que existem causas estruturais para tanto. Entre estas destacam-se a composição da estrutura produtiva, em que os setores intensivos em tecnologia têm pequeno peso; a dominância da importação de tecnologia, fruto da gravitação de empresas internacionais e do tamanho reduzido das empresas nacionais; a configuração incompleta do mercado de capitais, onde faltam mecanismos de risco e a reduzida competição entre as empresas. Os reformistas dos anos noventa ignoraram a primeira, agravaram a segunda, não resolveram a terceira e concentraram-se na última causa [Erber (1999, p. 8-9)].
Tal constatação reforça mais uma vez a ideia, há muito estabelecida na América Latina, que as políticas implícitas são muito mais relevantes para as estratégias tecnológicas e de inovação empresariais do que as políticas especialmente desenhadas para a tecnologia e a inovação. Erber reiterava aqui o argumento que as políticas implícitas no Brasil não só não contribuem para a promoção do desenvolvimento tecnológico por parte das empresas, mas, ainda mais importante, tendem a inibi-lo e limitá-lo [Erber (1983)].
As conclusões que Erber deriva de sua análise são extremamente importantes e de uma relevância atemporal. O problema do desenvolvimento tecnológico nacional não pode ser resolvido apenas por um aumento das capacitações científicas e tecnológicas, nem pela política explícita de piência e tecnologia, que hoje em dia inclui também a de inovação [Erber (1983)]. Ele sempre destacava que os determinantes do fraco desempenho tecnológico relacionam-se às:
considerações políticas e econômicas que guiam as ações das empresas e do Estado no que se refere às capacitações tecnológicas locais […] e ao papel das políticas explícitas de C&T […] (que) ao não convergirem com outras políticas, como a de capital estrangeiro, têm sua eficácia extremamente limitada [Erber (1983, p. 17-18)].
No Brasil, os diversos mecanismos de apoio à ciência, tecnologia e inovação desenhados têm sido ainda pouco utilizados pelo setor produtivo, o que tem levado alguns analistas a assinalar a existência de um “paradoxo da inovação”. Este resultaria do pressuposto de que as medidas de apoio ao desenvolvimento tecnológico no Brasil, apesar de bem desenhadas, não são bem-sucedidas especialmente em razão da falta de receptividade pelo setor produtivo. Como a impecável análise de Erber indica, o fracasso da política demonstra que, na falta de uma articulação com as políticas implícitas, esta tenderá a ser ineficaz ou nula.
7. À guisa de Conclusão: a atualidade das ideias de FabioErber em um mundo marcado pela globalização financeira
A implementação de políticas explícitas voltadas à inovação no Brasil já ocorre há anos, e alguns dos instrumentos, assim como algumas das formas de orientação das políticas, são bem antigos. Aqui se incluem desde o modelo de catch-up com os padrões de investimento privado em P&D, perseguido pela política nacional desde os anos 1970, até os apoios à articulação universidade-indústria, os quais já eram implementados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) àquela época, atualmente Agência Brasileira de Inovação. Adicionam-se os estímulos para que empresas transnacionais intensifiquem seus esforços de P&D no país e internalizem suas estratégias de inovação. A lógica para essa ênfase reside maiormente na ideia de que a globalização leva as empresas transnacionais a descentralizarem suas atividades tecnológicas e o Brasil deve se aproveitar dessa situação. Sem dúvida, em um mundo interligado, é inegável que qualquer país deva se aproveitar das condições positivas trazidas pelo investimento estrangeiro.
Os questionamentos quanto ao sucesso de tais políticas necessariamente remetem a questões levantadas por Fabio Erber já nos anos 1970 e 1980: qual é o papel dessas empresas na estratégia brasileira e no sistema nacional de inovação? Que tipo de desenvolvimento tecnológico elas se dispõem, de fato, a realizar fora de seu país de origem? Como a estratégia local das subsidiárias se insere em sua estratégia global? Que estratégias e políticas domésticas vêm sendo implementadas para garantir a ampliação e o enraizamento de capacitações produtivas e inovativas no país? Como são avaliados os resultados alcançados?14
A resposta a essas perguntas vincula-se a outra questão mais ampla, tendo em vista o avanço do processo de financeirização, que caracteriza a economia e a sociedade global nos últimos trinta anos: quais são as principais transformações experimentadas pelas empresas transnacionais que realizam atividades produtivas e inovativas? Aqui, um primeiro ponto refere-se ao atual papel das empresas transnacionais na economia. De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), na década de 1990 havia 37 mil ETNs operando no mundo com 175 mil subsidiárias fora de seus países de origem. No fim de 2007, elas já eram 79 mil com um total de 790 mil filiais estrangeiras. UNCTAD (2011) estima que as ETNs em todo o mundo, tanto no país-sede quanto no exterior, geraram um valor adicionado de aproximadamente US$ 16 trilhões em 2010, representando mais de um quarto do PIB global.
Um segundo ponto relaciona-se à intensa reestruturação global das atividades produtivas que essas empresas promoveram, nos últimos trinta anos, redirecionando os fluxos globais de produção, investimento e comércio – processo que foi facilitado pela difusão do paradigma da microeletrônica e permitido pela onda de liberalização e desregulamentação. Autores como Aglietta e Rebérioux (2005) indicam que tais alterações estão associadas a transformações na organização do capitalismo em termos gerais e ao processo de financeirização da economia. Como as ETNs são em sua maioria sociedades de capital aberto, seu movimento de financeirização tem levado a uma crescente busca da valorização das ações, com impactos negativos nas atividades produtivas e tecnológicas.
Chesnais e Sauviat (2003) apontam que as instituições financeiras adquiriram um poder sem precedentes e ganharam o controle sobre as ETNs não financeiras, moldando seu padrão de investimento (incluindo P&D). De acordo com Vitali, Glattfelder e Battiston (2011), em 2011, 737 grandes empresas transnacionais detinham 80% do controle dos ativos das 43.060 maiores empresas mundiais. Esses autores adicionam que o controle dessas megaempresas se encontra nas mãos de um pequeno núcleo, aproximadamente uma centena de instituições financeiras. Grandes ETNs industriais tornaram-se, na realidade, centros financeiros com atividades industriais.
Por exemplo, em 2007, a divisão mais importante da General Electric relativa a receitas foi a GE Capital, seu braço financeiro (US$ 67 bilhões de um total de US$ 180 bilhões). A GE Capital foi responsável por 55% dos lucros totais da empresa e, se fosse um banco, seria um dos maiores dos Estados Unidos [Cassiolato et al. 2013]. O resultado é uma prioridade aos resultados de curto prazo em detrimento “de atividades de longo prazo, como pesquisa e desenvolvimento, renovação de fábricas e equipamentos, capacitação técnica da força de trabalho e cultivo de relações duradouras com os fornecedores” [Guttmann (2008, p. 13)].
As ETNs passaram a adquirir novos ativos científicos e tecnológicos de outras maneiras que não o desenvolvimento interno de P&D e a acumulação endógeno-corporativa de conhecimento [Chesnais e Sauviat (2003)]. As fusões e aquisições se tornaram uma maneira rápida e barata de se apropriar de possíveis desenvolvimentos tecnológicos gerados por empresas incipientes, que por sua escala têm pouco poder de mercado e limitado acesso a financiamento, o que acaba levando-as a ceder às pressões das grandes ETNs. Essa estratégia é muito menos custosa em relação a tempo e recursos, permitindo, ainda, uma maior distribuição de dividendos. Como parte dessa nova estratégia, os gastos internos em P&D para as grandes empresas transnacionais tornam-se muito menos importantes que as despesas nos demais ativos intangíveis direcionados à inovação.
Levando em conta o poder que exercem no comércio e na produção internacional e as complexas conexões pelas quais organizam indústrias e mercados globais, as ETNs representam uma centralização de ativos financeiros e uma “modalidade organizacional do capital financeiro” [Serfati (2010, p. 144)]. Sua principal vantagem competitiva reside na capacidade de construir um espaço integrado global, com operações financeiras e industriais realizadas de forma combinada com inúmeras filiais (produção, P&D, financeira etc.), coordenadas sob o controle de um escritório central que gerencia recursos e capacidades com o objetivo de dar coerência e eficiência ao processo de valorização do capital.
A inserção e o papel das ETNs nos países periféricos, em especial quanto ao desenvolvimento tecnológico local, são, portanto, afetados pela dinâmica da financeirização. Se nos países centrais ainda persistem os laboratórios e centros de pesquisa, nos países periféricos os esforços tecnológicos são quase exclusivamente adaptativos. Tais países são vistos como plataformas produtivas mais baratas e bons mercados para produtos já existentes. Novas tecnologias permitem que o processo produtivo seja fragmentado e espalhado ao redor do globo, a depender das condições favoráveis que cada país oferece. Amsden (2001) é uma das autoras que mostra que os investimentos de ETNs em países periféricos são modestos em montante e de baixa complexidade, quase nunca relativos a atividades de fronteira tecnológica.
Estudos detalhados sobre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul [Cassiolato et al. (2013); Reddy (2011)] sugerem que, mesmo nesses países, as atividades de P&D, realizadas por empresas transnacionais, são ainda marginais. Mesmo no caso da China, existem evidências de que as atividades tecnológicas das subsidiárias das ETNs são de intensidade relativamente baixa. Sun (2010) apresenta uma análise detalhada das atividades de P&D das subsidiárias de ETNs e conclui que a maior parte de P&D de empresas estrangeiras na China é de natureza adaptativa e de valor absoluto reduzido e que
o governo chinês e as empresas locais não devem esperar benefícios significativos das atividades tecnológicas das subsidiárias de empresas transnacionais na China. Alternativamente devem focar na construção de capacitações tecnológicas endógenas: a maioria das empresas estrangeiras só vai investir em P&D quando sentirem a concorrência de empresas domésticas (p. 360).
No Brasil, a dinâmica dos investimentos em desenvolvimento tecnológico segue necessariamente essa tendência global de transição de estratégia. Esperava-se que a abertura dos anos 1990 fosse motivar esforços inovativos e tecnológicos de firmas estrangeiras, contribuir para uma mudança estrutural e para reduzir o déficit comercial por meio do aumento das exportações. No entanto, os novos investimentos foram em grande parte market seeking, voltados para a exploração das oportunidades oferecidas pelo mercado interno (incluindo o Mercosul), e concentraram-se na aquisição de empresas locais, tendo se realizado muito pouco investimento novo. Assim, as transformações por que passam economia e sociedade globais a partir da crescente financeirização recolocam na agenda do desenvolvimento elementos já presentes nos debates realizados nos anos 1960 e 1970.
O ponto central que é mencionado por Erber quanto a essa questão reafirma a necessidade de inserir e articular a política de ciência, tecnologia e inovação na estratégia mais ampla de desenvolvimento. Um primeiro passo por ele apontado é efetuar uma demarcação clara entre padrão de desenvolvimento e padrão de industrialização [Erber (1992)]. Essa sua colocação é avançada em seus trabalhos mais recentes sobre convenções de desenvolvimento [Erber (2011)]. Ele explicita que, associada ao padrão de desenvolvimento, coloca-se uma política nacional, cuja implementação depende da existência de uma coalizão de forças sociais e condições políticas, institucionais e administrativas. À necessidade de uma política nacional de desenvolvimento, sem a qual a de inovação se torna inócua, somam-se outras, quanto à forma – sistêmica – e ao foco – priorizando atividades de caráter estruturante que ele denomina “motores da inovação”, os bens de capital, o complexo eletrônico, as TICs, as biotecnologias etc.:
Do ponto de vista estrutural, é prioritário dar prosseguimento ao processo de implantação dos setores motores de inovação, tanto pelo papel que estes representam na dinâmica industrial moderna como pela sua precariedade no País. (Mais ainda) […] é desejável obter uma capacidade de inovação, devido aos seus efeitos econômicos, sociais e políticos. Ao mesmo tempo, maiores são as dificuldades para lograr essa capacidade, pela própria rapidez do progresso técnico, sua complexidade cognitiva, escalas crescentes de gastos mínimos e pelas restrições existentes à transferência internacional de conhecimentos, decorrentes tanto da operação do mercado de tecnologia como da estratégia de firmas internacionais [Erber (1992, p. 30-31)].
Erber prossegue apontando o elemento central em sua tese:
estabelece-se, a esse propósito, uma distinção crucial entre firmas sob controle nacional e estrangeiro, posto que é parte da lógica destas últimas utilizar as técnicas desenvolvidas nos países avançados, induzindo o mesmo comportamento em seus competidores nacionais. É ilusório imaginar que firmas multinacionais venham a desenvolver uma capacidade de inovação no País, mesmo que o Governo lhes conceda incentivos para tal, seja atuando isoladamente, seja em joint-ventures com firmas nacionais [Erber (1992, p. 31)].
Em seus últimos trabalhos, em que aprofunda sua análise sobre desenvolvimento, Erber introduz o conceito de convenções de desenvolvimento, que “embora sejam sempre apresentadas como projetos nacionais que levam ao bem comum, refletem, na verdade a distribuição de poder econômico e político prevalecente na sociedade, num determinado período” [Erber (2011, p. 36)]. Para ele, a percepção do governo do Ex-Presidente Lula quanto à necessidade de uma mudança significativa na estratégia de desenvolvimento brasileiro “mais inclusiva do ponto de vista econômico e social, foi interpretada, no âmbito do Governo, de forma diferenciada, gerando duas convenções distintas” [Erber (2011, p. 37)].
Para uma dessas convenções mencionadas por Erber, a institucionalista restrita, de corte neoclássico e que tem uma visão de sociedade competitiva e meritocrática, “cuja eficiência seria garantida pelo funcionamento do mercado” [Erber (2011, p. 38)], a inovação, apesar de ser “vista como o motor do desenvolvimento, tem na abertura internacional um importante papel no seu estímulo através da importação de tecnologias mais produtivas” [Erber (2011, p. 39)].
Apesar de reconhecer a importância do Estado para o fomento da inovação, os adeptos dessa convenção têm “uma clara preferência pelo modelo principal agente, no qual o Governo fixa as diretrizes de política e os agentes executam tais diretrizes e prestam contas (ao governo) por sua execução” (p. 39).
A segunda das convenções, segundo Erber, é por ele chamada de neodesenvolvimentista, com clara inspiração keynesiana. Seus proponentes, por um lado, aceitam a política macroeconômica da convenção institucionalista restrita, mas, por outro, apontam a necessidade de um papel do Estado muito mais ativo. No caso dos investimentos em inovação, é proposta uma série de mecanismos tais como incentivos fiscais, crédito subsidiado e subvenções. Sua conclusão é que:
a convivência entre as duas convenções se estabelece sob a hegemonia da convenção institucional restrita, assegurada pelo controle do tripé de políticas macroeconômicas […] A combinação entre as duas convenções atende a uma ampla gama de interesses, que a torna muito forte [Erber (2011, p. 51-52)].
É importante notar a discussão proposta por Fabio Erber sobre o suposto consenso a respeito da importância da inovação tecnológica, tanto na academia quanto em círculos governamentais, o qual contribuiu para tornar o tema um prestigioso símbolo de modernidade:
se os conceitos tivessem analogias urbanas, a inovação poderia ser assemelhada a uma dessas praças em forma de estrela, como a De Gaulle em Paris e a Raul Soares em Belo Horizonte, as quais aportam avenidas vindas de diversos lugares, juntam-se e, a seguir, continuam seu percurso rumo a destinações divergentes [Erber (2009, p. 3)].
Diferentes concepções sobre inovação (as quatro avenidas, na analogia de Erber) levam a percepções sobre o papel dos atores do processo inovativo e proposições de política que são não só divergentes, mas, algumas vezes, antagônicas. Esta caracterização e as demais contribuições de Erber acima apontadas em muito ajudam a explicar por que a utilização ainda insuficiente por parte do setor privado dos inúmeros instrumentos de política de inovação, disponibilizados nos últimos 15 anos, longe de paradoxal, constitui-se em inevitável consequência de convenções de desenvolvimento questionáveis e visões, pelo menos parcialmente, equivocadas sobre a inovação. Acima de tudo, suas contribuições deixam clara a importância de entender em profundidade as transformações nas formas de geração e difusão das tecnologias, o papel dos diferentes atores e os espaços e limite das políticas públicas e privadas.
As contribuições de Erber a esse debate continuam válidas e merecem constituir objeto de reflexão maior, por parte tanto dos estudiosos do tema quanto dos planejadores, tomadores de decisão e implementadores de política. Cabe finalmente destacar que Fabio Erber propunha uma agenda positiva em uma nova convenção de desenvolvimento. No centro dessa agenda encontram-se sua constante ênfase à necessidade de aumentar o conteúdo tecnológico dos sistemas produtivos existentes e de mudar a estrutura industrial pela promoção das atividades motoras e transmissoras da inovação, como eletrônica e bens de capital. Se este último objetivo parece ainda distante, o primeiro tem se mostrado possível de ser atingido, na medida em que políticas de inclusão, emprego e renda e aumento de capacitações têm descortinado oportunidades para a criação e consolidação de diversos arranjos produtivos e inovativos locais no território nacional. Nestes podem se encontrar exemplos com força capaz de contribuir para uma agenda coesa e sustentável de desenvolvimento, tão necessária para o país.
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Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber, 2014
Expectativas, incerteza e convenções
Algumas lembranças de Fabio Erber
"INGEGNERI!", "ECONOMISTE!"
Era assim, com entonação irreverente e carinhosa, que nos saudávamos todas as vezes que nos encontramos nos últimos trinta anos, até mesmo em ocasiões de ambiente mais formal.ver também Algumas lembranças de Fabio Erber
Resumo
Ao aceitar o convite para escrever sobre nosso saudoso Fabio, entendi que não se tratava de produzir um paper acadêmico (certamente faltaria qualificação), mas apenas de contar alguns fragmentos da trajetória de nosso querido e admirado amigo. Sem pretensões, é tão somente um depoimento de quem com ele conviveu, às vezes bem próximo, às vezes menos, e que considera um dever (e um prazer) compartilhar com outros algumas passagens marcantes de sua trajetória no campo de Política Industrial, que certamente é pouco divulgada. Fabio Erber enxergou a importância da “informática” (como TIC era então conhecida) na tarefa de modernizar o Brasil e apoiou iniciativas com seu sábio aconselhamento e suporte no governo. Seu estilo modesto, discreto e desprendido de trabalhar marcou profundamente quem teve o privilégio de com ele conviver e aprender.
Algumas lembranças de Fabio Erber
Ricardo A. C. Saur, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
The article does not intend to be an academic analysis of Fabio Erber’s work, but simple comments on his contribution to many aspects of Industrial Policy in Brazil, often underrated. It tries to recall one of the fields he has played a role, as usual with the discretion that characterized him. Much before Information Technology & Communication became a cultural commodity, Erber could see the importance of "Informatics" (as ITC was referred then) in the task of modernizing Brazil, and helped initiatives with his wise counsel and direct intra-government support. His modesty, discretion and commitment left a deep mark on those who had the privilege of working and learning together.
“INGEGNERI!”, “ECONOMISTE!”
Era assim, com entonação irreverente e carinhosa, que nos saudávamos todas as vezes que nos encontramos nos últimos trinta anos, até mesmo em ocasiões de ambiente mais formal.
Fabio e eu tínhamos um aspecto comum muito forte, que, além de uma duradoura amizade, nos unia mesmo nas raríssimas ocasiões em que discordávamos de alguma coisa: tínhamos nos conhecido por intermédio do saudoso José Pelúcio Ferreira, um de nossos maiores e mais expressivos gurus capazes de influenciar o pensamento de toda uma geração de jovens ávidos por desenvolvimento com justiça social. Tenho certeza de que muitas das qualidades que Fabio possuía foram muito influenciadas pelas conversas lapidadoras de Pelúcio, sempre eivadas de bom humor e total desprezo pela vaidade.
Não é à toa que os chineses ensinaram que crise e oportunidade andam juntas. Fabio começou em particular a nos ajudar com sua inteligência e perspicácia em uma ocasião de crise. Após o “choque do petróleo” na década de 1970, o país teve que adotar severas medidas de controle de importações e, sem pedir nem querer, vi-me de repente em uma inusitada posição de muita responsabilidade além de provocadora de enorme antipatia.
A Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (Capre), até então voltada inteiramente para racionalizar a compra e o uso de computadores no governo, foi convocada para a missão de examinar pedidos de importação de computadores, suas peças e periféricos, autorizando ou negando sua importação. É que essas importações estavam crescendo muito e já eram o terceiro maior item na pauta de bens. Um teto anual foi fixado para as autorizações (bem abaixo da demanda projetada) e, ao examinar esses pedidos, devíamos dizer “não” a aproximadamente 70% deles. Isso naturalmente ensejou uma tremenda pressão que só poderia ser atendida criando-se algum filtro técnico para examinar a real necessidade da importação, com um mínimo de erros, e estabelecer um grau de prioridades setoriais.
Fabio Erber ajudou-nos muito no Ministério do Planejamento durante todo esse período inicial e continuou atuando silenciosa e discretamente como um bom conselheiro informal durante os próximos anos.
Esse período (anos 1970) coincide com a compra, pela Marinha do Brasil, de modernas fragatas inglesas, que inauguravam uma nova geração tecnológica ao fazer uso intensivo de computadores para navegação e ataque. Os novos mísseis, como o Exocet, eram então disparados não mais por uma ordem da ponte de comando, mas por um comandante de tiro trancado em uma sala sem janelas, apinhada de telas de radar e várias engenhocas, tudo baseado em computadores. Na expressão de um almirante da ocasião, “sem os computadores, essas fragatas tornam-se meras caravelas”.
A Marinha de pronto enxergou a necessidade de “abrir essas caixas–pretas” e estabeleceu alguns programas de desenvolvimento, enviando oficiais ao exterior e preparando uma nova geração de comandantes capazes de entender esse novo patamar tecnológico que tornava obsoletas várias doutrinas e processos. Um desses programas foi acertado com o BNDE (ainda sem o S) por meio do Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec, atual BNDES Fundo Tecnológico), destinado em sua versão oficial a projetar e fabricar um computador com tecnologia brasileira – mas, na realidade, mais preocupado em desenvolver uma base de engenharia e conhecimento dessas novas máquinas, buscando aproveitar o quase nada existente em nossa indústria eletrônica. Havia também um ambiente acadêmico estimulante, encontrado nos laboratórios de pós-graduação de algumas universidades pelo retorno de uma grande leva de gente que foi buscar seus mestrados e doutorados no exterior, mas nada se encontrava como um laboratório preocupado em conectar-se com nosso desenvolvimento industrial (como é antigo esse cansativo refrão de aproximar a academia e a indústria, nunca de fato estabelecido como política de Estado no Brasil).
Com o poderoso patrocínio do presidente do BNDE, Marcos Vianna, e a inestimável ajuda do grupo de Pelúcio e Fabio, foi possível montar com a Marinha um programa sério que conseguiu ao final produzir não só um modelo de computador que computava, mas principalmente uma nova linhagem de engenheiros e técnicos que uniram uma sólida base tecnológica dada pela academia a uma série de iniciativas que hoje seriam imediatamente rotuladas de “inovadoras e empreendedoras”.
As discussões sobre Política Industrial que se desenvolviam no âmbito da agora poderosa Secretaria de Planejamento da Presidência da República, tendo à frente o Ministro João Paulo dos Reis Velloso, além de ensejarem vários programas de sucesso, criaram um ambiente favorável a novas ideias. Aos assessores diretos do ministro somavam-se o Presidente do BNDE, o Secretário-Geral Élcio Costa Couto, e naturalmente Pelúcio e Fabio. Um dos modelos mais estudados foi o adotado na França, conhecido como “Plan Calcul”, que serviu para que a informática (termo que substituiu definitivamente “processamento de dados”) fosse vista de forma mais estratégica, em um certo longínquo prenúncio do que anos mais tarde seria o advento da sociedade da informação.
A adoção de medidas de estímulo e proteção ao que se desejava fosse a indústria nascente de informática no Brasil, que foi tratada pela mídia como “reserva de mercado para computadores”, provoca até hoje discussões – no mais das vezes despidas de informação e dados reais e cheias de afirmações bombásticas sem base (como “nos atrasamos vinte anos”).
Fabio Erber sempre nos questionava sobre esses temas, cobrando os “porquês” dos fracassos e sucessos e, apesar de sempre disposto a dar seu apoio, mantinha uma admirável capacidade de se despir do discurso oficial e questionar, às vezes duramente, o caminho que estávamos seguindo. Mas, uma vez convencido pelos dados e argumentos, não se furtava a assumir posições contra ou a favor e, nesse caso, apesar de um certo ceticismo quase profético quanto à capacidade do governo pós-Geisel de dar continuidade à iniciativa, ele a apoiou quando enxergou suas consequências estratégicas.
A intervenção militar no novo setor com a criação da Secretaria Especial de Informática (SEI) misturou boas intenções com carreirismo e muito autoritarismo, trazendo disputas internas de poder entre os “coronéis do Figueiredo”, e o surgimento dos eternos “amigos do rei” que, nessas horas, enxergam possibilidades de “morder seu pedaço”. Mas isso é outra história que ainda precisa ser recontada.
Em uma coisa a “reserva de mercado” acertou em cheio: ela conseguiu abrir uma das caixas-pretas mais importantes da indústria de computadores, o software de sistemas operacionais. Hoje, todo garoto sabe o que significa software e todos os milhões de usuários dos PCs e Macs já ouviram falar de sua respectiva “plataforma” ou sistema operacional (ou “Windows” é um termo só para veteranos?). No início da computação, a ênfase pública era toda para o hardware, e o software era visto quase como algo secundário. Mas, tão logo começamos realmente a tomar conhecimento dessas novas tecnologias, a verdadeira importância do software ficou evidente.
Ao fim dos governos militares, apesar das intervenções e desperdícios de oportunidades trazidos pelo autoritarismo, constatou-se que aqui havia sido desenvolvido código de sistema operacional da melhor qualidade (Sisne, Sox) e que o nível de prática e ensino de programação estava par a par com os centros mais desenvolvidos (Estados Unidos, Japão, França e Inglaterra) e até à frente de vários países que não tinham essa expertise.
A noção de que realmente aprendemos a desenvolver software básico firmou-se com as acusações de empresas, como Microsoft e Data General, de que o software que havia nos produtos existentes, ou a serem lançados aqui, era cópia pirateada. Isso foi refutado de forma inequívoca, entre outras, pela estatal Cobra Computadores e pela empresa privada Scopus, até mesmo comparando-se trechos de código. Essa intensa pressão norte-americana ainda foi contida durante o governo Sarney pela atuação de pessoas como Renato Archer e Luciano Coutinho, mas, logo em seu início, o governo Collor cedeu de forma oportunística e acabou com a proteção à emergente indústria de informática no Brasil, que rapidamente desnacionalizou-se e quase desapareceu.
Foi esse tópico que me proporcionou novo e agradável encontro muitos anos mais tarde, quando Fabio era diretor do BNDES na gestão Lessa.
Ao fim dos anos 1990, com a ideia de tornar o Brasil um exportador de software, foi estabelecida uma meta de exportar um milhão de dólares na virada do milênio, e criada a Softex com seu nome original (Sociedade para Fomento da Exportação de Software). Acreditava-se muito em produtos de software, conhecidos como software de pacotes, a serem comercializados por venda de cópias (exatamente como hoje se compra um aplicativo para seu tablet ou smartphone). Esse conceito era correto do ponto de vista técnico, pois tínhamos condições de competir com alta qualidade no desenvolvimento dos códigos para atingir o pacote-produto com um custo adequado. O problema é que, não havendo ainda a internet, os canais de comercialização eram semelhantes a supermercados, dependentes de marcas e de espaço em prateleiras. E aí se revelou nossa grande falta: não tínhamos marcas nem acesso às redes distribuidoras, nem experiência de penetração comercial para vender software-produto diretamente um a um ou mesmo por revendedores. Um dos melhores exemplos foi o caso dos programas de processamento de texto: os mais velhos recordam-se bem da qualidade do CartaCerta e do Redator, softwares totalmente desenvolvidos aqui e que foram esmagados pelos importados da época, mesmo de qualidade inferior.
O resultado desse esforço foi triste: na virada de 2000, não conseguimos nem um quarto da meta estipulada, e criou-se um clima negativo e desencorajador para exportar software.
Nessa mesma época – fim dos anos 1990 –, apareceu o famigerado “bug do milênio”. Até então, as milhares de linhas de código produzidas mundo afora utilizavam apenas dois dígitos para registrar o ano nos programas desenvolvidos. Inúmeros desses programas embutiam tarefas que tomavam decisões comparando dois anos e, com a virada do milênio, isso ficaria totalmente fora de controle ao fazer o computador pensar que o ano 2000 era antes de 1999… A imprensa ajudou muito a disseminar um medo de catástrofes, criando enorme pressão para algo ser feito com prioridade.
O resultado foi um certo pânico para correr contra o relógio e reprogramar todos os programas que fossem atingidos por tal bug, passando a utilizar quatro dígitos para codificar anos. Era uma tarefa repetitiva, de pouca lógica ou complexidade, mas muito, muito extensa. Além disso, era temporária – ninguém queria contratar mais programadores para ter que dispensar logo depois, nem parar seus desenvolvimentos deslocando a mão de obra internamente disponível. Resultado: essa demanda caiu como uma luva para as empresas indianas que constituíram “fábricas de software” imediatamente se movimentarem e explodirem em crescimento e lucros, criando o que se denominou de off-shore outsourcing, e um mito de eficiência e preços baratos. A erradicação do bug do milênio enquadrava-se favoravelmente até na diferença de fuso horário entre Mumbai e Nova York e na obediência cega dos codificadores que adotavam a mesma prática cultural de seus mantras.
No Brasil, em muito menor escala, ocorreu algo semelhante. Surgiram algumas novas e agressivas desenvolvedoras de software na esteira do bug, que se distinguiam exatamente por fugir dos “pacotes” e oferecer serviços de software na modalidade de fábrica. Somando-se a acelerada penetração da informática em todos os setores da economia, criou-se uma nova concepção para o que seria o futuro da indústria brasileira de software: uma oferta de serviços correlacionados ao software, porém, mais abrangente, capaz de tornar o uso da informática pelas empresas algo que vem somado a serviços administrativos ou de relacionamento com o público.
Nos primeiros anos do novo século, algumas das empresas nacionais que souberam aproveitar a onda do bug do milênio se interessaram em conhecer mais de perto o sucesso do modelo indiano e criaram uma associação no começo focada exclusivamente em fomentar a exportação de software e serviços correlatos. A criação da Brasscom foi uma construção delicada no início, pois estavam sendo convidados para colaborar dirigentes de empresas que competiam ferozmente no mercado nacional e que, naturalmente, se viam muito mais como “inimigos” que como “colegas no mesmo barco”. Tive o privilégio de colaborar intensamente nessa construção e conseguir que as desconfianças iniciais fossem superadas, permitindo conduzir, como primeira iniciativa, um convênio com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), atualmente Agência Brasileira de Inovação, destinado a contratar, muito analogamente ao que fizeram os indianos, uma consultoria internacional de renome que produzisse um plano de ação conjunto governo federal-empresas privadas nacionais para conquistar uma parcela do mercado exterior nos próximos anos.
Antes mesmo de essa questão terminar, como considerava a participação do BNDES imprescindível para tornar realidade qualquer plano que viesse a ser proposto, fui procurar Fabio Erber no Banco e propor uma conversa sobre o assunto. Com sua habitual franqueza, ele achou até graça e bem-humoradamente disse que não acreditava naquilo, que não via meios de competirmos com os indianos. Mas talvez pelos créditos de amizade e respeito profissional acumulados durante muitos anos, concordou em almoçar e ouvir.
Mostrei-lhe um paper inicial que havia sido elaborado por ocasião da fundação da Brasscom, já com alguns dados do mercado internacional e a penetração indiana respectiva e falei da experiência dos dirigentes nacionais que já estavam ligados na iniciativa, haviam visitado a Índia e estavam confiantes de que poderíamos ter um lugar nesse crescente mercado internacional. Como eu estava realmente entusiasmado pelo assunto, Fabio acabou por proporcionar uma chance de mudar de ideia, pelo método tradicional do Banco quando há um assunto novo e/ou controvertido: reuniões com técnicos de diversas especialidades do quadro do BNDES, nas quais, após uma apresentação, era feita uma verdadeira sessão inquisitória.
O resultado espelhou muito sua personalidade e seu comportamento: uma vez convencido da validade da iniciativa (sem precipitar-se e mantendo suas reservas de dúvidas a serem exploradas a seguir), Fabio passou a apoiar inicialmente uma investigação mais profunda e, com os resultados positivos, a ideia propriamente dita de tornar o Brasil um exportador de software e serviços correlatos.
Por seu intermédio, a Brasscom foi logo recebida pelo presidente Carlos Lessa, que, apesar de mostrar-se muito cético quanto ao sucesso, admitiu a validade da iniciativa e, a partir daí, o Banco sempre esteve presente e ajudou no desenvolvimento desse segmento.
Fabio poderia ter tido o comportamento tecnocrata de descartar algo que era naturalmente novo, arriscado e desafiador. Mas, suas convicções de Política Industrial, que tanto ajudaram o BNDES a retomar seu caminho após os excessos da época anterior, em que Política Industrial era um palavrão no governo e alguns dirigentes só sabiam falar em privatização, somaram-se sua curiosidade de pesquisador e cientista social que acabavam por dizer “me mostre” para só depois formar sua opinião executiva.
O Brasil é hoje um importante player no mercado internacional de outsourcing de software e serviços correlatos e muito se deve ao apoio dado pelo Banco, que, como outras decisões de Políticas com P maiúsculo, teve uma importante (e como sempre discreta) contribuição do economiste Fabio Stefano Erber.
Mas esta foi apenas uma, e das mais modestas, ainda que tão importante, das magníficas contribuições deixadas pela inesquecível figura do economiste Fabio Stefano Erber.
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1. Introdução
Fabio Erber era um homem que, como diria Kant, "ousava conhecer!"1 "Tinha a coragem de usar o seu próprio entendimento",2ver também Pensando e implementando políticas: a contribuição...
Resumo
Fabio Erber procurava, na vida acadêmica, estruturar definições que o ajudavam a compreender a realidade e a escolher os caminhos que julgava corretos. Com ampla visão de mundo, fez, ao longo de sua vida, várias escolhas de cortes analíticos baseados em conceitos – e com eles implementou, na vida profissional e política, ações que mudaram o entendimento e o rumo da política industrial adotada pelo BNDES, com consequências para o país. Teve contribuição importante na volta da política industrial no Brasil, quando participou da elaboração da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). O ambiente era hostil, mas Fabio tinha a convicção de que o rumo da política industrial precisava ser mudado drasticamente. Este artigo conta o que aconteceu no BNDES neste período da história: o início do governo Lula. Foi escrito por duas pessoas que trabalharam com Fabio depois dos anos 1990 no Banco. O resgate da história do retorno da política industrial com a PITCE contou com o depoimento dos colaboradores de Fabio Erber na formulação dessa política. Procurou-se, ainda, mostrar as discussões teóricas importantes para as escolhas realizadas.
Pensando e implementando políticas: a contribuição de Fabio Erber no BNDES
Dulce Monteiro Filha, José Eduardo Pessoa de Andrade, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
Throughout his academic career, Fabio Erber sought to structure definitions that would help him understand reality and choose the paths he deemed correct. With an encompassing view of the world, the many varying choices he made throughout his life took on an analytical focus based on concepts. And it was through these concepts in his professional and political career that he managed to implement efforts that altered not only the understanding, but also the path of industrial policy taken by the BNDES – something which had an effect on the country. He significantly contributed to recuperating industrial policy in Brazil when he was involved in designing the Industrial, Technological and Foreign Trade Policy (PITCE). While the atmosphere was hostile, Fabio was convinced that the path for industrial policy had to be changed drastically. This paper reveals what took place at the BNDES during this moment in history: the beginning of Lula's administration. It was written by two people who worked with Fabio Erber at the BNDES after the 1990s. The history of the return to industrial policy via the PITCE is presented by means of testimonies from two of Fabio Erber's collaborators involved in designing this policy. Also, the paper aims at presenting the important theoretical discussions that led to the choices made.
1. Introdução
Fabio Erber era um homem que, como diria Kant, “ousava conhecer!”1 “Tinha a coragem de usar o seu próprio entendimento”,2 mesclando os ensinamentos adquiridos como professor de Economia da UFRJ com os resultados da frequente atividade de formulador de políticas governamentais. Assumiu funções públicas em períodos de mudanças políticas no país, nos governos Sarney, Itamar e Lula, com a incumbência de participar da elaboração e da implantação de programas e planos de desenvolvimento que incluíssem ações principalmente nas áreas industrial e tecnológica.
Durante sua vida, por vários períodos, esteve ligado à implantação de setores de ponta no país, desde os tempos em que trabalhou na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), atualmente Agência Brasileira de Inovação, na coordenação de um grupo ligado à implantação da Política de Informática do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).
Foi secretário executivo adjunto no Ministério da Ciência e Tecnologia no governo José Sarney, de 1986 a 1988. Nesse período, esteve envolvido com tarefas da Secretaria-Geral e também com a formulação de políticas.
Quando participou do governo Lula, essa experiência o ajudou na tarefa de opinar na remontagem da estrutura de Estado que permitiu a volta da política industrial ao Brasil. Participou ativamente da elaboração da PITCE. Esse trabalho não foi fácil, por causa da postura adotada pelos governos anteriores, que ressaltava as desvantagens dessa política, e também porque tinha sido destruída grande parte do amplo arcabouço jurídico-institucional da época dos planos de desenvolvimento. Havia outra dificuldade ainda, relacionada à necessidade de priorizar, naquele período, o controle da inflação. A PITCE representou uma mudança institucional, pois foi estabelecida uma nova convenção – a do novo desenvolvimentismo.
No BNDES, como funcionário de carreira, Fabio assumiu por dois períodos uma diretoria nessa instituição, com atuações marcantes. Em 1992, foi nomeado diretor pelo então presidente da República, Itamar Franco, na gestão do presidente do BNDES Antônio Barros de Castro, e assumiu a responsabilidade pela Área Industrial.
Fabio resolveu criar uma nova estrutura para o funcionamento da Área Industrial. Essa área foi dividida em duas superintendências, cada uma compartimentada em quatro departamentos setoriais, em diferentes graus de agregação dos setores abrangidos. Como diretor da Área Industrial, implantou as gerências setoriais, que têm como tarefa armazenar e analisar informações dos setores industrial, agrícola e de serviços, publicando o BNDES Setorial, entre outros trabalhos e atividades.
No período 2003-2004, assumiu novamente a diretoria e foi um dos principais responsáveis pela volta da política industrial no país e um dos articuladores da PITCE, tendo reestruturado a Área Industrial e a Área de Planejamento do BNDES. Foi o responsável também pela diretoria que criou programas visando à implantação de novos setores ou à dinamização de setores incipientes na matriz industrial brasileira, determinantes para o desenvolvimento tecnológico do país.
1.1. Contexto histórico
De 1955 até 1990, o desenvolvimentismo incorporou as disputas técnicas e políticas,3 usando a intervenção do Estado para, por meio da industrialização, estabelecer um padrão de crescimento.
Os planos que propuseram uma ação mais intervencionista na parte real da economia foram o Plano de Metas e o II PND, pois consideravam, como questão principal, o desenvolvimento a partir do processo de industrialização. Com base no modelo de substituição de importações em setores-chave que poderiam ter efeitos encadeadores e propagar o desenvolvimento para o restante da economia, construía-se um discurso político que enfatizava a possibilidade de espraiar os resultados alcançados para o restante da economia.
Entretanto, já a partir de 1988, com a promulgação da nova Constituição brasileira, o modelo anterior de desenvolvimento foi considerado terminado, em face da crise inflacionária que se tentava combater desde 1986 (Plano Cruzado).
No âmbito interno do BNDES, no governo Sarney, predominava a proposta da “integração competitiva”,4 com o diagnóstico de que a proteção, principalmente alfandegária, aos setores industriais instalados no país, um dos pilares do estímulo à implantação de novas indústrias, não proporcionara eficiência e capacidade competitiva a esses setores. Seria necessário aumentar sua exposição à competição internacional. A possibilidade de atingir eficiência internacional seria tomada como referência para orientar a atuação estratégica ativa do Estado e do BNDES nos setores capazes de se integrar competitivamente à economia mundial, sem o recurso da proteção alfandegária diferenciada.
A abertura da economia brasileira ocorrida nos anos 1990, no governo Fernando Collor, seguindo os preceitos do Consenso de Washington, trouxe uma mudança de modelo econômico e a modificação de um conjunto de normas. Essas normas mudaram o arcabouço técnico e jurídico do país. O governo passou a promover ações visando à diminuição da presença do Estado na economia e à privatização das empresas estatais. Foram estabelecidas medidas de redução acentuada e generalizada das barreiras alfandegárias. Foi adotada uma política industrial horizontal, sem considerar as particularidades e as necessidades de cada setor específico, com exceção aberta na política para os setores de tecnologia de ponta – microeletrônica, novos materiais, química fina e biotecnologia.
A chegada de Fabio à diretoria do BNDES, após a saída de Collor, ocorreu como resultado da alteração no predomínio das forças políticas que comandavam o Brasil. A concepção desenvolvimentista voltou a prevalecer, em face do reconhecimento da importância das políticas proativas no fortalecimento da atividade industrial no país.
O setor industrial não deveria ser abordado como um bloco único e coeso. Era a avaliação das vantagens das políticas setoriais verticais diferenciadas em relação às horizontais indiferenciadas. A incorporação da eficiência para enfrentar a concorrência internacional não ocorrera de modo uniforme pelos diferentes setores. Novas ações e muitas inovações deveriam ser formuladas e implementadas. Políticas diferenciadas incorporando as especificidades e as necessidades de cada setor industrial deveriam ser adotadas.
1.2. A visão sobre política industrial
O Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) perceberam, nos anos 1990, que era necessário voltar a discutir política industrial.
Em 1993, o Banco Mundial enfatizou a importância da coordenação, registrando que, além de enfocar falhas de funcionamento do mercado, mesmo na ausência destas, as políticas de governo deveriam tratar as falhas de coordenação, que, por si só, podem gerar importantes falhas de mercado.
A OCDE elaborou um texto que foi bastante debatido [Postel-Vinay (1999)], no qual afirmava:
Se a política externa, a política econômica parecem noções intuitivas, a política industrial apresenta noção diversa e representação diferente segundo os interlocutores e países: política de competitividade para um ambiente favorável às empresas para uns, desenvolvimento de grandes pesquisas para outros, para estes se amoldando com uma política tecnológica, por vezes enfim perseguindo através de suas ajudas financeiras como um meio de acompanhar reestruturações, ou como um resto de políticas setoriais. Esclarecer o conceito é pois necessário, e isto sob um período muito longo para limitar os efeitos da ótica conjuntural (p. 18).
A OCDE passou a defender políticas de promoção de competitividade, em substituição ao termo política industrial.
No entendimento de OCDE (1998), a política de competitividade tinha como principal papel contribuir para o estabelecimento de uma ampla estrutura de mercados eficientes e para a correção de falhas de mercado que podiam retardar a contribuição dos negócios ao crescimento econômico e do emprego. Essas políticas procuravam, entre outros aspectos, privilegiar economias de coordenação, para reduzir assimetrias de informação entre os agentes econômicos, a fim de minimizar falhas de governo e de mercado e estimular maior eficiência no uso de fatores que contribuíam para crescentes ganhos de produtividade. Apoiavam a modernização produtiva e promoviam ainda a atração de novos entrantes.
Em 1998-1999, o Banco Mundial também deu particular ênfase à importância da informação, na era do conhecimento, para o crescimento econômico, destacando seu aspecto vital para o eficiente funcionamento dos mercados. Os agentes econômicos, em geral, têm problemas de acesso à informação, isto é, os mercados de conhecimento frequentemente falham, o que influencia negativamente a competitividade.
Os debates levantados pelo Banco Mundial e pela OCDE decorreram da abertura econômica em grande número de países. Como exposto em Monteiro Filha e Piccinini (2001), em uma economia aberta o instrumental usado nas análises de mercado/estratégias/progresso técnico não pode ser o mesmo de economias fechadas. Em economias abertas, a competitividade das cadeias produtivas e dos países depende de sua capacidade de reagir a novas oportunidades e desafios, respondendo às demandas no timing adequado.
No texto “O Retorno da Política Industrial”, Fabio Erber teve a coragem de explicitar o que todos que trabalhavam com o assunto sabiam:
O tema política industrial evoca divisões profundas entre os economistas. Durante a última década, a própria expressão tornou-se um tabu, tendo sido banida da retórica dominante (quando indispensáveis, usam-se eufemismos como política de competitividade) [Erber (2002a, p. 637)].
Fabio tinha uma visão própria de política industrial, que desenvolveu por sua experiência profissional, mas, seguindo a tradição inaugurada por Herrera (1971), enfatizou a necessidade de perceber as dimensões explícita e implícita e elaborou a diferença entre elas. Chamou de políticas industriais explícitas aquelas, definidas pela ação do Estado, que visam, diretamente, alterar o comportamento das empresas industriais, direcionando de forma específica a mudança pretendida. Entendia como políticas industriais implícitas as que procuram alcançar determinados objetivos que são definidos, em parte, à luz da teoria sobre o processo de desenvolvimento.
Em sua concepção,5 a política industrial faz parte de um sistema, de forma que sua eficácia depende da convergência de políticas implícitas com as demais políticas, principalmente a macroeconômica. A convergência entre políticas industriais explícitas e implícitas depende das condições macroeconômicas e dos objetivos do desenvolvimento que o Estado pretende alcançar.
Ao mesmo tempo, achava relevante uma visão da economia que captasse sua complexidade. Para isso, procurava entender a diferença entre as partes do sistema econômico, usando o conceito de setor. Defendia que o nível de agregação a ser utilizado – definição de setor – deve depender do tipo de problema a ser tratado [Erber (2002b)].
A operação de um setor é um processo coletivo, em que o resultado final difere da soma das partes, o que pode ser esquematizado na metáfora da “cadeia” (entendendo-se cadeia como o processo produtivo que transforma as matérias-primas em produtos e os leva à fase em que são comercializados, sendo agregado valor em cada uma das etapas percorridas). Isso conduz à percepção de que a força de um setor é inversamente proporcional à fraqueza de seu elo mais débil. “Ilhas de excelência”6 esparsas em um mar de subdesenvolvimento não conduzem à sua superação. É, portanto, uma visão sistêmica da economia.
A interdependência também existe entre setores, que mantêm fortes relações de compra e venda visando ao abastecimento de determinado mercado (citando, como exemplo, o complexo têxtil), ou para juntar setores industriais que compartilhem da mesma base técnica, embora forneçam a mercados distintos (o exemplo dado é o complexo eletrônico). São os chamados setores mesoeconômicos [Erber (2002b, p. 10)].
Podem existir várias políticas industriais, em decorrência também da especialização, nas quais setores e cadeias são definidos por base técnica e mercado. Estratégias e competências de arranjos empresariais são determinadas pelo relacionamento das empresas com relação a mercado e pela rede de interações empresariais, levando-se em consideração a base técnica.
A diversidade das Políticas Industriais é também uma imposição técnico-econômica: os setores e cadeias produtivas apresentam características distintas, que impõem tratamento diferenciado. Mesmo as políticas mais horizontais, como as políticas macro, têm rebatimentos setoriais distintos. Igualmente, a heterogeneidade das empresas, em termos de tamanho e origem do capital, introduz diferenças importantes na sua lógica de transformação de portfólios – o que implica em Políticas Industriais diferenciadas. […] Finalmente, a especificidade dos ativos que compõem a empresa também implica em diferenciação de Políticas Industriais [Erber (2002a, p. 639)].
Fabio chamava a atenção para o fato de que políticas macroeconômicas têm rebatimentos setoriais distintos. E, igualmente, a heterogeneidade das empresas, quanto a tamanho e origem do capital, introduz diferenças importantes na lógica de transformação do conjunto – reforçando a necessidade de políticas industriais diferenciadas.
O autor enfatizava que, para um país retardatário, o timing é importante para que possa ocorrer o catching-up com os países desenvolvidos e sustentava que a política industrial acelera esse processo.7 A ausência de política é uma política de manutenção do status quo, isto é, “mais do mesmo”, e não uma situação de não política. Políticas de desenvolvimento geram desequilíbrios para poder promover o emparelhamento com os países mais adiantados, porque mudanças estruturais ocorrem nesse contexto. A política industrial é, assim, um instrumento poderoso na promoção do desenvolvimento [Erber (2002a, p. 647-648)].
2. Contribuição de Fabio Erber a partir dos anos 1990
2.1. Atuação no BNDES de 1993 a 1994
Com vivência acadêmica, na esfera pública e no BNDES, Fabio apresentou novas ideias para fortalecer o setor industrial no Brasil, assumindo, ao mesmo tempo, a direção da área específica do BNDES na qual seria possível manejar instrumentos capazes de atingir os fins desejados.
No governo Itamar, de 1992 a 1994, havia grande preocupação com a hiperinflação e a estagnação do Produto Interno Bruto (PIB), com um decréscimo acentuado do crescimento da economia brasileira. Na década de 1980, o crescimento do PIB foi de 1,57% a.a., bem menor do que os 7,45% a.a. no período 1945-1980. Era grande o questionamento externo e interno sobre o grau de proteção da economia brasileira, principalmente em relação aos produtos industriais. A economia era fechada e não havia estímulos ao aumento da eficiência e da competitividade dos setores industriais.
Uma das primeiras ações de Fabio, alterando a tradição dos procedimentos praticados na Área Industrial do BNDES, foi a proposta de criação de gerências setoriais em cada um dos departamentos integrantes de sua estrutura. Argumentou, na época, que a atuação tradicional do BNDES nas fases do projeto – análise, aprovação, contratação e acompanhamento – permitia que os técnicos e responsáveis gerassem competências e conhecimentos qualitativamente diferenciados.
Além disso, outros conhecimentos gerados durante as fases do projeto, primordialmente de caráter mais setorial, eram pouco registrados nos relatórios. Eram conhecimentos obtidos nas leituras, nas conversas internas ou com representantes das empresas e nas conversas ocorridas em eventos com representantes dos setores industriais envolvidos. Esse conhecimento gerado em nível tácito, não formalizado e sistematizado, era difundido na instituição primordialmente pela convivência informal dos técnicos mais antigos com os mais novos.
Fabio compreendeu e identificou a importância para um banco de desenvolvimento desse conhecimento, ainda muito pouco aproveitado, tanto internamente, na instituição, quanto externamente, pelas demais instituições públicas, órgãos de governo e entidades privadas.8
Mesmo com a nova inflexão no predomínio das forças políticas que comandavam o país, com a presidência de Fernando Henrique Cardoso e a prevalência da concepção neoliberal e das propostas de políticas horizontais indiferenciadas, as gerências setoriais permaneceram na estrutura do BNDES como um legado da contribuição de Fabio, como diretor do BNDES, durante aquele período.
Em 1997, após a saída de Fabio da diretoria do BNDES, outras áreas operacionais aprovaram a extensão da criação de gerências setoriais: a Área Social e a Área de Infraestrutura. A participação do Banco na evolução de alguns setores estratégicos e, inversamente, o peso desses setores na carteira do Banco justificaram a institucionalização de centros de conhecimento setorial na forma de gerências setoriais.
Na apresentação do livro BNDES 50 Anos – histórias setoriais, Fabio explica o recorte setorial [Erber (2002b)]:
[…] a avaliação das propostas de financiamento submetidas ao Banco requer a competência para analisar os setores em que os candidatos ao financiamento se inserem. Em outras palavras, o BNDES, como outras instituições financeiras semelhantes, requer, operacionalmente, alto grau de inteligência setorial. Dada a diversidade das operações do Banco, este tem ainda que deter a competência para realizar a análise de novos setores. Para ser eficaz, tal conjunto de competências precisa estar institucionalizado, de forma a não depender de indivíduos específicos – o que implica contar com uma massa crítica de técnicos qualificados em análises setoriais. Esse tipo de consideração presidiu a decisão da diretoria do Banco de criar as Gerências Setoriais do BNDES, em 1993 (p. 13).
[…] será fundamental a concepção das Gerências Setoriais como “núcleos de inteligência setorial”, agindo articuladamente com as áreas operacionais do Banco e os demais aparatos do Estado (p. 14).
Apesar da importância da recuperação da história setorial, especialmente num país onde esse tipo de informação é reconhecidamente precário […] [os estudos] fornecem elementos importantes para a revisão crítica do passado recente e, principalmente, contribuem para a formulação de políticas setoriais e para a própria atuação do Banco. Nesse sentido, cumprem a função estratégica das Gerências Setoriais de atuarem como centros de inteligência para a formulação de políticas de desenvolvimento (p. 14).
As gerências setoriais (GESETs), de 1993 até hoje, vêm sendo responsáveis ou contribuíram para a elaboração de publicações, tais como BNDES Setorial, Informe Setorial, Relato Setorial, Textos para Discussão, estudos, estudos especiais e livros.
Júlio Ramundo, diretor do BNDES, que é funcionário da instituição desde 1992, conta que as GESETs foram criadas com o objetivo de sistematização da informação, mas não têm apenas essa função. Elas conseguem apreender o conhecimento tácito que existe em uma organização como o BNDES, gerando uma postura impessoal na proposição de política setorial. Os chefes de departamento, que são os responsáveis diretos pelo relacionamento com os setores, passam a ter capacidade de verbalizar essas políticas mais articuladamente.
Segundo Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do Banco, as GESETs dispõem de um nível de conhecimento do setor e das empresas que permite uma atuação sobre disfunções existentes. Os estudos setoriais são muito importantes em setores intensivos em ciência e tecnologia, que têm formas de se expressar muito técnicas e bastante diversificadas, uma vez que utilizam ampla gama de conhecimentos científicos. As GESETs permitem que o BNDES opere com empresas com risco mais elevado do que outros financiadores privados, que nem sequer examinam os pedidos de empréstimos, pela dificuldade de entendimento da operação da empresa. É usual colocarem spreads muito elevados, impedindo que projetos ligados à inovação sejam financiados.
2.2. Os anos 1990 segundo Fabio Erber
Ao analisar os anos 1990, Fabio especifica o embasamento teórico das ideias motivadoras da mudança que levou a convenção neoliberal a se tornar hegemônica no Brasil. Ela era constituída por um tripé intelectual dado por:
(i) o programa de pesquisas novo-clássico que, combinando suposições sobre os agentes econômicos maximizadores e dotados de expectativas racionais, equilíbrio contínuo de mercados, taxa natural de desemprego e decisões de oferta dependentes de preços relativos, postulava a ineficácia de políticas ativas do Estado, salvo por meio de “surpresas”;
(ii) a invasão da ciência política pelos postulados da economia neoclássica (notadamente o individualismo maximizador de interesses privados), que levou a teoria da escolha pública a teorizar a “apropriação” do Estado por interesses particulares – seja por coalizões restritas, seja pela própria burocracia. Em consequência a ação do Estado deveria ser restringida e submetida a regras rígidas e transparentes e a burocracia “insulada” das pressões econômicas e políticas;
(iii) os aportes da “nova economia institucional” que explicavam o desenvolvimento de instituições adequadas que, na fase atual do capitalismo, estimulassem a inovação e reduzissem os custos de transação. Embora indispensáveis, as instituições estatais deveriam ser tão market friendly quanto possível, de preferência “simulando a atuação do mercado, de forma a privilegiar a alocação eficiente de recursos e inovação”.
As pernas do tripé reforçavam-se mutuamente e retomaram o etapismo – notadamente na visão de Fim da História [Fukuyama (1989)] – pela qual o desenvolvimento, adequadamente conduzido, levava necessariamente a uma sociedade “pós-histórica”, regida pelo mercado e com um sistema político de democracia representativa [Erber (2007, p. 52-53)].
Essa visão dinâmica da sociedade foi traduzida, como já mencionado, em um conjunto de recomendações, em um decálogo que ficou conhecido como Consenso de Washington, originariamente destinado a países da América Latina, mas rapidamente ampliado a países em desenvolvimento.
Fabio destaca ainda quatro aspectos fundamentais que definem as duas convenções:
I. O desenvolvimentismo partia da sociedade para chegar ao agente individual. Na convenção neoliberal, o percurso é oposto.
II. A velha convenção via o desenvolvimentismo como a transformação da estrutura produtiva, com as instituições adequando-se a esta transformação, ao passo que a recomendação básica da convenção neoliberal é de get the institutions right, acerto que levaria a uma estrutura produtiva apropriada à alocação eficiente de recursos.
III. O Estado é para o desenvolvimentismo o motor do desenvolvimento, seja por causa das falhas de mercado, seja porque representa o interesse da coletividade. Para os neoliberais, as falhas do Estado são mais daninhas que as falhas de mercado, e o Estado tende a ser apropriado e deve ter seu poder discricionário limitado ao máximo. Os mercados, ao contrário, devem ser estimulados e, quanto mais completos, maior será a probabilidade de desenvolvimento.
IV. Os desenvolvimentistas insistiam que o subdesenvolvimento é um processo histórico específico e que a história dos países periféricos não é uma repetição defasada do percurso dos países mais avançados. Os neoliberais recuperam o etapismo, em uma versão ainda mais simplificada que as prevalecentes nos anos 1960, como a de Rostow (1964) [Erber (2007, p. 54 e 55)].
Fabio Erber apontava ainda que o modelo de estabilização implantado depois de 1990 montou um arcabouço institucional, na esperança de desenvolver um capitalismo financeiro no país9 e de dar maior competitividade à economia brasileira para capacitá-la a atuar em um mundo globalizado.
Somava suas conclusões com autores como Chagas (2006), que argumentava que a instabilidade econômica, com a inflação acelerada e a inoperância do Estado em relação à política industrial e tecnológica, levou à cristalização de uma conformação estrutural caracterizada por acentuada heterogeneidade tecnológica e estrutural e por fraca capacidade de inovação, fatores que passaram a ser óbices à retomada do crescimento. Os problemas enfrentados pela estrutura produtiva eram vistos como o esgotamento do modelo de desenvolvimento, identificado pela queda dos índices de produtividade.
2.3. Fabio Erber volta à diretoria do BNDES em 2003
Em 2002, Fabio Erber escrevia que, em face da necessidade de retomar o crescimento econômico e das pesadas restrições macroeconômicas existentes, “parece muito provável que a nova estratégia de desenvolvimento venha a novamente privilegiar as alterações na estrutura produtiva, atuando por meio de políticas setoriais” [Erber (2002b, p. 14)].
Nesse contexto, com a mudança de governo, em 2003, voltou a ideia de política industrial, e Fabio Erber foi um protagonista dessa história. Foi nomeado diretor do BNDES pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na gestão do presidente do BNDES Carlos Lessa.
Inicialmente, ficou responsável pelas Áreas de Planejamento e Mercado de Capitais. No Planejamento, promoveu uma reestruturação remodelando o departamento de estudos, para iniciar análises de alguns setores, como tecnologia da informação, farmacêutico e biotecnologia. Nas estatísticas do BNDES, estudou-se a possibilidade de obter informações sobre apoio financeiro a locais por Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em vez de por macrorregiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste), o que possibilitaria melhor avaliação de políticas de inclusão social. Estudou-se que ações o Banco poderia adotar para incentivar o emprego no país. Foram demandados estudos sobre a fragilidade externa do país, sobre a implicação dos acordos comerciais para o Brasil e sobre a integração com a América do Sul, assim como foi solicitada uma agenda de trabalho conjunta das Áreas de Planejamento e de Exportação, objetivando estruturar operações que visassem ao desenvolvimento de cadeias produtivas. Entretanto, já no início do segundo semestre Fabio foi deslocado para as Áreas de Crédito e Industrial.
No período de 2003 a 2004, foi um dos principais responsáveis pela volta da política industrial no país e um dos articuladores da PITCE. Reestruturou a Área Industrial e a Área de Planejamento do BNDES, assim como foi o responsável pela diretoria que criou programas visando à implantação de novos setores e ao fortalecimento de setores incipientes na matriz industrial brasileira, determinantes para o desenvolvimento tecnológico do país.
O ambiente hostil à ideia de política industrial demandava, na época, uma resposta à questão: por que o Brasil precisa de política industrial? Como pensador, Fabio Erber preocupou-se em responder a essa pergunta, e, como operador de políticas públicas, se propôs a desenvolver instrumentos de política industrial, adequados ao momento de transição – do predomínio de uma convenção10 neoliberal para uma desenvolvimentista.
Como desenvolvimentista, propunha uma mudança estrutural e frequentemente se referia à necessidade de não se fazer apenas “mais do mesmo”.
Em períodos de reestruturação das instituições, era indispensável, para o estabelecimento de uma nova convenção, a compreensão dos instrumentos de política usados pela convenção anterior, que tinham de ser modificados para a implantação de novas.
Num contexto extremamente adverso, a política industrial precisava articular primeiro as instituições que possibilitariam sua existência. Assim, é fácil entender por que a PITCE se propôs a uma atuação mais restrita que a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que lhe seguiu. O arcabouço institucional capaz de administrar a implantação de uma política mais ampla não existia mais, principalmente porque havia clareza quanto à importância de políticas diferenciadas para indústrias com lógicas distintas, conforme mostrava o texto do documento Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior:11
A organização industrial e a dinâmica da inovação e difusão de tecnologias determinam comportamentos empresariais diferenciados. Desta forma, a política para um setor intensivo em capital, estruturado por grandes empresas, não pode ser a mesma que para outro setor, intensivo em trabalho e caracterizado por pequenas empresas. De forma análoga, setores industriais que geram inovação não podem ser tratados da mesma forma que setores que são mais receptores de inovações geradas em outros segmentos produtivos. A dinâmica de cada processo é diferente, o que exige tratamento diferenciado.
2.4. Atuação como “operador” de política: PITCE
Quando no segundo semestre de 2003 assumiu a Diretoria Industrial do BNDES, Fabio passou a se empenhar tanto na coordenação da implantação da política industrial quanto no desenvolvimento de programas de financiamento para os setores de software, fármacos e medicamentos e bens de capital. Além disso, recriou um programa horizontal denominado Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec, atual BNDES Fundo Tecnológico), para financiar o desenvolvimento tecnológico.
Essa atuação era coordenada por Brasília. Havia, no governo, a Câmara de Política Econômica (CPE), ministerial, que se reunia na Casa Civil, coordenada pela Fazenda – o secretário de Política Econômica formalmente montava a pauta, mas os ministros tinham participação ativa, diretamente, e compareciam às reuniões semanais. A CPE criou o Grupo Executivo da PITCE, que tinha representantes de vários órgãos – o do BNDES era o Fabio Erber. Havia uma coordenação: Edmundo Machado de Oliveira (Fazenda), Alessandro Teixeira (que na época estava na Apex), Mario Sergio Salerno e Fernando Rezende. Na função de articulador político, Glauco Arbix conversou com todos os ministros ligados ao assunto para lançar a ideia de política industrial. Até a formalização do documento Diretrizes de política industrial, tecnológica e de comércio exterior, lançado em novembro de 2003, o grupo fazia reuniões semanais. Havia subgrupos específicos também.
Fabio Erber teve participação destacada, pois não ficou na abordagem “corporativa”, segundo declarações de Mario Salerno. Contribuiu na formulação geral e na articulação. Apresentou algumas vezes sua análise da experiência anterior com planejamento, um alerta para a superação dos possíveis problemas.
Como Mario Sergio Salerno12 chama a atenção,
um dos resultados desse processo foi a compreensão da necessidade de novas construções institucionais. Foi proposta a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, envolvendo ministros, industriais e sindicalistas para a discussão das estratégias, aconselhamento de ações e consultas, e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), uma instituição autônoma, que fosse independente do orçamento da União, operando sob comando direto do MDIC, coordenadamente com o MCT. A proposta era a de reunir um corpo profissional enxuto mas dedicado em tempo integral para coordenar, monitorar andamento, propor novas ações e eventualmente operar algum instrumento específico. Com essas duas entidades atuando, esperava-se que aumentasse a coordenação intragovernamental e a interlocução com a indústria, o que é fundamental numa política na qual o Estado não interfere diretamente na produção, mas busca incentivar posturas e ações da iniciativa privada.
Em 2004, amadureceu a ideia da criação da ABDI, quando o grupo executivo não conseguiu mais trabalhar, pois cada um tinha de cuidar de suas tarefas em seus órgãos. Fabio Erber participou ativamente dessa concepção. Ela foi discutida com os ministros “diretos” – ministro da Fazenda, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e ministro da Ciência e Tecnologia –, que inicialmente faziam parte de seu conselho de administração. O projeto de lei resultante foi aprovado por unanimidade.
A PITCE, aprovada em 31 de março de 2004, colocou no centro das preocupações políticas a inovação e a agregação de valor aos processos, produtos e serviços da indústria nacional.
Propunha três eixos de ação: linhas horizontais visando à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, inserção externa/exportações, ambiente institucional e modernização da indústria brasileira como um todo; apoio mais incisivo nos setores estratégicos, definidos como software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos; e apoio às chamadas atividades portadoras de futuro, identificadas como biotecnologia, nanotecnologia e energia renovável.
No governo federal, em depoimento, Mario Salerno13 conta que existiam três níveis de discussão que levaram à articulação da PITCE:
- Câmara de Política Econômica (CPE) – ministros da Fazenda, do Desenvolvimento Indústria e Comércio, do Planejamento Orçamento e Gestão, da Casa Civil e da Ciência e Tecnologia. Conforme o tema, o ministro da área era chamado. O grupo executivo participava dessas reuniões, que ocorreram em 2003.
- Grupo executivo – o grupo era fechado: além da coordenação – Ipea, Fazenda e MDIC –, contou com a participação assídua de Fabio Erber, que, apesar de não estar formalmente na coordenação (composta apenas de pessoas sediadas em Brasília), foi quem mais ajudou, segundo Mario Salerno. No documento da PITCE, na capa, há a relação dos órgãos que participaram (evidentemente, não de forma homogênea).
- Grupos diversos – normalmente, se reuniam na Secretaria Executiva do MF, para tentar chegar a algum consenso ou proposta para ser levada à CPE.
2.5. A preocupação com o desenvolvimento tecnológico
Ao diferenciar os três grupamentos de políticas (horizontais, setores estratégicos e as atividades portadoras de futuro), a PITCE enfatizou a necessidade de investimento em setores cujas inovações objetivariam mudar radicalmente, num período curto de tempo, a capacidade de competição do país. Na concepção de Schumpeter, a concorrência é um processo dinâmico marcado pela introdução e pela difusão contínua de inovações. Assim, é indispensável introduzir setores inexistentes na matriz industrial brasileira.
Profundo conhecedor da literatura sobre desenvolvimento tecnológico, Fabio Erber foi um especialista conhecido no Brasil e no exterior. Com um humor refinado, usava slogans engraçados para transmitir suas mensagens, como “Inovações em computer chips têm consequências distintas de modificações em potatoes chips“.
Em texto escrito para Cepal/Ipea, ele demonstrou a preocupação que norteou sua vida profissional:
Olhando a literatura de uma perspectiva histórica, dimensão singularmente ausente nos estudos recentes sobre inovação, é recorrente a constatação de que, no Brasil, investe-se pouco em P&D, o aprendizado é passivo, as inovações são defensivas, o sistema de inovações fragmentado e imaturo. As comparações internacionais confirmam, com riqueza de detalhes, esse padrão, que pouco se modifica ao longo do tempo [Erber (2010, p. 69-70)].
Complementando, ainda:
A estrutura industrial brasileira pouco se teria alterado desde o início dos anos 1980, quando se completou o II PND.
A abertura dos anos 1990 prometia libertar a capacidade de inovação das peias da estrutura interna via os efeitos dinamizadores do comércio internacional e do investimento estrangeiro. Suas consequências para a inovação local, mediadas pela estrutura produtiva, merecem análise mais detalhada. Aparentemente, a abertura comercial ampliou o peso relativo dos setores intensivos em recursos naturais e reduziu o dos setores mais intensivos em tecnologia.
A importação de inovações, incorporadas ou não em bens de capital e insumos, permite a rápida difusão de inovações, mas inibe a expansão dos setores motores e difusores das inovações e não gera nas cadeias produtivas o processo de aprendizado entre fornecedores e compradores que cria capacidade de inovar – problemas apontados desde os remotos anos 1970. Especificidades locais, não só de recursos, mas também de mercado, como a baixa renda, parecem explicar boa parte das inovações introduzidas pelas empresas estrangeiras, que correspondem por parte substancial do esforço inovador brasileiro [Erber (2010, p. 69-70)].
Como um dos principais articuladores da PITCE, Fabio explicou no texto da Cepal/Ipea sua preocupação com o desenvolvimento tecnológico, pois, ao ser lançada, a política tinha o propósito de retomar a transformação da estrutura produtiva, mediante o reforço dos setores motores e difusores de inovações. Não estava excluído o apoio a inovações secundárias, tais como novos métodos de produção, novas fontes de matéria-prima, novos mercados, novas formas de organização, entre as diversas estratégias que podem construir um elemento decisivo na concorrência capitalista, novas aplicações e usos para produtos e processos, bem como as melhorias no que já existe, pois também constituem inovações. Em todos os casos, a inovação requer a introdução do novo no mercado, conferindo, assim, a vantagem competitiva – ou, nos termos de Schumpeter, a posição de monopólio temporário – ao inovador.
Acrescentou ainda Fabio que, pela teoria de sistemas de inovação e pela observação dos dados da Pintec,
é fundamental estudar o processo de inovação ao nível das cadeias produtivas, além da análise tradicional por setores, identificando, na cadeia, onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia, com quais efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia [Erber (2010, p. 70)].
Apesar de haver consenso quanto à importância da inovação, há grande dificuldade no entendimento dos conceitos envolvidos, de forma que a implementação de políticas públicas não conseguiu criar ainda um círculo virtuoso. Do ponto de vista da literatura acadêmica, Fabio chama a atenção para o fato de que, a partir da década de 1990, quatro caminhos tornaram a inovação um lócus de convergência teórica em economia [Erber (2010)]: a teoria do comércio internacional (mais linear), as teorias do crescimento econômico (em que a inovação é variável central), o programa evolucionista neoschumpeteriano e os estudos de desenvolvimento.
O programa evolucionista neoschumpeteriano desenvolveu conceitos que influenciaram a literatura brasileira dos anos 1990 [Erber (1992); Coutinho e Ferraz (1994); Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1996)], considerando a inovação como variável central para o crescimento. Eles partem do axioma da diversidade entre as firmas, que tem como base as teorias de Penrose (1959). Os paradigmas tecnológicos de Dosi (1982) estão também frequentemente presentes nas conversas sobre apoio à inovação.
Autores dessa escola propuseram, por exemplo, um corte analítico baseado no fluxo de inovações, os setores podiam ser divididos em: motores, que geram as principais, baseados em ciência – como a eletrônica –, receptores, cuja demanda é atendida principalmente pela oferta de outros (bens de consumo durável), e os intermediários, cuja demanda é suprida, em parte, por esforços internos – principalmente inovações incrementais – e, em parte – as mais radicais –, por inovações geradas pelos setores motores. Os setores intermediários (por exemplo, bens de capital e insumos de produção) atuam como supridores de inovações entre si e, notadamente, para os receptores. A essa taxonomia setorial, Erber (1992) associava uma taxonomia de intervenções estatais que seguia a relação risco/custo da inovação.
A partir da segunda metade dos anos 1980, o estudo da complexidade do processo de inovação foi enriquecido com a adição da dimensão do aprendizado. Passou a ser importante
estudar como relações duradouras e padrões de interação e dependência estabeleciam-se, evoluíam e dissolviam-se com o correr do tempo [Lundvall (2007)]. Como, além das empresas, participam desse processo outros tipos de instituições, não empresariais, a dimensão institucional resultava ampliada, incorporando, explicitamente, a ação do Estado [Erber (2010, p. 13)].
Assim, o modelo de passagem linear do conhecimento, da ciência para o novo produto ou processo por meio do desenvolvimento tecnológico (a P&D), dava lugar a uma visão de “sistemas de inovação”, mais complexa e diversificada.
Dependendo do foco de análise, tal especificidade pode ser vista pela ótica nacional [Freeman (1995); Lundvall (1992); Nelson (1993)], setorial [Malerba e Orsenigo (1997)] ou regional [Cassiolato e Lastres (2003)], pois, conforme aponta Lundvall (2007), um dos pais do conceito de “sistemas de inovação”, em uma recente revisão, é, essencialmente, um focusing device [Erber (2010, p. 14)]14
A visão de sistemas de inovação, em qualquer de seus focos, enfatizava a diferença entre a abordagem da hélice tripla e do tecnoglobalismo, como uma especificidade do sistema, como afirmam Cassiolato e Lastres (2005).
2.6. Fabio Erber como implementador de política no BNDES
A implementação das ações da PITCE no BNDES foi coordenada principalmente pelo diretor Fabio Erber, responsável pelo desenvolvimento de quatro novos programas que faziam parte do grupamento denominado Opções Estratégicas: Novo Prosoft, Semicondutores, Profarma e Bens de Capital. No âmbito da PITCE, foi implementado ainda o Modermaq, pela FINAME, e foi definido, apenas com operações diretas, o novo Funtec.
Com relação às Opções Estratégicas da PITCE, não houve um programa para semicondutores e o de bens de capital foi alterado. Nos semicondutores, não houve programa de financiamento porque a ação que cabia era a de atração de investimentos. Não havia no país empresas a serem incentivadas a crescer. O programa para bens de capital teve dificuldades de implementação e foi alterado posteriormente, com inúmeros desdobramentos.
Novo PROSOFT – Programa para o Desenvolvimento da Indústria Nacional de Software e Correlatos
Júlio Cesar Maciel Ramundo, atual diretor do BNDES, era na época o chefe de departamento que tratava dos setores do complexo eletrônico na Área Industrial do BNDES e foi responsável tanto pelo programa de software quanto pelo incentivo à captação de empresas interessadas em vir para o Brasil.
Quando Fabio Erber se tornou diretor da Área Industrial, no segundo semestre de 2003, Júlio Ramundo, que tinha assumido o Departamento de Eletrônica em janeiro de 2003, a convite do superintendente Paulo Roberto de Souza Melo, afirmou:
Eu já tinha adquirido muito conhecimento através de um estudo sobre semicondutores realizado pelo Consórcio liderado pela McKinsey e também através de outro trabalho realizado pelo MIT para a Softex sobre software, onde eu era conselheiro, como representante do BNDES. Artur Pereira Nunes que, naquele momento, desempenhou um papel muito importante na mudança de conceito, havia contratado este trabalho.
Com relação ao software, ficou claro que o BNDES precisava modificar o seu programa PROSOFT antigo, pois este era direcionado ao desenvolvimento de empresas fabricantes de software produto, quando na verdade países emergentes, como a Índia, estavam tendo sucesso em serviços de software. A base de seu crescimento no setor de TI era na geração de codificação e do software como serviço.
Fabio Erber chamava a minha atenção, me instigando a pensar, perguntando se apoiar uma fábrica qualquer poderia levar à mudança da estrutura da indústria. Dizia que este apoio poderia constituir uma ação política de fato. Fabio questionava o antigo Prosoft.
Trouxe ao BNDES muitos especialistas da área, que foram entrevistados. A conclusão apontava para o desenvolvimento de um programa para serviços. O Novo Prosoft foi lançado na PITCE com este outro conceito, isto é, visando incentivar o software serviço.
Naquele momento, o contexto político dentro do BNDES era muito difícil, pela falta de apoio, mas Fabio Erber conseguiu o aval da Diretoria para implementar o programa dentro do Banco. Mesmo o corpo técnico tinha dificuldade em aceitar o apoio no setor, por suas especificidades – empresas muito pequenas, com uma quantidade grande de problemas.
Na minha opinião, foi muito importante também a aceitação pelo Ministério da Fazenda, na figura do Marcos Lisboa (ex-aluno do IE-UFRJ), da necessidade de política industrial no país. Acho que o Fabio Erber era respeitado intelectualmente, o que ajudou no entendimento das questões que se procurava resolver [Ramundo (2013)].
Para a implantação de linhas de financiamento específicas para os setores da política industrial, foram feitas provisões na contabilidade do Banco para suportar eventuais inadimplências das empresas apoiadas. No setor de software, não haveria possibilidade de grandes perdas, por causa do reduzido porte das empresas.
Júlio Ramundo continuou a narrativa, afirmando:
Fabio Erber trouxe a política para dentro do BNDES e permitiu que se elaborasse o programa. Se fosse outro o Diretor do Banco, não teria havido um redirecionamento do apoio financeiro ao software de serviços.
O Novo Prosoft foi concebido com todo apoio do BNDES num único programa, através de três sub-segmentos: Prosoft-Empresa, Prosoft-Comercialização e Prosoft-Exportação [Ramundo (2013)]
Eram financiados investimentos e planos de negócios de empresas sediadas no Brasil, bem como a comercialização no mercado interno e as exportações de software e serviços correlatos.
Com relação a semicondutores, foram iniciados contatos com várias empresas a fim de identificar as condições necessárias para viabilizar investimentos no país. Representantes do BNDES participaram de negociações com essas empresas no exterior.
PROFARMA – Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica
O Profarma teve sua origem nas atividades do Departamento de Indústrias Químicas, reorganizado quando Carlos Lessa assumiu a Presidência do BNDES. A convite do superintendente da Área Industrial, Paulo Roberto Melo, a chefia desse departamento foi ocupada por José Eduardo Pessoa de Andrade, de fevereiro de 2003 a maio de 2004. Este, após vivenciar uma experiência na Fundação Oswaldo Cruz, de junho de 2001 a janeiro de 2003, na Diretoria de Planejamento, acabava de retornar ao Banco. Influenciado por essa experiência, criou uma gerência específica para cuidar e desenvolver a indústria química para a saúde, convidando Pedro Palmeira para coordená-la.
Fabio, responsável pela Área de Planejamento, incentivou a realização de estudos sobre o setor farmacêutico e passou a acompanhar os trabalhos iniciados no Departamento de Indústrias Químicas.
O Banco já havia operado um programa de financiamento de medicamentos genéricos, formulado na gestão anterior, de Eleazar de Carvalho Filho. Contudo, esse programa não teve o desenvolvimento esperado.
A implementação de uma política específica foi fortemente influenciada pelo desempenho da indústria no Brasil, com expansão do déficit comercial de US$ 100 milhões, no início da década de 1990, para US$ 2 bilhões, em 2003, pelo fechamento de mais de mil linhas de fabricação de produtos nesse período, pela queda acumulada de 12% na venda de unidades farmacêuticas entre 1996 e 2003 e pelo fato de as empresas transnacionais responderem por 70% do valor dessas vendas.
Os dois executivos, José Eduardo e Pedro Palmeira, reconhecendo e diagnosticando a falta de experiência e conhecimento do BNDES sobre a cadeia produtiva farmacêutica, passaram a estudar e aprofundar sua compreensão sobre essa indústria. Para tanto, realizaram um programa de visitas às principais empresas nacionais e entrevistas com seus dirigentes, além de participarem de seminários setoriais. Incluíram discussões com representantes de outros órgãos públicos, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Butantan, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e também de associações empresariais privadas, como a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac) e a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos).
Essas atividades marcaram o início da melhor compreensão por parte do BNDES sobre a indústria farmacêutica e a importância atribuída à valorização do conhecimento já adquirido por várias instituições científicas e profissionais e pelas empresas. O desafio seria elaborar a contribuição que o BNDES, como instituição de fomento e desenvolvimento, poderia oferecer por meio do crédito apropriado para a consolidação dessa indústria no Brasil.
Nessa fase, ainda não haviam sido formalizados os grupos de elaboração e encaminhamento da política industrial no primeiro governo Lula.
Entretanto, Fabio e a Diretoria do BNDES incentivaram a realização desse trabalho pela importância atribuída à retomada da atuação desenvolvimentista da instituição.
No segundo trimestre de 2003, o Banco foi chamado a participar formalmente do Fórum de Competitividade da Cadeia Farmacêutica no MDIC. Aos representantes do BNDES, foi atribuída a coordenação do Grupo de Trabalho de Investimentos. Inicialmente, José Eduardo Pessoa de Andrade assumiu essa coordenação, com a participação de Pedro Palmeira, que a assumiu posteriormente. Esse grupo teve de analisar os entraves para o desenvolvimento da indústria no Brasil e propor alternativas de financiamento que contribuíssem para superá-los. Partindo do princípio de que a inovação é o driver principal dessa indústria intensiva em conhecimento e tecnologia, constatou-se a defasagem existente no Brasil, já que apenas os segmentos de pequena e baixa intensidade tecnológica estavam implantados.
No segundo semestre de 2003, quando Fabio Erber assumiu a responsabilidade pela Área Industrial, as atividades realizadas pelo Fórum no MDIC e a atuação dos representantes do BNDES passaram a integrar a agenda do diretor, principalmente em relação ao papel das empresas de capital estrangeiro, sem interesse em implantar no Brasil os estágios tecnologicamente mais sofisticados.
Essas informações eram apresentadas a Fabio Erber, que participava das articulações para a elaboração da PITCE. Pedro Palmeira relata:
Esta política teria uma ação vertical. De forma corajosa, ela faria escolhas estratégicas e um dos setores que viria a ser escolhido como Opção Estratégica era meu objeto de trabalho – a cadeia farmacêutica (farmoquímicos e medicamentos).
Começo a ter uma interação mais forte com o Fabio no sentido de buscar uma compreensão do que poderia ser feito, qual o alcance possível desse instrumento de política. Em setembro de 2003, surge o pedido para a formulação de um programa, e Fabio disse para apresentar o que estava sendo discutido no GT do MDIC. A proposta de programa tinha uma construção bastante interessante, baseado no entendimento do José Eduardo e no meu, durante o ano. Havíamos pensado um programa subdividido em três subprogramas que atenderiam os pontos de demanda por financiamento ou onde o BNDES teria um papel indutor de comportamento da indústria [Palmeira (2013)].
Na visão dos dois executivos, José Eduardo e Pedro Palmeira, a criação no BNDES de um programa setorial diferenciado de apoio aos investimentos na cadeia produtiva farmacêutica, como contribuição para a política industrial, poderia incentivar o aumento da produção de medicamentos e seus insumos no país. Haveria melhora nos padrões de qualidade dos medicamentos produzidos, para adequá-los às exigências do órgão regulatório nacional, a Anvisa, e colaborar para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população brasileira. Assim, a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país poderia ser estimulada e seria fortalecida a posição da empresa nacional nos aspectos econômico, financeiro, comercial e tecnológico. Dessa forma, o objetivo de redução do déficit comercial dessa cadeia produtiva poderia ser alcançado.
Procurou-se, então, incorporar essas ideias nos três subprogramas propostos:
- Subprograma Profarma Produção: para apoio aos investimentos associados à produção, englobando implantação, expansão ou modernização da capacidade produtiva, aquisição de equipamentos novos nacionais ou importados sem similaridade com o nacional, aquisição de softwares nacionais e outras despesas desses investimentos. Reconhece-se em alguns dos itens a preocupação da articulação com a política industrial que estava em formulação. Além desses itens, foi incluído também o financiamento para adequação das empresas produtoras aos padrões regulatórios da Anvisa, principalmente as despesas para obtenção do registro de medicamentos e de cumprimento das exigências dos testes de bioequivalência e biodisponibilidade, que procuram assegurar qualidade terapêutica dos medicamentos genéricos equivalente aos medicamentos de marca. Essas últimas atividades foram compreendidas como um passo inicial capaz de contribuir para o fortalecimento da capacitação técnico-científica tradicional das empresas nacionais.
- Subprograma Profarma – P, D & I: para estimular a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país, com perspectivas de aproveitamento dos recursos da biodiversidade e criação de condições para a obtenção de novas moléculas. Esse subprograma constituiu um desafio à atuação do BNDES, que teve de aprender, conhecer, classificar e definir os tipos de gastos em pesquisa que poderiam ser apoiados. Representou uma inflexão na prática histórica do BNDES, que havia aprendido a controlar os gastos incorridos somente no investimento para a implantação de unidades industriais.
- Subprograma Profarma – Fortalecimento das Empresas Nacionais: para apoiar a incorporação, a aquisição ou a fusão de empresas que levassem à criação de companhias de controle nacional de maior porte e/ ou mais verticalizadas. Esse subprograma baseou-se no diagnóstico da necessidade de fortalecer e modernizar as empresas nacionais, ainda sem porte e gestão adequados para participar do processo de concorrência e da inovação na indústria farmacêutica.
O Profarma foi inicialmente estruturado visando à modernização e à expansão da capacidade produtiva, em virtude da mudança no ambiente regulatório que estava em curso. Estava também previsto o apoio à fusão e à aquisição, pois se acreditava que algumas empresas não aguentariam a mudança regulatória e que o Banco, de forma criteriosa, deveria dar suporte a uma concentração saudável do setor. Por fim, o mote principal do programa era a inovação, o que seria um desafio, e aí a interação com o Fabio foi importante.
Quando o programa foi apresentado ao Fabio, ele achou que a proposta estava muito conservadora. Ele disse: “Vocês precisam ousar mais. Quero uma proposta mais ousada”.
Os dois executivos ficaram surpresos com a manifestação do diretor. Influenciados pela tradição, haviam elaborado a proposta com todo o cuidado para atenuar os riscos e evitar perdas para o BNDES, em condições que já eram as melhores praticadas para o financiamento naquele momento. Foram autorizados a ir além. Outra proposta foi redigida, sugerindo uma taxa de juros fixa para o Profarma – P, D & I, que fosse, em termos reais, zero ou próxima de zero. Assim, a indução à inovação passou a contar com uma taxa fixa de 6% a.a. (a meta de inflação era exatamente de 6% a.a.).
A PITCE foi lançada em abril de 2004, enquanto o Profarma foi aprovado pela Diretoria do BNDES em 29 de março de 2004. Esse programa ainda permanece e tem sido renovado, desde então, com ajustes em suas condições. É considerado um caso de sucesso pela origem na articulação público-privada e pela capacidade que teve de induzir o comportamento da indústria.
O BNDES mantém uma reserva em sua contabilidade para garantir o Banco de eventuais perdas e inadimplências.
BNDES FUNTEC: Fundo Tecnológico
O BNDES Fundo Tecnológico (Funtec), que também fez parte da PITCE, embora lançado posteriormente aos outros programas, foi estruturado pela primeira vez por um grupo de representantes de suas áreas: Doris Lustman, pelo Planejamento, Luiz Henrique Rosati, pela Vice-Presidência, e Dulce Monteiro Filha, pela Área Industrial. Como um fundo que seria formado com recursos próprios do BNDES, não reembolsáveis, sofreu diversas mudanças ao longo de sua história, mas permanece vigente sem grandes alterações em seu formato original.
Rosati desenhou o novo Funtec, extraindo seu formato de um produto semelhante chamado Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), criado em 1964 por meio da Resolução BNDES 146. Esse fundo estabelecia que os recursos poderiam ser aplicados sob a forma de doação, subvenção, empréstimo reembolsável e participação societária e seriam destinados à manutenção de cursos de pós-graduação e a pesquisas técnico-científicas, entendendo-se como tais os programas, projetos-pilotos e experimentações técnico-científicas no campo das indústrias básicas.
Como uma das ações da PITCE, o Funtec possibilitou aplicações não reembolsáveis e participação acionária em projetos que contemplassem o desenvolvimento de inovações tecnológicas definidas como “introdução no mercado brasileiro de um produto (bem ou serviço) tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado ou introdução na empresa de um processo produtivo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado”, desde que houvesse a manifestação de interesse comercial por parte de empresa brasileira interessada, ou por conjunto de empresas organizadas em arranjos produtivos.
A importância do estabelecimento de uma relação entre empresa e instituto de pesquisa foi o ponto alto da proposta desse programa. A defesa do Funtec baseava-se na argumentação de que a obrigatoriedade da manifestação de interesse por parte de uma empresa destinava-se a evitar que fossem aplicados recursos em linhas de pesquisa que não resultassem em aplicação comercial, agravando o problema brasileiro de alta produção científica e baixa geração de tecnologias aplicáveis.
Segundo Rosati, a preocupação em desenvolver no país um “ambiente” que propiciasse a inovação em decorrência da relação entre empresa e instituto de pesquisa é a parte central da proposta do Funtec. Segundo Fabio Erber, esse programa visava apoiar o desenvolvimento de sistemas inovativos impactantes, de grande porte, que fossem relevantes para o país. Portanto, esse programa não interferiria na atuação da Finep.
Para implementação desse programa seria importante estudar a inovação ao nível das cadeias produtivas, identificando, na cadeia, onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia, com quais efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia.
3. Conclusão
A literatura econômica muito poucas vezes tem explicitado como teoria e prática, conjuntamente, podem (e devem) procurar soluções para os problemas do mundo real.
A vida de Fabio Erber, que manteve uma atuação como operador de políticas públicas e como pensador, nos propiciou mostrar como o estudo teórico pode ser aliado à vivência prática, desfazendo a imagem, frequentemente vinculada, de que a política está sempre ligada a interesses escusos.
Essa imagem tem levado à estruturação de regras comportamentais, inclusive inseridas no nosso direito, que, por serem genéricas e abstratas, procuram a padronização de comportamentos, impedindo que as especificidades dos problemas sejam estudados. Os grandes problemas têm de ser analisados em seus detalhes, cabendo a padronização apenas quando houver um grande número de problemas mais simples a serem resolvidos. Os movimentos que tiverem grande impacto em mudanças estruturais desejáveis são necessários para tornar o país mais competitivo.
Por meio de sua visão de mundo, Fabio procurou definir conceitos, que usou para compreender a realidade e interagir com ela, estruturando formas de ação política.
Como especialista em políticas públicas industriais e tecnológicas, teve participação importante em mudanças estruturais, que têm possibilitado maior competitividade da economia brasileira.
Esteve ligado à implantação de setores de ponta, defendendo que os países devem ter preocupação permanente de introduzir em suas matrizes industriais os setores que propiciam transformações radicais, determinantes para seu desenvolvimento tecnológico, sem esquecer a importância do estudo das cadeias produtivas e do conceito sistêmico da inovação para manter o país competitivo em nível internacional.
Fabio defendia que, para um país retardatário, o timing é importante para que possa ocorrer o catching-up com os países desenvolvidos e considerava que a política industrial acelerava esse processo. A ausência de política é uma política de manutenção do status quo, isto é, mais do mesmo, e não uma situação de não política. Enfatizava ainda que políticas de desenvolvimento geram desequilíbrios para poderem promover o emparelhamento com os países mais adiantados, porque mudanças estruturais ocorrem nesse contexto.
Participou ativamente de 2003 a 2004 do retorno da política industrial: a PITCE. Como diretor do BNDES, foi responsável pela criação de novos programas de apoio ao desenvolvimento de software, além de ter permitido o financiamento do software serviço e incentivado a fabricação de fármacos no país, assim como patrocinou a reativação do Funtec. Esse foi criado com o intuito de apoiar o desenvolvimento de sistemas inovativos impactantes, de grande porte, relevantes para o país, como a inovação ao nível das cadeias produtivas, identificando onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia e quais são seus efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia.
Como teórico, Fabio deixou, para os que se preocupam com o futuro, as reflexões sobre convenções e representações sociais que servem de guia às práticas sociais dos agentes que as subscrevem. A análise das convenções requer o estudo de práticas sociais que delas decorrem e, idealmente, do processo de interação entre esquema cognitivo e sua práxis.
Como ressaltou, “talvez pecando por otimismo, parece-me que estão se desenvolvendo, entre os economistas, as bases analíticas para uma nova convenção que vê o desenvolvimento como resultante da coevolução das estruturas produtiva, institucional e financeira, reconhecendo o caráter histórico e singular de cada trajetória nacional”, como identificou em Ocampo (2005). “Estudos sobre globalização da produção, comércio e finanças, sobre as diferenças no crescimento e em sua sustentação entre países, sobre a importância da inovação” (identificando-se e preocupando-se com setores portadores de futuro, como a PITCE os chamou) “e da informação assimétrica na dinâmica internacional e nacional, têm contribuído para este processo de geração” [Ocampo (2005)].
O otimismo corre sempre o risco de tornar-se ilusão, especialmente para os derrotados, complementa Fabio, e lembra Millôr Fernandes: “No fim, tudo termina bem e, se ainda não está bem, é que ainda não terminou” [Erber (2007, p. 57)].
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1. Introdução
A defesa da concorrência só se tornou um objeto relevante de política pública no Brasil após a aprovação da Lei 8.884/94, que instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência...Resumo
Este artigo comenta a atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) nas duas últimas décadas, apontando seus principais méritos, que são a transparência de procedimentos e o crescente rigor na aplicação das normas antitruste, bem como algumas de suas deficiências que, em princípio, foram corrigidas pela Lei 12.529/11. A reforma introduzida por essa lei conferiu ao SBDC instrumentos para enfrentar seu principal desafio, que é o de promover a articulação entre a defesa da concorrência e as demais políticas públicas. Para ilustrar a magnitude desse desafio, o artigo descreve a experiência australiana durante as décadas de 1970 a 1990, quando foram superados alguns obstáculos institucionais bastante similares aos que vigoram atualmente na economia brasileira.
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José Tavares de Araújo Júnior, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
This article focuses on the efforts made by the Brazilian System for Protecting Competition (SBDC) over the last two decades. It highlights not only its main virtues, which include procedure transparency and the increasingly strict application of antitrust standards, but also some of its shortcomings that were corrected by Law No. 12,529/11. This reform afforded the SBDC the necessary tools to tackle its main challenge, which is to foster articulation between competition defense and other public policies. To outline the magnitude of this challenge, the article describes the Australian experience from 1970 to 1990, when that country managed to overcome some institutional obstacles that were quite similar to those currently pervading the Brazilian economy.
1. Introdução
A defesa da concorrência só se tornou um objeto relevante de política pública no Brasil após a aprovação da Lei 8.884/94, que instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e conferiu poderes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para agir como autoridade antitruste independente. Não por acaso, essa lei foi editada em 11 de junho de 1994, duas semanas após a promulgação da Lei 8.880/94, que lançou o Plano Real. De fato, ambos os estatutos fazem parte do conjunto de reformas econômicas implantadas no país naquela década, que incluiu a abertura da economia, a restauração do padrão monetário, a abolição dos controles generalizados de preços, a privatização de empresas estatais e a criação de agências reguladoras em setores de infraestrutura e de utilidade pública.
Em qualquer economia em que vigore o regime de liberdade de preços, o papel do órgão antitruste é preservar o interesse público e promover a eficiência produtiva, coibindo condutas privadas e removendo distorções de mercado que possam impedir a realização desses dois objetivos. Como resumiu Amato (1997), o exercício dessa função implica um dilema permanente:
In a democratic society, there are two bounds that should never be crossed: one beyond which the unlegitimated power of individuals arises, and the other beyond which legitimate public power becomes illegitimate. Where do these two bounds lie? This is the real nub of the dilemma (p. 3).
À luz do dilema formulado por Amato, este artigo discute o desempenho do SBDC nas últimas duas décadas, bem como as perspectivas que foram inauguradas com a edição da Lei 12.529 em 30 de novembro de 2011. No caso brasileiro, esse dilema tem uma configuração peculiar, em virtude da herança advinda de sessenta anos de políticas econômicas baseadas em substituição de importações, em que as preocupações com poder de mercado, eficiência produtiva e bem-estar do consumidor eram virtualmente ausentes. Assim, a principal dificuldade enfrentada pelo Cade não tem sido a de punir condutas anticompetitivas do setor privado, mas a de lidar com distorções de mercado criadas por outros órgãos governamentais.
A partir da Lei 12.529, o SBDC passou a dispor de mecanismos mais efetivos para lidar com esse desafio. Durante a vigência da lei anterior, os instrumentos da advocacia da concorrência se restringiam ao Art. 7, inciso X, e Art. 14, inciso, XIII.1 Entre 1994 e 2011, esses artigos foram aplicados em raras oportunidades, com resultados desanimadores. A Câmara de Comércio Exterior (Camex), por exemplo, costuma ignorar a lei antitruste quando concede proteção antidumping a firmas que ocupam posições dominantes no mercado doméstico, e que usarão aquela proteção para ampliar seu poder monopolista [Tavares de Araujo (2010)].
Na nova lei, os dispositivos acima foram incluídos no Art. 9, inciso VIII, enquanto o Art. 19 conferiu à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) um conjunto de atribuições que permitem aferir danos potenciais à ordem econômica advindos de normas em elaboração em distintas instâncias estatais, bem como analisar as condições de concorrência vigentes em setores específicos e propor medidas para corrigir eventuais distorções encontradas. Quando julgar conveniente, a SEAE poderá opinar sobre medidas submetidas à consulta pública por agências reguladoras, projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, atos normativos da administração pública federal, estadual e municipal, ações antidumping, alterações de tarifas de importação e encaminhar aos órgãos competentes recomendações para alterar normas que tenham caráter anticompetitivo. O Art. 19 determina ainda que a SEAE divulgue anualmente um relatório de suas ações voltadas à promoção da concorrência.
O texto está organizado da seguinte forma. A segunda seção contém um sumário da evolução do SBDC no período 1994-2011, apontando seus principais méritos, que são a transparência de procedimentos e o crescente rigor na aplicação das normas antitruste, bem como algumas de suas deficiências que, em princípio, foram corrigidas pela Lei 12.529/11. A terceira seção toma como referência a experiência australiana durante as décadas de 1970 a 1990 para discutir as perspectivas da advocacia da concorrência no Brasil. Por fim, a quarta seção encerra a discussão com um breve comentário sobre as diferenças institucionais entre a Austrália e o Brasil.
2. Breve Histórico do SBDC: 1994-2011
Para lidar com o dilema formulado por Amato, a autoridade antitruste precisa cumprir três requisitos básicos: (a) identificar tempestivamente as situações em que o poder de mercado pode ser exercido unilateralmente ou por meio de condutas concertadas; (b) dispor de instrumentos efetivos para coibir ambos os tipos de condutas; e (c) ser capaz de aplicar esses instrumentos de forma expedita e na medida adequada.
A história do SBDC entre 1994 e 2011 pode ser descrita como um processo de capacitação gradual para o exercício dos requisitos acima. Alguns aspectos desse processo estão registrados nas duas edições do livro A revolução do antitruste no Brasil, organizadas por César Mattos em 2003 e 2008. A primeira edição mostra que a maioria dos casos julgados pelo Cade até 2002 referiu-se a atos de concentração e que o combate a condutas anticompetitivas ficou em segundo plano. Além disso, as distorções de mercado criadas por falhas de regulação e outras formas de intervenção estatal não foram enfrentadas pelo SBDC nesse período. Entretanto, a segunda edição revela que, nos anos seguintes, o Cade teve oportunidade de examinar diversos temas da agenda antitruste contemporânea, tais como: restrições verticais em indústrias de rede, formação de preços em mercados de dois lados, domínio de nichos de mercado em indústrias de alta tecnologia, vínculos de exclusividade entre produtores e revendedores, demanda por bens hedônicos, compartilhamento de rotas entre companhias aéreas, estratégias de predação etc. Por outro lado, algumas punições exemplares foram aplicadas em casos de cartel e de condutas unilaterais. Por fim, ainda que timidamente, a advocacia da concorrência começou a ser praticada pelo SBDC.
Outro indicador do amadurecimento da autoridade antitruste no Brasil é o livro de Pedro Dutra, que reúne 23 entrevistas com membros do Cade entre 1986 e 2008.2 Os depoimentos ratificam três aspectos usuais nas análises sobre o estado atual da defesa da concorrência no país.3 O primeiro diz respeito à irrelevância do Cade no período anterior a 1994, como bem ilustra a seguinte declaração de Mauro Grinberg, que foi conselheiro entre 1986 e 1990. Comentando um dos casos julgados na sua época, ele observa:
A análise econômica foi muito rudimentar, a análise era quase só jurídica. Não havia um corpo técnico; os conselheiros, eles mesmos, analisavam o ato, praticamente sem apoio administrativo. Eu nem sequer tinha sala no CADE, trabalhava no meu gabinete no Ministério da Fazenda e só ia ao prédio do CADE para as sessões. Nenhum conselheiro tinha sala no CADE; havia uma sala coletiva em que todos ficavam na véspera da sessão. Tudo era muito frugal, o CADE não era convidado para seminários. O próprio Conselho Interministerial de Preços, o famigerado CIP, simplesmente ignorava os ofícios do CADE, pedindo preços de produtos e serviços, informações gerais de mercado. A relação do CADE com os órgão do governo era muito tênue e pouco respeitosa [Dutra (2009, p. 20)].4
O segundo aspecto, reiterado em vários depoimentos, é o de que embora a qualidade técnica das decisões do Cade tenha melhorado rapidamente após a aprovação da Lei 8.884/94, o SBDC não dispõe ainda hoje de recursos humanos e orçamentários compatíveis com suas atribuições. Como notou Afonso Arinos de Mello Franco Neto, que foi conselheiro entre 2001 e 2002, essa deficiência tem sido mitigada mediante esforços individuais:
O CADE tinha funcionários responsáveis, embora em número muito reduzido, e, sob uma perspectiva moderna, com uma organização, a meu ver, inadequada. Nos gabinetes, os funcionários funcionavam em torno do Conselheiro, mas de forma independente entre si. Havia muito poucos canais formais de colaboração entre eles. E não havia os recursos materiais necessários; havia pouco material de consulta, não havia coleções de dados, nem meios adequados para procurar informações sobre os mercados. Cada conselheiro trabalhava por conta própria. No que podia, eu me socorria do nosso meio acadêmico: alunos podem nos ajudar a fazer levantamentos de dados ou uma pesquisa; enfim, eu trazia algum trabalho para a vida acadêmica que eu continuava vivendo. Mas, claro, não é o ideal, e sim que o CADE seja dotado dos meios materiais e humanos para trabalhar com facilidade [Dutra (2009, p. 138)].
O terceiro traço marcante na história do SBDC é a transparência de seu processo decisório. As reuniões do Plenário do Cade são abertas ao público e, desde 2005, transmitidas ao vivo pela internet. Os principais documentos sobre os casos julgados, que incluem os pareceres redigidos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, Ministério Público, Procuradoria do Cade, os votos dos conselheiros e a ementa da decisão estão disponíveis no sítio <www.cade.gov.br>. Além de assegurar a independência da autoridade antitruste, esse procedimento tem outros méritos, como apontou Elizabeth Farina, que presidiu o Conselho entre 2004 e 2008:
A transparência não atende apenas ao dever da publicidade, ela melhora o nível técnico das decisões. O conselheiro sabe que os debates feitos no plenário estão sendo ouvidos por especialistas, pelo público interessado, assim como os advogados também sabem que a sustentação oral deles, os argumentos deles, e dos economistas também, estão sendo expostos, são debatidos. Todos cuidam mais, sabendo que o escrutínio do que fazem é maior. Se se quiser recuperar o áudio da sessão posteriormente, é possível, a qualquer tempo. Não há segredo. Note-se que esse processo ajuda inclusive o processo seletivo no CADE; o pretendente a um cargo no plenário sabe que o que fizer estará exposto ao público [Dutra (2009, p. 225)].
A transparência tornou-se um procedimento fundamental para conferir respeitabilidade ao SBDC em âmbito nacional e internacional em um curto intervalo de tempo.5 O ponto de partida para a construção dessa imagem foi a Lei 8.884/94, que deu ao Cade os instrumentos necessários para introduzir no Brasil os princípios contemporâneos da defesa da concorrência. Essa lei foi uma resposta oportuna ao novo cenário estabelecido no país após a reforma comercial do governo Collor, o Plano Real e o fim dos controles generalizados de preços. No ambiente que vigorou até o fim dos anos 1980, de economia fechada, sem moeda doméstica e preços tabelados, a legislação antitruste estava reduzida, inevitavelmente, a uma formalidade jurídica, como bem ilustrou a patética experiência do Cade entre 1963 e 1992.
Entretanto, além da escassez de pessoal e da elevada rotatividade dos funcionários, o SBDC padecia de outras deficiências advindas de pequenas falhas da Lei 8.884/94. A principal delas era o critério de notificação de atos de concentração ao Cade, que obrigava o sistema a examinar um número desnecessariamente alto de operações, comprometendo o desempenho das demais funções da autoridade antitruste, relativas à repressão de condutas anticompetitivas e à advocacia da concorrência. Entre 2004 e 2008, o Cade analisou em média 500 atos de concentração por ano, que corresponderam a cerca de 30% do número de operações notificadas às autoridades norte-americanas nesse período, cuja economia é dez vezes maior do que a brasileira [Farina (2009)]. Para enfrentar esse problema, a SEAE e SDE introduziram, em 2002, um rito sumário que passou a ser aplicado nos casos mais simples. Daí em diante, cerca de 80% das operações foram analisadas por meio desse procedimento [Farina e Araújo (2009)].
A combinação entre escassez de pessoal e carga elevada de atribuições deixava o Cade diante do risco permanente de tomar decisões erradas, que poderiam afetar sua credibilidade. De fato, a experiência internacional contém vários registros de uso indevido da lei antitruste. Nos Estados Unidos, alguns exemplos notáveis foram Brown Shoe, Realemon e IBM.6 A história do SBDC no período em análise não contém eventos similares a estes, apesar de algumas decisões controvertidas, como Kolynos-Colgate e Nestlé-Garoto [Tavares de Araujo (2006)]. No entanto, existem evidências robustas de que esse tipo de risco esteve sempre presente. Em 9 de abril de 2010, por exemplo, o Cade decidiu, por unanimidade, arquivar o Processo Administrativo 08012.007104/2002-98, no qual a Nellitex Indústria Têxtil Ltda. acusava a Têxtil J. Serrano de praticar preços predatórios no mercado de tecidos sintéticos de polipropileno, que são usados para estofar móveis de baixo custo. Esse processo havia sido instaurado pela SDE em outubro de 2002. Após estudar o caso durante cinco anos e meio, a Secretaria aceitou as alegações da Nellitex, a despeito da impossibilidade desse tipo de conduta em uma indústria como a têxtil, na qual a tecnologia é difundida e cuja oferta é composta por cerca de quatro mil firmas estabelecidas no país, 700 das quais localizadas no município de Americana, sede da representante. Em junho de 2008, a SDE encaminhou o processo ao Cade, recomendando a condenação da J. Serrano. Nos 21 meses seguintes, os autos foram examinados pela Procuradoria do Cade, o Ministério Público e o conselheiro relator. Embora a decisão final tenha sido correta, esse caso poderia ter sido encerrado em 2002.
Visando aprimorar a Lei 8.884/94, o Presidente Lula encaminhou ao Congresso, em 2005, uma proposta de reestruturação do SBDC que unificava os três órgãos (Cade, SEAE e SDE), estabelecia a análise prévia dos atos de concentração, reduzia o número de operações a serem submetidas ao Cade e criava condições para a formação de um quadro de funcionários especializados em normas antitruste. Esse projeto, que começou a ser elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2000, foi aprovado na Câmara de Deputados em dezembro de 2009, com o apoio de todos os partidos, revisado pelo Senado em 2010 e finalmente sancionado pela Presidente Dilma em 2011. Essa reforma marcou o início de uma nova etapa na história do SBDC, na qual o Cade habilitou-se a enfrentar seu principal desafio, que é o de promover a articulação entre a defesa da concorrência e as demais políticas públicas. A complexidade dessa tarefa está ilustrada na próxima seção.
3. Advocacia da Concorrência: A experiência Australiana
As novas funções da SEAE sob a Lei 12.529/11, comentadas na introdução deste artigo, são equivalentes às da Productivity Commission da Austrália, criada em 1973 sob a denominação de Industries Assistance Commission (IAC) e que desempenhou um papel central nas reformas econômicas executadas naquele país, nas décadas de 1980 e 1990 [Banks e Carmichael (2007)].7 A experiência australiana é especialmente relevante para o Brasil, por se tratar de uma economia cujo crescimento industrial também foi baseado em políticas de substituição de importações entre os anos 1930 e 1970, e cujos processos de abertura do mercado doméstico, privatização de serviços de utilidade pública e de implantação do regime de liberdade de preços enfrentaram resistências similares àquelas observadas aqui nos últimos vinte anos.
A IAC surgiu de uma peculiaridade da economia australiana durante a época da substituição de importações, que foi a persistência do debate público sobre custos e benefícios do protecionismo ao longo da primeira metade do século passado. Não por acaso, o conceito de proteção efetiva foi formulado originalmente em 1957 pelo economista australiano Max Corden, no artigo clássico “The Calculation of the Cost of Protection”. Já em 1921, o Parlamento havia criado o Tariff Board, com funções similares àquelas exercidas pela Comissão de Política Aduaneira (CPA) no Brasil entre 1957 e 1990, mas com uma diferença importante, que era a obrigação de divulgar relatórios periódicos sobre as consequências macroeconômicas das barreiras comerciais em vigor no país. O primeiro deles foi o Brigden Report, que apresentou uma análise abrangente da estrutura tarifária da Austrália em 1929 e que inspirou inúmeros estudos acadêmicos nas décadas seguintes, inclusive os de Corden. Até o fim dos anos 1960, os relatórios do Tariff Board não estimularam qualquer antagonismo às políticas industriais executadas pelo governo. Pelo contrário, o consenso da época era o de que os benefícios gerados pelo crescimento industrial superavam em muito os custos da proteção. A tarifa de importação era percebida como um investimento social cujo valor presente deveria ser confrontado com a expectativa de expansão da economia no futuro próximo [Corden (1957)]. Tal consenso também vigorava no Brasil e nos demais países da América Latina, salvo quanto a um detalhe fundamental: na Austrália, os relatórios do Tariff Board consolidaram a visão de que barreiras comerciais só são racionais quando forem seletivas, temporárias, e com resultados mensuráveis. Na América Latina, o protecionismo tornou-se uma ideologia.
Na década de 1970, aquele consenso começou a desaparecer. O Tariff Board foi substituído pela IAC, com um mandato mais amplo de promover a transparência das condições de concorrência na economia australiana, indo além da política comercial e passando a incluir qualquer política pública que possa afetar as barreiras à entrada em indústrias locais, elevar os lucros de firmas selecionadas, estimular condutas oportunistas e outras distorções de mercado. No seu primeiro relatório anual, em 1974, o papel da IAC foi assim descrito:
In summary, the Commission’s role is to advise the Government on how individual industries, and industry in general, should be encouraged to develop in Australia. In providing this advice, it is required to have regard to the interests of the community as a whole, and relate its advice to the generally accepted economic and social objectives of the community. The Commission is concerned primarily with the long term development of industries, rather than with the fluctuations which may occur in their rate of development from one year to another, due to temporary changes in their business environment. The principles and objectives in the Industries Assistance Commission Act provide the general policy basis for the long term development of Australian industries [citado por Rattigan, Carmichael, Banks (1989, p. 98-99)].
Para promover transparência, a IAC deu início a uma série de estudos com foco em três temas principais: (a) as características do processo de competição em diferentes setores da economia, incluindo não apenas a indústria de transformação, mas também agricultura, mineração, transportes, energia, construção civil, telecomunicações etc.; (b) a efetividade das políticas públicas vigentes no país em diversas áreas, como incentivos ao desenvolvimento científico e tecnológico, serviços de saúde, regulação de aeroportos, proteção ao meio ambiente, regulação de monopólios naturais etc.; (c) avaliação de eventuais conflitos entre o interesse nacional e os incentivos seletivos a determinados tipos de atividade. Rapidamente, este último tema se tornou uma das marcas da IAC. Em vez de estimular controvérsias teóricas sobre a definição de interesse nacional, a Comissão procurava, de forma pragmática, confrontar os ganhos auferidos pelos beneficiários de incentivos seletivos com os impactos gerados em outros segmentos da economia.
A IAC não tinha qualquer poder executivo. Sua única função era produzir relatórios sobre temas em destaque na agenda de política econômica do país em determinado momento, e divulgá-los em tempo hábil. Isso foi suficiente para gerar uma animosidade imediata no interior da burocracia australiana, no Parlamento e no setor privado. Nos primeiros anos de sua existência, a lista de inimigos da IAC incluía políticos influentes como J. D. Anthony e Ian Sinclair, ministros como James Cairns, e a Metal Trades Industries Association (MTIA), com cerca de seis mil membros, responsáveis por mais de 50% da força de trabalho empregada na indústria de transformação [Rattigan (1986)]. Segundo o presidente da MTIA em 1976, o objetivo real da IAC era destruir a indústria australiana:
We do not need the IAC, which is an excessively elaborate and expensive body of economic theorists, to tell us that most goods we make in Australia can be more cheaply imported by Australia […] What we need is to call a halt to the activities of the IAC in recommending the dismantling of sections of Australian industry. It is a folly of the greatest magnitude if we allow ourselves to be persuaded by a pure economic theory to close our factories because of our high cost structure [Canberra Times, citado em Rattigan (1986, p. 264)].
Apesar dessas resistências, as reformas prosseguiram. Em 1974, a lei antitruste foi reformulada, e entre as diversas inovações introduzidas, a mais importante foi a criação da Trade Practices Commission (TPC). A primeira lei antitruste australiana havia sido editada em 1906, mas constituía, até então, uma formalidade jurídica inútil, posto que o país nem mesmo dispunha de um órgão executor daquela lei. De fato, vários países tiveram leis antitruste irrelevantes durante grande parte do século passado, como Canadá, cuja lei foi anterior ao Sherman Act, e Nova Zelândia, entre 1908 e o fim dos anos 1970. Na América Latina, esse fenômeno ocorreu na Argentina a partir de 1919, Brasil (1962), Chile (1959), Colômbia (1959) e México (1934).
Na década de 1980, mudanças institucionais importantes afetaram diversas áreas da economia australiana, como mercado de trabalho, comércio exterior, energia, transportes, telecomunicações e sistema financeiro. Nesse ambiente, o debate sobre defesa da concorrência ganhou novo fôlego. Em 1993, o Hilmer Committee Report introduziu o conceito de comprehensive competition policy, sugerindo que a defesa da concorrência só é efetiva quando vai além dos instrumentos antitruste convencionais e incorpora todas as ações governamentais que regulam o processo de competição, como barreiras comerciais, subsídios, propriedade intelectual, regulação de monopólios, normas técnicas e proteção ao consumidor. Essa visão orientou a transformação da TPC em Australian Competition and Consumer Commission (ACCC), com poderes para influir, quando julgar pertinente, nas ações do governo em todas aquelas áreas.
4. Comentário Final
Uma diferença importante entre as experiências da Austrália e do Brasil é que lá a advocacia da concorrência precedeu a criação da autoridade antitruste, ao passo que aqui ela surgiu como uma consequência da consolidação institucional daquela autoridade. Isso certamente facilitará o trabalho da SEAE, mas não significa a ausência de desafios, que provavelmente serão documentados nos próximos relatórios anuais dessa secretaria. Sob vários aspectos, o atual debate sobre o suposto risco de desindustrialização da economia brasileira é similar àquele que ocorreu na Austrália na década de 1970. O alarmismo do setor empresarial e a lógica dos argumentos protecionistas são idênticos, embora o vilão da história tenha sido substituído. Em lugar dos relatórios da IAC, a fonte dos males agora é a apreciação da taxa de câmbio. Resta saber como a SEAE vai lidar com essa questão.
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Nota do autor
Nos últimos anos da vida de Fabio Erber, a defesa da concorrência havia se tornado um tema constante de nossos almoços que, em geral, se transformavam em animados seminários. Quase sempre éramos os últimos a sair do restaurante. Este artigo é baseado em dois trabalhos meus [Tavares de Araujo (2010; 2012)] que foram particularmente influenciados por aqueles almoços.
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O objetivo deste artigo é discutir a economia política da criação da legislação de defesa da concorrência no contexto das reformas liberais implementadas no país na década de 1990. O trabalho contrapõe as reformas institucionais realizadas, principalmente, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), produto de uma agenda de desenvolvimento de inspiração liberal, às reformas macroeconômicas, ou seja, aos ajustes estruturais, que foram essencialmente impostos pela agenda de negociação da dívida externa.
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This paper discusses the political economy of the antitrust legislation that was approved as a part of the liberal reforms made by Brazilian government in the 1990s. The paper makes a comparison between the liberal institutional reforms, mainly in the Fernando Henrique Cardoso government, and the macroeconomic structural adjustment imposed by the dynamics of the external debt negotiation agenda.
1. Considerações Iniciais
Em 2008, um influente grupo de acadêmicos, advogados e economistas, renomados especialistas em antitruste nos Estados Unidos, publicou um livro, organizado pelo professor Robert Pitofsky, no qual manifestavam seu incômodo com a direção das interpretações e do enforcement do direito antitruste naquele país. Nesse sentido, declaravam:
[…] uma sensação de desconforto com relação à direção das interpretações e implementação da legislação antitruste. Em particular, preocupa-nos a preferência por modelos econômicos sobre fatos, a tendência de assumir que os mecanismos de livre mercado curam todas as imperfeições de mercado, a crença de que só a eficiência importa, grandes erros em termos de doutrina, mas, acima de tudo, a falta de apoio à implementação rigorosa e a disposição das autoridades de aprovar transações questionáveis se houver um mínimo de defesa [Pitofsky (2008, p. 5)].1
Mas, apesar dessas manifestações, nas últimas duas décadas houve grande ampliação da legislação antitruste e foram criadas instituições para a implementação de políticas de defesa da concorrência em grande número de países na Ásia, nas Américas e até mesmo na África. Em alguns casos, países com frágeis aparatos estatais e escassez de recursos humanos especializados usaram extensivamente consultores de países industriais avançados, notadamente dos Estados Unidos, para implantar leis copiadas, em grande parte, dos países originários das consultorias.
Por outro lado, alguns autores influentes eram, por diversas razões, céticos quanto à eficácia de política antitruste em países em desenvolvimento. Dessa forma, Laffont sustentava:
Concorrência é, inequivocamente, uma coisa boa no mundo ideal dos economistas. Esse mundo tem como premissas grande número de participantes em todos os mercados, ausência de bens públicos, ausência de externalidades, ausência de assimetria de informações, ausência de monopólios naturais, mercados completos, agentes inteiramente racionais, um sistema judiciário efetivo para a implementação de contratos e um governo eficiente para transferir quaisquer ganhos fixos (lump sum) para alcançar uma redistribuição desejada. Uma vez que os países em desenvolvimento estão longe do mundo ideal, não é sempre desejável encorajar concorrência nesses países [Laffont (1998)].2
Na opinião desse autor, alguma forma de política industrial, combinada com o que chama de expert advice, poderia ser a melhor estratégia para promover desenvolvimento. Nessa linha, o autor sustenta que o controle de cartéis internacionais que afetariam países em desenvolvimento deveria ser realizado por meio de uma política internacional de defesa da concorrência.
Em uma linha um pouco diferente, mas igualmente cética quanto à aplicação das políticas antitruste tradicionais para os países em desenvolvimento, na visão de Ajit Singh e Rahul Dhumale, a forma de política de defesa da concorrência implementada para países como os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha não é adequada [Singh e Dhumale (1999)]. Esses autores sustentam, entre outros pontos, que a ênfase deveria ser dada mais à eficiência dinâmica do que à eficiência estática e, ainda, que se deveria buscar um nível ótimo de concorrência (e não um nível máximo) para promover o crescimento de longo prazo da produtividade. Finalmente, Singh e Dhumale (1999) defendem que deveriam ser compatibilizadas as políticas industriais com as políticas de defesa da concorrência.
Mas, apesar de algum recuo na implementação das políticas antitruste nos Estados Unidos e do ceticismo de sua conveniência para os países em desenvolvimento, leis de defesa da concorrência multiplicaram-se no mundo na década de 1990.3 Nos países em desenvolvimento, tais leis foram promulgadas como parte da agenda de reformas de segunda geração, voltadas essencialmente para promover mudanças nas instituições desses países, cuja inadequação explicaria o fracasso das chamadas reformas de primeira geração, implementadas pelas políticas públicas recomendadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que ficaram conhecidas pelo nome de Consenso de Washington [Prado (2011, p. 324)].
Um fato interessante da história econômica e institucional no Brasil é a existência de iniciativas para a criação de uma legislação antitruste, em uma época em que tais políticas existiam quase exclusivamente nos Estados Unidos e no Canadá. Desde a década de 1930, havia no Brasil debates sobre a necessidade de criar uma legislação antitruste. Nos últimos meses do Estado Novo, em 1945, por meio do Decreto-Lei 7.666, foi até criada uma instituição que tem o nome da atual agência de defesa da concorrência brasileira: Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com a revogação desse decreto no governo provisório de José Linhares, depois da deposição de Getúlio Vargas, essa legislação ficou suspensa até que, depois de muita controvérsia, foi aprovada outra legislação que novamente criou o Cade, em setembro de 1962.4 No entanto, até a década de 1980, política antitruste, tal como se discutia no país, era vista com desconfiança tanto pelo setor empresarial doméstico quanto por representantes das empresas estrangeiras que operavam no Brasil.
Na década de 1990, no entanto, houve uma mudança significativa sobre a questão. Anteriormente, política antitruste era discutida na esfera jurídica e defendida pelos críticos das empresas transnacionais. Nos anos 1990, jovens economistas formados nos Estados Unidos ou na Europa, que passaram a desempenhar importantes funções no Estado, após a crise do desenvolvimentismo na década de 1980, começaram a se interessar pelo tema no país. A partir do governo de Itamar Franco e, especialmente, com o governo Fernando Henrique Cardoso, políticas de defesa da concorrência e de regulação econômica foram consideradas elementos essenciais em uma nova estratégia de desenvolvimento.
O objetivo deste artigo é discutir a economia política da criação da legislação de defesa da concorrência no contexto das reformas liberais implementadas no país na década de 1990. As reformas institucionais realizadas principalmente durante o governo de FHC foram produto do interesse doméstico de implementar alterações nas instituições que promovessem um ambiente market friendly. As reformas faziam parte de uma nova agenda de desenvolvimento, que, por sua vez, tinha como fundamento teórico uma nova teoria do desenvolvimento de inspiração neoliberal.
Portanto, sustenta-se que a política de mudança institucional é distinta das reformas macroeconômicas realizadas na primeira metade da década de 1990, que foram essencialmente impostas ao país, como parte da agenda de negociação da dívida externa, nos termos do Plano Brady. Ou seja, embora implementadas domesticamente com base na formulação de economistas brasileiros, elas eram fundamentais para que a dívida externa brasileira fosse renegociada e para que um plano de estabilização monetária fosse bem-sucedido. Por outro lado, embora inspiradas no mesmo modelo, as reformas institucionais que criaram as agências reguladoras e reformularam o sistema brasileiro de defesa da concorrência são resultantes das políticas domésticas, baseadas em uma nova concepção de estratégia de desenvolvimento. Portanto, o tema do trabalho é a relação entre política de defesa da concorrência e política de desenvolvimento no contexto das reformas liberais da década de 1990.5
Além desta introdução, o artigo tem mais quatro seções. Na segunda seção, discutem-se a crise das políticas desenvolvimentistas tradicionais e o surgimento de uma nova agenda de desenvolvimento fundada nas abordagens neoliberais. Na terceira seção, abordam-se as reformas liberais na década de 1990 e a agenda de desenvolvimento neoliberal surgida nesse contexto. A quarta seção analisa a defesa da concorrência no Brasil, em uma abordagem histórica. O objetivo dessa seção é mostrar como a legislação brasileira evoluiu entre a década de 1930 e a década de 1990. A quinta seção discute a difusão internacional das leis de defesa da concorrência e discute como elas foram implementadas nos países em desenvolvimento e no Brasil em particular. A seção termina por mostrar que, no caso brasileiro, tal como na maioria dos países em desenvolvimento, essa legislação foi, essencialmente, produto do convencimento, ou seja, da difusão das ideias neoliberais e não da pressão internacional por reformas econômicas.
2. Políticas de desenvolvimento: das visões desenvolvimentistas às políticas neoliberais
Gerald Meier, um dos primeiros professores de desenvolvimento econômico, afirmava que essa área é, simultaneamente, uma das mais antigas e uma das mais atuais da economia [Meier (1985, p. 3)].6 Lembrava esse autor que as principais questões tratadas pelos economistas clássicos, as raízes do crescimento econômico e o processo de mudança econômica de longo prazo, são hoje investigadas pela disciplina que chamamos desenvolvimento econômico.7 Depois dos clássicos, durante um longo período, o tema foi abandonado.
Até a década de 1930, tanto a teoria neoclássica quanto a nascente economia keynesiana preocupavam-se com outras questões.8 Na década de 1940, no entanto, surgiu uma literatura que discutia as implicações da crescente divergência nos níveis de renda entre um grupo de países que tinham passado por rápidas transformações estruturais e o resto do mundo.
Esses autores observaram que, embora esses países economicamente atrasados se mantivessem presos na armadilha da estagnação malthusiana, isso não implicava que não tinham sido afetados pelas mudanças nas economias centrais. Ao contrário, esses teriam sido integrados como periferia do núcleo dinâmico da economia mundial. Percebiam, portanto, que a produção acadêmica existente não tratava das questões enfrentadas por essas economias, as quais passaram a ser chamadas de subdesenvolvidas.9
Nas décadas seguintes, até a crise da teoria do desenvolvimento na década de 1970, as razões do atraso econômico e as estratégias para superá-lo foram intensamente discutidas. Na década de 1970, o tema perdeu parte de seu glamour, ou seja, deixou de ser considerado high theory, nos principais centros de produção teórica. Até mesmo um autor progressista como Krugman considerou os programas de pesquisa de desenvolvimento difusos, por não formarem um corpo teórico consistente e carecerem do uso de instrumental analítico para comunicar suas ideias aos economistas contemporâneos.10 Analisando as razões desse abandono, Albert Hirschman, com sua tradicional capacidade analítica para identificar processos sociais, propôs a tese, em um conhecido artigo publicado em 1981, no calor da crise desse campo de conhecimento, de que a decadência da teoria do desenvolvimento foi o resultado da estranha coalizão entre o neomarxismo e a monoeconomia [Hirschman (1981)].
Para esse autor, os dois pilares da teoria do desenvolvimento eram: (i) a crítica à ideia de monoeconomismo, isto é, a teoria que sustentava que as leis econômicas podem ser aplicadas igualmente em economias desenvolvidas e subdesenvolvidas; e (ii) a ideia de benefício mútuo, isto é, a concepção de que as relações econômicas entre essas economias poderiam ser administradas de forma a gerar benefício para ambos. Para Hirschman, o ressurgimento do liberalismo repudiava essa abordagem ao reafirmar que só havia uma teoria econômica aplicável a países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para esses liberais, as políticas heterodoxas agravavam o problema que queriam resolver.11 Por outro lado, autores como Gunder-Frank e outros integrantes da visão mais extrema da corrente dependentista manifestavam seu crescente ceticismo sobre a possibilidade de superação do subdesenvolvimento por meio das políticas públicas defendidas pelos economistas desenvolvimentistas [Prado (1993)]. Nesse contexto, a teoria do desenvolvimento teria perdido a sustentação por autores à esquerda e à direita do espectro político, acabando por ser abandonada.
Na década seguinte, a antiga teoria do desenvolvimento não encontrava mais apoio no mundo acadêmico e era desacreditada no campo da política econômica. A década de 1980 foi marcada pela ascensão de teóricos do neoliberalismo e pelo abandono das políticas econômicas desenvolvimentistas em países afetados pela crise da dívida externa. Nessa década, a teoria do desenvolvimento, já enfraquecida pelas razões apontadas por Hirschman, sofreu, no plano teórico, ataques vigorosos de Deepak Lal. Além disso, as políticas econômicas desenvolvimentistas foram, também, duramente atacadas por Anne Krueger, economista-chefe do Banco Mundial entre 1982 e 1987. Deepak Lal, que presidiria futuramente a famosa Mont Pèlerin Society, publicou em 1983 um influente livro intitulado The poverty of development economics, em que criticava o que chamava de “dogma dirigista”.12 Krueger substituiu Hollis B. Chenery, que ocupava a função desde 1972, marcando a transformação intelectual do Banco Mundial para uma instituição dominada por ideias neoliberais.13 Essa economista foi autora de numerosos artigos e livros em que criticava as abordagens tradicionais de política de desenvolvimento e recomendava políticas públicas market friendly para países em desenvolvimento.14
Portanto, a teoria do desenvolvimento – surgida na década de 1940 com o objetivo de promover crescimento com mudança estrutural, produto de uma ordem econômica otimista, influenciada pela visão de mundo keynesiana, que acreditava na capacidade de intervenção do Estado para corrigir falhas de mercado – foi definitivamente abandonada na década de 1980. Por outro lado, nesses anos, a discussão sobre desenvolvimento foi ocupada pelos modelos de crescimento endógenos, tais como os desenvolvidos por Romer (1986) e Lucas (1988). Tais modelos tinham como objetivo discutir os mecanismos de convergência econômica (ou sua ausência) entre economias com diferentes níveis de renda. Segundo eles, diferentemente da visão dos modelos de crescimento neoclássicos de Solow, havia externalidades positivas na acumulação de capital.15 Tais modelos não tratavam de mudança estrutural e ainda abandonavam completamente a tradição keynesiana de considerar a existência de um caso especial, aplicado ao país desenvolvido, e um caso geral, aplicado ao país em desenvolvimento.
No fim da década, no entanto, uma nova teoria do desenvolvimento passou a dominar a agenda dos organismos internacionais e começou a influenciar as políticas públicas nos países em desenvolvimento. Esse ressurgimento veio de uma fonte inesperada. Suas linhas gerais já vinham sendo propostas por autores como Krueger.16 A crise econômica dos países em desenvolvimento na década de 1980, como resultado da instabilidade financeira internacional na década anterior, foi imputada pelas autoridades que controlavam os organismos internacionais ao erro das políticas de desenvolvimento empreendidas pelos países periféricos. Nesse contexto, foram propostas novas políticas de desenvolvimento, inspiradas pela nova ortodoxia que se estruturava para substituir a ordem econômica keynesiana, que vinha sendo rapidamente desmontada. Essa nova ortodoxia passou a ser conhecida popularmente como neoliberalismo.
Neoliberalismo não é um conceito usado por seus defensores e não é um bom nome para o fenômeno histórico que descreve. O termo foi originalmente proposto na década de 1930 pelo economista alemão Alexander Rüstow para descrever as novas correntes liberais que davam prioridade ao mercado, como alternativa a uma estrutura burocrática e hierárquica de ordenação da economia [Gamble (2006 p. 21)]. Essas correntes eram, normalmente, associadas à Escola Econômica de Friburgo e tinham como sua principal formulação a ideia de economia social de mercado. Essa abordagem, também conhecida como ordoliberalismo, pretendia promover uma ordem econômica baseada no mercado, mas condicionada aos pressupostos de dignidade humana e liberdade, sob uma moral universal kantiana.17 O conceito tomou outro sentido quando passou a ser usado pelos opositores das políticas liberais radicais praticadas pelos jovens economistas, formados em Chicago, que assumiram as principais funções econômicas na ditadura de Augusto Pinochet.18
Por ser usado de forma ambígua, neoliberalismo pode ser adequadamente descrito como um essentially contested concept, como W. B. Gallie chamou a classe de conceitos que, entre outras características, envolve disputas infinitas sobre seu emprego por seus usuários.19 No entanto, apesar da controvérsia em torno de seu uso, esse conceito revela um fenômeno real e relevante de ser descrito. Uma vez devidamente qualificado, o conceito ajuda a compreender o debate, a partir da década de 1970, sobre políticas públicas, tanto no mundo acadêmico quanto na esfera política.
A partir dessa década, uma série de crises financeiras internacionais, que decorreu do fim do sistema de Bretton Woods, interrompeu o longo período de prosperidade nos países industriais avançados. O fim da prosperidade abriu espaço para a crítica do keynesianismo e para a ascensão de novas correntes econômicas liberais. Entre essas novas abordagens, podem-se destacar, em macroeconomia, as teses de Milton Friedman e de Lucas sobre políticas macroeconômicas ativas; a nova economia política de Buchanan com sua teoria de public choice e, ainda, a nova economia institucional, com Douglass North e Ronald Coase.
Simultaneamente, nos países em desenvolvimento, a eclosão da crise da dívida externa serviu de justificativa para a crítica das políticas desenvolvimentistas e abriu espaço para a formulação de uma nova agenda de desenvolvimento, que recomendava reformas das políticas públicas e um novo papel do Estado. Esses dois movimentos são diferentes aspectos da ascensão do que se convencionou chamar de neoliberalismo.
Portanto, chamo de neoliberalismo as novas correntes liberais que ascenderam com a crise do keynesianismo, no centro, e do desenvolvimentismo, na periferia, que tinham por objetivo promover uma nova ordem econômica, com base numa ampla reforma do papel do Estado e das instituições, para criar uma sociedade orientada pelo mercado e não por outros objetivos, como equidade, bem-estar social ou desenvolvimento.20
As políticas públicas propostas pela agenda neoliberal para os países em desenvolvimento pretendem promover mudanças estruturais. Por isso, trata-se de uma nova teoria de desenvolvimento econômico.21 No entanto, a ordem das mudanças é inversa à da tradição desenvolvimentista, que promove mudança estrutural como consequência do processo do crescimento, ou seja, o crescimento deve vir acompanhado de mudança estrutural para se tornar processo de desenvolvimento. Inversamente, na visão neoliberal, o crescimento é produto da mudança estrutural que deve ser promovida pela reforma de Estado e das instituições. Portanto, na teoria do desenvolvimento de inspiração neoliberal, promovem-se, primeiro, mudanças nas estruturas econômicas, por meio de políticas market friendly – como consequência dessas mudanças, o setor privado aproveita as oportunidades disponíveis, com a confiança necessária para correr riscos em função das garantias de direito de propriedade, e atua como o agente promotor do crescimento econômico.
Essa mudança de agenda sobre o tema de desenvolvimento foi tratada por Erber por meio da abordagem da teoria das convenções.22 Com base em Orléan (1989), esse autor definia convenções como uma representação coletiva com estruturas de expectativas e comportamento individuais. Dessa forma, uma convenção manifesta-se como um conjunto de regras e agendas positiva e negativa e uma teleologia que as orienta [Erber (2008, p. 3)]. Erber tratava o conjunto de políticas oriundas das influências da teoria do desenvolvimento como convenção de desenvolvimento. Para ele, esta foi substituída por uma convenção neoliberal, que lhe era simetricamente oposta. Essa nova convenção seria focada na mudança institucional, com o objetivo de restabelecer a primazia das instituições de mercado. Suas metas principais eram reduzir e controlar a intervenção do Estado, defender os direitos de propriedade e, ainda, promover a liberalização do comércio internacional, investimento e fluxos financeiros. Portanto, essa mudança institucional seria altamente seletiva.
A abordagem de Erber traz a esse debate uma dimensão sociológica, que transcende as discussões tradicionais sobre o tema. No entanto, considero equivocada a visão de que a convenção neoliberal levava à redução do papel do Estado. Essa era uma afirmação corrente entre os autores dessa tradição, mas sua política era muito mais abrangente. Ou seja, como Erber argumenta, essa convenção propõe uma agenda de reformas institucionais focada na promoção do funcionamento do mercado. Mas, ao sustentar essa agenda, a política neoliberal implica a promoção de uma sequência de reformas, que só pode ser realizada por meio de uma grande intervenção do Estado, embora de natureza distinta da intervenção sob a convenção desenvolvimentista.
Até a década de 1970, a oposição à agenda desenvolvimentista vinha de uma visão conservadora que rejeitava a agenda de reformas promovida pelas políticas desenvolvimentistas. A partir da década de 1980, as abordagens neoliberais não mais rejeitam reformas, mas defendem sua própria agenda de reformas que pretendia acabar com as políticas anteriores e também criar uma nova ordem que estabelecesse as condições econômicas e políticas para implementar um novo modelo econômico. Por isso, o neoliberalismo nos países em desenvolvimento, ao contrário do seu discurso, tem um viés altamente intervencionista. Sua agenda incluiu necessariamente a reformulação do papel do Estado. Por um lado, a nova agenda implica reforma administrativa com a redução dos funcionários públicos e alienação de empresas estatais, mas, por outro, tem como objetivo criar novas instituições, tais como as agências reguladoras e uma agência de defesa da concorrência, para administrar a nova ordem econômica market friendly.
O neoliberalismo no centro teve, desde o início, apoio da população em função da sucessão de crises na década de 1970 – afinal, Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Helmut Kohl foram chefes de governos muito populares.23 Na periferia, no entanto, a agenda de reformas neoliberais foi, de início, promovida por governos autoritários ou imposta de fora. Ou seja, na década de 1970 os únicos países em desenvolvimento que promoveram políticas neoliberais foram as ditaduras sul-americanas do Chile, da Argentina e do Uruguai.24 Na década de 1980, políticas neoliberais foram implementadas por governos populistas no Peru, com Alberto Fujimori, na Argentina, com Carlos Menem, e no Brasil, com Fernando Collor.25 Somente na década de 1990, a agenda neoliberal recebeu maior apoio popular na região, principalmente em virtude do fato de que as reformas neoliberais foram necessárias para a renegociação da dívida externa, que era fundamental para a estabilização monetária na região. Ou seja, nos países em desenvolvimento que enfrentaram a crise da dívida externa na década de 1980, a agenda de reformas foi exigida como contrapartida da aceitação do Plano Brady e foi imposta a todos os países em desenvolvimento que renegociaram a dívida externa e recorreram às organizações internacionais.
As organizações internacionais exigiam que os países devedores se submetessem a novas regras para que pudessem obter empréstimos ou financiamentos. Essas condicionalidades formavam um conjunto de políticas que deveria ser o sustentáculo de uma nova estratégia de desenvolvimento, que, segundo Stanley Fischer, era a única remanescente, já que “não há mais dois paradigmas concorrentes sobre desenvolvimento econômico”.26
A nova estratégia de desenvolvimento, que se convencionou chamar de Consenso de Washington por causa da repercussão de um texto de John Williamson, apresentava-se como um rompimento radical com as visões anteriores.27 O primeiro conjunto de reformas recomendado tratava essencialmente de medidas macroeconômicas.28 Os efeitos dessas reformas, no entanto, foram decepcionantes. Dessa forma, a década de 1990, para a maioria dos países em desenvolvimento (particularmente na América Latina), foi marcada por graves crises econômicas e baixo crescimento. Em um artigo que teve grande repercussão, Ocampo (2004, p. 84) resumiu o resultado dessas políticas da seguinte forma:
Este artigo sustenta que os benefícios das reformas econômicas orientadas para o mercado que a América Latina empreendeu desde a metade da década de 1980 foram superestimados e seus riscos foram largamente subestimados. As reformas estruturais, em conjunto com a crescente disciplina monetária e fiscal, foram bem-sucedidas em muitas áreas, particularmente em reduzir a inflação, induzir o crescimento e a diversificação das exportações e em atrair o investimento direto estrangeiro. Mas as frustrações são o resultado de um crescimento econômico que se mantém baixo e volátil, do crescente dualismo da economia e, particularmente, dos resultados sociais desapontadores. Algumas premissas básicas dos reformadores provaram-se inteiramente erradas, particularmente as premissas que a baixa inflação e melhor controle dos déficits orçamentários garantiriam o acesso estável para os mercados de capitais internacionais e para o crescimento econômico dinâmico, e que a maior produtividade nas firmas e nos setores mais dinâmicos iriam automaticamente difundir-se pela economia, levando a uma aceleração generalizada do crescimento econômico.
Apesar dos resultados insatisfatórios, tanto no plano acadêmico quanto na esfera da política pública, os defensores das políticas de desenvolvimento neoliberais consideravam que a razão desse desempenho provinha da insuficiência dessas reformas, não da natureza do diagnóstico. A resposta desses grupos foi aumentar a aposta e recomendar uma nova rodada de reformas. As chamadas reformas de segunda geração, diferentemente das primeiras, que tratavam essencialmente de questões macroeconômicas, concentravam-se em recomendações de mudanças institucionais para adequar as instituições nacionais a um modelo ideal. Essas instituições transformadas deveriam, idealmente, levar aos resultados propostos no modelo original e nunca alcançados [Prado (2011, p. 324)].29
Essas reformas, que, se eficazes, deveriam mudar o ambiente institucional desses países, tinham entre suas mais importantes recomendações as alterações no sistema legal e regulatório e o aumento da eficiência do setor público. Portanto, pretendia-se reformar as instituições públicas que operavam segundo o modelo de intervenção das políticas desenvolvimentistas, para torná-las funcionais em um modelo de intervenção que aumentasse a eficiência dos mecanismos de mercado, eliminando os empecilhos que dificultavam para os agentes econômicos privados aproveitar oportunidades e responder aos sinais de mercado. Portanto, tratava-se de aumentar o papel do mercado, por meio da criação de instituições que facilitassem seu funcionamento.
Entre os principais temas dessa agenda, estavam a proteção aos direitos de propriedade, a garantia da execução dos contratos, a defesa dos direitos de propriedade intelectual, a defesa da concorrência, a execução (enforcement) das decisões judiciais, a melhoria da gestão pública e a melhoria do sistema educacional. Sustentava-se, portanto, que o diagnóstico da estratégia de desenvolvimento neoliberal estava correta, embora os remédios empregados para implementá-la fossem insuficientes. Nessa interpretação, era necessário o aprofundamento das medidas e não a alteração de rumo.
Uma parte fundamental dessas recomendações era a criação de novas agências estatais que deveriam regular serviços privatizados. Nesse cenário, um sistema de defesa da concorrência, com uma legislação para sua aplicação e com uma forte agência antitruste, seria fundamental para promover a ordem econômica desejada e, ainda, impedir a excessiva concentração empresarial e práticas anticompetitivas por empresas com grande poder de mercado. Com base nesses princípios, leis e autoridades antitruste, assim como agências reguladoras, deveriam ser criadas na América Latina e, em geral, nos principais países em desenvolvimento. Essas novas instituições seriam controladas por técnicos, que deveriam ser os guardiões dos princípios do livre-mercado e, ainda, aplicadores técnicos (idealmente, apolíticos) dessa nova ordem.
Nesse contexto, entre 1991 e 1994, foram criados no Brasil o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e, ainda, no decorrer do governo FHC, as principais agências reguladoras.
3. Reforma de Estado e Políticas de Desenvolvimento: A experiência Brasileira
O fracasso do Plano Cruzado no Brasil, já evidente no início de 1987, teve como principal consequência política a redução do apoio popular a estratégias econômicas identificadas como heterodoxas. Isso se deu em um contexto de importantes mudanças institucionais, por meio da Constituição de 1988, e da fragmentação da representação e da capacidade de ação coletiva do setor empresarial.30 A ação administrativa do governo Sarney contribuiu para reforçar esse quadro. Esse governo se mostrava incapaz de dar respostas à crescente insatisfação e às demandas da população, em um momento em que sua capacidade de persuasão se reduzia rapidamente.
O fracasso do primeiro governo democrático depois de 21 anos de ditadura militar gerou grande insatisfação. Além disso, generalizou-se a demanda por mudanças profundas nas políticas públicas brasileiras. Em decorrência desse sentimento, a campanha eleitoral em 1989 deu-se com polarização das preferências populares entre dois candidatos de esquerda e um da nova direita. Este último, embora de uma tradicional família de políticos nordestinos, apresentava-se como sem vínculos com os partidos tradicionais e caracterizava-se por um discurso inflamado e fortemente antiestado. A vitória eleitoral de Collor marcou uma transformação profunda da ordem econômica brasileira, que viria mostrar-se duradoura.
O novo presidente não podia ser caracterizado como um liberal. Ao contrário, seu discurso previa formas de intervenção do Estado que certamente não pressupunham o princípio liberal de garantias de direito de propriedade e segurança jurídica. No entanto, seu programa previa uma profunda alteração do papel do Estado.31 Nesse sentido, seu governo marcou o início de um ciclo de reformas liberais, que se aprofundaram nos governos seguintes. Ou seja, depois de um início atribulado e populista, sob o governo Collor, as políticas de reforma do Estado vieram a constituir, nos governos seguintes, um projeto efetivo de mudanças institucionais, para a implementação de um novo modelo de desenvolvimento, com base nas formulações do Consenso de Washington.
Reformas econômicas associadas exclusivamente à ideia de uma agenda conservadora foram uma novidade da década de 1990. Historicamente, a ideia de reformas econômicas aparece em diversos momentos da história recente brasileira associada a situações de crise econômica e/ou política. No início da década de 1960, o tema era polarizado entre a ideia de reformas de base e a de reformas econômicas modernizadoras. Por um lado, os defensores das reformas de base, que se inspiravam na literatura estruturalista, argumentavam que a continuidade do desenvolvimento brasileiro requeria um conjunto de mudanças institucionais que pudesse mudar algumas das características mais perversas da estrutura econômica brasileira. Esperavam, portanto, que as reformas permitiriam melhorar a distribuição de renda e diversificar o consumo doméstico – a mais importante entre elas era a reforma agrária. Uma abordagem distinta era defendida por autores liberais, como Eugênio Gudin ou Octávio Gouvêa de Bulhões, que sustentavam que não havia qualquer característica especial no Brasil que justificasse a ação do Estado de forma distinta da realizada nos países mais avançados. Esses economistas defendiam mudanças para eliminar o populismo econômico, que estaria na raiz da inflação e de outros problemas econômicos brasileiros.
Mas a ideia de reformas econômicas que tomava corpo no Brasil no início da década de 1990 não retomava o debate anterior: sua origem e sua trajetória eram distintas. Essa ideia alimentava-se, no âmbito doméstico, da percepção, por amplos setores da opinião pública, de que o fracasso do governo Sarney poderia ser imputado à insistência de manter uma estratégia de desenvolvimento baseada na intervenção do Estado, que abria espaço à ineficiência e à corrupção. A crise da década de 1980 era vista como a prova definitiva do fracasso do modelo de desenvolvimento brasileiro. O Estado interventor seria também produto de uma concepção autoritária de sociedade e deveria ser enterrado no mesmo túmulo do regime militar.
Isso se somava à crescente popularidade na comunidade empresarial (em especial no setor financeiro, mas também nos meios acadêmicos) da agenda de reformas liberais que foi chamada por John Williamson de Consenso de Washington. A conjuntura internacional contribuía para sua difusão. Os Estados Unidos tinham sido vitoriosos na Guerra Fria: o regimesocialista dos países do Leste Europeu desintegrava-se rapidamente. E na América Latina as ideias estruturalistas pareciam ter sido definitivamente abandonadas pelos novos governantes. O fracasso das políticas de estabilização heterodoxas na década de 1980, no Brasil, na Argentina e no Peru, foi visto como evidência de que as estratégias de desenvolvimento regionais deveriam ser modificadas.
Um marco importante nesse processo foi o fim do governo militar no Chile com a eleição de Patricio Aylwin, mas com a permanência da política econômica liberal. Esta era vista como a principal razão para o bom desempenho da economia chilena desde 1985 e, portanto, não deveria ser modificada pelo novo governo democrático. No fim da década de 1980, vários governos sul-americanos passaram a empreender políticas liberais e implementar reformas econômicas, inclusive alguns governados por políticos com tradição populista, como Carlos Andrés Pérez, na Venezuela, e Carlos Menem, na Argentina. Na mesma época, chegaram ao poder César Gaviria, na Colômbia, e Alberto Fujimori, no Peru. Collor fez uma campanha para a presidência defendendo abertamente reformas no aparelho de Estado. Mas as reformas de Collor não foram produto da vitória de um partido de direita com ideias claras sobre os rumos que queria imprimir ao futuro da sociedade brasileira. Não havia uma pressão de partidos políticos de direita, como na Argentina e no México, nem o governo tinha sido ainda hegemonizado por um grupo tecnocrático liberal, normalmente com doutorado norte-americano, como no caso do México, na década de 1980, e no da Argentina, na década de 1970. A estratégia de campanha de Collor foi atacar os setores organizados da sociedade brasileira e apelar à massa desorganizada. Nesse sentido, essa estratégia é mais parecida com as ações dos presidentes Miguel de la Madrid e Carlos Salinas em seus ataques ao corporativismo mexicano e sua intenção de usar as reformas contra as organizações existentes da sociedade.32 A política econômica de Collor respaldava-se na percepção quase generalizada de que o Estado brasileiro tinha perdido sua capacidade de investir. Por outro lado, vários setores sob o controle do Estado não eram mais estratégicos para o desenvolvimento e, finalmente, o que restava de respeitável no desenvolvimentismo tinha sido destruído pela politização fisiológica do governo Sarney.33 Portanto, a ideia de reformas como parte de uma nova agenda de desenvolvimento no Brasil foi se firmando lentamente. Tendo como ponto de partida a avalanche de medidas propostas por Collor, permaneceu com poucas mudanças em todos os governos brasileiros na década de 1990.
Embora o governo Collor tenha iniciado um amplo programa de privatizações, somente no governo FHC foram criados os marcos regulatórios para a gestão dos serviços públicos privatizados. Para isso, o governo FHC aprovou a legislação necessária para viabilizar a quebra de monopólios do Estado e a concessão de serviços públicos. Nessa linha, foi aprovada a Emenda Constitucional número 8, que estabeleceu as bases jurídicas para as concessões de serviços públicos, assim como outras formas de delegações, como autorizações e permissões. Da mesma forma, foram criadas as principais agências reguladoras: a Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e disciplinou o regime de concessões de serviços públicos de energia elétrica; a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e estabeleceu os marcos legais para o monopólio do petróleo; a Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e estabeleceu o marco legal para a atuação das empresas de telecomunicações no país; a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, criou a Agência Nacional de Saúde (ANS) e estabeleceu o marco legal de atuação dos planos e seguros privados de assistência à saúde.
O governo FHC tinha em seus quadros a densidade teórica e a capacidade administrativa de implementar medidas econômicas market friendly, que são consistentes com as propostas de reformas de segunda geração. Não se tratava de imposição de fora. Isso pode ser mostrado analisando-se a dinâmica de cada uma das reformas. O Brasil não conseguiria alcançar uma negociação internacional dentro do chamado Plano Brady se não realizasse as reformas macroeconômicas exigidas por essa agenda. No caso, os compromissos necessários para o acordo foram realizados durante os governos Collor e Itamar Franco.
Embora a política de reformas fosse vista internacionalmente de forma positiva, a percepção pelas potências ocidentais da fragilidade interna do governo Collor e, ainda, a percepção de que sua negociação externa foi feita de forma menos dócil do que a esperada deterioraram a imagem do Brasil, principalmente com os Estados Unidos.34 Por outro lado, embora Itamar fosse reconhecidamente mais nacionalista do que Collor, como este estava mais envolvido com os muitos problemas domésticos, deu pouca prioridade à discussão de questões internacionais. Nesse sentido, a política externa foi delegada a atores de reconhecido prestígio internacional, dentro e fora da comunidade diplomática.35 Nesse contexto, aos poucos foi ficando claro que a diplomacia brasileira caminharia para alcançar um acordo de negociação da dívida externa e adotar uma postura cooperativa, com uma relação econômica positiva com os Estados Unidos e os principais países industriais avançados.36 Assim, tendo como principal negociador Pedro Malan, o Brasil alcançou um acordo no âmbito do Plano Brady.
O Plano Brady tinha explicitamente como exigência programas de ajuste estrutural por parte dos países devedores. A negociação tinha como premissas fundamentais: (a) o problema da dívida seria resolvido por meio de uma negociação caso a caso; e (b) a redução das dívidas e a liberalização dos recursos estavam subordinadas a um programa de reformas sob a supervisão do FMI, principalmente em questões fiscais, e do Banco Mundial, na agenda de reforma do Estado.37 Mas a agenda microeconômica que se seguiu às políticas macroeconômicas foi guiada por lógica diferente. As reformas de segunda geração tinham por objetivo promover a retomada sustentada do crescimento econômico. Elas faziam parte de uma agenda de desenvolvimento. Nessa linha, elas não eram requisitos para a agenda doméstica, embora certamente estimuladas e apoiadas pelas mesmas forças políticas que impunham os termos da agenda macroeconômica.38 Nesse contexto, foi montado no Brasil um moderno sistema de defesa da concorrência e, em 1994, foi aprovada a Lei 8.884, que estabeleceu as bases legais para esse sistema.
4. A Defesa da concorrência no Brasil: uma abordagem Histórica
Até a década de 1990, a legislação brasileira que tratava de assuntos concorrenciais tinha duas preocupações fundamentais: reprimir os chamados “crimes contra a economia popular” ou controlar as ameaças ao interesse público dos chamados “trustes”, vistos, principalmente, como cartéis internacionais. Autoridades de defesa da concorrência, com instrumentos legais e materiais para atuar com eficácia na promoção da ordem econômica, só foram criadas no Brasil na década de 1990.39 Historicamente, houve grande resistência para a aprovação no país de uma legislação antitruste. A exemplo de países como os Estados Unidos e o Canadá, os primeiros movimentos para a criação dessa legislação eram movidos por razões políticas e não por argumentos econômicos.40 No Brasil, a sociedade civil que liderou o movimento antitruste não tinha a mesma força que nesses dois países da América do Norte. O processo de criação dessa legislação no Brasil dependeu de um complexo equilíbrio nas relações entre Estado e sociedade.
Desde o Estado Novo, discutia-se a necessidade de impor limites à atuação de empresas com forte poder de mercado e a práticas colusivas de empresas internacionais. No entanto, durante décadas houve forte resistência à aprovação dessa legislação, que era vista, contraditoriamente, como uma ameaça à economia de mercado. Somente foi possível aprovar uma legislação antitruste abrangente e eficaz com a agenda de reformas liberais da década de 1990, cuja ênfase estava na montagem de um sistema público que fosse funcional a uma nova ordem econômica market friendly.
As primeiras provisões legais sobre assuntos concorrenciais surgiram no Brasil na década de 1930. Na Constituinte de 1934, uma emenda proposta por Prado Kelly, Christovão Barcelos e Asdrubal de Azevedo previa um artigo que dispunha:
Ficam proibidos os trustes, assim como os monopólios de indústria ou comércio, fixando a lei ordinária as respectivas sanções e salvo à União, quando a esses, o direito de os instituir, em benefício do interesse coletivo ou da defesa da economia nacional [Assembleia Nacional Constituinte (1934, p. 156)].
Na justificativa da emenda, esses constituintes alegavam “a repulsa de nosso direito à existência dos monopólios de indústria e comércio, como ofensa à liberdade econômica” [Assembleia Nacional Constituinte (1934, p. 156)]. Recorriam, ainda, como precedente, ao dispositivo da Lei 3.070-A, de 31 de dezembro de 1915, que previa que o Presidente da República poderia:
modificar a taxa dos impostos de importação, indo mesmo até permitir a entrada livre de direitos, durante certo prazo, para os artigos de procedência estrangeira que possam competir com os similares nacionais, desde que estes sejam produzidos ou negociados por trustes [Lei 3.070, de 31 de dezembro de 1915, art. 2o, n. IX].
Esses primeiros textos legais com disposições antitruste tinham por objetivo caracterizar crimes contra a economia popular e incluíam como ilícitas as práticas de abuso de poder de mercado e a transgressão de tabelas oficiais de preço. Portanto, nesse primeiro momento, a questão concorrencial confundia-se com o que era conhecido como “crimes contra a economia popular”.41
O Decreto-Lei 869/1938, que tratava de crimes contra a economia popular, era uma legislação penal e não de direito administrativo. A primeira lei brasileira que tratava na esfera administrativa de questões antitruste foi de 1945, nos últimos meses do Estado Novo, tendo como autor o ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães. O Decreto-Lei 7.666, chamado de Lei Malaia, criava a Comissão de Defesa Econômica (Cade) e dava poderes ao governo para expropriar qualquer organização cujos negócios lesassem o interesse nacional, mencionando, especificamente, as empresas nacionais e estrangeiras, vinculadas aos trustes e cartéis.42
Essa lei definiu alguns problemas concorrenciais adequadamente, embora influenciada por uma retórica nacionalista, característica daquele período histórico. A criação da Comissão Administrativa de Defesa Econômica foi proposta no art. 19, como um órgão, com personalidade jurídica própria, diretamente subordinado à Presidência da República e presidido pelo ministro de Justiça e Negócios Interiores.
A lei foi duramente combatida por setores que a consideravam intervencionista e influenciada por ideias esquerdistas. O Departamento de Estado dos Estados Unidos interpretou a legislação como um ato de nacionalismo econômico e pressionou o governo Vargas para revogá-la.43 Setores oposicionistas protestaram contra a medida, qualificando a Comissão de Defesa Econômica como um instrumento nazifascista, que ameaçava a economia brasileira. A lei foi revogada pelo presidente provisório José Linhares, poucos dias depois da deposição de Vargas.
O tema, no entanto, continuou em pauta e retornou ao debate na Constituinte. Como resultado, na Constituição de 1946, o art.148 estabeleceu:
A Lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso econômico inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros [Brasil (1946)].44
Esse artigo constitucional demandava uma lei para ser efetivo. Para isso, foi proposto o Projeto de Lei 122, de 1948, que também era de autoria do então deputado Agamenon Magalhães. Essa iniciativa encontrou grande oposição no Legislativo e o projeto não foi aprovado pelo Congresso brasileiro.
Na ausência de uma lei antitruste que permitisse atuações do Estado por meio de disposições de direito administrativo, a intervenção do governo fazia-se por leis penais, nas quais se definiam os crimes contra a economia popular. Nessa linha, Getúlio Vargas, em seu segundo governo, promulgou a Lei 1.522, de 26 de dezembro de 1951, baseada na Lei contra a Economia Popular de 1938, na qual eram caracterizados como crimes desde ações típicas de abuso de poder econômico até a cobrança de juros com taxas acima da permitida em lei.45
A resistência do Congresso e o desinteresse do governo produziram o efeito de evitar, até a década de 1960, a discussão da criação de uma lei antitruste. Ficou institucionalizado um crescente uso de intervenção direta do Executivo, sem intermediação de autoridades administrativas, em temas que hoje seriam considerados questões de defesa da concorrência ou de defesa do consumidor.
Na década de 1960, voltou-se a debater a necessidade de uma lei antitruste. Durante o parlamentarismo, Tancredo Neves, empossado como primeiro-ministro, anunciou que
o governo acompanha com atenção a discussão da Lei Antitruste no Senado federal e espera utilizar amplamente todos os poderes que o Congresso lhe conceder no objetivo de combater a especulação e as práticas monopolistas.46
Em setembro de 1962, 17 anos depois da revogação da Lei Malaia e 16 anos após a promulgação da Constituição de 1946, foi, finalmente, aprovada a Lei 4.137/62, que regulamentava o dispositivo constitucional sobre abuso de poder econômico.
Essa lei criou, por meio do art. 8o, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, com a finalidade de apurar e reprimir os abusos de poder econômico. Nesse período, as relações do Brasil com os Estados Unidos passavam por dificuldades por causa da política externa independente brasileira e, ainda, do pouco interesse das autoridades norte-americanas de oferecer apoio para reduzir os graves problemas de balança de pagamento brasileiros.47 Além disso, empresas norte-americanas e canadenses que atuavam na área de serviços públicos sentiam-se insatisfeitas com as dificuldades para reajustar tarifas e temiam a privatização, tal como a realizada pelo governador Leonel Brizola, na Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense, filial da American & Foreign Power, Inc.
Nessas circunstâncias, a Lei 4.137/62, criada em um momento de muita instabilidade política, durante o governo João Goulart, teve grande dificuldade de produzir efeitos. Repressão a cartéis era na época associada à intenção de controlar empresas estrangeiras. Portanto, havia forte resistência de setores conservadores para sua implementação. Além disso, embora já à época influenciada pela legislação norte-americana, tinha um viés fortemente intervencionista, pois entre suas competências estava a de “fiscalizar a administração das empresas de economia mista e das que constituem patrimônio nacional”.48 A fiscalização do Cade estendia-se à gestão econômica das empresas de economia mista, seu regime de contabilidade e o exame anual dos seus balanços e relatórios.
Durante o regime autoritário, pouco se avançou nas questões antitruste. Esse foi um período em que o Estado usou a legislação que permitia o tabelamento de preços para implementar uma política de intervenção na atividade econômica privada por meio de estratégias econômicas do setor público. Nessa linha, os preços deveriam ser disciplinados por órgãos de intervenção direta, como a Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) e, mais tarde, o Conselho Interministerial de Preços (CIP) e não pelo Cade, que pouco atuou na época [Da Mata (1980, p. 916)]. Durante esse período, em várias áreas intensivas em capital, incentivou-se uma divisão do mercado com base em um tripé: com empresas privadas nacionais, privadas estrangeiras e públicas. Nesse sentido, pouco espaço havia para uma política de defesa da concorrência.
Na Nova República, a legislação de concorrência foi renovada, mantendo, no entanto, a característica anterior de definir de maneira vaga os ilícitos concorrenciais, sem criar mecanismos efetivos para repressão ao poder econômico. Mesmo assim, foi aprovada uma nova regulamentação da Lei 4.137/62, por meio do Decreto 92.323, de 23 de janeiro de 1986, que revogou o Decreto 52.025, de 1963. Esse documento legal dispôs:
Art 1º Será reprimido o abuso do poder econômico, quaisquer que sejam as formas que assuma, desde que caracterizadas, isolada ou simultaneamente, situações de:
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-
- domínio dos mercados;
- eliminação da concorrência;
-
III. aumento arbitrário dos lucros.
Art 2º São agentes todos quantos, pessoas naturais ou jurídicas, públicas e privadas, desenvolvam atividade que cause, direta ou indiretamente, situações definidas em lei, caracterizadoras de abuso do poder econômico.
Art 3º Os agentes sujeitar-se-ão, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal, às seguintes sanções, cominadas pela Lei no 4.137, de 10 de setembro de 1962:
-
-
- multa;
- intervenção judicial;
-
III. liquidação judicial.
Art 4º A multa, cominada entre 05 (cinco) e 10.000 (dez mil) vezes o maior valor de referência vigente no País, na data da decisão do CADE, será fixada, levando-se em consideração:
-
-
- a gravidade do abuso;
- a vantagem auferida pelo agente;
-
III. o prejuízo causado pela prática abusiva, quer a terceiros, quer à economia nacional.
§ 1º A aplicação da multa à pessoa jurídica dar-se-á sem prejuízo de sua imposição aos respectivos controladores, administradores e gerentes.
§ 2º A reincidência do agente legitimará a imposição de nova multa cujo limite será igual a 20.000 (vinte mil) vezes o maior valor de referência vigente no País, à data da decisão do CADE.
Nessa década, foi dado um passo importante para um marco jurídico duradouro da legislação antitruste com a aprovação na Constituição Federal de 1988, no Título VII, que trata da ordem econômica, de um princípio geral que determinava a repressão do “abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.49
No governo Collor, no início da década de 1990, a motivação para a aprovação de uma legislação de defesa da concorrência por meio de lei ordinária e, ainda, a criação de mecanismos legais para sua implementação foram distintas dos períodos anteriores. Como muitas medidas desse governo, a legislação antitruste aprovada nesse período foi influenciada por sua visão de reforma de Estado, que era comum nesse governo e misturava aspectos liberais com elementos intervencionistas.50
Na ocasião, o Cade estava parado havia três anos. Muitos dos integrantes do governo militar e, depois, dos setores conservadores na Nova República viam com desconfiança o funcionamento do Cade.51 Embora o tema da defesa da concorrência estivesse no programa do governo Collor, e durante seu governo foi aprovada a Lei 8.158/1991, que criou a Secretaria de Direito Econômico e alterou alguns pontos da Lei 4.137/1962, a operação das atividades do Cade encontrou grande dificuldade para se desenvolver. Somente em fevereiro de 1992, assumiu a presidência do órgão Ruy Coutinho, que teve um importante papel para a formação de um grupo de trabalho para elaboração de uma nova Lei de Defesa da Concorrência.
Nesse momento, tal lei era, ainda, vista com desconfiança, tal como o fora desde a década de 1930. Um novo projeto de Lei de Defesa da Concorrência que vinha sendo formulado por um grupo de juristas recebeu forte oposição das organizações empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Foi no governo Itamar Franco, tendo Rubens Ricupero como ministro da Fazenda, que foi criado o Sistema de Defesa da Concorrência, formado pela SDE, pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pelo Cade. A Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, foi promulgada quando o Plano Real estava sendo executado e fazia parte do conjunto de mudanças institucionais que marcaria a transição para uma nova ordem econômica. Sua motivação imediata era criar bases institucionais para garantir preços moderados, promovendo um ambiente competitivo, que seria compatível com uma economia com baixa inflação. A defesa da concorrência seria, assim, um modelo alternativo (liberal), que deveria substituir os velhos mecanismos (intervencionistas) de administração de preços.
A nova legislação criou o moderno Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, no qual a Secretaria de Defesa Econômica (SDE) do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda eram órgãos de instrução, enquanto o Cade atuava como tribunal administrativo, por meio de conselheiros, indicados pelo Executivo, aprovados pelo Senado, com mandato fixo e com grande autonomia para interpretar e implementar a Lei 8.884/94.
Até o governo Collor, o debate sobre questões concorrenciais era realizado quase exclusivamente por profissionais da área de direito. A comissão criada para estudar e sugerir um projeto do que viria a ser a Lei 8.884/94, o marco jurídico da transformação do Cade em uma agência antitruste moderna, era formada exclusivamente por juristas e funcionários do governo de formação jurídica.52 Uma das dificuldades encontradas pela tramitação do projeto foi o desejo do presidente Itamar Franco e de seu ministro da Justiça, Alexandre Dupeyrat, de incluir mecanismos para o controle de preços – o que iria frontalmente contra uma legislação antitruste moderna.53 O que alterou o equilíbrio de forças, no caso, foi a decisiva participação do Ministério da Fazenda. O ministro da Fazenda entendia que a aprovação da nova lei era fundamental para que, quando o Plano Real entrasse em vigor, o controle de preços fosse substituído pela defesa da concorrência. Nesse sentido, foram colocados à disposição do Cade, pelos secretários da área econômica, técnicos de grande capacidade para ajudar a organizar o funcionamento do sistema. Na época, a Fazenda conseguiu fazer com que fosse incorporado ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência a SEAE, que, juntamente com a SDE, era o órgão de instrução do sistema. Na ocasião, houve uma disputa entre o Ministério da Fazenda e o Ministério da Justiça sobre a que pasta deveria ficar vinculado o Cade. No entanto, a influência do Ministério da Fazenda na composição dos novos integrantes do Conselho foi fundamental. Em 1996, o substituto de Ruy Coutinho foi o economista Gesner de Oliveira, um quadro de grande competência técnica e com formação similar à dos outros economistas da equipe econômica do governo FHC.
Ou seja, a partir do governo de FHC, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência passou a ter um papel importante nas transformações institucionais necessárias, segundo a nova estratégia de desenvolvimento que estava sendo montada, para a retomada de crescimento da economia. Na visão de Fabio Erber, esse era um modelo de convenção institucionalista, que tinha como cerne a ideia de que
é o estabelecimento de normas e organizações que garantam o correto funcionamento dos mercados, de forma que estes cumpram suas funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando poupanças, investimento e, em consequência, crescimento econômico [Erber (2010, p. 20-21)].
Na minha interpretação, trata-se da aplicação da nova teoria de desenvolvimento, que vinha se formando desde os anos 1980 e que fazia parte, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, das chamadas reformas de segunda geração.
5. Conclusão: Difusão da legislação de Defesa da concorrência e a relação entre concorrência e desenvolvimento
Antes da Segunda Guerra Mundial, apenas os Estados Unidos e o Canadá tinham uma legislação antitruste e os mecanismos institucionais para implementá-la. Na maioria dos países da Europa e da Ásia não havia qualquer restrição à constituição de cartéis e à concentração econômica. Depois do conflito mundial, os Estados Unidos iniciaram uma política de difusão e, em alguns casos, de imposição de sua tradição de defesa da concorrência para outros lugares do mundo. Nos Estados Unidos, essa legislação tinha surgido do temor do crescimento do big business no fim do século XIX. No pós-guerra, imputava-se aos cartéis e conglomerados empresariais alemães e aos zaibatsus japoneses o estímulo ao militarismo de seus países.54 Nesse sentido, havia o entendimento de que uma legislação antitruste adequada, que promovesse um ambiente concorrencial, contribuiria para evitar o ressurgimento da aliança entre esses grandes grupos e segmentos autoritários do Estado.
Esse caso não se aplicava aos países em desenvolvimento. Portanto, quando o Brasil, nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, tentou implantar uma legislação de defesa da concorrência, havia o temor de que esse poderia afetar os interesses das empresas americanas. Por outro lado, no Brasil, a intervenção do Estado por meio da repressão aos chamados “crimes econômicos” e o controle direto sobre os preços pareciam mais eficazes, uma vez que na tradição jurídica brasileira a ideia de agência independente era inexistente.55
O tema retornou à pauta na década de 1980, mas apenas na década de 1990 um sistema de defesa da concorrência foi criado no Brasil. Nesse mesmo período, houve grande difusão no mundo de leis de defesa da concorrência. Como mostra o interessante estudo de Susan Sell, isso decorreu essencialmente da difusão das ideias sobre o papel de um ambiente concorrencial para o desenvolvimento e não de mecanismos de coerção.56 No caso, foram as elites locais dos países em desenvolvimento que implementaram leis antitruste, na esteira das reformas market friendly, das décadas de 1980 e 1990. No entanto, nesse período houve ativa participação de autoridades norte-americanas e consultores independentes para o treinamento e a difusão de princípios de defesa da concorrência.57 Nessa linha, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) estabeleceu na década de 1980 vários programas para difusão e treinamento de temas de práticas empresariais restritivas (restrictive business practices – RBP). No início da década de 1990, um grande número de países em desenvolvimento criou leis de defesa da concorrência. Dessa forma, exceto no caso do Chile, cuja legislação de defesa da concorrência remontava a 1973, como parte das políticas liberais do governo Pinochet, a maioria dos países em desenvolvimento de renda média teve sua legislação moderna aprovada na primeira metade da década de 1990. Esse foi o caso do México e da Coreia do Sul, que aprovaram essa legislação em 1992, da Venezuela, em 1993, e do Brasil, em 1994.
Finalmente, embora os novos estatutos tivessem como base a legislação norte-americana, sua implementação não seguiu a mesma dinâmica desse país. Assim como a prática do antitruste era distinta entre os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão, também foi sendo adaptada à realidade de cada um dos países. Curiosamente, enquanto era ampliada no mundo, essa legislação estava retrocedendo nos Estados Unidos, em vista dos ataques às práticas antitruste norte-americanas da chamada Escola de Chicago.58
O que explica a diferença entre a ascensão da legislação antitruste entre os países em desenvolvimento e o relativo recuo nos Estados Unidos é que no caso desse país o que movia a prática era a visão tradicional de defesa do bem-estar do consumidor. Para os países em desenvolvimento, no entanto, tratava-se de reformas institucionais, que ficaram conhecidas como reformas de segunda geração, o que explica também por que nesses países, com algumas exceções, há pouca discussão sobre a relação entre legislação antitruste e as visões tradicionais sobre política de desenvolvimento.59 Se elas cumpriram a função esperada na teoria neoliberal de desenvolvimento não é objeto deste artigo, mas a relação entre esse tema e a agenda de desenvolvimento foi originalmente trazida por economistas acadêmicos que atuaram no governo FHC.60 Muitos dos defensores da defesa da concorrência nos Estados Unidos também eram favoráveis a sua difusão entre os países em desenvolvimento.61Por outro lado, alguns autores nos Estados Unidos eram também céticos em relação a sua eficácia na periferia.62 Da mesma forma, entre os economistas dos países em desenvolvimento havia opiniões controversas quanto a sua conveniência. Mas, depois de mais de uma década dessa legislação, a evidência disponível é que elas vieram para ficar. No entanto, a forma como estão sendo implementadas é muito mais diversificada do que imaginavam seus formuladores.63
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1. Introdução
Fabio Erber, ao aposentar-se do BNDES e passar a ocupar seu posto de professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) em tempo integral, escolheu...Resumo
O conceito de comportamento convencional foi um dos temas centrais de trabalho dos últimos anos de Fabio Erber. Esse conceito permite estabelecer conexões entre teorias de expectativas como a proposta por Keynes – com sua ênfase na tomada de decisões sob incerteza –, que tendem a focalizar o indivíduo, e aquelas que enfatizem elementos comuns à formação de expectativas de vários agentes, estabelecendo não apenas a possibilidade de observação de comportamentos coletivos em um dado momento, como também identificar elementos de continuidade desses comportamentos no tempo. Neste artigo, examina-se o conceito de convenção do desenvolvimento proposto por Erber à luz da teoria keynesiana das expectativas, respondendo ao chamado ao diálogo entre correntes teóricas afins feito insistentemente pelo autor.
Expectativas, incerteza e convenções
Fernando J. Cardim de Carvalho, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
In Fabio Erber’s final years, the concept of conventional behavior was one of his main subjects. This concept makes it possible to establish connections between theories on expectations such as Keynes’ premise – which focuses on both taking decisions at times of uncertainty and on individuals – and theories that emphasize elements that are common to structuring the expectations of several agents. Such a connection establishes not only the possibility of observing collective behavior at a certain moment, but also identifying elements of continuity in these behaviors over time. In this paper, Erber’s development convention concept is examined in comparison with the Keynesian theory on expectations, responding to the author’s insistent call for dialogue between related theoretical perspectives.
1. Introdução
Fabio Erber, ao aposentar-se do BNDES e passar a ocupar seu posto de professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) em tempo integral, escolheu entre seus temas centrais de investigação acadêmica o que chamou de convenção de desenvolvimento. Esse tema de pesquisa o colocou na fronteira entre várias correntes de investigação, especialmente a keynesiana (ou pós-keynesiana), a schumpeteriana e a institucionalista. Para os que conheceram Erber, nada havia de surpreendente em uma escolha assim, dado que uma das características mais consistentes de sua vida intelectual foi a independência que sempre manteve em relação às escolas existentes de pensamento econômico, inclusive as heterodoxas.
Keynes, mesmo antes da publicação de sua Teoria geral do emprego, juros e moeda (TG), em 1936, enfatizou a importância de se entender como as expectativas dos agentes econômicos são formadas, porque delas dependiam suas decisões com relação a consumo e investimento. A teoria keynesiana de expectativas apoia-se em uma visão de mundo em que a incerteza irredutível do futuro é uma característica central. As mais importantes decisões de caráter econômico que uma pessoa pode tomar são sempre apostas na plausibilidade de um dado futuro. Consumidores apostam que suas rendas futuras evoluirão dessa ou daquela maneira, o que lhes deverá permitir comprar um determinado bem de consumo. O mesmo vale para investidores, em uma aposta ainda mais arriscada: a de que os ativos que adquirem renderão no futuro aquilo que se espera no presente, de modo a, no mínimo, viabilizar os compromissos financeiros necessários a serem assumidos no momento da decisão.
A teoria de formação de expectativas sob incerteza de Keynes levou muitos de seus seguidores a dar ênfase a sua natureza criativa, de “causa não causada”, como escreveu George Shackle, um dos mais influentes economistas a discutir o tema. Expectativas não são endógenas, isto é, elas não são determinadas mecanicamente por fatores objetivos de modo a permitir que o comportamento de consumidores e investidores pudesse ser reduzido a modelos mecânicos de qualquer natureza, em que leis férreas de movimento ou de gravitação se impõem aos agentes, independentemente do que estes decidam fazer.
A hipótese proposta por Keynes mostrou sua fertilidade muitas vezes. Em especial, desde a eclosão da crise financeira internacional nos Estados Unidos, em 2007, multiplicaram-se as ocasiões em que economistas teóricos ortodoxos, mas também autoridades de governo e até mesmo participantes dos mercados financeiros foram lembrados das dramáticas limitações que cercam seus modelos de análise, sempre baseados na noção de que mercados de ativos são arriscados, mas que esses riscos são mensuráveis e que medidas apropriadas de hedge podem ser sempre tomadas para neutralizar tais riscos. Essas “sólidas” defesas desmancharam-se todas no ar quando a crise realmente chegou, exatamente como Keynes advertiu em um passado nem tão distante.
A novidade ou a excitação gerada pelo conceito de incerteza, contudo, serviu para focalizar a teoria de expectativas resultante, talvez de modo excessivo, na subjetividade dos seus determinantes. No entanto, uma teoria puramente individualista de expectativas, como a proposta, por exemplo, pelos austríacos, não é efetivamente tão fértil quanto possa parecer. Expectativas são formadas por indivíduos, mas há que se reconhecer que, no mundo real, em muitos casos, elas tendem a convergir para valores que são amplamente compartilhados. O que propicia essa convergência? Por que em certas situações há convergências, mas em outras não? Em outras palavras, quais são os fatores de natureza interpessoal que atuam na formação de expectativas de modo a criar movimentos agregados na economia?
Na TG, Keynes ofereceu o conceito de comportamento convencional, formas de ação individual que seguiriam padrões coletivos. Keynes não parece ter se interessado pela convenção em si, mas em extrair consequências de sua provável existência.
Na TG, encontram-se características do comportamento convencional identificadas aqui e ali, implicações de sua existência ou de seu desaparecimento, razões por que esse conceito pode ser útil, mas pouco mais do que isso.
Erber, em vários trabalhos, especialmente nos últimos, concentrou-se exatamente nesse problema. Em particular, interessou-o menos uma teoria geral das convenções do que a exploração de uma forma específica de manifestação, a que chamou de convenção do desenvolvimento, interessado como sempre esteve em desenvolver argumentos teóricos que pudessem ser aplicados imediatamente ao estudo de problemas da economia brasileira. Erber chegou ao conceito menos por via de Keynes que pela via dos trabalhos de economistas franceses, notadamente André Orléan, sobre o tema, mas jamais perdeu de vista a possibilidade de fertilização cruzada que esse tipo de problema oferecia com a teoria keynesiana, entre outras. De fato, entre as conclusões mais frequentes de seus trabalhos sobre o tema, Erber invariavelmente listava a possibilidade, ou mesmo a necessidade, de diálogo entre correntes heterodoxas, sobretudo a keynesiana, a schumpeteriana e a evolucionária, a que o foco na formação de convenções convidava.
Neste artigo, pretende-se responder, pelo menos parcialmente, ao chamado de Fabio Erber, discutindo-se o conceito de convenção de desenvolvimento a partir de uma perspectiva keynesiana. Para tanto, na seção seguinte, reconstitui-se a teoria keynesiana da formação de expectativas e tomada de decisões para identificar os espaços abertos para a consideração de fatores de natureza interpessoal. Também nessa seção, examina-se o conceito de comportamento convencional, uma tarefa menos ambiciosa que o estudo pleno do conceito de convenção proposto por Erber, mas que abre a porta para o diálogo com as proposições feitas por outras correntes teóricas. Na terceira seção, com base em trabalhos de Erber, explora-se a noção de convenção, particularmente, a de convenção do desenvolvimento. Como fez Erber, também será mantido o caso brasileiro como pano de fundo, que às vezes emerge para o centro do palco, para o exame desse conceito. A quarta seção trata de algumas possibilidades abertas pela ideia de convenção de desenvolvimento, conectando as duas seções anteriores. A quinta seção apresenta as conclusões.
2. Formação de expectativas sob incerteza
A teoria keynesiana da decisão é, hoje em dia, amplamente conhecida e, nesta seção, não se pretende introduzir qualquer novidade essencial. Antes, o que se almeja é construir uma visão da teoria de expectativas que mostre o espaço para a consideração de fatores interpessoais na sua formação e que permita também avançar na análise das consequências das decisões tomadas. Esse é o contexto em que o conceito de comportamento convencional é introduzido por Keynes no Capítulo 12 da TG.
O problema da tomada de decisões racionais sob condições de incerteza foi um dos maiores problemas a interessar Keynes. Na verdade, seu interesse manifestou-se antes mesmo de se decidir pela economia como foco profissional. À época de Keynes, muitos fenômenos sociais eram explicados por apelo a fatores irracionais. A sucessão de períodos de prosperidade e contração econômicas, por exemplo, os chamados ciclos econômicos, para muitos economistas era explicável pela ocorrência de uma sucessão de ondas irracionais de otimismo e pessimismo. Keynes não negava a importância ou a influência de fatores não racionais na tomada de decisões dos indivíduos, mas dedicou-se desde logo a investigar: (1) como identificar os elementos não racionais envolvidos nesse processo (o que exigia, naturalmente, identificar também quais eram os elementos racionais envolvidos); (2) como e em que extensão esses elementos não racionais influenciavam a escolha final entre alternativas de ação.
A importância dessa investigação parecia autoevidente para Keynes e seus contemporâneos. O último quarto do século XIX e o primeiro do século XX foram um período marcado pela erosão das certezas mais profundas que haviam definido o pensamento ocidental por, diga-se, centenas de anos. Os pilares do cristianismo tradicional tinham sido abalados por Darwin e pelos geólogos que reestimaram a idade da Terra mostrando que a teoria da evolução era plenamente plausível.
Outros choques ainda estavam por vir, especialmente com a teoria da relatividade e a demonstração de que nem mesmo tempo nem espaço eram os absolutos que se pensou por tanto tempo (Keynes não parece ter sido afetado pela revolução quântica).
Nesse quadro de mudanças e instabilidade, a posição de vanguarda ocupada pela Grã-Bretanha no cenário internacional não sobreviveria aos eventos desencadeados pela chamada Grande Depressão do fim do século XIX. O declínio da economia inglesa, a emergência de novas potências, especialmente Estados Unidos e Alemanha, no cenário internacional, o aumento das tensões imperiais que culminaram na Primeira Guerra Mundial e nas agitações que se seguiram a seu término não apenas criaram profundas instabilidades políticas, mas, como logo se apercebeu Keynes, também refletiam contradições mais profundas do próprio sistema capitalista como existia até então.
Em uma passagem significativa de sua primeira grande obra de sucesso, The economic consequences of the peace, Keynes advertia que o capitalismo moderno, no início do século XX, encontrava-se em uma encruzilhada. Baseado como era em uma profunda desigualdade na distribuição de renda e riqueza, o capitalismo tinha sua legitimidade sustentada por sua eficiência na promoção do crescimento econômico e da extensão, ainda que gradual e desigual, do bem-estar para todos. Capitalistas podiam apropriar-se de uma parcela da renda e da riqueza muito maior do que a dos trabalhadores, na medida em que não consumissem seus lucros, mas os reinvestissem na produção. No entanto, argumentou Keynes, no fim do século XIX as grandes fronteiras de investimento tinham se esgotado. O sistema passaria a enfrentar um dilema que poderia vir a ser fatal se uma saída não fosse encontrada entre a necessidade de estimular o consumo de capitalistas para manter o nível de atividades, à custa do agravamento das tensões sociais (pelo contraste entre o consumo conspícuo dos grupos de altas rendas e o magro consumo dos trabalhadores) ou a contenção do consumo de capitalistas, levando a uma persistente estagnação. No primeiro dos grandes paradoxos sistêmicos que caracterizariam a obra de Keynes, o capitalismo se debateria entre o sucesso econômico em meio à instabilidade política ou a estabilidade política com estagnação econômica. Mantidas as regras do jogo, a situação tenderia a se deteriorar em qualquer circunstância.1
É nesse quadro de instabilidade que se deve entender a ênfase que Keynes atribuiu ao conceito de incerteza. A preocupação de Keynes não era com a incerteza em si, ou com o debate do livre-arbítrio. Em suas obras, ele raramente tomou partido entre os grupos que defendiam alguma forma de determinismo histórico e os que propunham a plenitude do livre-arbítrio, quaisquer que fossem suas convicções pessoais a respeito.
Nelas, preocupou-se não com a natureza do universo, mas com como os indivíduos sentem a incerteza que cerca o futuro de cada um e, o mais importante, como se preparam para enfrentá-la, isto é, que tipo de cuidados cada um toma para se defender das consequências possivelmente danosas de uma decisão tomada diante de uma expectativa de futuro que seja desapontada.2 As grandes inovações teóricas propostas por Keynes giram todas em torno de atitudes dos agentes econômicos explicadas pela tentativa de reduzir ou contornar a incerteza que cerca suas decisões. Preferência pela liquidez, poupança precaucionária, o próprio princípio da demanda efetiva, até mesmo o comportamento convencional, como se argumentará mais adiante, são todas formas de comportamento cuja racionalidade é perceptível quando se considera o contexto de incertezas que cerca cada decisão individual. São essas precauções que quebram o mecanicismo da teoria econômica que Keynes rejeitou. Os trade-offs entre resultados e exposição ao risco que tomar decisões representa quebram a relação rígida que abordagens mecanicistas propõem entre condições objetivas e comportamentos, tornando impossível reduzir a teoria econômica a um ramo da física, como almejaram (e ainda almejam) gerações de economistas. Conforme explicou Keynes em uma carta a Roy Harrod:
Eu também quero enfatizar fortemente o ponto de que a economia é uma ciência moral. Eu mencionei antes que ela lida com introspecção e com valores. Eu poderia ter acrescentado que ela lida com motivos, expectativas, incertezas psicológicas. É preciso estar constantemente em guarda contra tratar o material como constante e homogêneo. É como se a queda da maçã ao chão dependesse dos motivos da maçã, de se vale a pena cair no chão, e se o chão quer que a maçã caia, e de cálculos equivocados por parte da maçã a respeito da distância que a separa do centro da terra (CWJMK XIV, p. 300).
A primeira grande contribuição dada por Keynes ao tema foi precisamente no volume Treatise on probability, em que ele examinou o método indutivo não como teoria epistemológica, mas como fundamento da decisão racional sob incerteza. Baseado no pressuposto óbvio de que uma decisão sempre se refere ao futuro e que, por definição, a informação sobre esse futuro será sempre incompleta já que o que acontecerá no futuro dependerá também do próprio resultado da decisão a ser tomada no presente, Keynes examinou como a evidência passada e presente poderia ser utilizada para estabelecer as bases racionais de uma tomada de decisão, que nunca seriam suficientes, de qualquer modo, para evitar a consideração de elementos não racionais (arracionais, mais do que irracionais) no processo. A teoria de probabilidades proposta ali por Keynes (em oposição ao sentido dominante, laplaciano, de probabilidade de um evento como a razão entre a frequência desse evento e o total de eventos possíveis) não eliminaria o papel da avaliação do que ele chamou de “peso da evidência”, isto é, a avaliação da “força” que deveria ser atribuída a uma relação entre causas e efeitos.
Essas preocupações estiveram presentes, de forma mais ou menos explícita, em toda sua obra, inclusive, ou especialmente, a de natureza aplicada a problemas econômicos. Foi na TG, sua obra magna, que Keynes chegou a um tratamento mais acabado do problema. Na TG, Keynes explorou não apenas implicações da consideração da incerteza do futuro, como a emergência de comportamentos defensivos importantes, que poderiam afetar a determinação do nível de produto e emprego, como é o caso de uma variação na preferência pela liquidez, mas, de certa forma, deu um passo atrás para considerar também como expectativas seriam formadas (e como deveriam ser estilizadas para inclusão em um modelo teórico de operação da economia) nessas circunstâncias.
A intuição fundamental que orientou o tratamento dado por Keynes às expectativas na TG foi a de que o horizonte temporal pelo qual uma determinada decisão comprometa o tomador é fundamental para a determinação de seu comportamento. Quando a decisão compromete o tomador por pouco tempo, ou seja, apenas no futuro mais imediato, sugere Keynes, é razoável supor que a incerteza que cerca esse futuro imediato não seja muito grande. Em outras palavras, surpresas são possíveis (no sentido da ocorrência de eventos que nem mesmo faziam parte da lista de possibilidades consideradas pelo tomador de decisões), mas elas tenderiam a ser raras e com efeitos mais ou menos limitados. Uma decisão “errada” (no sentido de assumir um desenvolvimento futuro diferente daquele que efetivamente ocorreu) não teria, provavelmente, grandes consequências, porque o desvio entre o cenário projetado e o cenário efetivamente verificado tipicamente não seria muito grande. Keynes argumenta que, a curtos intervalos de tempo, a experiência mostra que raramente o mundo passa por mudanças significativas. Se isso fosse verdadeiro, o ganho obtido por minimizar desvios entre expectativas e desenvolvimentos efetivos seria pequeno demais para cobrir o custo de recriar “teorias” sobre o futuro repetidas vezes. Decisões que não envolvessem horizontes temporais mais largos, portanto, chamadas por Keynes na TG de expectativas de curto termo, seriam basicamente adaptativas, obtidas por um fenômeno semelhante ao aprendizado: a repetição do processo de decisão sob a permanência da maioria das condições, diga-se assim, estruturais da economia permitiria que elas fossem assim consideradas de modo a que o tomador de decisões teria apenas de promover, a cada ocasião em que fosse chamado a decidir, um ajuste marginal nas informações consideradas. Na TG, Keynes assume que decisões de produzir são em geral orientadas por tais expectativas. Elas são tomadas sequencialmente de forma frequente em uma economia empresarial e não valeria a pena o empresário repensar as bases de operação da economia em que vive a cada vez que fosse decidir o quanto produzir. Novamente, vale lembrar que o tema que interessa a Keynes não é o determinismo por si. O mundo não é “certo” no curto termo e incerto no longo, mas, para o agente que tem de tomar uma decisão, é assim que as coisas lhe parecem.
A mesma estabilidade de contexto não pode ser assumida para o longo termo, ou seja, no caso de decisões cujo horizonte temporal de eficácia seria largo. Se o horizonte temporal fosse largo, a permanência das condições estruturais correntes da economia poderia ser assumida. Não apenas eventos perturbadores de larga escala poderiam ocorrer (o que também poderia acontecer no futuro mais imediato), mas suas consequências teriam tido uma possibilidade de desdobramento maior, modificando de forma mais ou menos profunda as estruturas econômicas. Entre as grandes perturbações que poderiam ocorrer estão os choques externos (como fenômenos meteorológicos ou geológicos, por exemplo), tanto como as mudanças provocadas pela própria ação dos agentes econômicos, quando tomassem o que Shackle chamou de decisões cruciais, aquelas que têm implicações tão profundas que destroem o ambiente em que foram tomadas, impedindo sua repetição e, portanto, o aprendizado e a adaptação. Mas, mesmo que grandes perturbações não tivessem lugar, por qualquer causa, o mero efeito cumulativo de mudanças menos dramáticas poderia conduzir, no longo termo, a economia para uma configuração amplamente diversa daquela considerada quando da tomada de decisão. Era, portanto, nesse horizonte temporal mais largo que a incerteza se fazia sentir com mais intensidade, pela percepção, por parte do próprio tomador de decisões, de que seria impossível projetar cenários com um mínimo de segurança para datas muito afastadas no futuro, e a demanda por formas de proteção, hedge, se fazia mais forte.
No caso de decisões voltadas para o longo termo, isto é, orientadas pelo que Keynes chamou de expectativas de longo termo, a informação disponível no momento da decisão não seria desprezível, mas seria certamente percebida, pelo próprio tomador de decisões, como insuficiente. Seria aqui que as expectativas sobre o futuro se tornariam o que, novamente, Shackle denominou de causa não causada (uncaused cause). O tomador de decisões teria de imaginar (e saberia estar imaginando) cenários futuros e decidir até que ponto acreditaria nesses cenários o suficiente para justificar o comprometimento de recursos por esse horizonte, como ocorre, no caso de investimentos empresariais, ou da aquisição de bens de consumo durável de maior valor, no caso de consumidores. Nesse caso, propôs Keynes, é importante poder separar os elementos racionais dos arracionais do processo de decisão, distinguindo os elementos de cálculo racional (de lucratividade, de satisfação, do que seja) da confiança que o tomador de decisões possa ter nos próprios cálculos ou, mais precisamente, na relevância da informação utilizada para efetuá-los.
Essa teoria de expectativas foi utilizada por Keynes não apenas na TG, mas também nos anos seguintes a sua publicação, quando ela foi aplicada tanto em suas análises de conjuntura quanto no julgamento da eficácia de políticas de administração de demanda agregada. Nas mãos de seus seguidores, a teoria refinou seu foco nas implicações do processo de decisão descrito, enfatizando especialmente a instabilidade das expectativas, especialmente as de longo termo, e a possibilidade que essa teoria abria para a ocorrência de mudanças súbitas e catastróficas na trajetória das variáveis econômicas mais importantes.
Um desafio importante a essa teoria, no entanto, recebeu relativamente pouca atenção. Como visto, a teoria de Keynes enfatiza a liberdade do indivíduo quando forma suas expectativas em relação às condições correntes, já que a decisão está mais amarrada a cenários imaginados que a realidades presentes. No entanto, nem todos os cenários imagináveis são vistos pelos tomadores de decisão como igualmente possíveis. Em particular, há uma tendência razoavelmente visível para a convergência das expectativas formadas independentemente por indivíduos e não apenas, ainda que mais fortemente, no curto termo.3 Por quê?
O foco quase exclusivo lançado sobre o indivíduo por autores como Shackle, por exemplo, dificulta a resposta a essa pergunta. A resposta de Shackle sobre os limitantes que atuam sobre a formação das expectativas dos agentes era a consideração de “leis naturais”. No entanto, os indivíduos identificam outros obstáculos a reduzir a plausibilidade de certos cenários que não sejam apenas aqueles em que a projeção de futuros envolva uma violação de alguma lei natural. A própria vida em sociedade serve como limitante à plausibilidade do que é imaginável (e que esteja de acordo com as leis da natureza). Algumas das barreiras criadas pela sociedade são identificáveis com facilidade. Por exemplo, indivíduos a cada momento têm sua liberdade de ação restringida pela existência de compromissos contratuais (ou, similarmente, por costumes, obrigações de outra natureza etc.). A existência de obrigações contratuais contraídas no passado determina a tomada de decisão no presente, limitando o conjunto de cenários futuros que possam ser considerados. Do mesmo modo, o perfil presente do estoque de capital existente, do estoque de conhecimento de todas as naturezas, das habilidades dos fatores de produção etc. também é dado e serve para restringir as possibilidades de trajetória futura àquelas que partam desses dados.
Mas há mais do que restrições naturais, materiais ou institucionais envolvidas a constranger o processo de tomada de decisões. Há pelo menos uma consideração final a ser feita que é enfrentar as restrições representadas pelo próprio caráter individual independente das decisões a serem tomadas. A convivência de um grande número de unidades de decisão independentes em um determinado momento do tempo torna necessário, a cada tomador de decisão, formar expectativas sobre as expectativas alheias. Se os planos escolhidos individualmente não forem consistentes entre si, eles não poderão ser concretizados, e as expectativas serão desapontadas, mesmo se tiverem sido respeitadas as restrições naturais, materiais e institucionais já mencionadas. Mas, no capitalismo, não existem mecanismos explícitos e obrigatórios de conciliação prévia de expectativas e planos. É possível, mas implausível na já longa história basicamente bem-sucedida do capitalismo, argumentar que a convergência de expectativas tem sido obtida por coincidência. A existência de convenções e do que Keynes chamou de comportamento convencional é certamente uma hipótese mais promissora.
3. Convenções
A definição de convenção é relativamente direta: é uma crença compartilhada por um certo número de indivíduos. Keynes a usa nesse sentido, e Erber também o fará. Uma convenção, portanto, é um redutor de incertezas ao tornar previsível o comportamento daqueles que se assume compartilhar a mesma crença. Mas a relevância de uma convenção naturalmente dependerá de quantos indivíduos compartilham uma determinada crença. Keynes usou a ideia de convenção no sentido de uma crença dominante em um dado momento, aquela capaz de explicar não apenas o comportamento de um indivíduo, mas, na verdade, da economia como um todo. Erber e os economistas franceses seguiram um caminho diverso, como se verá a seguir.
Convenções são frágeis por natureza, dado que nada garante que uma proposição amplamente aceita e firmemente acreditada não desapareça de uma hora para outra. De fato, o colapso de convenções é um dos temas mais fascinantes de um projeto de pesquisa sobre a formação de expectativas. Mas, em um dado momento, embora sempre haja dissidentes (e crenças candidatas a substituir a dominante), Keynes usa a expressão comportamento convencional para distinguir precisamente as formas de comportamento resultantes da aceitação da convenção dominante em um dado momento.
Nos trabalhos de Erber, há uma preocupação central com a identificação de outras convenções além daquela dominante, até porque a competição entre elas e a eventual substituição de uma por outra se constituiu, talvez, no tema que mais atraiu seus esforços nessa área.4 Assim, Erber (2011) aceita a definição de convenção oferecida por Orléan, um dos líderes da corrente francesa de estudo do tema, e que expõe da seguinte forma:
Para lidar com os problemas de incerteza e coordenação, as sociedades utilizam instituições – as “regras do jogo”. Nos planos cognitivo e comportamental estas regras estão estruturadas por convenções. Formalmente, temos uma convenção se, dada uma população P, observamos um comportamento C que tem as seguintes características: (i) C é compartilhado por todos os membros de P; (ii) cada membro de P acredita que todos os demais seguirão C e (iii) tal crença dá aos membros de P razões suficientes para adotar C (p. 32).
Em outras palavras, qualquer comportamento compartilhado por um grupo de indivíduos define uma convenção, desde que esses indivíduos aceitem a regra de comportamento que a define. A aceitação da regra comum permite a cada membro dessa população antecipar a reação dos seus companheiros a estímulos correntes, delinear o modo pelo qual tais estímulos serão transformados em um plano de ação, e, talvez, embora Erber não chegue a definir esse ponto, até mesmo como reagirão a choques específicos no futuro. Com isso, cada indivíduo minimiza uma fonte importante de incertezas no que diz respeito à consistência entre suas decisões e seus planos de ação e à dos outros membros da população.
Essa definição mais geral de convenções oferece uma vantagem e uma desvantagem em relação ao foco mais estreito sobre as crenças dominantes, proposto por Keynes. A vantagem é permitir ao analista captar a diversidade de visões concorrentes de como opera a economia, o que pode ser útil caso, por qualquer razão, a crença dominante venha a sofrer um colapso. A desvantagem é que, ao explicitar a coexistência, a cada momento, de várias convenções, torna-se necessário definir algum critério pelo qual se possam eliminar da análise as crenças com menor chance de virem a se tornar dominantes e que, portanto, possam ser eliminadas do conjunto de possibilidades a serem consideradas. Em outras palavras, se toda crença compartilhada pode ser considerada uma convenção, em que ponto se traça a linha, se é que isso é possível, que separa as convenções que merecem estudo daquelas que definem minorias inefetivas, cultos exóticos, modas e manias? Por outro lado, se um filtro puder ser definido, as formas de interação entre as crenças dominantes ou potencialmente dominantes, até mesmo para definir as regras de sucessão de uma para outra, tornam-se uma importante área de reflexão e análise.
Assim, embora Keynes e os franceses definam convenção essencialmente da mesma forma, interessa ao primeiro apenas a convenção dominante, ao passo que, aos segundos, a convivência e a concorrência entre regras do jogo diversas, aceitas por populações definidas, parecem ser o tema principal.
Duas diferenças adicionais parecem resultar desse contraste. O conceito adotado por Keynes inclui apenas o modo pelo qual a economia (ou partes dela) parece funcionar. Um exemplo dado por Keynes de uma variável convencional é a taxa de juros, porque dependeria do modo pelo qual os agentes econômicos entenderiam que ela é determinada e sua visão do que seria seu valor “normal”.
Já no argumento de Erber, convenções são um conceito mais especializado e incluem não apenas hipóteses comuns a respeito da operação efetiva da economia, mas também uma hierarquia comum de fins. Em outras palavras, não apenas se cultiva uma visão comum de como funciona uma economia de mercado (por exemplo, se mercados de trabalho permitem a emergência de desemprego involuntário ou se tendem a permanecer na posição correspondente à taxa natural de desemprego), mas também uma hierarquia definidora da solução para eventuais trade-offs que exijam alguma intervenção externa (por exemplo, por meio de política econômica). Assim, quando Erber contrasta o que chamou de “convenção do desenvolvimento” com a “convenção da estabilidade”, não são apenas hipóteses diversas dos mecanismos fundamentais de operação da economia que fundamentam o contraste entre as convenções, mas também a preferência, na primeira, pela promoção do desenvolvimento, mesmo que isso possa sacrificar a estabilidade, ou a promoção da estabilidade, mesmo que isso possa sacrificar o desenvolvimento, no caso da segunda.5 Além disso, Erber preocupou-se primordialmente com a análise das formas de intervenção da política econômica na operação da economia e na persecução dos fins propostos por cada convenção. Por isso, uma convenção incluiria também uma especificação dos instrumentos de intervenção cuja eficiência deveria ser maior.
Assim, enquanto o conceito keynesiano de convenção resume-se à descrição do que os participantes de uma dada economia julgam possível (como a trajetória da taxa de juros), no conceito francês adotado por Erber, a convenção inclui também o que se julga desejável ou prioritário e como a consecução desses objetivos seria viabilizada ou facilitada pela intervenção de política econômica.
Um segundo elemento comum às duas noções de convenção é sua natureza antiteleológica. De fato, a convenção substitui a noção de que há atração a uma trajetória comum. Ela se baseia exatamente na ideia de que comportamentos não convergem “naturalmente” para nenhuma regra comum, a não ser na existência de uma convenção. Erber (2002, p. 15) ressalta que mesmo a ideia de trajetória é uma construção teórica própria de modelos teleológicos. A noção de trajetória assume implicitamente que dois pontos em uma sequência estão ligados por alguma relação de causalidade, quando é possível que sejam apenas exatamente isso: dois pontos alcançados em datas diferentes, sem nada mais que os ligue que a suposição feita por alguns (orientada por uma convenção) de que algum mecanismo defina uma conexão necessária. O conceito de incerteza de Keynes é antitético a qualquer visão teleológica, e a escola da convenção compartilha tal posição.
Como observado acima, na abordagem de Erber, uma questão de extrema importância refere-se ao surgimento de convenções (como elas são originadas) e, ainda mais, como elas se sucedem como dominantes. Apoiando-se no exemplo do Brasil no período do pós-Segunda Guerra Mundial, Erber aponta a (gradual?) substituição da convenção do desenvolvimento pela da estabilidade. A primeira é introduzida como
trata[ndo] das transformações estruturais que devem ser introduzidas na sociedade, estabelecendo o que há de “errado” no presente, fruto do passado, qual o futuro desejável, quais estruturas devem ser mudadas e as agendas de mudança, positiva e negativa [Erber (2011, p. 33)].
Essa convenção tendeu a se organizar em torno de modelos neokeynesianos de crescimento, da família Harrod-Domar, e se concretizou por meio de leis, regulações e utilização de instrumentos de política econômica [Erber (2012, p. 12)].
Já a convenção de estabilidade define-se, na sua acepção mais simples, talvez, pela aceitação do que John Williams tornou conhecido como o Consenso de Washington.6
Para Erber, a ascensão da convenção de estabilidade se explicaria de modo essencial pelas mudanças no contexto externo à economia brasileira, transformações complexas de natureza tanto econômica quanto política e mesmo ideológica, que tornaram não apenas seus objetivos prioritários de algum modo menos prioritários, mas também seus instrumentos de intervenção obsoletos ou francamente disfuncionais. O argumento é forte, mas parece não conferir nenhum papel a fatores internos, até mesmo a inabilidade da convenção do desenvolvimento para eventualmente responder às expectativas dos agentes com relação a seus fins (o desenvolvimento não foi atingido) e aos problemas emergentes em paralelo para os quais suas respostas eram débeis (a aceleração da inflação no período pós-1979).
De fato, o conhecimento de como mudanças promovidas pelo próprio sucesso de uma determinada convenção, que incluem a ampliação das expectativas do público, a perda de urgência que problemas vão sofrendo ao serem atacados com algum sucesso e a acumulação de “detritos” (como foi o caso da aceleração inflacionária dos anos 1980 em diante), parece ser peça essencial de uma reflexão sobre como convenções se estabelecem como dominantes em cada momento.
Em um de seus últimos trabalhos, Erber estende sua reflexão ao exame do governo Lula da Silva. Erber propõe que seus dois mandatos, como aliás já teria sido também o caso dos mandatos precedentes, de Fernando Henrique Cardoso, são marcados pelo conflito e pela luta por hegemonia de variantes das duas convenções, de desenvolvimento e de estabilidade, que parecem servir de matriz para as escolhas específicas feitas a cada período. No governo Cardoso, segundo Erber, o conflito entre variantes das duas convenções nunca teria ameaçado realmente o predomínio da convenção da estabilidade. Nos governos Lula da Silva, uma forma desta última teria dominado o primeiro mandato, mas, no segundo, um certo impasse teria sido estabelecido, tornando sua caracterização mais difícil.
Na avaliação do governo Lula, Erber introduziu mais um elemento de análise do conceito de convenções. Ao mostrar as formas específicas que as convenções de estabilidade e de desenvolvimento assumiram no interior do governo (e contrastá-las com outras variantes não participantes da administração), Erber implicitamente abriu nova frente no estudo do tema, a relação entre matrizes mais gerais de compreensão do funcionamento da economia e as formas específicas que essas matrizes vão assumindo em configurações políticas dadas.7
O grau de flexibilidade de uma determinada matriz deve certamente ter alguma influência sobre a possibilidade de derivação de formas aplicadas de cada convenção apropriadas às características de cada momento histórico.
O Brasil viveu a predominância de várias convenções durante o século XX e neste início de milênio. Seguindo uma pista sugerida por Erber, de que a diversidade de crenças compartilhadas “vaza” para a cultura popular, manifestando-se, por exemplo, sob a forma de provérbios ou outras formas de expressão, é possível dizer que já se vive a “convenção do Jeca Tatu”, do país enorme e atrasado, perdido em doenças crônicas e na ignorância e incapaz de reagir, sucedida pela convenção dos “50 anos em 5”, em que se acreditou que tudo era possível, até mesmo o desenvolvimento econômico e a transformação estrutural do país. A convenção dos “50 anos em 5” durou até o fim do governo Geisel, tendo afinal cedido sua preeminência a uma versão moderna da convenção do Jeca Tatu, da inevitabilidade do atraso, do país do futuro que sempre será, das décadas perdidas, mesmo depois da reconquista da estabilidade monetária.8
4. A Convenção do Desenvolvimento
O interesse central de Fabio Erber em toda essa discussão era, indiscutivelmente, como recuperar o espaço para a convenção de desenvolvimento como a convenção hegemônica na sociedade brasileira. Ao retornar, por um instante, ao sentido keynesiano do termo, o primeiro requisito para essa recuperação seria o convencimento da sociedade de que o desenvolvimento é possível (não apenas o crescimento econômico, que tem se mostrado suficientemente difícil, mas também a transformação estrutural definidora do desenvolvimento). Nos termos propostos por Erber, o requisito seria na verdade recuperar a noção (não é claro que seria uma convenção no sentido por ele proposto, embora se trate claramente de uma convenção no sentido de Keynes) de progresso, isto é, a crença de que a mudança é efetivamente possível e está ao alcance da sociedade brasileira.
Novamente no sentido de Keynes, se a crença na possibilidade de desenvolvimento (independentemente de especificações mais precisas sobre a forma que esse desenvolvimento deve tomar ou dos instrumentos necessários para alcançá-lo), que sucumbiu à sucessão de décadas perdidas, for reconstruída, por si só seria de se esperar uma ressurreição entre empresários do que Keynes chamou de animal spirits, uma disposição espontânea para enfrentar os riscos associados ao investimento, na confiança de que outros estariam fazendo o mesmo.
Em um tal contexto, políticas de fomento e suporte ao crescimento também deveriam ter sua eficácia aumentada, porque a sensibilidade dos agentes econômicos aos estímulos lançados pelo governo deve crescer, se se acredita que outros estarão também atendendo ao chamado.9
Para isso, no entanto, é preciso reconstruir a convenção de que políticas de promoção do, ou apoio ao, desenvolvimento podem ser eficazes, algo que teria desaparecido com a longa hegemonia da “convenção de estabilidade” que relegava o Estado a uma função secundária, de garantia apenas da estabilidade macroeconômica, entendida em sentido estreito. O “plano” seria a corporificação, de certo modo, de uma convenção do desenvolvimento.
A força da noção de plano foi erodida por uma conjunção de fatores de importância desigual nas últimas décadas do século XX. Por um lado, o bem-vindo colapso das formas totalitárias de planejamento praticadas no Leste Europeu e na extinta URSS alimentou a ideia de que qualquer intervenção pública contém, no mínimo, as sementes do autoritarismo. No caso brasileiro, essa noção foi reforçada pelo sucesso de autores mais extremadamente liberais (cultores da convenção da estabilidade) de que o entusiasmo de alguns governantes do período militar pelo planejamento econômico era prova, em si mesma, da natureza autoritária de qualquer forma de intervenção. O sucesso, pelo menos por algum tempo, do argumento liberal obscureceu o registro histórico que lista várias formas de planejamento compatíveis com regimes politicamente abertos, a começar pelo planejamento indicativo francês no pós-Segunda Guerra Mundial. Mas a construção da hegemonia de uma determinada convenção é um problema político tanto quanto, se não mais, econômico. Economistas simpáticos a alguma noção de convenção não estão aparelhados adequadamente para explorar, com a profundidade necessária, a questão da substituição de convenções dominantes.
5. Conclusão
Como mostrou Erber, uma forma específica de convenção de desenvolvimento recuperou sua força (se não necessariamente a hegemonia) no segundo mandato do Presidente Lula da Silva. Sua posição foi reforçada pela bem-sucedida administração das ondas de choque da crise econômica internacional que atingiram a economia brasileira ao fim de 2008.
Estratégia e instrumentos semelhantes foram reaplicados em 2012, mas com efeitos pífios sobre a economia, permitindo que partidários da convenção da estabilidade reabrissem a questão de sua hegemonia, cujas raízes nunca chegaram a ser realmente mais profundas. Em uma primeira, e necessariamente especulativa, aproximação, o desempenho da economia brasileira em 2012 parece ser um exemplo de livro-texto confirmando a eficácia da noção de convenção. Há uma percepção generalizada na sociedade brasileira de que as medidas de expansão tomadas ao longo de 2012 não funcionaram porque os agentes econômicos (especialmente os empresários) não teriam acreditado em sua eficácia. Ou, em termos mais apropriados à noção de convenção, os agentes não estariam convencidos que os outros agentes tivessem acreditado na eficácia das medidas, o que faria com que, caso algum empresário tivesse efetivamente respondido aos estímulos, acabaria por perceber que sua resposta seria anulada pela falta de adesão dos outros. Em outras palavras, a hipótese é que faltaria a crença compartilhada na eficácia das medidas tomadas que, por si, as tornaria ineficazes já que ninguém assumiria o risco de mover-se sem ter segurança que outros estariam movendo-se em simpatia.
Se a tese de Erber estiver correta, não bastaria escolher os instrumentos adequados, não bastaria nem mesmo convencer os agentes econômicos, um a um, de que os objetivos são factíveis e os instrumentos são eficazes, é preciso ainda convencê-los de que um número suficiente de agentes está convencido disso para garantir o sucesso de uma iniciativa. A convenção é um instrumento de coordenação de expectativas, de informação a cada um do que outros esperam resultar de um dado estímulo. Mas construir uma convenção envolve não apenas conhecer como funciona a economia, mas também saber persuadir politicamente um número suficiente de agentes da sua correção para que a política possa demonstrar sua eficácia e, assim, reforçar a convenção que a sustenta. Fabio Erber, corretamente, sustentou insistentemente que a solução desse problema exigiria não um debate entre correntes de economia, mas um debate entre várias disciplinas de ciências sociais. Para nosso pesar e nosso prejuízo, esse debate terá de prosseguir sem o privilégio de sua participação.
Referências Bibliográficas
ERBER, F. (2002) The Brazilian development in the nineties – myths, circles and structures. , Nova Economia, 12, 1, jan.-jun.
ERBER, F. (2011) As convenções de desenvolvimento no governo Lula: um ensaio de economia política. , Revista de Economia Política, 31 (1), jan.-mar.
ERBER, F. (2012) The evolution of development conventions, Revista de Economia Contemporânea, 16, 1, jan.-abr.,
MOGGRIDGE, D. (Ed.). (1981) The collected writings of John Maynard Keynes., Londres: MacMillan, [volumes identificados por CWJMK, seguido do número de volume em algarismos romanos], 1973,1981.
PENROSE, E. (1980) The theory of growth of the firm. , Armonk: M.E. Sharpe,
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Resumo
Erber entende o desenvolvimento como um fenômeno multifacetado, em que a dimensão econômica não se dissocia de seus vieses sociológico e político. Ele inaugurou uma linha de pesquisa focada na economia política da política monetária brasileira contemporânea. As recentes mudanças na estratégia de combate à inflação corroboram sua tese sobre a relevância das convenções de desenvolvimento para explicar o problema das taxas de juros no Brasil. Uma das principais contribuições de Erber no desenvolvimento do tema foi mostrar que a crença de que uma determinada convenção de desenvolvimento se materializa em um “projeto nacional” que vise ao “bem comum” é utópica. Uma convenção de desenvolvimento atende a interesses constituídos especificamente – em uma determinada sociedade e um dado momento histórico – que afetam os diversos atores sociais e/ou grupos de interesse de forma diferenciada.
Convenções: uma visão sociológica do desenvolvimento econômico
André de Melo Modenesi, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
Erber's contribution to understanding development conventions has made him a theorist of the ideas of development. Based on the assumption that economic theory is not neutral axiologically, he has explained where the development conventions prevailing in contemporary Brazil came from and where they are leading us to. Acting more like a social scientist, Erber's epistemological stance becomes very clear: ontologically, Economics is Politics. By using the concept of convention to explain the problem of interest rates in Brazil, Erber has founded a research program focused on Political Economy and devoted to study the Brazilian contemporary monetary policy. An important part of Erber's legacy is to have shown that the belief that a given convention of development could be transformed into a national project aiming at the common good is actually a utopia.
1. Introdução
Como bem notou Prado (2011), o professor Fabio Stefano Erber era um economista do desenvolvimento, que entendia desenvolvimento como:
[…] processo que envolvia taxas de crescimento per capita elevadas, aumento de produtividade, mas, sobretudo, mudanças estruturais na economia e na sociedade, que implicavam alterações no comportamento dos agentes econômicos. A ideia de que o processo de desenvolvimento tinha como condição necessária mudanças nas instituições e na cultura sempre esteve presente na obra deste autor [p. 199-200; grifos meus].
É a partir dessa constatação que se apreendem a relevância e o significado do conceito de convenção do desenvolvimento na obra de Erber. Ainda que ele tenha tratado mais especificamente do tema somente no fim de sua carreira, o conceito de convenção é crucial a seu objeto de estudo, o desenvolvimento econômico.
Seu foco de análise vai muito além das políticas econômicas e de seus efeitos sobre a produtividade, a produção, o emprego, a renda etc. O desenvolvimento é concebido como um fenômeno multifacetado em que a dimensão econômica – tanto micro quanto macro – não se dissocia de seus vieses1 sociológico e político. Quem promove e, portanto, condiciona o desenvolvimento são, em última instância, os atores sociais. Para além do papel dos gestores de política econômica, Erber ressalta a importância de grupos de interesse, organizações, instituições multilaterais (como o FMI e o Banco Mundial), acadêmicos, formadores de opinião, eleitores etc. no processo de desenvolvimento.
Erber foi mais do que um economista do desenvolvimento focado em problemas práticos ou com a preocupação precípua de transformar a realidade. À luz de sua contribuição sobre as convenções de desenvolvimento, Erber pode ser entendido como um teórico das ideias de desenvolvimento. Partindo do princípio de que a teoria econômica não é neutra do ponto de vista axiológico, ele mostrou de onde vêm – ou como surgem – e para onde nos levam as concepções de desenvolvimento prevalecentes no Brasil contemporâneo. Aproximando-se mais de um cientista social – portanto, distanciando-se do formalismo abstrato que distingue os economistas contemporâneos do mainstream –, ele assume uma postura epistemológica clara:
[…] Economia é ontologicamente política. Um de seus propósitos é contribuir para a discussão dos interesses econômicos que estão subjacentes às teorias sobre os objetivos e procedimentos recomendados para o desenvolvimento brasileiro [Erber (2011, p. 32)].
Este capítulo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução e a conclusão. Na segunda, é tratada a gênese da ideia de convenção do desenvolvimento na obra de Erber. Em seguida, retrata-se como o autor desenvolve e aplica o conceito na análise do governo do Presidente Lula. Na quarta seção, ressalta-se que Erber – ao usar o conceito de convenção para explicar o problema da taxa de juros no Brasil – inaugura uma linha de pesquisa, focada na economia política, a respeito da política monetária brasileira contemporânea. Na conclusão, propõe-se que um de seus principais legados no desenvolvimento do tema foi mostrar que a crença de que uma determinada convenção de desenvolvimento se materializa em um “projeto nacional” que vise ao “bem comum” é uma utopia.
2. A Gênese do conceito de Convenção de Desenvolvimento
Erber foi reconhecidamente influenciado pela escola francesa da regulação, tendo aplicado suas teses e conceitos na análise do padrão de desenvolvimento brasileiro. Esse fato é crucial para compreender a gênese, o desenvolvimento e o significado de convenção em sua obra.
Ele define o padrão de desenvolvimento como “[…] conjunto de relações entre os agentes econômicos e sociais, que garante, ao longo de um período de tempo, a manutenção dos processos de acumulação de capital e de preservação do poder político” [Erber (1992, p. 8; grifos meus)]. No plano econômico, essas relações se traduzem em um conjunto de normas: de acumulação; produção; consumo; financiamento; inovação e difusão de progresso técnico; intervenção do Estado; e inserção internacional. Segundo Erber:
Essas relações constituem-se, historicamente, em cada formação nacional. No entanto, estão sujeitas a limites dados pela lógica do sistema como um todo e pela prevalência, em nível internacional, de uma dada formação hegemônica, política e economicamente […] as relações são elas mesmas seletivas – elas definem um elenco de “problemas” a serem tratados e as formas de solucioná-los, assumindo caráter cumulativo. Daí na tradição kuhniana, as chamarmos de normas ou paradigmas [Erber (1992, p. 9; grifos meus)].
Aqui se encontram dois elementos centrais do conceito de convenção de desenvolvimento, posteriormente utilizado pelo autor. Primeiro, a ideia de que se trata de um fenômeno que transcende o plano econômico. Seu caráter sociológico deriva da relevância atribuída às inter-relações entre os atores sociais. Trata-se de um fenômeno genuinamente social: algo sui generis, uma totalidade que, a despeito do papel desempenhado por suas partes, não se reduz à mera soma destas. É um fenômeno emergente: externo ao comportamento dos indivíduos e que não se reduz à cognição individual [De Wolf e Holvoet (2005)].
Segundo, o estabelecimento de um conjunto de problemas ao qual se atribui um correspondente conjunto de soluções, posteriormente denominados de agenda, sob a influência de Lakatos (1970).
A ideia de convenção aparece mais claramente – ainda que não de forma explícita – em Erber (1996), em que o conceito de mito é tratado com detalhe. Posteriormente, ela é usada em Erber (2002): “Part of the conventions which help social actors to deal with uncertainty are ‘stories’ told about change – of how change is necessary and, especially feasible, even under difficult circumstances” (p. 15). Nessa mesma obra, ele também explora as noções de mito e de agenda, positiva e negativa, em duas seções.
O conceito de convenção é desenvolvido com profundidade por Erber (2004) em uma seção especificamente destinada às convenções do desenvolvimento. No fim de sua carreira, Erber (2007; 2008a; 2008b; 2008c; 2008d; 2009; 2010; 2011; 2012) volta-se quase que exclusivamente ao tema, aprofundando e lapidando o conceito de forma exaustiva (como será visto nas próximas seções).2 Ele é usado sob a influência tanto de Keynes quanto dos chamados convencionalistas franceses, por exemplo, Orléan (1989; 2004) e Jodelet (1989).3 De acordo com Erber (2004, p. 40-41):
Conventions are sets of beliefs shared by a community for, among other purposes, problem-setting and problem-solving. They are a heuristic device for dealing with uncertainty. Conventions may stem from different sources: religion, myths, scientific theories, etc. Since the Enlightenment the prestige of science as a source of conventions has increased, albeit at the cost of dressing up other sources (such as myths) in the guise of scientific theories. […] conventions embody a set of criteria which specify a “positive agenda“, the set of problems which should be tackled and a set of solutions which should be used to solve such problems. The criteria also specify a “negative agenda”, problems which are not relevant and solutions to (relevant) problems which should be avoided (grifos meus).
O próprio autor reconhece a contribuição de Castro (1993), que propõe a dicotomia entre as convenções do “crescimento” e da “estabilidade”. A primeira vigorou no país entre o pós-Segunda Guerra e o fim da década de 1980. A segunda conquistou sua hegemonia a partir da década de 1990.4 Erber (2004; 2008c), além de registrar que “deve” a Castro (1993) o uso da noção de convenção, também credita a influência de Schön (1988) e de Lakatos (1970), de quem usa os conceitos de agenda positiva e negativa (nominados, inicialmente, como conjunto de problemas/soluções).
Ele também usa os conceitos de “regras do jogo” e de “modelos mentais compartilhados”, de North (1990) e de Denzau e North (2004), respectivamente. Erber também reconhece e cita a contribuição de Schumpeter (1964) na formação de sua própria visão do desenvolvimento econômico. Em artigo originalmente apresentado no XII Congresso da Sociedade Internacional J. A. Schumpeter, Erber (2012) usa uma definição mais formal de convenção, bem como formula uma definição de convenção de desenvolvimento: 5
Such set of rules, the positive and negative agendas they generate and the teleology underlying them are a convention – a collective representation which structures individual expectations and behavior [Orléan (1989)], in the sense that, given a population P, we observe a behavior C which holds the following characteristics: (1) C is shared by all members of P; (2) every member of P believes all other members will follow C; (3) such belief provides members of P with a sufficient reason to adopt C [Orléan (2004)]. A convention arises out of the interaction of social agents but it is external to such agents and cannot be reduced to their individual cognition, i.e. it is an emergent phenomenon [De Wolf and Holvoet (2005)]. In every society there are many conventions dealing with different aspects of economic and social behavior (e.g. the quality of traded goods, the working of the financial system). Following our definition, a development convention is concerned with structural change. This begs the question about which “structures” are to be changed? The answer to that question differentiates development conventions [Erber (2012, p. 8; grifos do autor)].
A existência de convenções de desenvolvimento decorre diretamente da própria concepção de desenvolvimento econômico, que não se reduz ao crescimento do PIB ou da renda per capita – o que em suas palavras simplesmente seria “mais do mesmo”. As transformações estruturais subjacentes – e que caracterizam – o processo de desenvolvimento geram incerteza (no sentido dado por Keynes) e problemas de coordenação (como enfatizado pelos convencionalistas franceses). Assim, as convenções existem para mitigar as incertezas e os resultantes problemas de coordenação que marcam o processo de desenvolvimento.
Na próxima seção, será visto como Erber aplicou o conceito de convenção do desenvolvimento ao analisar o governo do Presidente Lula (2003-2011).
3. As convenções de desenvolvimento no Governo Lula
No fim dos anos 1980, é observada profunda e radical mudança no padrão de desenvolvimento brasileiro. A ascensão do liberalismo econômico como doutrina hegemônica global – sob a égide do Consenso de Washington – somou-se ao descontentamento doméstico com os resultados medíocres do modelo desenvolvimentista observados na “década perdida”. Não parece exagero dizer que a aceleração inflacionária e o baixo crescimento criaram uma insatisfação quase que generalizada no país. O esgotamento decretado desse padrão abriu espaço para ascensão do modelo neoliberal.
De forma simplificada, foi assim que se deu a passagem da convenção do crescimento para a convenção da estabilidade, como originalmente proposto por Castro (1993). Essa transição de padrões de desenvolvimento – que permeou vários governos durante cerca de duas décadas – é o pano de fundo da discussão sobre as convenções do desenvolvimento na obra de Erber.6 Nesse sentido, ele explora e aprofunda as complexidades por trás da dicotomia fundamental proposta por Castro.
Mais precisamente, Erber (2008c; 2008d; 2009; 2010; 2011) usa o conceito de convenção de desenvolvimento para analisar, especificamente, o governo do Presidente Lula, cujo início foi marcado por uma situação de extrema incerteza. Ele foca o embate entre duas convenções: uma chamada de “institucionalista”; e outra de “neodesenvolvimentista”.
A primeira mostrou-se hegemônica, ainda que a segunda também tenha exercido influência no governo Lula, como detalhado a seguir. Erber (2011, p. 31-32) também identifica coexistência de duas outras convenções: a “neoliberal”, que, apesar de ter perdido força após as crises dos anos 1990 [Erber (2012)], destaca-se na crítica ao intervencionismo do governo Lula; e a “novo-desenvolvimentista”, de inspiração pós-keynesiana e que se opõe frontalmente ao chamado tripé macroeconômico – metas de inflação e fiscais e câmbio flutuante.
A convenção institucionalista permeia os discursos e documentos do Banco Central do Brasil (BCB) e do Ministério da Fazenda e se fundamenta em um referencial teórico neoclássico e na chamada nova economia institucional [North (1990)]. Ela se assenta no mito de uma sociedade competitiva e meritocrática, em que o livre-mercado e as instituições corretas assegurariam a eficiência econômica, principalmente do ponto de vista alocativo. A eficiência distributiva seria fortalecida por investimentos em capital humano (educação) e programas sociais focalizados, como preconizado pelo Banco Mundial.
As forças de mercado – amparadas em um sistema de preços que sinalize corretamente as escassezes relativas – gerariam uma alocação eficiente de recursos que, por sua vez, asseguraria o crescimento econômico. As instituições, materializadas em normas e organizações, favoreceriam o bom funcionamento dos mercados. A garantia dos direitos de propriedade e dos credores (como a Lei de Falências) e a redução dos custos de transação são, igualmente, tidas como essenciais ao desenvolvimento. De forma geral, preconiza-se a realização das reformas institucionais de segunda geração, i.e. pós-Consenso de Washington.
Merece destaque a crença de que níveis reduzidos de inflação (ao garantir o bom funcionamento do sistema de preços) são precondição fundamental para o desenvolvimento. De fato, o BCB desempenhou papel absolutamente crucial e seu presidente assumiu status de ministro no governo Lula. É uma organização – estruturada com base no modelo agente-principal – que deve ser independente do sistema político (mas não do mercado financeiro, como mostrado adiante) para evitar a tentação profana de acionar o viés inflacionário. A estabilidade de preços torna-se sagrada, considerada um “bem em si mesmo”, conforme o presidente do Banco Central americano, Ben Bernanke.
A convenção institucionalista, apesar de sua hegemonia, foi adotada de forma apenas restrita, privilegiando-se o controle da inflação. Assim, no topo da agenda do governo Lula figurou estabilidade de preços, perseguida como objetivo fundamental. A política macroeconômica centrou-se no combate à inflação, conferindo-se ao tripé de política econômica um caráter assimétrico: a política monetária (metas de inflação) condicionou e restringiu as políticas cambial e fiscal.
As altas taxas de juros atraíam capitais externos – em busca de ganhos de arbitragem – contribuindo, assim, para a valorização do real. A valorização do real, por sua vez, facilitava o controle da inflação. Assim, o câmbio tornou-se um dos principais canais de transmissão da política monetária. De fato, fomos recordistas mundiais em termos de taxas de juros (reais), e o real foi uma das moedas que mais valorizou, durante o governo Lula.7 Grosso modo, as metas fiscais eram cumpridas por meio da contenção dos gastos, notadamente de investimento. Eventuais conflitos entre o controle da inflação e os demais objetivos macroeconômicos (como o crescimento econômico e a redução do desemprego) eram resolvidos em prol do objetivo sagrado da estabilidade de preços.
Como bem ressalta Erber (2011), apesar de a estabilidade de preços ser apresentada como um bem em si mesmo com característica de um bem público – de cujos benefícios ninguém é excluído –, a política econômica adotada (fundamentada no tripé assimétrico) não era neutra do ponto de vista distributivo, apresentando ganhadores e perdedores muito bem definidos.
Dentre os perdedores, destacam-se os devedores e os demandantes de crédito. O Estado, maior devedor individual, gastou em média cerca de 6% do PIB ao ano com o pagamento de juros da dívida pública. Os demandantes de crédito privado também perdem. O sistema financeiro torna-se pouco funcional, privilegiando as operações com títulos públicos. O resultado é uma alta concentração (no total dos ativos do sistema financeiro) de ativos de curto prazo, alta liquidez e rentabilidade. Consequentemente, fica comprometido o financiamento do investimento (produtivo e em inovação), essencial às transformações estruturais subjacentes ao desenvolvimento. Entre os ganhadores, ressaltam-se as unidades superavitárias, de uma forma geral, e o sistema financeiro em particular, cujas receitas se concentram nos elevados ganhos com operações de tesouraria. Erber (2011) ressalta que o lucro líquido dos bancos brasileiros triplicou, tendo sua taxa de lucro saltado de 15% para 23%, entre os anos de 2003 e 2007. As famílias mais ricas também se beneficiam: as empresas não financeiras e os indivíduos receberam em média 80% das rendas financeiras, entre 1995 e 2005, segundo dados apresentados por Bruno (2007).
Mas essa convenção não é benéfica apenas para o sistema financeiro e os rentistas. Em linha com a lógica da financeirização – que marca o país no período analisado –, as empresas do setor produtivo, principalmente as com alta geração de caixa, também se beneficiam do binômio juros altos-câmbio valorizado, ao obter ganhos financeiros polpudos com a aplicação de seu caixa. Destacam-se os industriais produtores de bens intermediários; produtores e comercializadores de commodities; atacadistas; cadeias de lojas de bens de consumo, por exemplo. A elevada exposição da Aracruz e da Sadia a derivativos cambiais (vinda à tona em fins de 2008) ilustra bem esse fato.
Erber assinala que, por sua vez, a valorização do real é um subproduto da política monetária, dela não podendo se dissociar: “[A] valorização do câmbio é irmã siamesa dos juros altos” [Erber (2011, p. 43)]. Os importadores de bens e serviços se favorecem largamente, ao passo que os produtores domésticos e exportadores se prejudicam com a valorização do real. Em conjunto, os juros altos e o câmbio valorizado também beneficiam aqueles que têm acesso ao mercado de crédito internacional e os remetentes de recursos para o exterior (sob a forma de investimentos, remessas de lucro, dividendos etc.).
Em suma, apesar de apresentada como benéfica a todos, visando ao bem comum, a estratégia de estabilização – centrada no binômio juros altos-câmbio valorizado – não era neutra do ponto de vista distributivo, gerando ganhadores e perdedores claramente estabelecidos.
A chamada convenção neodesenvolvimentista coexistiu, ainda que de forma subordinada, com a convenção institucionalista – que foi hegemônica no período. Suas diretrizes encontram-se no Plano Plurianual de Aplicações (PPA) 2003-2007 e na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Ela foi reforçada com a mudança no comando do Ministério da Fazenda (marcada pela saída do Ministro Palocci) e a reeleição de Lula, em 2006. Fundamentava-se em cinco pilares:
- investimento em infraestrutura (notadamente energia, logística e saneamento), destacando-se o papel das estatais e do financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- investimento residencial, baseado em crédito público e privado, com vistas a reduzir o déficit habitacional;
- círculo virtuoso entre elevação do consumo – em razão do aumento do salário mínimo, das transferências e do emprego formal – e investimento em capital fixo e inovação;
- investimento em inovação, com subsídios e incentivos fiscais; e
- política externa independente, privilegiando as relações com os países em desenvolvimento.
Seu referencial teórico é de natureza keynesiana, conferindo-se ao Estado e às políticas públicas um papel crucial. Destaca-se a busca de um círculo virtuoso entre aumento de renda das camadas mais pobres – capitaneado por políticas públicas de transferência de renda e a recomposição do salário mínimo – e investimentos estratégicos liderados pelo Estado.
Em oposição ao caráter mais liberal da convenção institucionalista, o Estado tem função estratégica na implementação de seus cinco pilares. Particularmente o papel desempenhado pelo setor público nos dois primeiros e no último pilar aproxima essa convenção da antiga convenção desenvolvimentista. Por outro lado, essa convenção, apesar de compartilhar elementos do novo-desenvolvimentismo, dele se distancia em um ponto crucial: a aceitação do tripé macroeconômico.
A convenção neodesenvolvimentista apoia-se no mito de uma sociedade cooperativa e inclusiva. Ampara-se na busca de um pacto social e nas metáforas do Presidente Lula que comparam a sociedade a uma família e interpreta os problemas econômicos baseado na lógica da economia do lar. O papel de destaque na agenda do governo Lula exercido pelas políticas de inclusão social (pela redução da pobreza e materializado no terceiro pilar) distancia essa convenção tanto da antiga convenção desenvolvimentista quanto da neoliberal.
Por fim, cabe notar que a relação entre as convenções institucionalista e neodesenvolvimentista é dialética. Por um lado, elas se se antagonizam em aspectos fundamentais. Por outro, elas se fortalecem mutuamente.8 Conforme Erber (2011), a principal “ponte” entre elas é a fé na capacidade purgatória da estabilidade de preços – obtida, por sua vez, pelo tripé de política econômica. Assim, sob a hegemonia de uma convenção da estabilidade – que serve a ambas as convenções (institucionalista e neodesenvolvimentista) – elas se reforçam e asseguram o status quo, atendendo, assim, a uma “ampla gama de interesses”. Em suas palavras:
Existem, porém, “pontes” entre as duas convenções, que reduzem os conflitos entre elas e, ao mesmo tempo, consolidam a hegemonia da convenção de estabilidade. Entre estas, destaca-se a percepção de que os “pobres” tendem a ser os mais prejudicados em períodos de alta inflação e o sucesso político das políticas de inclusão, que, obtido com baixo custo fiscal e taxas de crescimento relativamente restritas, reduz a importância de altas taxas de crescimento como instrumento de legitimação política […] e permite a conciliação entre as duas convenções. […] a convivência entre as duas convenções se estabelece sob a hegemonia da convenção institucional restrita, assegurada pelo controle do tripé de políticas macroeconômicas e pelo fato das políticas neo-desenvolvimentistas não ferirem os interesses representados pela convenção institucionalista restrita, desde que as políticas em que esta última se materializa sejam mantidas. A combinação entre as duas convenções atende a uma ampla gama de interesses, que a torna muito forte […] [Erber (2011, p. 51; grifos meus)].
Na próxima seção, será visto como o conceito de convenção do desenvolvimento tem sido aplicado especificamente na análise da política monetária brasileira contemporânea, caracterizada pelas maiores taxas de juros reais do planeta. Será dado destaque à força da convenção da estabilidade, que preconiza o conservadorismo que marca a condução da política monetária recente.
4. O problema das taxas de juros no Brasil sob a ótica das convenções
Um dos legados da obra de Erber foi o uso do conceito de convenção do desenvolvimento na explicação do chamado problema da taxa de juros no Brasil [Modenesi e Modenesi (2012)]. Bresser e Nakano (2002) foram precursores na aplicação da ideia para explicar o excesso de rigidez monetária praticado no país desde o lançamento do Plano Real – período em que, grosso modo, se observaram as maiores taxas de juros reais do mundo.9 No entanto, eles não desenvolveram o tema, apenas propondo que: “[d]epois da persistente manutenção da taxa de juros em nível muito elevado é natural que surja o medo de redução, e que esse nível se torne uma convenção” (p. 169).
Erber (2011) contribui decisivamente para o aprofundamento da tese de que há uma convenção favorecendo o conservadorismo na condução da política monetária no Brasil. Segundo ele, a excessiva rigidez monetária deveria ser explicada pelo viés da economia política. Assim, as altas taxas de juros não configurariam problema de natureza exclusivamente macroeconômica. Elas seriam o resultado de uma influente coalizão de interesses formada em torno da manutenção dos juros em níveis elevados e da resultante valorização do real.
Como já visto, Erber destaca, com propriedade, a não neutralidade da política econômica adotada no governo Lula. Ele identifica a existência de uma ampla e poderosa “coalizão de interesses” enraizada em torno do binômio juros altos-valorização cambial. A coalizão é benéfica não só para os rentistas – que lucram com aplicações financeiras – e seus demais beneficiários (ver seção anterior), como também para o próprio BCB, que se beneficia da reputação de ser um banco central conservador ou extremamente avesso à inflação. Assim, não se trata de uma típica situação em que o agente, o BCB, é capturado pelo principal, os rentistas. Em suas palavras:
[e]xiste, pois, uma ampla e poderosa constelação de interesses, estruturada ao longo do tempo em torno à combinatória altos juros-câmbio valorizado, que estabeleceu uma convenção que estes elementos são essenciais para o desenvolvimento do país. […]. Esta coalizão de interesses tem poderosos instrumentos para consolidar e difundir sua convenção de desenvolvimento. O mais explícito está nas mãos do sistema financeiro […]. Mas há outros […] como o financiamento de campanhas políticas, as relações com os membros do Congresso, os “anéis burocrático-empresariais” […] e as relações com a mídia […]. O Banco Central é um membro necessário desta coalizão […]. Para o estabelecimento da coalizão e da convenção que lhe serve de representação social, basta que o Banco Central e os membros privados derivem benefícios conjuntos da mesma política – no caso, o prestígio de cumprir as metas e os lucros derivados dos altos juros e do câmbio valorizado [Erber (2011, p. 43)].
Cabe notar que os economistas mais ortodoxos têm certa dificuldade em assimilar o correto significado dessa tese – provavelmente por ela transcender a teoria econômica, dado seu caráter eminentemente sociológico. Ela, também, não pode ser formalizada em um modelo teórico abstrato, em que o tempo histórico e as relações sociais e políticas são irrelevantes – prática corrente entre os economistas do mainstream. Assim, é comum ver essa tese apresentada de forma totalmente distorcida. Por exemplo, Schwartsman (2011) interpreta-a como se ela simplesmente sugerisse haver uma “conspiração” dos analistas do Boletim Focus visando “induzir o BC a definir uma trajetória da taxa de juros mais alta do que a estritamente necessária”. É verdade que o Focus é um dos elementos usados, para manter o status quo, por parte dos beneficiários da convenção – inclusive o BCB, como mostrado por Guimarães (2008; 2009). Porém, a tese não se reduz a uma mera “conspiração”.10
É legítimo dizer que Erber inaugurou uma linha de pesquisa focada na economia política da política monetária brasileira contemporânea. A partir de sua contribuição, Correa (2010), Oreiro (2012) e Seabra e Dequech (2013), por exemplo, aproximam a tese da convenção sobre a taxa de juros da formulação de Keynes. Modenesi et al. (2013), assim como Erber, usam as abordagens, de Keynes (e pós-keynesianos) e dos convencionalistas franceses, de forma explicitamente convergente. Eles propõem que a estratégia de condução da política monetária, de forma geral, e a fixação da taxa Selic, em particular, são governadas por convenções.
No campo mais empírico, os parâmetros da função de reação estimada por Modenesi (2008; 2011) e por Modenesi, Martins e Modenesi (2013) ratificam a visão de que o BCB foi altamente conservador. De maneira geral, os resultados evidenciam uma excessiva lentidão nos movimentos da Selic e um elevado patamar da taxa de juros de equilíbrio. Chernavsky (2007; 2008) também apresenta evidência empírica favorável à tese da convenção.
Com as mudanças na política econômica – especialmente na estratégia de combate à inflação – iniciadas no fim do governo Lula (notadamente em fins do ano de 2010) e aprofundadas no governo Dilma (após o ano de 2012), a contribuição de Erber mostrou-se uma relevante explicação para as altas taxas de juros no Brasil. Ficou claro que os juros altos refletiam muito mais uma questão pertencente ao âmbito da economia política do que qualquer outra tese poderia prever.11
De fato, pode-se dizer que não havia um genuíno impedimento macroeconômico para a queda dos juros. Não houve crise bancária, tampouco se verificou uma fuga de capitais. A alta inflação crônica não voltou. Além disso, não foi preciso uma drástica reorientação na política fiscal, como proposto pelos defensores da visão fiscalista – uma das explicações mais populares para o problema. Assim, os juros reais – de curto e de longo prazo – caíram refletindo, em última instância, uma decisão política da Presidência da República, sem que maiores desequilíbrios macroeconômicos ameaçassem o sucesso da nova política monetária. Nesse sentido, a tese de Erber foi corroborada.
Por um lado, o BCB reduziu a Selic de forma absolutamente inédita – e a manteve em um mínimo histórico – sem que a inflação se distanciasse de forma significativa da média do período pós-Plano Real.12 Por outro, a virulência da reação contrária à redução considerada “inesperada” da Selic – sobretudo pelos representantes do mercado financeiro – revela o papel e a força da convenção pró-conservadorismo prevalecente na política monetária brasileira, como mostrado a seguir.
Segundo Modenesi, Martins e Modenesi (2012), a nova postura do BCB concretizou-se em corte, não previsto pelo mercado financeiro, de 50 pontos percentuais na taxa Selic, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto de 2011. Esse movimento gerou pesadas perdas para a maioria dos operadores do mercado de Depósito Interfinanceiro (DI), que apostava na manutenção dos juros. O BCB contrariou, frontalmente, o chamado “consenso” (ou a convenção) de mercado, antecipando em cerca de três meses a redução da Selic implícita no Swap DI, verificando-se forte ajuste nas posições no mercado de juros futuros.
Esses autores bem notam que essa decisão se baseou em quadro inflacionário mais benigno, marcado por: (i) ameaça de recrudescimento da crise europeia e consequente manutenção dos juros internacionais em patamares mínimos históricos; (ii) arrefecimento da atividade econômica doméstica; e (iii) reaproximação da inflação ao centro da meta. Além disso, eles ressaltam a contribuição do Ministério da Fazenda, que atuou de forma mais coordenada com o BCB, ao elevar a meta de superávit primário; e, especialmente, ao alterar os rendimentos da caderneta de poupança, removendo uma espécie de piso que dificultava a queda da taxa Selic.13
Somem-se a isso mais dois elementos cruciais para a queda dos juros. Primeiro, a diversificação dos instrumentos de política monetária – com o uso de medidas macroprudenciais e de controle de crédito. Finalmente, as medidas de combate à inflação de custo recentemente adotadas, com destaque para a desoneração da folha de pagamentos; e a redução no preço de energia elétrica.
A despeito de bem fundamentada, a decisão de reduzir a Selic gerou uma onda de críticas, particularmente dos participantes do mercado financeiro (doméstico e internacional). A “ampla e poderosa constelação de interesses” estruturada em torno dos juros altos (e do câmbio valorizado) mobilizou-se na defesa de sua visão de mundo e de sua agenda (tanto positiva quanto negativa).14 Apesar do momento de crise, eles pediam mais do mesmo e rechaçaram as mudanças de forma agressiva.
Conforme Nakano (2011), os porta-vozes do sistema financeiro vieram a público lamentar a quebra de “protocolo”, da “liturgia” e a subversão dos “princípios mais valiosos” do regime de metas de inflação, o que teria deixado o mercado financeiro “perplexo”. Os bancos estavam “acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua”, na qual o BCB meramente sancionava as expectativas de inflação (reveladas pelo Focus) e de taxa de juros (expressas nos contratos do Swap DI). Segundo o autor, esse protocolo foi rompido, e o “BC finalmente tornou-se independente” do mercado financeiro. Assim, “[é] compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os ‘princípios valiosos’ da atual regra” (p. A-15).
Nas manifestações de espanto e inconformidade, destacam-se dois artigos cujos títulos revelam o intuito de deboche: “Cortes em ritmo de samba” [Olivares (2011)] e “Adeus à regra de Taylor e bem-vinda a regra Rousseff” [Schmidt (2011)]. Jensen e Ribeiro (2012), por sua vez, fizeram alarme: “Em algum momento o governo vai se defrontar com escolhas difíceis. A inflação poderá se desgarrar da meta […]. Na melhor hipótese, o tripé é retomado. Na pior, aprofundam-se os assassinatos institucionais […]” (p. A-29).
Radical foi a reação de Franco (2011), ex-presidente do BCB. Ele atacou a mudança na política monetária e, dissimuladamente, a pessoa do ministro da Fazenda. Começou sugerindo o deixa-como-está-pra-ver-como-é-que-fica, desastrosamente já experimentado na crise do subprime, materializado no chamado erro de Meirelles.15 Ele advertiu que, antecipando-se à crise, o BCB acaba “deixando a forte impressão de que os senhores do Copom sabem mais do que o mercado”. Afinal, veio engrossar não somente o batalhão dos descrentes com a crise, mas também a ladainha das “viúvas” que se beneficiavam da antiga liturgia. À beira já do misticismo, pontificou: “[e]sses mistérios – e não há quem se atreva a contestar o tamanho dos riscos de que fala o BCB – suspenderam as considerações habituais que compõem a liturgia do regime de metas” (p. A-14).
É importante notar que os que se opuseram mais radicalmente a essa mudança de rumo na política monetária foram, particularmente, os participantes e representantes do mercado financeiro. Antes de tudo, os operadores alavancados do DI que apostaram na direção errada e amargaram pesadas perdas. Nesse caso, o conflito de interesse é explícito e inequívoco: a queda “inesperada” nos juros gerou prejuízos para aqueles que apostaram na manutenção das altas taxas de juros. Ao criticar o BCB, eles estavam meramente defendendo ou justificando suas posições em contratos de Swap DI. Naturalmente, isso não é feito de forma explícita. Antes pelo contrário, busca-se travestir os interesses de um grupo específico como se visassem ao bem comum.
Engrossando o coro dos descontentes, seguiram-se, por dever de ofício, os analistas de mercado (economistas chefes, chefes de departamento de “pesquisa” e estrategistas das instituições financeiras), agindo como genuínos defensores dos interesses do mercado financeiro. A atuação desse grupo assemelha-se à de um conjunto de lobistas a defender a “visão de mundo” e os interesses do sistema financeiro.
Visto sob outro ângulo, a maioria das críticas (e, particularmente, as mais pesadas) não veio dos investidores, dos poupadores, muito menos da grande maioria dos empresários dos setores produtivos, sobretudo os pequenos e médios.
A despeito da intensa reação contrária, cabe ressaltar o posicionamento favorável de dois economistas com inequívocas credenciais ortodoxas, P. Arida e S. Werlang, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do BCB. Arida aprova a nova política anti-inflacionária, revelando a expectativa de que já se estava dissipando a reação negativa provocada pela mudança da prática “tradicional”:
Quando o BCB e a Fazenda começaram a praticar as medidas macroprudenciais e a restrição ao ingresso de capitais, o mercado recebeu as iniciativas com relativo ceticismo. Queriam que o BC praticasse o tradicional, isto é, que elevasse os juros […]. Eu mesmo usei medidas dessa natureza, em 1995 […]. Os mercados estão pessimistas, eu sei, mas, e digo por experiência própria, criticar é fácil, fazer melhor é difícil. […] E havia muito alarmismo com as macroprudenciais. Agora, esse alarmismo se desfaz, porque os resultados estão sendo entregues [Valor Econômico (2011, p. A-14; grifos meus)].
Sua análise merece destaque. Primeiro, por seu pessoal reconhecimento do acerto das mudanças. Segundo, pela identificação da resistência (e do alarmismo) de se romper com a convenção de que a Selic tem que se manter elevada a qualquer custo – para impedir a volta da alta inflação, ainda presente na memória coletiva do brasileiro.
Finalmente, Werlang reconheceu que o governo tinha acertado ao reduzir a Selic e, sobretudo, ao vir mudando a estratégia de controle da inflação: “Eu achei muito positivo […] a ideia de usar a política fiscal também para combater a inflação. Essa combinação de mais política fiscal e menos política monetária […] é boa” [Valor Econômico (2012, p. A-10)].
Em suma, as recentes alterações na política anti-inflacionária ilustram bem a tese de Erber sobre a relevância das convenções de desenvolvimento na explicação para o problema das taxas de juros no Brasil. Para além das tecnicalidades macroeconômicas, o viés da economia política mostra-se fértil, além de poderoso do ponto de vista explicativo.
5. Considerações Finais
Ainda que Erber tenha tratado mais especificamente do tema somente no fim de sua carreira, o conceito de convenção é elemento crucial a seu objeto de estudo, o desenvolvimento econômico. Sua análise vai muito além das políticas econômicas e de seus efeitos sobre a produtividade, a produção, o emprego, a renda etc. O desenvolvimento é entendido como um fenômeno multifacetado em que a dimensão econômica – tanto micro quanto macro – não se dissocia de seus vieses sociológico e político.
Partindo-se desse princípio, Erber inaugurou uma linha de pesquisa focada na economia política da política monetária brasileira contemporânea. As recentes mudanças na estratégia de combate à inflação ilustram e, mais do que isso, corroboram sua tese sobre a relevância das convenções de desenvolvimento para explicar o problema das taxas de juros no Brasil. Para além das questões macroeconômicas, o viés da economia política mostra-se fértil e poderoso do ponto de vista explicativo.
Talvez a principal contribuição de Erber no desenvolvimento do tema foi mostrar que a crença de que uma determinada convenção de desenvolvimento se materializa em um “projeto nacional” que visa ao “bem comum” é algo tão utópico quanto acreditar na “vontade geral” de J. J. Rousseau. Na realidade, uma convenção de desenvolvimento atende a interesses constituídos especificamente – em uma determinada sociedade e um dado momento histórico – que afetam os diversos atores sociais e/ou grupos de interesse de forma diferenciada:
Embora sejam sempre apresentadas como “projetos nacionais” que levam ao “bem comum”, refletem, na verdade a distribuição de poder econômico e político prevalecente na sociedade, num determinado período. […] nenhuma convenção de desenvolvimento consegue acomodar a todos [Erber (2011, p. 36; grifos meus)].
Essa é uma lição especialmente relevante para os jovens economistas contemporâneos: a cientificidade e a neutralidade tão almejadas pelo mainstream da profissão de economista são uma utopia.
____________________________________________________
Nota do autor
Registro a importante contribuição de Rui Lyrio Modenesi e de Norberto Montani Martins. Este capítulo se beneficiou largamente de nossas discussões e, em certo sentido, é também um dos frutos do trabalho conjunto por nós desenvolvidos sobre o tema. Particularmente a terceira seção reproduz algumas ideias contidas em Modenesi, Martins e Modenesi (2012). Agradeço também os comentários de Luiz Carlos Prado e a pesquisa bibliográfica realizada por Hellen Lima.
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O olhar de Fabio sobre a economia foi fortemente moldado pela forma como ele entendia as interações macro/micro e a economia política do mundo da manufatura. Este artigo examina alguns desses assuntos que eu, pessoalmente, teria gostado de discutir com ele. O crescimento baseado nos recursos naturais que decorre da ampla exportação de commodities industriais tem se tornado objeto de acalorado debate entre os economistas. Enquanto alguns consideram tal estratégia uma “maldição”, por forçar o mercado a depender muito mais da volatilidade dos preços mundiais das matérias-primas e, portanto, deixá-lo mais exposto a turbulências externas, outros apontam para o fato de que os setores de processamento de recursos naturais proporcionam um caminho precioso para a introdução de novas tecnologias, abrindo, assim, uma janela de oportunidade para as atividades intensivas em conhecimento nas áreas de biotecnologias, máquinas e equipamentos, logística etc. Consequências macro e microeconômicas resultam do crescimento da exportação de commodities baseadas em recursos naturais. A literatura especializada já examinou tais consequências sob nomes exóticos, como “Doença Holandesa” e a “Tragédia dos Comuns”. Impulsionados pela expansão rápida da demanda chinesa por commodities industriais, muitos países da América Latina conseguiram registrar um crescimento significativo durante essa última década. Argentina, Brasil e Chile são três grandes exemplos que serão comparados neste trabalho.
Macro and micro issues related to natural resource-based economic growth
Jorge Katz, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014. A first version of the present paper was writen while the author was holding a visiting fellowship at the Latin-American Centre (LAC) of St. Antony’s College, in Oxford. Support for such visit was received from LAC and from the Corporacion Andina de Fomento (CAF) and it is hereby kindly acknowledged. The usual caveats apply.
Fabio’s way of looking at Economics was strongly shaped by the way in which he understood macro-to-micro interactions and the political economy of the world of manufacturing. This paper examines some of these topics which I would have certainly enjoyed discussing with him. Natural resource based growth resulting from expanding exports of industrial commodities has been the subject of heated debate among economists. While some of them consider such strategy a "curse" due to the fact that it makes the economy more exposed to the volatility of world prices for raw materials and therefore more exposed to externally induced turbulence, others point out to the fact that natural resource processing industries provide a valuable road for the introduction of new technologies opening up a "window of opportunity" for skill intensive activities in biotechnologies, machinery and equipment, logistics and more. Macro and microeconomic consequences result from expanding exports of natural resource based commodities. Specialized literature has examined said consequences under such exotic names as the "Dutch Disease" syndrome and the "Tragedy of the Commons". Propelled by the rapid expansion of Chinese demand for the industrial commodities, many countries in Latin America have attained significant growth over the past decade. Argentina, Brazil and Chile constitute three major examples whose comparison is undertaken in this paper.
1. Fabio
Lifelong consistency with one’s own ideals and values is probably one of the more important – and harder to achieve – qualities human beings can have. This is exactly how I come to think of Fabio, as a warm, consistent person, capable of maintaining over his lifetime his ideals for a better world, for a more egalitarian Brazil. He thought of Economics as providing a tool box to help us achieve just that, a more humane model of economic development capable of simultaneously delivering growth and equity. Over the years, as many of us did, he grew increasingly annoyed by the fact that it was not just a matter of good research and analytical thinking but a more difficult political economy puzzle most countries in the world just cannot come around easily to solve. He never claudicated to the formalities and established conventions of the profession and maintained to the last moment his eclectic way of looking at things, bluntly putting his views to his audience without expecting applause. This is the way I remember him, as an honest, profound and hard-working colleague. This paper is dedicated to his memory, to the wonderful person he was, and to the many good moments we spent together.
Fabio’s way of looking at economics was strongly shaped by the way in which he understood macro-to-micro interactions and the political economy of the world of manufacturing. When development is based upon the exploitation of natural resources many new questions come to the fore which specialized literature explores under such exotic names as the “Dutch Disease” or the “Tragedy of the Commons”. Here is a paper examining some of these topics which I would have certainly enjoyed discussing with Fabio.
The impact of growing on the basis of natural resources has engaged economists for many years now and from various different perspectives. J. Sachs and A. Warner were among the first to argue that the availability of rich natural resources might turn up to be a “curse” that could retard the process of economic growth. According to these authors it makes the economy more strongly to depend upon the volatility of world prices for raw materials and therefore more prone to externally induced turbulence. It favors the appreciation of the local exchange rate, triggering recurrent episodes of the so called Dutch Disease. It retards the evolution of the local production structure into more knowledge intensive activities due to the significant productivity differentials which prevail between natural resource processing industries, on the one hand, and engineering intensive sectors on the other. Furthermore, natural resource processing industries are normally highly capital intensive and should not be expected to create much employment. Many of these ideas are at the basis of the thinking of authors such as R. Prebisch and H. H. Inger and provided the foundation for a large body of literature emerging from ECLAC, the Economic Commission for Latin America and the Caribbean of the United Nations, that worried about falling terms of trade and also about the benefits of technical progress in primary production being transferred from the periphery to the center.
On the other hand, and inspired by the experience of countries such as Finland, Sweeden or Denmark, other scholars have pointed out to the fact that natural resource processing industries provide a suitable route for the introduction of sophisticated process technologies upstream and downstream of the resource itself, opening many “windows of opportunity” for the expansion of skill intensive activities in intermediate inputs and services [Lundvall (2004)]. Biotechnologies, digitalized process control equipment, agrochemicals, vaccines, and more belong in this set of skill intensive activities that might develop in association with the expansion of natural resource processing sectors. Recent research in Latin America provides support to this argument showing that significant advances have been attained by Argentina, Brazil, Uruguay and other countries in biotechnologies, genetics – animal cloning, genetically mod Macro and micro issues related to natural resource-based economic growth Jorge Katz 175 ified (GM) seeds, and more – opening up new “windows of opportunities” for the future [Bisang (2007)].
Beyond “blessing” or “curse”, other topics need be mentioned which have not so far received much attention in the literature concerned with natural resources [Katz & Iizuka (2011)]. The first one has to do with the relationship between natural resources and environmental sustainability. The second one refers to the fact that natural resources frequently belong in the category of “commons” where the risk of over-exploitation – as discussed by G. Hardin in his famous parable of the “Tragedy of the Commons” [Hardin (1968)] constitutes a likely possibility. Finally, it is importante also to notice that recent advances in genetics and biology, in immunology and health sciences and in the understanding how DNA recombination works, is opening a new way of looking at natural resources which Latin-American countries should certainly explore in the years to come.
The second section of this paper looks at new macro questions resulting from the growing specialization in Latin American countries exhibit in industries and activities related to the exploitation of natural resources. The third section deals with many micro questions of industrial organization and environmental sustainability related to a rapidly expanding rate of exploitation of the region’s natural resources.
2. The Dutch disease syndrome and other macro issues related to natural resource based growth in Latin America
The past decade has witnessed inflation targeting macroeconomic policy regimes being adopted by many countries in Latin America, as well as their corollary: floating exchange rates. Chile, Brazil, Mexico, Colombia and Peru can be seen as examples of this policy option while Argentina opted instead for a managed exchange rate regime after abandoning the dollarization of the economy in 2001. We can ask ourselves how have these two macroeconomic policy regimes performed in terms of growth, exports, employment and international competitiveness.
Frenkel and Fanelli (1996) compared the trade liberalization experience of Brazil and Argentina in the 1990s. Both countries had very similar conditions, except for the fact that the Brazilian Real was undervalued and stable, while the Argentine Peso was overvalued and appreciating. Brazilian exports grew fast while Argentine exports remained stagnant. Exactly the opposite happened more recently, and the outcome has been quite similar: Argentinean manufacturing exports grew fast between 2003 and 2008 while Brazilian manufacturing exports lost ground in world markets as a consequence of currency appreciation [Albrieu (2011)]. Looking at a broader sample of cases, Frenkel and Rapetti (2010) conclude that the real exchange rate (RER) “has had a significant influence on the macroeconomic performance of Latin American countries.”
Thus, received literature shows that RER affects the growth performance of the economy, also having a significant impact upon the evolving structure of Gross Domestic Product (GDP) and exports. If we follow the reasoning into the micro, we might also notice that RER affects new company entry and innovation efforts leading to expanding into foreign markets.
On the other hand, overvaluation of the local currency has the reverse effect. Furthermore, if the appreciation of the local currency persists for some time, it might even have an irreversible negative impact upon the structure of the economy as well as upon international competitiveness, as investment in new production capacity and in innovation might be postponed or be biased against knowledge intensive sectors.
Open economies macroeconomic management confronts us with the so called “trilema” or “impossible trinity” as Nassif, Feijó and Araújo (2011) Macro and micro issues related to natural resource-based economic growth Jorge Katz 177 have called the difficulty governments face to choose between different degrees of autonomy in monetary policy, foreign exchange intervention and capital mobility. The logic of the Mundell Fleming model indicates that the choice of the exchange rate regime affects the way in which domestic prices and the balance of payments are maintained in equilibrium. As Nassif, Feijó and Araújo (2011) argue:
In an ideal world with free capital mobility it is assumed that a floating exchange rate regime can absorb external shocks without affecting the level of international reserves making the country less vulnerable to exchange rate crisis and speculative attacks (p. 8).
With an open capital account and a floating exchange rate regime, the authorities can stabilize the domestic price level through monetary policy acting upon the interest rate and aggregate demand, but cannot simultaneously have under control the exchange rate. If RER appreciates, it might end up affecting the structure of the economy by diminishing the relative competitiveness of more knowledge intensive activities which we can assume to be located further away from the international productivity frontier.
The perception that the appreciation of the real exchange rate might have a stronger negative impact upon industries which lag further behind the international productivity frontier turning them less competitive in world markets induced Luiz Carlos Bresser Pereira, Fabio Erber, E. Pacheco and other Brazilian economists to consider the possibility of multiple equilibria for RER if public policy regards the catch up with the international frontier as a major national objective. Fabio Erber strongly argued that an adequate RER could facilitate the economy to attain faster growth and that industrial policies should simultaneously be used to induce the catch up with the frontier in more knowledge intensive activities [Pereira (2010); Erber (2011)].
A different way of putting the case would be argued that a SCRER – stable and constant real exchange rate – might not be a strong enough policy intervention to induce firms in more knowledge intensive activities – which lag further behind the international technological frontier – to undertake innovative efforts, and absorb the uncertainties, associated with catching up with the international state of the art. If this were the case, the government can resort to sector-specific instruments – i.e. to an industrial policy – to induce catching up with the frontier in knowledge-intensive activities. The history of the Korean or Taiwanese “catch up” can be seen under such light [Rasiah (2007)]. Sector specific subsidies and incentives were used in addition to a SCRER to induce firms to undertake “abnormally” risky and uncertain investment and innovation decisions [Lee (2011)]. Latin American governments have been reluctant to adopt this view during the past decades due to ideological limitations imposed by Washington Consensus thinking and have instead resorted to “neutral” price incentives such as tax reductions on R&D expenditure or grants for human capital upgrading. Unfortunately there is little evidence suggesting that neutral interventions have been successful inducing Latin American firms entering into more knowledge intensive activities.
At this point of the argument we should perhaps notice that for well over a decade now natural resource-based commodity prices have been experimenting a steady upward trend in world markets. The trend is stronger in gas and petroleum, followed next by minerals and lastly by grains and foodstuffs [Jenkins (2011)]. Although the upward trend was negatively affected in 2009 by the international financial crisis, it returned thereafter, as Figure 1 shows. Associated to this upward trend in commodity prices, terms of trade have improved and foreign exchange reserves accumulated in Argentina, Brazil, Chile, Colombia, Peru, Uruguay, Bolivia and Paraguay.
Figure 1: Commodity prices and the Dutch Disease syndrome
During the “inward-oriented” period of growth – in the immediate post-war years – Latin American governments intervened in episodes of this sort neutralizing the domestic impact of increasing commodity prices by augmenting taxes on primary exports, and also using special incentives for non-traditional exports or multiple exchange rates. Said instruments of direct intervention have been phased out in the current orthodox stage of macroeconomic management, leaving the external sector of the economy solely to depend upon fiscal, monetary and exchange rate policies. This is where the “Trilema” or the “impossible trinity” enters the current Latin American debate. Most countries opted for an inflation targeting regime, aiming at keeping inflation at bay and, simultaneously, maintaining an open capital account searching for international credibility and for the approval of risk rating agencies. This involved accepting a floating exchange rate as part of the macroeconomic policy regime. A critical Fabio Erber can be remembered as negatively reflecting upon this macropolicy regime in recurrent opportunities.
Consider now the case of Argentina which opted for a different course of action. After devaluating its currency, Argentina adopted a fixed rate regime looking for more degrees of freedom in monetary and fiscal policy. How have these two regimes performed during the past decade? In looking at this question we now make use of the results we obtained in a joint research carried out with Gonzalo Bernat from the University of Buenos Aires, and published in the International Journal of Institutions and Economies [Katz & Bernat (2011)].
After leaving the Currency Board Regime in 2001 Argentina opted for a SCRER which induced the expansion of GDP, exports and employment as well as the accumulation of foreign reserves.
Figure 2: Evolution of the exchange rate in Argentina
At variance with the case of Argentina, Brazil and Chile allowed their currency to float. Both currencies appreciated, strongly in the case of Brazil and somewhat less in the case of Chile, as we notice in Figure 3.
Figure 3: Argentina, Brazil and Chile, alternative regimes of macroeconomic management
The observed differences in exchange rate management had importante consequences for the global functioning of these three economies.
Manufacturing exports increased faster in Argentina than in Brazil and Chile. The accumulated growth of exports between 2003 and 2010 was higher in Argentina (59.4%) than in Brazil (34.6%) and in Chile (25.4%) [Katz & Bernat (2011)]. In line with expectations concerning the impact of the Dutch Disease syndrome, both Brazil and Chile show negative export figures in 2007-2010 – 4.9% and 5.8% respectively – while Argentina maintained a 15.4% growth rate over the same period.
The falling competitiveness of Brazilian and Chilean exports and the displacement of domestically-produced goods by imported substitutes affected the growth performance of industry. In effect, manufacturing industry posted an 8.1% annual growth rate in Argentina between 2004 and 2008, while manufacturing in both Brazil and Chile expanded 3.8% over the same period. Only a few medium tech sectors – like the vehicle industry – expanded fast in Brazil, while much of manufacturing production remained stagnant. Low tech sectors such as shoes and garment, previously quite significant in Brazilian exports, could not resist the simultaneous impact of the appreciation of the real exchange rate and the irruption of Chinese competition in world markets, and significantly reduced exports [Katz & Bernat (2011)].1
On the other hand, it is important to notice that the GDP growth bonanza 2002-2008 did not induce Argentine entrepreneurs into a more pro-active investment and innovation behavior – neither did the government try to coach firms in that direction through explicit industrial policies – which would have involved using the increase in unit gross margins they were receiving after the devaluation, for the construction of more modern and internationally competitive production facilities. In this sense it can be said that a SCRER was not enough to induce Argentine firms into stronger technological efforts which might have allowed them somewhat to close the gap with the international productivity frontier. Neither did the government resort to a more pro-active industrial policy of the type used by Korea in the 1980’s, aiming at developing more knowledge intensive sectors in the economy.
The 2008-2009 international financial crisis affected Argentine external balance, as can be seen in Figure 4. This forced the government to call for Central Bank financing of the (still expanding) fiscal expenditure and the service of the external debt. In other words, the government resorted to the inflationary tax to cover the negative evolution of the external sector of the economy, trying not to lose international reserves. This involved the abandoning of the SCRER regime which had induced the rapid expansion of GDP, employment and exports between 2002 and 2008.
After abandoning the SCRER regime, Argentina returned to the traditional foreign exchange constraint that characterized its “inward-oriented” industrialization model in the immediate post war era. The appreciation of the real exchange became significant in 2011 and thereafter [Castineira (2012)].
Figure 4: The deteriorating =nancial position of Argentina 2008-2011
Brazil and Chile on the other hand suffered of the Dutch Disease syndrome with varying degree of intensity. They both saw their competitiveness in manufacturing eroding rapidly, and the industrial sector losing share in GDP, while non-tradable activities gained participation. World prices and Chinese demand for copper, iron and steel, pulp and paper, soybean oil and more remained high, but signs of an increasing “commoditization” of their export mix became evident. Imports of capital goods expanded fast favoring an increasingly negative trade balance. Although both countries succeeded in keeping inflation at bay, they could not avoid the appreciation of their currency affecting the structure of the economy in the 2000s, with manufacturing losing ground within aggregate GDP and external competitiveness being increasingly concentrated in natural resource based commodities.
3. The evidence so far presented permits us to draw some conclusions
The SCRER regime permitted Argentina to attain rapid GDP growth between 2002 and 2008. The industrial sector recovered dynamism and participation in GDP, induced both by the expansion of domestic aggregate demand and by exports. Employment grew quite fast with around four million new jobs being created during this period. Although the effect could be felt across manufacturing activities it was particularly strong in vehicles, textile, pharmaceutical and foodstuffs, i.e. industries of low and medium high technological sophistication. The expansion was not associated, however, with investment in new and more modern production facilities which would have permitted Argentina gradually to close the gap with the international productivity frontier. Rather, “old” plants – 1980 vintage – were revitalized after the currency devaluation to take advantage of the expanding domestic market and also increasing exports. So, even in the context of a SCRER and of an expanding domestic economy, Argentine entrepreneurs did not respond by proceeding into more technology intensive activities, bringing on board more innovation, R&D and knowledge generation efforts. They opted instead for maintaining under operation their old production facilities, marginally upgrading them through capital goods imports. Neither did the government resort to an industrial policy inducing firms to explore the option of faster technological modernization and of variety creation – new sectors of economic activity – as we saw happening in numerous occasions in some of the Asian economies in the 1980s [Kim (1997)]. As the economy expanded faster capital goods imports increased more than proportionally becoming a heavy burden upon the external trade balance. Even sectors that responded well in terms of increasing exports – such as automobiles and pharmaceuticals – exhibit an increasingly negative external balance. The loss of foreign reserves resulting from the 2009 international financial crisis – see Figure 4 – brought the SCRER regime to an end forcing the government to accept an inflationary tax to cover its increasingly weak financial position. Lacking a more adequate set of monetary and fiscal anti cyclical policies and also lacking a pro-active industrial policy fostering innovation, variety creation, productivity growth and “technological deepening,” Argentina saw the 2002-2008 bonanza pass by without much benefiting from it.
On the other hand, the appreciation of the exchange rate resulted in a decaying manufacturing performance in Chile and in Brazil, favoring the increasing “commoditization” of exports and the expansion of non-tradable activities. Lacking adequate anticyclical monetary and fiscal policies and also a pro-active industrial policy inducing innovation and technological deepening, the two countries ended up negatively affecting the long term technological deepness of the economy.
We can conclude the present section by arguing that natural resource-based growth demands not only adequate anticyclical monetary and fiscal policies, but also sector specific industrial policies inducing innovation and productivity growth and the creation of domestic technological capabilities, if GDP growth is to be accompanied by structural change, innovation and technological deepening in the economy. None of the three countries hereby examined adequately combined macro and micro interventions favoring innovation, variety creation and the closing up of the international productivity gap.2
Adequate macro management – i.e. keeping inflation at bay – appears as a necessary but not sufficient condition for conducting the economy into a growth path of increasing technological sophistication and of better inception in world markets [Ocampo (2011)]. A SCRER and sector-specific industrial policies are needed if the technological gap is to be reduced. I am pretty sure this conclusion would not have much surprised Fabio’s eclectic views on issues of innovation and catch up policies. It is somewhat reassuring to feel that way.
4. Natural resource based growth and the “tragedy of the commons”
Our previous section has looked at macroeconomic aspects associated to natural resource based growth. In this section we examine sector-specific and micro issues associated to such growth strategy.
Natural resource based industries are different from manufacturing activities primarily because many of them intensively use inputs which have a certain amount of “publicness.” Natural resource based industries affect long term environmental sustainability, biodiversity, soil fertility and erosion, climate, “greenhouse” effects, and more. This opens up new industrial organization and sectoral governance policy issues which are far less important in conventional manufacturing spheres. When two aquaculture firms cultivate salmon in the same coastal area they both share on the use of the same water. There is no way of stopping the “horizontal transmission” of vectors and pathogens among them. Public Sector regulation and “collective action” for the protection of the sanitary and environmental sustainability of the resource becomes a major feature of market governance in cases of this sort. Profit maximizing firms as those found in price theory books just do not take these effects into account. When genetically modified soybean is produced in any given region there is no way of stopping biodiversity to be negatively affected in that region, let alone the decline in soil fertility and the increase in soil erosion. World market prices for soybean do not pay for this depletion effect. Irrigation water, biodiversity, environmental services, climate change, soil erosion and fertility, share an element of “publicness” which market prices do not reflect well and which influence the behavior of economic agents when trying to maximize private benefits. These market scenarios are more difficult to discipline than conventional markets given the above mentioned publicness of the natural resource being used. Profit maximizing firms can be expected to develop a natural tendency to overexploit the “common” and received literature has extensively explored regulatory aspects and “collective action” arrangements substituting for the disciplinary role of markets. In our next section we illustrate some of the emerging new issues by looking at salmon farming in Chile and soybean production in Argentina.
4.1 Case studies on salmon farming and soybean production
4.1.1 Salmon farming in Chile
Salmon is an exotic species in Chile. It was incepted locally late in the 1970s and early 1980s through a Public Sector program conducted by Fundación Chile – a public/private R&D and knowledge-generation agency – in close collaboration with various US and Canadian academic institutions, and Japan International Cooperation Agency (JICA), from Japan. The industry attained rapid expansion throughout the 1990s, but it is only in the 2000s that it closed the gap with the international leader in salmon farming – Norway – producing close to 700.000 tons annually, i.e. one third of total world output of cultivated salmon. Figure 5 provides evidence to this effect.
Figure 5: Chilean catching up in volumen of salmon output
Salmon farming started in Chile mostly as an industry of domestic small and medium enterprises (SME), which gradually developed significant local production and technological capabilities through learning by doing, accumulating tacit knowledge in many areas such as the construction of cultivation tanks, net cleaning and disposal of mortalities, vaccination and more. Foreign capital only entered the industry in a big way one decade later, when much of the uncertainties surrounding the likelihood of Chile becoming an important producer and exporter of cultivated salmon had been eliminated by timely intervention of Fundacion Chile. By 2007, Chile was producing roughly the same volume of output as Norway, but it was doing it in a coastal area which was four times smaller than the coastal area employed by the Scandinavian country. This involved much higher degree of proximity among cultivation centers, and bigger cultivation tanks than in Norway [Katz & Iizuka (2011)]. The much higher degree of geographical concentration resulted from the lack of social infrastructure – schools, health centers, telecommunication services and more – in Chile, which forced salmon farmers to establish their production facilities closer to more populated areas admitting the cost of being closer to one another, and also sharing on the use of docks and coastal space with the tourist industry, artisanal fishermen and more. This facilitated the “horizontal transmission” of germs and pathogens, which became a critical issue as output expanded. It finally turned into a crisis in 2008 with the diffusion of ISA, a viral disease which kills salmons affecting their auto-immune response, although it does not affect human beings. The rapid expansion of output in a very small coastal area and high fish density in the cultivation tanks – induced by high world prices for salmon which were obtained as a consequence of the avian flu in Europe – explain the diffusion of new diseases throughout the 2000s which we notice in Figure 6.
Figure 6: The response of the environment
The increasing deterioration of the common helps to explain the downfall of various biological and economic productivity indicators, as reflected in Table 1.
By 2009, and after the outburst of ISA in 2008, industry output had fallen to about one half of the volume attained in 2007, with close to 60% of the cultivation tanks being out of production. Millions of fish had to be slaughtered, exports contracted sharply to around one half of the value attained in 2007, and some 25 thousand workers lost their jobs as a result of the sanitary and environmental crisis. Many villages in Southern Chile, in which 90% or more of the population was employed by the salmon industry, found their social and economic life deeply disrupted, with most of the population out of work. The crisis attained systemic nature when the banking sector announced that it was no longer prepared to bail out the industry as its working capital – fish in the cultivation tanks – had evaporated and they no longer were credit worth. The standing debt of the industry with the banking sector approximately reached one year worth of exports [Katz & Iizuka (2011)].
Table 1: Falling biological and economic indicators reflecting mismanagement of the common
What had gone wrong? Neither “collective action” from the part of firms aiming at protecting the sanitary and environmental conditions under which salmon was being produced, nor an adequate regulatory regime involving public sector fiscalization of firm behavior developed during the years of rapid industrial expansion. Nothing succeeds more than success, and nobody thought it fit to fiscalize an industry which was growing at two digit rates for well over a decade. Very few people understood at that time that the industry was running into a crisis of over-exploitation of the “common” much of the sort Hardin described in his 1968 Science paper on the Tragedy of the Commons, where he suggests that situations of this sort might develop when individual profit maximization induces firms to over-exploit the common leading towards the global failure of the industry. In a much celebrated book on the Governing of the Commons, E. Ostrom takes issue with Hardin’s argument showing that in many different societies and through quite different processes, communities that base their subsistence on the exploitation of a “common” often develop different forms of “collective action” addressing the protection of the resource [Ostrom (1990)].
The Chilean salmon farming case illustrates a situation in which nor “collective action” from the part of firms, neither regulatory intervention from the part of government could stop the impending crisis biologists, veterinarians and workers in the cultivation tanks saw coming up for quite some time. It is only economists and company administrators, fascinated with the rapidly expanding cash flow the industry was exhibiting, that failed to understand the magnitude of the impending crisis.
This case illustrates well the fact that it is not just production technologies that matter when it comes to grow on the basis of natural resources. “Social technologies,” i.e. Forms of social organization and intangible “social capital,” are also needed to secure the long term sustainability of the “common” [Nelson (1998); Katz & Iizuka (2011); Ostrom (1990)]. Social technologies and “collective action” are difficult to bring from abroad. They normally involve a long process of trust creation and social interactions which are local and sector-specific. What is the optimal “loading capacity” of the “common,” which are the more appropriate sanitary and environmental protection routines to be followed, how much do I believe my neighbor when he discloses information concerning the rate and sources of fish mortality in his cultivation tanks, and much more, constitute “location-specific” attributes that cannot be imported or answered on the basis of external know-how. In situ R&D and experimental activities are needed, trust and community values need to develop if production and technological capabilities are to grow hand in hand with a sustainable use of the “common” [Katz & Iizuka (2011)]. Again, we confront here the difference between developing production capacity and technological competence, as previously mentioned in the paper.
The 2008 sanitary and environmental crisis had a tremendous impact upon Chilean salmon farming, from which nor the industry neither Public Sector regulatory agencies have yet entirely recovered. Many production organization routines have changed at the individual firm level, as companies try to do things better, but not very much has yet happened in terms of new forms of “collective action” emerging addressing the protection of the common. Moreover, although location-specific’ R&D efforts have increased, the numbers are still minute vis-à-vis what is required. Equally so, the legal and regulatory environment has been strengthened through various new laws and forms of fiscalization3 but it is difficult to conclude that the government has attained a significantly better degree of control over the industry, and that a new cooperative public/private atmosphere has been established. Changes in patterns of social interaction and in production organization take time to be developed and it is by no means obvious that this is taking place at a pace that will successfully bring on board new industry routines and government surveillance practices that could maintain under control the ever changing biological mutation viruses, pathogens and diseases undergo tough time. We face here a peculiar long interaction between the ecology – that expresses itself through the recurrent mutation of viruses and pathogens – and social organization which results in more collective action, trust and better public/private collaboration arrangements. There is nothing to tell us how this long term dialogue is to result in the future of Chilean salmon farming but there is no doubt that better collective action and more regulation are needed if the country is to attain rapid growth and a more sustainable inception in world markets.
4.1.2 Soybean production in Argentina
Throughout the 1990s, Argentine agricultural production underwent a tremendous transformation. The production of grains increased from 26 million tons in 1988-1989 to over 75 million tons in 2002-2003, reaching close to 100 million tons by the end of the decade. Within this global picture the dramatic expansion of genetically modified soybean, i.e., herbicide-tolerant varieties of the grain, constitutes a quiet social, institutional and production organization “revolution” by itself, which deeply affected not just the structure and behavior of the agricultural sector, but also many other macro and micro dimensions of the Argentine economy. In the hip of success – as we saw this happening in the case of Chilean salmon farming – many dimensions related to the environmental and social impact of these new technologies have not yet been adequately explored and evaluated.
In the short period of five years GM soybean reached 90% of total soybean production in the country, making Argentina second to the USA as far as total volume of production of GM soybean is concerned. The area sown with herbicide-tolerant soybean increased from less than 1% of the total area planted in 1996-1997 to well over 90% of the more tan 12 million hectares planted in 2001-2002. Production reached nearly 40 million metric tons. A variety of reasons come together explaining why this “virtuous cycle” of technological “deepening” and social and institutional transformation occurred [Trigo & Cap (2003)].
Access to GM soybean varieties – not based on local research and development efforts, but rather on imported seed brought by multinational corporations (MNCs) which were the first to carry field trials locally, the flexibility Argentine regulatory institutions exhibited permiting new GM varieties to be tried in the national territory (something which did not happened in other countries, Brazil, for example), the concomitant difusion of the no-tillage production model, which facilitates the incorporation of double-cropping soybean in areas where only one crop was planted before the availability of GM seeds, cost reductions resulting from lower energy and labour costs that obtain from more effective weed management, significant reductions in the price of glyphosate – the herbicide used with transgenic soybean varieties –, the fact that farmers could use seeds reproduced in their fields and did not have to pay royalties to access the new varieties (as Argentina signed Agreement 78 of the Protection of New Varieties of Plant Agreement and not UPOV 91 which makes seeds more expensive by granting more market power to the technology owning companies),4 and more, help to explain why GM varieties became so easily accepted by local farmers and diffused so rapidly. They significantly improved farmers’ profits. This also explains two other aspects which need to be taken into consideration. First, lower cost and high unit gross margins associated to GM soybean production induced many farmers to substitute other agricultural activities, such as cattle-raising and dairy production for GM soybean. W. Pangue argues that “soybean production has, in the last five years, displaced 4.6 million hectares of land dedicated to other production systems such as dairy, fruit trees, horticulture, cattle and some grain” [Pangue (2005)]. We should notice that this involves a negative impact upon biodiversity affecting the country’s foodstuff exports. Second, the expansion of production not only induced a more “intensive” agriculture – higher output per hectare – in the Argentine Pampas, where more than 50 million hectares of excellent arable lands are available, but induced farmers to expand into more environmentally sensitive areas such as the rain forest of Yungas or Chaco, where land is somewhat cheaper than in high yield areas of the Pampas. After arguing that the Pampas prairie is not homogeneous in soil, weather or biodiversity, W. Pangue concludes that “it is in these areas (the environmentally more sensitive and less expensive regions of the prairie) that transgenic soybean and cero-tillage agriculture started to spread” [Pangue (2005, p. 315)]. He indicates that an additional 4.5 million hectares have been brought into production in these marginal areas. As more frail areas of the prairie are brought into production increasing problems of soil erosion develop with negative consequences upon climate and desertification.
In addition to the above, the parallel expansion of “contract agriculture” with independent subcontractors taking an increasing share of the annually planted area, also favored the rapid diffusion of the new technology and the gradual transformation of the rural sector in Argentina. Farmers are no longer farmers in the traditional sense. Many of them have turned into rentiers who annually lease their land to subcontracting companies which now manage the whole operation form planting to harvest. These subcontractors are firms combining state of the art knowledge coming from agronomists and engineers and financial might coming from banks. An incredible amount of richness has fallen over the Pampas and the price of land has increased dramatically. Soybean has become synonymous of richness in Argentina, as petroleum once was in Texas.
GM technologies, no tillage production practices and “contract agriculture” help to explain the successful expansion the Argentina economy attained during the past decade. Lower production costs, higher productivity per hectare and a rapidly expanding area planted with GM soybean explain the dramatic success this new technology has had in Argentina.
But, is this more “intensive” agriculture neutral from the point of view of the environment? Consider, in particular, aspects of soil fertility and erosion and of biodiversity. This is a major, and yet unresolved, area of academic controversy. Some authors argue that “the cumulative effects of soil erosion resulting from conventional tillage practices were beginning to negatively affect the operating results of farms” [Trigo & Cap (2003)]. Moving on to zero tillage production practices and herbicide-tolerant soybean involved a positive change in production routines which has reduced – according to these authors – the degree of soil erosion associated to more conventional production methods. Moreover, glyphosate – the herbicide used with GM soybean – has been shown to be environmentally neutral due to the lack of a residual effect, as it rapidly degrades in the soil. So, this also represents, according to the above mentioned authors, an important advantage particularly when compared with atrazine, the herbicide that was mostly used before, that has residual effects and negatively affects the environment. Gliphoside has substituted atrazine, this being a further advantage of the new technology. Finally, Trigo and Cap argue that zero tillage practices not only have had a significant impact upon the recovery of soil fertility but also have other potentially positive externalities, such as for example the reduction of greenhouse effect. Given all of the above they conclude that the GM technology is environmentally-friendly.
An alternative point of view also exists, arguing that a more intensive agriculture depletes the soil of its natural nutrients and damages the natural recycling of nutrients that it obtains when a conventional crop and cattle rotation production routine is followed by farmers. In this connection ecological economists [Douai et al. (2012)] would argue that Argentina is exporting a considerable amount of soil nutrients – nitrogen, phosphorous and potassium – together with its exported grains, and that such transfer is not being replenished. Speaking as from this perspective Martinez Alier and Oliveras consider that there is an “ecological debt” resulting from soil depletion, which is not being accounted for by market prices [Pangue (2005, p. 317)]. Following such line of reasoning, W. Pangue estimates that “if the natural depletion were compensated with mineral fertilizers, Argentina would need around 1.1 million metric tons of phosphorous fertilizers at a cost of US$ 330 million in the international market” to pay for the depletion of soil fertility [Pangue (2003)]. A decaying quality of Argentine soils, an increasing rate of de-forestation as GM soybean production invades previously forested land, loss of biodiversity and greenhouse effects and climate change are among the negative externalities ecological economists bring to the fore when they evaluate the long termimpact of the rapid diffusion of GM soybean.
Obviously this is an open ended, debate. While the dispute is going on, no one in Argentina would argue for stopping the dramatic expansion of GM soybean production. High world prices for soybean, a rapidly expanding world demand – mostly coming from China and other Asian economies – and an increasing need for foreign currency and fiscal revenue, constitute powerful enough reasons not to expect that the present status quo is to change significantly in the near future. The potentially long term environmental consequences of GM soybean expanding even further are to remain just as long term consequences not many people would be inclined to revise under present circumstances. The obvious intergenerational conflict hereby involved will probably be left for future consideration.
4.2 An overview: what are the main issues?
Having looked at salmon farming in Chile and soybean production in Argentina as examples of production areas in which the intensive use of “commons” opens up new questions related to sanitary and environmental sustainability, to “collective action” aiming at the protection of the “common,” to public sector regulatory capacity, and to inter-generational preferences in the use of environmental services, we can now draw a few conclusions.
Growing on the basis of natural resources brings to the fore important issues related to the use of “commons” which have not yet been adequately researched. What is the equilibrium price for environmental services in commons which are simultaneously being used by different sectors in the economy such as industry, tourism, artisanal fishermen, local original people? How should royalties and “shadow prices” be used to account for the value of environmental services, especially so when market and non-market elements are involved, as in the case of the “common” being the homeland of original people which have lived there since pre-Colonial times? How should we account for the loss of biodiversity, the decay in soil fertility or the increase in greenhouse effects? In many of these areas we still lack knowledge and understanding as to what the impact is of growing on the basis of a more intensive exploitation of natural resources. Moreover, as E. Ostrom pointed out “these resources are embedded in complex social-ecological systems, composed of multiple subsystems in which scientific knowledge is needed, but ecological and social sciences have developed independently and do not combine easily” [Ostrom (2009)]. More research and further involvement of local communities is needed to better understand how to deal with these complex new issues. Biological, health and environmental forces interact in complex ways we still scarcely understand and new forms of dialogue among these disciplines seem to be needed before public policy can be designed and implemented. Conventional market models do not illuminate well many of these issues. Moreover, we know very little as to how to develop collective action and social capital protecting commons and outcome seems to be highly location-specific [Poteete & Ostrom (2004)]. We are also far from having adequate Public Sector strategies to deal with these questions. Said strategies not only demand adequate data and legal norms but also a strong enforcing capacity from the part of public sector agencies which many developing countries normally lack. In spite of the above, it is nonetheless clear that a long-term national strategy is needed if natural resource based growth is to continue as a central element in Latin American future growth.
5. Concluding Remarks
Growing on the basis of natural resources brings to the fore a complex set of new questions which demand urgent examination. Some of these questions belong at the macro level whereas others involve issues of microeconomic and sectoral nature.
Considering first questions of macroeconomic management, we notice that most countries in the region have in recent years opted for inflation targeting regimes, a floating exchange rate and an open capital account. They have done so out of “fear-of-inflation” and of bad risk rating from the part of international financial agents, but that has resulted in currency appreciation, increasing “commoditization” of exports and decay of manufacturing activities, particularly so in the more knowledge intensive segments of the industrial sector.
On the other hand, a SCRER has been shown to induce more rapid growth of GDP, expansion of exports on a much wider spectrum of industries and faster manufacturing growth, but did not constitute a sufficiently strong instrument to induce innovation and catch up in more sophisticated areas of manufacturing. Nor a floating exchange regime neither an administrated exchange policy has been successful in inducing entrepreneurs in Argentina, Brazil and Chile into innovation, more R&D expenditure, and the erection of green field production facilities catching up with the international technological frontier. In the first case the appreciation of the local currency has been shown to discourage investment and innovative efforts. In the second one, although a SCRER has been important revitalizing growth and exports, it was not sufficient to induce firms into expensive and uncertain R&D and innovative efforts. Sector-specific industrial policies seem to be required if firms which are further away from the frontier are to be induced to close the gap [Lee (2011)]. The Korean and Taiwanese experience shows how important sector-specific interventions were in the 1980s for firms like Samsung, LG or Hyundai when they were trying to catch up with world class status [Rasiah (2007)].
On the other hand, inflation targeting policies succeeded in curbing inflation in Brazil and Chile but they could not avoid the economy evolving into non-tradable activities and into further “commoditization.” The macro policy regime ended up affecting the long term competitiveness of more knowledge intensive manufacturing activities [Nassif, Feijó and Araújo (2011, p. 9)].
If the objective of closing up the technological lag and inducing innovation and more R&D efforts in the economy is to be given priority, we conclude that the debate as to whether to opt for an inflation targeting regime, floating the local currency, or to use a SCRER seems somewhat simplistic. Received theory in this field is based on general equilibrium principles and leaves out of consideration the fact that large productivity differentials prevail across industries vis-à-vis the international frontier. Neutral market signals can not capture said differentials and can not therefore act as an adequate incentive in the case of firms placed further away from the frontier inducing them into risky and uncertain long term investment and innovative efforts. Our friend Fabio understood that all along and it is fair this to be explicitly recognized. A SCRER might bring more exports, but catching up with the frontier probably involves a pro-active industrial policy and the appropriate set of institutions that comes with it.
We then move into micro aspects related to the governance of “commons,” the creation of “collective action” and of government regulatory capacity to supplement for the role of markets acquire paramount importance. We have seen that a complex interaction obtains between ecological, economic and institutional forces that develop independently and do not combine easily. How to design and enforce long term National Strategies aiming at the sustainable use of natural resources is an urgent need in most Latin American countries. R&D and knowledge generation efforts looking at location-specific issues of optimal loading capacity and environmental sustainability should be made a central part of said National Strategy. What the regulatory role of the Public Sector should be and how to secure adequate enforceable and fiscalization capacity in circumstances in which Public Sector agencies have a long tradition of weakness, also appears as a major policy question for urgent consideration. Building up collective action, trust and public/private cooperation in relation to the long term sustainability of commons, developing institutional fairness with the original people which have been living in many of the commons since pre-colonial times also appear as areas in which Latin American development policies will have to improve in the years ahead. The above are not social capabilities a country can bring from abroad. They need patiently to be developed locally through an unavoidable process of trial and error.
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Expectativas, incerteza e convenções
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1. Introdución Nostálgica
Como suele ocurrirles a los investigadores de un pequeño país tan al Sur como el nuestro, conocimos a Fabio Erber antes por sus escritos...Resumo
O pensamento de Fabio Erber, embora inscrito na escola estruturalista latino-americana sobre o desenvolvimento, apresenta marcantes características próprias. A ênfase não na tecnologia em si mas na construção de condições para a aprendizagem é uma delas. Isso o aproxima da perspectiva evolucionista em economia por um lado e, por outro, indica uma forma específica de analisar o país, o Estado e as políticas. Seus enfoques foram esclarecedores para os autores deste artigo ao pensarem políticas de conhecimento e de inovação para o desenvolvimento do Uruguai. O artigo, depois de abordar algumas das facetas particularmente estimulantes do pensamento de Fabio Erber, apresenta ideias sobre o desenvolvimento uruguaio e em geral, sublinhando a marca deixada por um intelectual consequente que, além de tudo, foi um amigo.
El aporte de Fabio Erber al pensamiento sobre el desarrollo: mirada sumaria desde Uruguay
Judith Sutz, Rodrigo Arocena, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
El pensamiento de Fabio Erber, aunque inscrito en la escuela estructuralista latinoamericana sobre el desarrollo, presenta marcadas características propias. El énfasis no en la tecnología per se sino en la construcción de condiciones para el aprendizaje es una de ellas. Esto lo acerca a la perspectiva evolucionista en economía por un lado y, por otro, a una específica forma de analizar al país, al estado y a las políticas. Sus enfoques resultaron iluminantes para los autores de este capítulo a la hora de pensar en políticas de conocimiento y de innovación para el desarrollo de Uruguay. El artículo, luego de dar cuenta de algunas de las facetas particularmente estimulantes del pensamiento de Fabio Erber, presenta ciertas ideas sobre el desarrollo uruguayo y el desarrollo en general, señalando la huella dejada por un intelectual consecuente que, además, fue un amigo.
1. Introdución Nostálgica
Como suele ocurrirles a los investigadores de un pequeño país tan al Sur como el nuestro, conocimos a Fabio Erber antes por sus escritos que en persona. Varias preocupaciones concretas nos llevaron a encontrarlo, antes que finalizara la década de 1980. Una de ellas estaba asociada al papel que las nuevas tecnologías, en particular las derivadas de la entonces floreciente microelectrónica, podían jugar en el desarrollo de América Latina. No era éste un mero ejercicio de imaginación: durante los años 1970, tanto en Brasil como en Argentina y, aunque de manera diferente, también en Uruguay, microelectrónica y política pública habían entrecruzado caminos de forma marcadamente heterodoxa.
En Argentina, durante la emergencia de un esfuerzo por abrirle paso a la “burguesía nacional” en un panorama general de preeminencia industrial de multinacionales integradas verticalmente con el exterior [Arceo y De Lucchi (2012)], surgió una empresa que se propuso fabricar una minicomputadora con diseño local, tanto en hardware como en software y en componentes microelectrónicos. En Brasil, de forma aún más integral, pues no se trataba de una empresa sino de una política de estado, se apostó a una sustitución estratégica de importaciones en equipamiento para el tratamiento electrónico de datos, en particular, también, en el rango de las minicomputadoras con diseño propio [Erber (1985); Adler (1987); Schmitz y Cassiolato (1992)]. En Uruguay, la excepcionalidad de una decisión de la empresa pública de telecomunicaciones le abrió camino al desarrollo, con tecnología propia, de centrales télex digitales de muy pequeño porte con posibilidad de crecimiento modular, inexistentes a la fecha en el mercado mundial [Snoeck, Sutz y Vigorito (1992)].
Ninguna de las tres experiencias tuvo continuidad, sea por el accionar de una dictadura militar con ideología ultra aperturista en lo económico (Argentina), sea por el debilitamiento de las alianzas que hicieron posible la experiencia previa (Brasil), sea por lisa y llana incomprensión de cómo se construye desarrollo tecnológico (Uruguay). Puede argumentarse que los eventuales defectos y carencias de estas experiencias pudieron haberlas llevado a su fin aún en el marco de “buenas” políticas; este sería en todo caso un contrafáctico cuya validez sería difícil de apreciar dadas las políticas que realmente se aplicaron. Fabio Erber hablaba de una estrategia y de un enfoque conceptual que ofrece un gran paraguas para las “buenas” políticas y que, también, permite explicar lo que puede ocurrir en su ausencia: proponía considerar al mercado interno como un recurso nacional.
Su idea no está asociada ni exclusiva ni principalmente al tamaño de dicho mercado, en cuyo caso de poca utilidad habría sido para Uruguay. El centro de la cuestión está en que el mercado interno es el espacio donde diversos actores y muy en particular las empresas aprenden a combinar diferentes tipos de recursos para innovar y a partir de allí, eventualmente, participan de forma directa o indirecta en mercados ampliados. Es fácil ver por qué este enfoque resultó iluminante para algunos de los que, en los años 1980, intentaban encontrar un camino razonable para hacer del conocimiento y de las nuevas tecnologías un factor de desarrollo en un país pequeño donde, además, una década de dictadura militar había devastado las capacidades cognitivas nacionales. No importa el tamaño, no importa desde qué nivel se parte: si se entiende que siempre es posible, aunque al comienzo sea de forma por demás modesta, vincularse creativamente con las nuevas tecnologías para resolver problemas nacionales, la política pública puede utilizar el mercado interno, lleno de esos problemas, como banco de prueba de las innovaciones resultantes. Algunas serán exitosas, otras no, algunas sólo quedarán dentro de fronteras y otras, talvez, las trascenderán. Lo que Fabio Erber señaló o, al menos, lo que nosotros entendimos de su enfoque, es que la cuestión no es escoger entre volverse un tigre del Sudeste asiático, si se cree que se puede, o devenir un tomador de tecnologías con creatividad fuertemente restringida, si lo anterior parece inalcanzable. La cuestión es construir fortalezas, a partir de entender al mercado interno, al espacio nacional con sus problemas y sus capacidades para resolverlos, como un recurso de primer orden, al mismo nivel que otros aspectos del país se consideran recursos.
Un segundo punto de contacto con Fabio tuvo que ver con su vocación integradora entre la política-política y la política industrial, ambas objeto de sus desvelos. No se trata sólo de su reivindicación empecinada de la necesidad de tener políticas industriales activas, mostrando, entre otras cosas, que los modelos que se le presentaban a los países latinoamericanos para justificar lo contrario eran lecturas descaminadas de realidades que aplicaban poderosas políticas activas hacia la industria. Se trata también, y quizá principalmente, de no concebir la política industrial como una cuestión a-ideológica, sino profundamente influida por concepciones asociadas a la política-política. Esto implica que hay políticas industriales funcionales a un gobierno que se reclama de izquierda que tienen especificidades, que pueden suponer costos que desde otras perspectivas ideológicas no se justifican pero que son parte de la construcción de un futuro nacional a cuyas metas se deben. La ida y vuelta desde la política industrial y de innovación al proyecto de país encarnado en las propuestas de la izquierda ocupó buena parte de las conversaciones que tuvimos el privilegio de compartir con Fabio. Implacables es un término que le calza justo a sus consideraciones, tanto como lúcidas. Para nosotros, convencidos de que la izquierda tenía que pensar la política de ciencia, tecnología e innovación desde la izquierda y, además, que esa política no podría sino tener especificidades respecto de otras, “ortodoxas”, conversar con Fabio era a la vez fuente de entusiasmo (aunque nadie podría acusar a Fabio de fácilmente optimista) y de confirmación.
Fabio escribía de forma particularmente disfrutable para quien lo leía; los giros literarios y el humor que cada tanto asoman en sus textos muestran cómo se puede colaborar a la comprensión y discusión de cuestiones complejas, tanto para quienes compartían su profesión de economista como para quienes compartían con él otras preocupaciones. A la sorpresa que nos causó saber que había sido director de teatro, siguió la admiración por su versatilidad y, finalmente, la comprensión de que no se trataba de vidas paralelas o secuenciales, sino de la misma vida. No sabemos cómo se enriqueció el teatro con la economía, pero atisbamos lo que le debe lo que Fabio escribió e hizo como economista y servidor público al haber dirigido teatro.
Conocimos a su cálida esposa y a sus hijos en su casa en Río de Janeiro, el conoció nuestra casa en Montevideo y a nuestros hijos. Fuimos, además de colegas, amigos.
En este trabajo daremos cuenta de algunas de sus ideas, mostrando luego cómo influyeron de forma directa en nuestro trabajo en Uruguay e incluso cómo siguen resonando hoy. Finalmente presentaremos algunas de nuestras preocupaciones respecto a los procesos de desarrollo, que tienen con los planteos de Fabio muchos puntos en común.
2. Algunas ideas-fuerza expuestas, explicadas y defendidas por Fabio Erber
Una primera cuestión a destacar es el papel que Erber le atribuye a la teoría desde una perspectiva de acción política: identificar oportunidades para el desarrollo y mostrar caminos para aprovecharlas.
La Fortuna, apuntaban los griegos, no pasa con frecuencia. […] la rueda de las grandes trasformaciones financieras y económicas mundiales está en movimiento, acentuando la divergencia en los patrones de desarrollo, haciendo que unos sean más afortunados que otros. Advertían también los griegos que cuando la Fortuna pasa, hay que saber agarrarla por el único hilo de su cabello. Para eso sirve la teoría, para reconocer el pasaje de la Fortuna y saber cómo agarrarla [Erber y Cassiolato (1997, p. 57)].
Naturalmente, dado que la Fortuna se presenta de forma diferente en diferentes realidades, hay que hacer teoría en el Sur para reconocerla allí, en particular teoría sobre el desarrollo. De lo contrario, con la hipótesis implícita y, en ocasiones, explícita, de que hay una teoría válida –como hay, al parecer, un mejor diseño para la articulación de la rodilla en todas las especies que las tienen– es alta la probabilidad o de no reconocerla cuando pasa o de reconocerla y no ser capaz de aprovechar las oportunidades que abre. De hecho, como lo indica al comenzar su ponencia a la última Schumpeterian Conference a la que asistió, la vinculación entre teorías e ideas sobre el desarrollo y práctica política lo acompañó desde siempre:
Keynes’ remark about “practical men” being guided by ideas of long-dead economists is well known and goes a long way to explain this paper, which is part of a research project on how we think about development and how such ideas are translated into policies [Erber (2012, p. 2)].
Los enfoques teóricos a los que se adscribe Erber son en buena medida comunes al conjunto nucleado en torno a la RedeSist (red de pesquisa de la Universidad Federal del Rio de Janeiro – UFRJ), aunque parece claro que sus énfasis están más cerca de la aproximación evolucionista como alternativa a la ortodoxia neoclásica que a los sistemas nacionales de innovación como esquemas analíticos. Con respecto de este último concepto, manifesta uma cautela que compartimos [Arocena y Sutz (2000)]: “Assim em contextos em que predomina o investimento mínimo em ativos de C&T o conceito de ‘sistema nacional de inovação’ parece ser de baixa aplicação” [Erber (2000,p. 186)]. Sin embargo, como veremos un poco más adelante, Erber tenía un enfoque consistentemente sistémico de la política pública.
Si la teoría sirve para –o impide– aprovechar la rueda de la fortuna, no está sola en ello: la ideología juega también su papel. De las varias formas en que Erber se refiere a esta cuestión tomaremos dos. En primer lugar está el papel de verdad que juegan ciertas interpretaciones teóricas y, como consecuencia, la dificultad que presenta discutir las políticas que se basan en sus premisas. Ese papel de verdad aparece sobre todo cuando las teorías sociales se expresan en su versión erudita. Citando a Sá Earp (2000), Erber indica que esta versión es la producida por académicos para consumo de sus pares; en el caso de la teoría económica actual, tiende a presentarse de manera altamente abstracta y matemáticamente formalizada. Esta versión en forma de conocimiento codificado es luego “traducida” y simplificada dando lugar a nuevas versiones, que serán usadas por los científicos sociales aplicados, los libros de texto y, finalmente, los medios de comunicación masivos. El punto que propone Erber es que la versión académica de la teoría económica dominante actúa como mito.
Un mito no es un cuento común –los antiguos distinguían entre “mitos” (historias verdaderas) y “fábulas” (historias falsas). Para ser una historia “verdadera” tiene que ser contada por alguien dotado de poderes especiales… Si una versión del mito es presentada en lenguaje científico su sacralidad es restaurada y su poder reforzado. (Además) una parte integral del pensamiento mítico es la creencia de los iniciados de que detienen la Verdad. Los escépticos, que hacen notar que el mito quizá revele solo una parte de la realidad, no son tolerados. […] La política de muchas instituciones académicas que producen las diferentes versiones de conocimiento codificado, y las burocracias que ponen ese conocimiento en práctica, muestran cómo esto opera [Erber (2012)].
Todos los que, en el tema que sea, hemos levantado dudas, cuestionamientos o alternativas respecto a alguna verdad dominante que prometía buenos resultados si se la seguía y, o bien explicaba los males del presente por no seguirla, o pronosticaba males futuros si no se lo hacía, nos reconocemos en el ácido humor de Erber. Pero la cuestión va más allá, pues en no pocas ocasiones el mito que orientó ciertas acciones y pronosticó ciertos resultados deviene fábula, es decir, historia falsa.
Refiriéndose al Consenso de Washington dice Erber:
Allá se fueron las listas de lavandería de las reformas institucionales a ser aplicadas en todas partes y así transformar Zambia en Suecia de un día para otro. Los “big bangs” perdieron su aura dorada. El hecho de que el mundo evolucionara de una forma tan diferente de cómo había sido predicho por la historia neoliberal prueba que no era un mito, sino una simple fábula [Erber (2012)].
¿Con cuántos de estos mitos devenidos fábulas hemos convivido en la “conflictiva y nunca acabada construcción del orden deseado”, como decía Norbert Lechner? Son incontables, pero un problema especialmente urticante en torno a ellos es que quienes los encarnan, en tanto articuladores de teoría e ideología, se las arreglan para cambiar de “lista de lavandería” sin perder su cualidad de detentores de la nueva verdad que sustituye a la anterior, dejando igual de angosto el espacio para la duda o la alternativa. Ejemplo de esto, también mencionado por Erber, fue el énfasis puesto durante décadas en la necesidad para los países subdesarrollados en general y para América Latina en particular de apostar todo en educación a la primaria, pues la educación superior tenía demasiadas desventajas, desde contribuir a una distribución regresiva del ingreso hasta tener carácter universitario cuando lo que se necesitaba sobre todo era formación técnico-operativa. Hoy el discurso es distinto: la formación universitaria se reconoce como importante y la enorme brecha que separa a la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE) del mundo en desarrollo en términos de acceso a educación superior es vista como un problema. Sin embargo, el haber fabulado por tanto tiempo acerca de cuáles eran las verdaderas prioridades en materia de política educativa no trajo modestia a los nuevos planteos. Educación universitaria sí, pero sin tolerancia para quienes la entienden como un bien público y buscan expandirla como vehículo privilegiado de la democratización del conocimiento…
La segunda forma en que Erber combina teoría e ideología que queremos mencionar tiene que ver con lo que llama “convenciones” sobre el desarrollo: “Conventions are sets of beliefs shared by a community for, among other purposes, problem-setting and problem-solving. They are a heuristic device for dealing with uncertainty” [Erber (2004, p. 37)].
In order to perform their roles in terms of problem-setting and problem-solving, conventions must be discriminating: “anything goes” is not a helpful convention. Therefore, conventions embody a set of criteria which specify a “positive agenda”, the set of problems which should be tackled and a set of solutions which should be used to solve such problems. The criteria also specify a “negative agenda”, problems which are not relevant and solutions to (relevant) problems which should be avoided. The importance of clear-cut criteria increases in the measure of the complexity of the set of problems to be solved [Erber (2004, p. 41)].
Parte de cada convención sobre el desarrollo se basa en aproximaciones teóricas y en posturas ideológicas; quizá, también, en una apreciación de lo que en cada período concreto es posible lograr en función de la situación política, nacional e internacional, y los intereses y sus poderes relativos en juego. Es así que las convenciones no permanecen inmutables a lo largo del tiempo sino que se transforman; se puede volver a alguna luego de haberse apartado mucho de ella. Erber ejemplifica con el caso brasileño la secuencia de convenciones desde la Segunda Guerra Mundial, poniendo particular atención al papel que en cada una de ellas se le atribuye a la innovación. Hubo una convención adosada al modelo desarrollista/industrialista cepalino clásico, cuya agenda positiva estaba marcada por una intervención importante del estado y una promoción intensiva de la inversión extranjera directa; la innovación vendría de su mano, con incrementos significativos de productividad dada la utilización de tecnología de última generación. La política industrial existió, así como la política sectorial, dirigida a crear sólidas bases de infraestructura pesada, aunque la innovación endógena no fue incluida. En los años 1970, la convención presentó algunos cambios, dentro de buena parte de las premisas anteriores. Uno de ellos tuvo que ver con la focalización de las políticas sectoriales, ahora volcadas a desarrollar industrias con alto contenido tecnológico y carácter estratégico por su pervasividad en el conjunto de las actividades económicas, fundamentalmente la microelectrónica y el procesamiento automático de datos. El otro aspecto tuvo que ver con la innovación endógena. A juzgar por la literatura sobre el peculiar proceso técnico-político de la informática brasileña, estos cambios en la convención, con su nueva agenda positiva –tener independencia tecnológica en un área clave– y la nueva agenda negativa –no permitir la perpetuación de la dependencia por falta de procesos de aprendizaje– tuvo una fuerte influencia de acontecimientos externos. En efecto, como indica Helena (1980), la opción por la reserva de mercado para la producción de minicomputadoras, ejemplo casi sin precedentes a nivel mundial, se debió a la negativa de las empresas internacionales de computación a transferir la tecnología asociada, a que las empresas mixtas pudieran tener proveedores tecnológicos diversos y a permitir la exportación desde Brasil. El punto a remarcar es que la promoción de la innovación endógena prevaleció, políticamente, frente a innumerables dificultades: la particular convención sobre el desarrollo que la hizo posible tuvo, del lado ideológico, una fuerte impronta nacionalista y un “imaginario tecnológico” positivo.
A esta convención siguió, de acuerdo con un canon mucho más general, la que Erber, junto con muchos, denomina neoliberal, guiada por el Consenso de Washington. En este caso, las agendas positiva y negativa se derivan claramente de las anteriores, pues propugnan básicamente su intercambio. En particular, la agenda negativa pasa a estar encabezada por un papel muy activo del estado en la promoción de ciertos sectores industriales. Como lo indica Erber, triunfó la postura de que computer chips y potato chips son exactamente lo mismo, con lo cual el énfasis anterior en los procesos de aprendizaje e innovación endógenos se debilitó notoriamente a nivel de la política, más allá de que del lado de la oferta –sobre todo formación de posgrado– siguiera habiendo inversiones muy importantes. La convención sobre el desarrollo volvió a cambiar con la conjunción de crisis internacional y las secuelas sociales y económicas de la anterior, a partir de la llegada al gobierno del Presidente Lula a comienzos de la primera década del siglo XXI. Otra vez, blancos y negros intercambiaron roles, aunque quizá no con tanta nitidez como en el pasaje a la convención neoliberal. Los grados de libertad de la política, en particular de la política tecnológica y de innovación, eran sensiblemente menores que antes, pues la privatización de empresas públicas, con la subsiguiente disminución de las actividades de investigación e innovación así como de sus encadenamientos con el conjunto de la academia y la industria nacional, implicaban un esfuerzo muy grande y original para estimular un sector industrial privado reacio a la innovación. Un cuidadoso análisis de este último período se encuentra en Erber (2008). Antes el autor [Erber (2004)] había sostenido que esta nueva convención debe incluir dos estrategias: incrementar el contenido tecnológico de las cadenas de producción ya existentes e incluir sectores que son los motores y los transmisores de la innovación, especialmente electrónica y bienes de capital.
Las convenciones sobre el desarrollo están vinculadas centralmente a la cuestión del cambio estructural [Erber (2012)]. Al aplicar el esquema analítico de las convenciones al caso concreto del Brasil, Erber presenta el entramado de las relaciones de poder, internas y externas, que hacen prevalecer, más allá de evidencias en contrario, ciertos enfoques cognitivos en los que, en cada caso, se apoya la acción referida a dicho cambio. Respecto a esto, Erber retoma una observación muy aguda: el poder es la capacidad de recusar informaciones [Deutsch (1966)]. Esta cuestión, qué informaciones seleccionan y utilizan los hacedores de políticas para diseñarlas, es tema fundamental que ni ha perdido vigencia con el alcance siempre mayor del conocimiento ni se plantea como problema particular del subdesarrollo, pues está presente en todas partes [Snoeck y Sutz (2010)] Esto suele resultar particularmente frustrante para quien –como Erber decía de sí mismo– actúa como académico, como asesor de políticas y, en ocasiones, como hacedor de políticas, siendo por lo tanto parte central de su trabajo el diálogo con otros; en efecto, la expresión del poder como recusación de información puede llevar a que la ideología dominante no permita captar las implicaciones de una teoría con sólido sustento fáctico y conceptual.
La necesidad de un enfoque sistémico de las políticas es otra idea-fuerza que una y otra vez aparece en los trabajos de Erber. Pero no cualquier tipo de políticas, de agendas, de visiones o, finalmente, de convenciones de desarrollo, requieren visiones sistémicas. En el trabajo de Erber y Cassiolato (1997), ya citado, se plantea la existencia de cuatro agendas principales en relación con los roles relativos del estado y del mercado y la pertinencia de las políticas sectoriales. En dos de estas agendas, la neoliberal radical y la neoliberal reformada, lo sistémico no juega papel significativo. La segunda coincide con la primera en la preeminencia de las políticas de estabilización a través del manejo de la macroeconomía, pero difiere de ella en el reconocimiento de que existen fallas de mercado referidas a cuestiones de importancia que sólo la acción del estado puede subsanar. Esta entrada del estado conduce a políticas selectivas y diferenciadas, dado que las fallas de mercado se expresan de formas diversas y afectan de forma distinta a distintos actores, deslizándose así hacia aspectos mesoeconómicos. Estos avances son sin embargo necesariamente limitados, pues su mayor ambición es ser temporarios y retirarse una vez que el mercado pueda superar la falla que llevó a la intervención pública. La dimensión sistémica es innecesaria, tanto en términos prácticos –las instituciones correctas que permiten la acción racional en los mercados no requieren formas externas de coordinación sistémica– como en términos teórico-ideológicos, dado el individualismo metodológico que inspira ambas agendas neoliberales.
La situación cambia cuando se pasa a las otras dos agendas, que los autores denominan neo-desarrollista y socialdemócrata. En la agenda neodesarrollista, basada teóricamente en las perspectivas evolucionistas y neoschumpeterianas y que entiende que las ventajas comparativas se construyen, el espacio del estado se ensancha. Las políticas industriales no son pensadas como un mal menor y temporario sino que son vistas como centrales para el desarrollo; la noción de soberanía nacional ocupa un lugar; se amplía el espectro de actores que participan en el proceso, incluyendo a la comunidad científica. La necesidad de coordinación se incrementa notablemente y el comportamiento sistémico pasa a ser un gran desafío. La complejidad de cada política conspira contra la articulación con otras; Erber reitera su preocupación, por ejemplo, por la dificultad para establecer sinergias entre las políticas industriales y las políticas tecnológicas que observa en Brasil. Pero más allá de hasta qué punto se logre configurar un sistema de actores, instituciones y acciones en torno a políticas de desarrollo industrial que actúe con eficiencia y permita a cada ámbito crecer haciendo crecer al conjunto, lo que está claro es que “crear sistema” es importante para esta agenda.
Llegan así los autores a la agenda más compleja y desafiante desde un punto de vista político y sistémico. La particularidad de la “agenda socialdemócrata” es que su centro de atención no está en la economía sino en la inclusión social. Esto no quiere decir, obviamente que la economía no importe ni que ciertos procesos con ella asociados puedan descuidarse: las políticas industriales están allí, así como las intervenciones a nivel micro y mesoeconómico. Pero además, si el norte es la inclusión social, muchas otras políticas entran a jugar: políticas de empleo, educativas, de provisión de bienes públicos de calidad, en particular de salud. Estas otras políticas requieren de la provisión eficiente de nuevos bienes y servicios, lo cual implica a su vez un nuevo norte para las políticas industriales. Como sabiamente indican los autores, “a capacidade constituída para atender estes objetivos provavelmente pode ser utilizada para outros fins, atendendo a outros mercados” [Erber y Cassiolato (1997, p. 37)]. Aquí, el funcionamiento sistémico, coordinado, con formas de cooperación y –¿por qué no?– solidaridad interinstitucional, es clave para los logros que se propone esta agenda. Si la agenda neodesarrollista amplió el conjunto de actores intervinientes, ello ocurre ahora en mayor medida, puesto que los usuarios de los nuevos bienes y servicios, casi no considerados antes, pasarán a tener un papel mucho más activo. Estos nuevos bienes y servicios requeridos por la inclusión social deberán ser provistos en buena medida por el estado; el déficit de la balanza comercial originado en la provisión de dichos bienes y servicios si fueran mayoritariamente importados puede ahogar la agenda; sólo políticas industriales, tecnológicas y de innovación, articuladas con las diversas políticas sociales, pueden plantearse producir esos bienes y servicios a partir de capacidades propias. Erber indica un ejemplo concreto de cómo esto podría ocurrir, planteando que un programa educativo muy ambicioso, Projeto TV-Escola, que se propone dotar a la red de escuelas públicas de aparatos de TV y antenas parabólicas, podría ser útilmente coordinado con una política industrial que proveyera a esa demanda. Las necesidades y demandas de la inclusión social tienen, además, rasgos marcadamente regionales o sectoriales: no alcanza ya con políticas centrales sino con otras que apoyen tomando en cuenta la enorme diversidad de lo específico. Para la “agenda socialdemócrata”, por lo tanto, construir sistema es imprescindible.
Esta es una manera especialmente valiosa de atender a la cuestión de los sistemas de innovación, en buena medida banalizada por el abuso del término. Los sistemas de innovación no serían así fines en sí mismos sino medios para lograr un conjunto de objetivos; su configuración en vez de relativamente autónoma sería contingente; los sistemas de innovación diferirían no sólo por razones asociadas con el pasado sino con el futuro que se quiere construir. Esta perspectiva abre nuevos caminos para seguir pensando el tema desde el Sur.
Por último, una idea central en el pensamiento de Fabio Erber tiene que ver con el papel de las nuevas tecnologías en el desarrollo. Los sectores que las abarcan no son un sector más: son –históricamente lo han sido en los países hoy desarrollados– motores del desarrollo. Las cosas que ya escribía en 1980 siguieron siendo válidas veinte años después, como lo mostraron varias investigaciones empíricas: la inversión directa extranjera no es un sustituto de la innovación endógena en tecnologías estratégicas si lo que se busca es la consolidación de capacidades propias. Si no fuera así, los derrames tecnológicos hacia el mercado interno de dicha inversión serían observables; varios trabajos muestran que ello no ocurre [ver, por ejemplo, Costa (2001)]. De la mano de esta idea vienen varias otras. Una es el papel imprescindible del estado a través de políticas diversas y articuladas, que van desde la formación de gente especializada hasta las oportunidades para que esa gente pueda actuar en la industria nacional a través de expedientes como la compra pública tecnológica y la exigencia a los inversores extranjeros de desarrollar proveedores locales en áreas intensivas en tecnología. Otra es la visión de apuesta a largo plazo, puesto que se trata de sectores con alto nivel de incertidumbre en términos del éxito técnico –y aún más, comercial– de las innovaciones, con el complejo desafío de encontrar espacios que permitan desarrollos propios, con necesidades de actualización científico-tecnológica que implican atender permanentemente a la formación y a la investigación más allá de los réditos inmediatos que éstas puedan tener.
Entender a ciertos sectores “de punta” de forma seria como motores de crecimiento implica introducir heterodoxia dentro de lo heterodoxo que ya es defender la necesidad de políticas sectoriales, aún hoy. Más incómodo aún para muchos es la pregunta, formulada en voz alta, como tantas veces lo hizo Fabio Erber, de por qué razón nuestros países no deberían proponerse tener industrias de tecnología de punta apoyadas por la política pública, como tienen todos los países desarrollados de hoy, algunos de los cuales empezaron ese camino muy recientemente y muchos de manera gradual, aunque sostenida. Decir una y otra vez, empecinadamente, que computer chips y potato chips no da lo mismo para el desarrollo, que hay opciones estratégicas en ese sentido a tomar por parte de la política pública como parte de una estrategia de desarrollo de largo plazo, que hay que apostar y seguir apostando, en un camino difícil que no promete que “los mañanas cantarán”, es una forma de decir que nos creemos capaces del desarrollo. Y eso es algo en lo que Fabio Erber, pese a todo su escepticismo, y nosotros, creemos profundamente.
3. Algunas Ideas de Fabio Erber y el trabajo en Uruguay
Cuando en la segunda mitad de los años 1980 se le presentó a la Fundación Volkswagen el proyecto “Uruguay: problemas y perspectivas del complejo electrónico en un país pequeño”, el único texto en apoyo al enfoque fue el que Erber publicó en World Development, en 1985, sobre el complejo electrónico en Brasil a partir de una investigación elaborada a pedido del BNDES. La cita refiere al papel que jugó el estado en el desarrollo de dicho complejo en todos los países altamente industrializados. Cabe señalar que aunque aún faltaban unos cuantos años para que el concepto “sistema sectorial de innovación” fuera acuñado, de hecho la forma de encarar el estudio del complejo electrónico en ambos casos hablaba de sistema sin explicitarlo. En el caso uruguayo el proyecto –que por cierto se llevó a cabo– constaba de cuatro sub-estudios: (i) la parte no endógena del complejo; (ii) el Estado y el complejo electrónico; (iii) la formación de recursos humanos; y (iv) el sector empresarial –oferta y demanda– en electrónica profesional y en software; además se analizaron las interacciones entre esos cuatro aspectos.
En el artículo de Erber se presentan algunas cifras particularmente elocuentes. Como comentario al pasar, más allá de todas las críticas que se le pudiera hacer a la política pública brasileña referida al complejo electrónico, desde el Uruguay mirábamos con envidia una característica modesta pero elocuente de las políticas serias: contar con información pormenorizada sobre el objeto de la política. Según datos de la Secretaría Especial de Informática (SEI) y del Instituto de Economía de la UFRJ, la proporción del valor de las computadoras producidas por empresas brasileñas en el parque computacional total fue del 19% en 1978 para el rango de máquinas más pequeñas; esta proporción se incrementó al 80% en 1982, pocos años después de la entrada en vigencia de la reserva de mercado para parte de dicha franja. Concomitantemente, la proporción del valor de las computadoras importadas en esa franja pasó entre dichos años del 83% al 19%. Esto, que en sí mismo puede ser interpretado, y de hecho así lo fue por parte de muchos, dentro y sobre todo fuera de Brasil, como el mero resultado una medida administrativa cuyos dolientes fueron los sufridos usuarios, debe complementarse con otras informaciones. Dejando de lado aquellas propiamente técnicas que refieren a las prestaciones de las máquinas, las referidas a la dotación de recursos humanos en las empresas y sus actividades resultan reveladoras. Vale la pena reproducir aquí el cuadro completo:
Tabla 1: Empleo de personal con formación universitaria por actividad en empresas subsidiarias de multinacionales y en empresas brasileñas de computación (%) en 1979 y 1981
Esta situación sobrevivió a la finalización de las políticas específicas dirigidas al complejo electrónico. En efecto, en estudios realizados a partir de la Investigación de Actividades Económicas Paulistas (PAEP) casi veinte años después, se mostró que la
participación de empresas innovadoras es mayor en los sectores basados en ciencia (especialmente los que pertenecen al complejo electrónico) […] Tomando la participación de los empleados en I+D en el total de personas empleadas como indicador de intensidad tecnológica se constata la misma jerarquía sectorial. Así, […] el comportamiento innovador de las empresas es parcialmente explicado por las oportunidades tecnológicas ofrecidas por la base técnica del sector en que actúan [Erber (2010, p. 35)]
Para el Uruguay, esto mostraba que la política sectorial podía abrir oportunidades que se sostuvieran en el tiempo para producir cambios estructurales en la matriz productiva, siendo uno de dichos cambios la absorción de personal calificado y el tipo de actividad que dicho personal realiza. Las oportunidades por cierto no eran las mismas que en Brasil: la diferencia abismal de tamaño hacía obvia esta observación. Pero sea que se sustituyan importaciones de computadoras o, como en el caso uruguayo, se diseñen y fabriquen centrales télex digitales de pequeño porte y crecimiento modular así como múltiples ejemplos de “sastrería electrónica a medida” para el conjunto de las actividades económicas, el punto es que el complejo electrónico permite innovar en el sentido más lato del término: resolver problemas. Los problemas pueden derivarse de un déficit comercial insostenible a partir de una política social decidida: eso ocurrió con la política inclusiva de salud de Brasil en 2010 [Maldonado (2011)], donde el equipamiento médico, parte del complejo electrónico, daba cuenta de más del 20% de dicho déficit. Los problemas pueden derivarse de las diferencias en las condiciones de producción, que hacen que la oferta importada a menudo ofrezca a precios muy altos prestaciones innecesarias al tiempo que carece de otras importantes para el medio local. La idea-fuerza de usar al mercado interno como un recurso nacional, en especial, como un recurso fundamental que provee oportunidades para el aprendizaje, iluminó una investigación uruguaya cuyos resultados [Snoeck, Sutz y Vigorito (1992; 1993)] así lo reconocen.
Fabio Erber, claramente, estuvo siempre a favor de las políticas sectoriales. Lo indica a título expreso en su análisis de la política de proyectos de desarrollo “under financial domination” entre 2003 y 2007 durante el primer gobierno Lula, en la nota a pie 12 dice:
I must declare an interest: I was part of the group which prepared the PITCE (Plan de Innovación, Tecnología y Comercio Exterior) and was responsable for its implementation at the National Development Bank during 2003/4. Moreover, I am unashamedly sector-oriented as far as industrial policies go [Erber (2008, p. 604)].
Una justificación de las razones que fundamentan la importancia que le atribuía a la política sectorial activa se encuentra en la presentación del libro que contiene catorce capítulos referidos a las políticas sectoriales del BNDES, escrito para conmemorar los cincuenta años del banco.
A dimensão setorial cumpre também uma função explicativa da dinâmica econômica: os diversos setores em que as empresas atuam apresentam oportunidades distintas de introduzir inovações e têm padrões de inovação dados por “paradigmas” tecnológicos, imprimindo cumulatividade às distintas trajetórias setoriais. Assim, a composição setorial da estrutura produtiva é um determinante de dinâmica interna e de sua inserção internacional [Erber (2002, p. 3)].
Tener políticas sectoriales requiere, antes, tener políticas industriales. En Uruguay no hubo política industrial por mucho tiempo hasta que recientemente la situación cambió y una activa serie de medidas, que incluyen consejos sectoriales con participación gobierno-empresas-trabajadores, comenzó a delinearlas. De su mano también vino la negociación con la inversión directa extranjera para que la industria nacional en el sector a la que dicha inversión llega tenga espacios de aprendizaje y de crecimiento al integrarse a sus cadenas de valor, propuesta ésta particularmente cara a Erber. En sus análisis retrospectivos, más de una vez Erber da cuenta de las discusiones político-académico-ideológicas entre los espacios de la política industrial y tecnológica y los espacios de la política económica y monetaria en Brasil, los segundos nunca demasiado convencidos de la importancia de los primeros. Incluso un banco tan comprometido con el apoyo a las políticas sectoriales como el BNDES tenía esas discusiones a su interior. Nada distinto pasa en Uruguay, pero lo cierto es que hay razones concretas para un moderado optimismo sectorial.
La conjunción de un importante impulso a la política industrial de carácter sectorial con la comprobación de que en Uruguay las dos terceras partes del total de empresas no innova y, más aún, que los instrumentos más recientes diseñados para impulsar la innovación empresarial han sido ampliamente subutilizados, llevó a la Dirección Nacional de Industrias, a la Cámara de Industrias del Uruguay y a la Universidad de la República a realizar una investigación conjunta para entender mejor las demandas tecnológicas y de innovación de tres sectores: alimentos, plásticos y metalmecánica. El resultado fue sorprendente para quienes buscaban deman das que la actual política no satisfacía: tales demandas eran prácticamente inexistentes. Las empresas se manejaban, esquemáticamente, con una ecuación del siguiente tipo: innovación y tecnología es idéntico a compra de maquinaria; qué comprar ya sabemos, pues internet asegura estar al día; lo que falta es préstamos blandos para efectivizar la compra. Esto es coincidente con lo que dicen las encuestas de innovación en la industria uruguaya, a saber que casi el 70% de la inversión en innovación se destina a compra de maquinaria y equipo. Pensamos que a Fabio Erber le habría gustado lo que vino a continuación: doblar la apuesta y concebir un instrumento de política industrial que ayudara a que las empresas identificaran al conocimiento, incluyendo el que se expresa en maquinaria pero no solamente, como aliado de su productividad y competitividad. El instrumento se llama Centro de Extensionismo Industrial; lo que busca es
disponer de una herramienta de política industrial que, mediante una gestión integrada de carácter interinstitucional Academia-Industria-Estado, estimule sistemáticamente la expresión de demandas tecnológicas y de innovación de las empresas uruguayas y su articulación con las capacidades del Sistema Nacional de Innovación [DNI, Dirección Nacional de Industrias, Uruguay (2013)].
Tenemos esperanzas de que se concrete y empiece a funcionar en 2013.
Lo antedicho se inserta en la preocupación general que Erber manifestaba ante la escasa complejidad y el inmediatismo de las demandas que las empresas le plantean a las universidades, las cuales se ven empujadas a aceptar dichas demandas tanto por razones económicas como por presión ideológica (las que saben lo que hace falta son las empresas, se ha invertido ya demasiado en ciencia y es hora de darle mayor prioridad a la tecnología, etc.) Pero, como bien señala Erber, esta dinámica es peligrosa en términos de creación de conocimientos, implicando también una muy mala asignación de recursos especializados [Erber (2000)]. El problema es que no parece fácil romper el círculo vicioso por el cual (i) una estructura productiva compuesta por sectores y empresas que demandan poco conocimiento resulta (ii) poco capaz de aprovechar los esfuerzos nacionales por crear una infraestructura de producción de conocimientos aceptable, haciendo (iii) que esta última se deslegitime y reciba menos presupuesto, empujando a parte de ella (iv) a actuar como consultora de nivel medio a bajo con lo cual no genera al ritmo necesario conocimiento avanzado y, sobre todo, gente muy bien formada, resultando además que (v) los que sí están muy bien formados tienden o bien a quedarse en la academia o a emigrar.
El círculo vicioso recién esbozado contribuye a que la estructura productiva no cambie y, además, perjudica a instituciones que podrían estar haciendo bien su trabajo. Además, la insistencia, tanto por parte de gobiernos como de empresas, por no mencionar organismos internacionales, en que son las universidades sus responsables últimas, no ha hecho avanzar las cosas. La pregunta, tantas veces implícitamente hecha, de por dónde empezar a romper el círculo vicioso, podría contestarse tentativamente a partir de una demanda importante y sostenida de conocimiento con amplia legitimidad social. Esa demanda existe: es la que se deriva de las políticas de salud, de vivienda, de saneamiento, de nutrición; en general, de las políticas sociales. Es una demanda que, en sociedades verdaderamente democráticas, exige respuestas de calidad, entendiendo por tales no sólo que tengan prestaciones de alto nivel sino que sean operativas en contextos específicos y eventualmente marcadamente diferenciados. Dicho sintéticamente: políticas de innovación entendidas también como políticas sociales estimulando la oferta; políticas sociales entendidas también como políticas de innovación del lado de la demanda. Y satisfaciendo esa demanda, empresas nacionales innovando bajo el paraguas de políticas de compra pública tecnológica, exigentes y sostenidas en el tiempo. Un esquema de este tipo se propone en Arocena y Sutz (2010); tiene afinidad con la “agenda socialdemócrata” planteada por Erber y Cassiolato.
En ese marco conceptual se está llevando a cabo en la Universidad de la República una iniciativa compleja y de largo aliento que –estamos se- guros– habría entusiasmado a Fabio tanto como nos esperanza a nosotros.
Estimular la oferta de innovaciones dirigidas a la inclusión social está lejos de ser simple, en primer lugar porque llegar a expresar las necesidades asociadas con la inclusión social en términos de innovación es difícil. Un paso en esa dirección es procurar que las agendas de investigación universitarias incorporen problemas de inclusión social a cuya resolución puede colaborar el nuevo conocimiento adquirido. Para que eso ocurra hay que convocar, legitimar, contrarrestar formas rígidamente cuantitativas de evaluación académica, financiar, difundir resultados, colaborar a la articulación de actores muy dispares. A eso apunta un programa específico en la Universidad de la República, “Investigación e innovación orientadas a la inclusión social”. La experiencia de varias ediciones muestra tanto dificultades como aprendizajes y, también, algunos logros [Alzugaray, Mederos e Sutz (2012)]. Vale la pena subrayar aquí que dicho programa intenta formar parte de una nueva manera de entender las políticas de conocimiento para el desarrollo, insertas en una ampliación de la matriz productiva a través de una nueva especialización: la innovación para la inclusión social.
La cuestión más general en la que las experiencias uruguayas mencionadas se insertan es la del desarrollo. Muchos, por supuesto Erber incluido, damos por verdad aceptada que desarrollo no es idéntico a crecimiento; el consenso se debilita si además se agrega que desarrollo tampoco es convergencia estructural o catching-up. En la sección siguiente, concluyendo este trabajo, esbozamos una reflexión sobre el desarrollo en nuestra región.
4. Desarrollo y Democratización del Conocimiento
Durante la primera década de este siglo, la convención sobre el desarrollo –en el sentido de Erber– volvió a cambiar, no sólo en Brasil sino en gran parte de Sudamérica. La crisis, que particularmente en Argentina y Uruguay alcanzó niveles dramáticos, erosionó al neoliberalismo y abrió el camino a gobiernos de otro signo los cuales, a favor de la más bien inesperada bonanza que generó el alza de la demanda externa de commodities, practicaron activas políticas sociales.
Tales políticas fueron un factor mayor en un proceso también inusual y muy alentador, la disminución de la desigualdad en gran parte de América Latina. Arriba, al glosar algunos de los trabajos a los que Erber contribuyó, anotamos cuatro agendas que cabría distinguir en relación a los roles respectivos de estado y mercado: neoliberal radical, neoliberal reformada, neo-desarrollista y socialdemócrata. Parecería que esta última, cuya atención se centra en la inclusión social, empezaba a afirmarse en nuestra región al inicio de un nuevo siglo. ¿Cuáles son sus perspectivas a mediano y largo plazo?
No especularemos acerca de si la alta demanda externa de commodities se debilitará sustantivamente, configurándose así otro “vaivén” en la historia económica de América Latina [Bértola y Ocampo (2010)], o si se afirmará como tendencia de largo plazo, sostenida por la dinámica de producción y consumo de los grandes países de Asia. Sólo haremos observaciones breves sobre la modalidad predominante en nuestra región de crecimiento con redistribución.
Los hechos (muy) estilizados pueden ser descritos como una tensión negociada entre los grandes empresarios y los gobiernos progresistas. Los primeros constituyen el motor fundamental del crecimiento económico, a menudo mediante la inversión extranjera, que tiene su cimiento en la explotación de los recursos naturales, con renovado énfasis en lo extractivo. Los gobiernos progresistas por un lado –impulsados por sus apoyos sindicales y movimientos ecologistas– ponen ciertos límites ambientales y de derechos laborales a ese tipo de crecimiento; por otro lado, promueven la redistribución del excedente generado, mediante impuestos que financian activas políticas sociales y también respaldando las negociaciones entre empresarios y sindicatos. Si los márgenes de redistribución posibilitan mejoras en las condiciones de vida de los sectores más postergados que éstos aprecian y se incrementa la capacidad de consumo de las grandes mayorías –aspecto fundamental de la legitimidad gubernamental en buena parte del mundo de hoy–, los gobiernos están en condiciones favorables para seguir ganando elecciones. En tal caso pueden asegurar ciertaestabilidad en el “clima de negocios”, que incluye una conflictividad relativamente limitada. Si ello es así, el empresariado tiene posibilidades de obtener o anticipar ganancias que lo induzcan a ampliar sus inversiones.
En esa tensión negociada, la suma algebraica de ganancias y pérdidas para gobiernos y empresarios –unas y otras inevitables– puede resultar positiva para ambos. Grosso modo, hasta ahora parece haberlo sido. Quizás en Argentina esté dejando de serlo. El balance se torna negativo para los gobiernos cuando pierden las elecciones, lo cual puede o no ser positivo para (distintos sectores de) el empresariado, dependiendo en buena medida del grado de inestabilidad resultante y de la agitación social consiguiente. En general, el balance depende tanto de condiciones “de borde” o externas –la demanda internacional de los bienes y servicios que producimos, la disponibilidad de fondos, la existencia de otras oportunidades de inversión, etc.–como de condiciones internas, que incluyen algunas muy específicas, por ejemplo las capacidades de los empresarios en tanto tales, las capacidades de conducción de los elencos políticos y también las (in)capacidades de los elencos que se candidatean a relevarlos.
Lo anterior tiene un carácter más bien estático. En términos dinámicos, es probable que el funcionamiento mismo del modelo de crecimiento con redistribución tienda a alterar las condiciones favorables que lo posibilitaron, como suele suceder con las políticas exitosas. Las soluciones más o menos parciales a ciertos problemas agudos cambian las prioridades, las expectativas y aún la naturaleza de los problemas remanentes. En Uruguay por ejemplo en 2002 el principal problema para la gente era el desempleo, que se acercaba al 20%, pero hoy, cuando ha bajado al 6%, preocupan sobre todo la inseguridad o la calidad de la educación; tras una década de inédito crecimiento, acompañado de baja significativa de la pobreza y aún de la marginalidad, se espera seguir ampliando las posibilidades de consumo; más difícil se hace la incorporación del núcleo persistente de la marginalidad a la formación y a la ocupación de cierta calidad.
Las dinámicas que cambian las condiciones de funcionamiento son las de la propia región, pero también y especialmente las del mundo en general, donde se afirma el peso de las formas de “economía basada en el conocimiento y motorizada por la innovación” [De La Motte y Paquet (1996)], y por consiguientes las desventajas comparativas de las economías que sólo en medida muy limitada o refleja son susceptibles de tal caracterización. Erber afirmaba que la nueva convención para el desarrollo debe incrementar el contenido tecnológico de las cadenas de producción ya existentes e impulsar sectores inexistentes o apenas incipientes que son los principales motores y transmisores de la innovación. En otras palabras, se trata del problema de convertir el crecimiento económico en desarrollo económico, que por cierto no aparece recién ahora pero que se plantea de manera diferente a la de antes cuando la cuestión decisiva ha llegado a ser la incorporación de conocimiento avanzado y altas calificaciones al conjunto de la producción de bienes y servicios. A su vez, esta cuestión no se plantea de la misma manera en los países del Norte que en las diversas regiones del Sur, por lo cual tanto la teorización como las políticas deben prestar especial atención a la especificidad de la condición periférica, lección de los pioneros del pensamiento latinoamericano sobre el desarrollo que tiene más vigencia que nunca.
Por ejemplo, una manifestación de la condición periférica que se registra en muchas partes la constituye la débil demanda solvente de conocimientos endógenamente generados; por consiguiente, los mecanismos del mercado por sí solos no inducen la generación de nuevos conocimientos y ni siquiera llevan a aprovechar la débil oferta existente, lo que hace particularmente difícil mantenerla. En relación al Uruguay, ya se hizo referencia a esta cuestión al mencionar los estudios y los propósitos que respaldan una acción modesta pero concreta, la creación del Centro de Extensionismo Industrial. Por cierto, se ha propuesto incorporar al movimiento sindical al conjunto de actores vinculados con dicha acción.
En la medida en que las interrogantes planteadas tienen que ver con las perspectivas de la así llamada “agenda socialdemócrata”, no es quizás ocioso recordar que sus mayores logros en Europa estuvieron vinculados a una negociación a menudo tensionada pero enmarcada en ciertos acuerdos de largo plazo –entre el estado, el empresariado y el sindicalismo– que explícitamente apuntaba al desarrollo económico combinado con políticas sociales de amplio espectro y expansivas. Ahora bien, tal agenda difícilmente pueda encararse hoy o mañana en Sudamérica como ayer en Escandinavia, no sólo por las especificidades de la condición periférica sino también porque el tipo de crecimiento económico prevaleciente y el nuevo papel del conocimiento están configurando tendencias a la desigualdad que parecen más fuertes que las de hace medio siglo y también bastante distintas.
En China, uno de los procesos de crecimiento más extraordinarios de la historia está siendo configurado por una inesperada conjunción del gran capital globalizado con un gobierno autoritario generado por una revolución comunista. La expansión de la producción parece ir de la mano con un poderoso intento de fomentar la generación de conocimientos e innovación; sin ninguna duda, la acompañan llamativos niveles de corrupción, contaminación y desigualdad. Respecto a esta última, los datos varían, pero ciertas fuentes indican que en pocos años el índice de Gini habría pasado de algo más de 0,4 a más de 0,6 lo cual no necesita comentarios [Hu (2012)].
El gran problema es que no sólo la economía tiende a basarse en el conocimiento: afirma Tilly (2005, p. 123) que la desigualdad basada en el conocimiento prevalece en el mundo de hoy. Un ejemplo claro de ello lo proporciona el acceso diferencial a la Educación Superior, la cual en términos generales ofrece perspectivas de ingresos e influencia considerablemente superiores a las que tienen por delante quienes no consiguen formación de ese nivel. Combatir la desigualdad en este terreno pasa por la generalización de la Educación Superior, clave mayor de la democratización del conocimiento.
Otro ejemplo de desigualdad inducida por el conocimiento lo constituye la incidencia diferencial en la conformación de la agenda de investigación e innovación, Como se sabe, esa agenda en el área de la salud está concentrada en la problemática prioritaria para la minoría más acaudalada de la población mundial. En general la generación de conocimientos está orientada por los intereses económicos de las grandes empresas, y también por los intereses militares de los estados más fuertes. Todo esto sucede no sólo porque tales actores disponen de más poder sino también porque disponen de más conocimiento. En semejante contexto las políticas de innovación prevalecientes tienden a fortalecer a quienes ya son más fuertes. En este caso la democratización del conocimiento puede ilustrarse mediante una gama emergente de políticas de innovación directamente vinculadas a la problemática social y aún al protagonismo de los directamente involucrados [Arocena y Sutz (2012a; 2012b)], pequeño ejemplo de lo cual lo ofrece otra acción ensayada en Uruguay y antes comentada, el Programa de Investigación e Innovación orientadas a la Inclusión Social.
Simplificando mucho las cosas, cabe sugerir que una “agenda socialdemócrata” puede implementarse en ciertos casos, según lo ilustra Noruega en relación al petróleo, mediante una redistribución de beneficios relativamente equitativa aún para quienes nada tienen que ver con el recurso que genera tales beneficios. Pero ello es mucho más difícil cuando el recurso es el conocimiento: en tal caso, el incremento del “demo beneficio” es cada vez más difícil de separar de la expansión del “demo poder”.
En suma, aún en circunstancias favorables, parece dudoso que el crecimiento con redistribución que vive nuestra región pueda afirmarse sin democratización del conocimiento. Nos hubiera gustado someter estas reflexiones tan primarias a la crítica aguda y cordial de Fabio Erber.
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Innovation under the sway of financialization:...
1. Introduction
The United States is the keystone of the world capitalist system and Wall Street is with the City the headquarters of finance. It is also the main,...Resumo
Os Estados Unidos ainda têm a base de P&D mais robusta do mundo e gozam de uma clara liderança em tecnologias militares. Google, Apple e Microsoft detêm o controle quase total do fluxo global de informações. Por trás dessa situação, no entanto, o trabalho feito por brilhantes pesquisadores americanos levanta questões importantes relacionadas, notadamente, aos efeitos da financeirização, muitas vezes desconsiderados em outras partes do mundo. Este artigo analisa a nova fase do debate nos Estados Unidos. Em parte, é a continuação de um trabalho anterior sobre a inovação no regime de crescimento dominado pelas finanças, que se instalou a partir do fim dos anos 1980. Foi escrito recordando conversas com Fabio que percorriam um e outro assunto.
Innovation under the sway of financialization: a few selected US issues
François Chesnais, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
The US still has the strongest R&D base in the world and enjoys clear leadership in military technologies. Google, Apple and Microsoft have a near to total global control of information flows. Behind this situation, however, the work done by lucid US researchers raise important issues, related notably to the effects of financialization which are often overlooked elsewhere in the world. This paper examines the new phase in the US debate. It is partly a follow-up to a previous work on innovation in the finance-dominated growth regime, which set in from the late 1980s onwards. It has been written with the memory of conversations with Fabio which would go from one subject to another.
1. Introduction
The United States is the keystone of the world capitalist system and Wall Street is with the City the headquarters of finance. It is also the main, if not the only Western country in which a broad public debate, highly polemical at times, has been going on for over twenty years about the relationships between science, technology and innovation and the main institutions of capitalism, government, corporations, finance and universities. In terms of the number of economists, scientists and political scientists participating in the debate and the number of issues broached, there is no equivalent in Europe. The debate started with the irruption of Japanese products and direct investment in the US domestic market at the end of the 1980s. Some years later it rebounded when the process of financialization, notably in its dimensions of corporate governance and shareholder value maximization, began to have an impact on Research and Development (R&D) and innovation-related investment. In the 1990s the extension of patenting to living organisms and to university research more generally, deemed necessary for industrial corporations, gave rise to a further parallel debate on their likely long-term effects on the “Scientific Commons” and so on the vitality of research1 not only in the USA, but also elsewhere. Since 2005 or so, number of papers and essays by US academics, besides several government or quasi-government reports, have given a new impetus to this debate. The reasons for the vivacity of the US debate are not hard to understand. From the Second World War onwards, the US’s leadership in science and technology was one of the main pillars, if not the most important one, of its hegemony, first within the non-Communist world and then, after 1990, in the global economy and political society.
This paper examines the new phase in the US debate. It is partly a follow-up to previous work on innovation in the finance-dominated growth regime, which set in from the late 1980s onwards, in particular to the contribution written for the 2000 RedeSist-UFRJ conference with Catherine Sauviat on the particularities of the US system, notably its unique venture capital market [Chesnais and Sauviat (2003)].2 The status of the paper is that of an essay. It has been written with the memory of conversations with Fabio which would go from one subject to another. I had first met Fabio at the March 1986 Venice Conference on Innovation Diffusion and later in Rio or in Paris had many discussions with him over a coffee or a glass of wine.
In this essay then, I will start by rapidly explaining how what started as na essentially US-specific finance-dominated growth regime has led to financialization as a historical world epoch. The following sections (second to sixth) pursue the first argument. I start by summarizing some recent provocative arguments put forward again by Robert Gordon in an academic paper [Gordon (2012)], and also by Tyler Cowen for a wider audience [Cowen (2011)]. Both authors examine a number of broad factors that could explain why the US has experienced a falling rate of innovation and certainly a diminishing impact of innovation on growth. Several factors discussed by them concern other Organization for Economic Co-operation and Development (OECD) economies and some could begin to be relevant in countries belonging to the BRICS (Brazil, Russia, India, China and South Africa). The policy responses given by the US Federal Administration, despite an underlying implicit recognition of the factors at work, will then be presented in the third section and their timidity shown. I will then return, in the fourth section, to a major issue discussed in the 2000 paper pertaining to the effects of the 1980 Bayh-Dole Act on university research since it remains very topical in the US debate on its weakening competitiveness in science and technology. The performance of the venture capital market after the 2001 crash on NASDAQ will then be examined in the fifth section. Finally, in the sixth section, I look at some of the evidence concerning the scale and effects of offshoring and outsourcing of R&D by US corporations under the regime of shareholder value maximization. In the seventh section, I turn to the infinitely more important issue of global warming.
2. Financialization, a many-faceted phenomenon
In the 2003 paper written with Catherine Sauviat, the notion of the setting-in of a “finance-dominated accumulation regime” structured our research. Four main features received particular stress: a jump in the degree of direct subordination of the State to capital; the shareholder control of investment-related decisions; a global competitive regime dominated by transnational corporations (TNCs); and finance-dominated patterns of income distribution [Chesnais and Sauviat (2003)]. The question was also examined whether there were factors in the technological base which could be providing an essentially predatory financial regime an element of sustainability over a certain period. At the time, the notion of an accumulation or growth regime dominated by financial investors and financial markets was only really held by the French École de la régulation and a few Anglo-Saxon industrial economists such as Mary O’Sullivan and William Lazonick (2000). Over the last seven or eight years this has changed. Particularly since 2008, the notion of financialization has attracted considerable attention and been an object of much more research than before.
Many definitions of financialization have been given. Gerald Epstein has offered a list [Epstein (2005)]. It includes uses of the term to mean (1) the ascendancy of ‘shareholder value’ as a mode of corporate governance (this is shared by Marxist and non-Marxist left-wing economists alike [O’Sullivan and Lazonick (2000); Deeg and O’Sullivan (2009)]; (2) the explosion of financial trading with a myriad of new financial instruments; (3) the huge political and economic power of the financial elite or oligarchy [Palley (2007)], and as proposed by Epstein himself more broadly (4) the increasing role of financial motives, financial markets, financial actors and financial institutions in the operation of the domestic and international economies. The last definition listed by Epstein is that (5) of a pattern of accumulation in which profit making occurs increasingly through financial channels rather than through trade and commodity production. This is contradicted both by theory and facts. What is commonly named “wealth” (value and surplus in the Marxist terminology) can only be created through the production and successful commercialization of godos and services. When financial investors – banks and investment funds succeed in building a hold on economic activity, a very large part of this wealth is channeled to financial markets in the form of interest on loans to governments, firms and households and of dividend. These markets are the theatre of intense competition on the part of banks and their traders and of fund managers to object of which (even if this is not understood by participants or most observers) is to get as big as possible share of the total flow of interest and dividend. The outcome of this competition (which requires an important dose of collusion, as an unending list of major “scandals,” not least the rigging of the Libor, has shown) appears in the balance sheets of financial corporations as profits. But these are fictitious profits.3 Financial markets do not create value and surplus, but only organize na unceasing series of risk shifting and redistributing operations.
In a filiation with Marx and Hilferding, my own definition of financialization is that of an economic and political configuration or indeed as an epoch, in which the extremely high centralization and concentration both of money capital and industrial capital, along with an increasingly dense intermeshing between the two, have placed accumulation and extended reproduction under the sway of the organizations that embody what Marx names interest-bearing capital. This is capital in the form of stock and bonds (e.g. fictitious capital from the point of view of real investment), which is bent on rent-like or rent-related appropriation as much as on value and surplus-creation. This configuration is conducive to extremely high degrees of income and wealth distribution (the gap between the 1% and the 99%). It is founded on three pillars: the servicing of government debt (and to a lesser degree now of household debt) and so of wealth channeled directly to banks and funds; an ever more diversified range of methods of predatory surplus appropriation developed by TNCs for the benefit of their shareholders and the unabated exploitation of the Planet’s non-renewable resources by mining and agro-industrial corporations, whatever the consequences.
After falling a little during two years, the data shows that interest and dividend-earning capital has succeeded in “decoupling” itself from real accumulation [with world Gross Domestic Product (GDP) growth taken as a proxy] and even to regain the ground lost during 2008-2009. In its 2011 survey of financial assets, the McKinsey Global Institute considers that while the “2008 financial crisis and worldwide recession had halted a three-decade expansion of global capital and banking markets, growth has resumed, fueled by expansion in developing economies, in addition to a $ 4.4 trillion increase in sovereign debt” [McKinsey Global Institute (2011, p. 3)]. The diversification and intensification of predatory surplus appropriation by TNCs led the 2011 edition of the UNCTAD annual report to focus on what it names “non-equity modes of international production.” These are said to
include contract manufacturing, services outsourcing, contract farming, franchising, licensing, management contracts and other types of contractual relationships through which TNCs coordinate activities in their global value chains (GVCs) and influence the management of host-country firms without owning an equity stake in those firms [UNCTAD (2011, chapter 3)].
The relationships between banks and investment funds and oil, mining and agro-industrial corporations are extremely close. On the London Stock Exchange oil, mining and banking head the listing and are the market’s main support. Fighting global warming is not their priority and governments eventually ready to do so will not, to say the least have their support.
3. Faltering Innovation and the Hypotesis of a “Technological Plateau”
I now come to the main strand in this essay, namely that if the hypothesis of a “technological plateau” is accepted then financialization, in the case of the United States at least, is aggravating its possible consequences. The pieces written by Robert Gordon and Tyler Cowen on the possible faltering of innovation and certainly its weakening effect on growth have provoked a lot of debate. If they had been written by Europeans they would have been brushed aside as mere expressions of “euro-pessimism.” They voice concerns which are largely shared by a part of the US scientific community and of the stable non-partisan part of the Washington government structures, revealing issues about which pessimism is shared by both sides of the Atlantic. Given the US’s previous excellence in technology and the central place it still largely occupies in the world economy they are the object of concern for those who look for US leadership.4 Gordon challenges the doxa dating back to Solow’s work in the 1950s on growth as continuous process that could persist forever [Gordon (2012)].5 His arguments are also in sharp contrast with the expectations of a new Great Technological Surge based on IT as defended by Perez (2007).
Gordon’s approach starts with a distinction between major inventions amounting to industrial revolutions and the subsequent “incremental improvements which ultimately tap the full potential of the initial invention” [Gordon (2012, p. 2)]. He reserves the term innovation for the second. Coming back to a thesis that he first presented in 2000, Gordon argues that following the first two industrial revolutions (that of the late 18th and first half of the 19th spread over eighty years and the shorter in time one of the late 19th century), the incremental innovation follow-up process lasted at least 100 years the second overlapping with the first. His most central point is the “once and for all” character of the major technological changes: “Taking the inventions and their follow-up improvements together, many of these processes could happen only once. Notable examples are speed of travel, temperature of interior space, and urbanization itself.” Gordon numbers three “industrial revolutions,” while Carlota Perez counts five which she names “technological.” The two agree in their identification of the computer and Internet revolution as being the latest one. However, while Perez sees a huge potential for growth from IT and views the surge as still having to come, Gordon considers that the IT-based industrial revolution is largely over. He had already argued in his first paper that the increase in productivity growth outside the ICT industries did not exceed 0.4 per cent per annum in the late 1990s. Moreover, it was confined to durables. In services and in non-manufacturing industry, there had been either stagnation or decline in total factor productivity. In his paper for the 2000 RedeSist conference, Christopher Freeman noted that for Gordon “the new paradigm story for the US economy has been greatly exaggerated” [Freeman (2003, p. 1)]. Gordon is still more certain of this than in 2000. The IT-based industrial revolution
began around 1960 and reached its climax in the dot.com era of the late 1990s, but its main impact on productivity has withered away in the past eight years. Many of the inventions that replaced tedious and repetitive clerical labor by computers happened a long time ago, in the 1970s and 1980s. Invention since 2000 has centered on entertainment and communication devices that are smaller, smarter, and more capable, but do not fundamentally change labor productivity or the standard of living in the way that electric light, motor cars, or indoor plumbing changed it (2012, p. 2).
Gordon also stresses the large number of labor-saving improvements made possible by electronics long before the invention and diffusion of the Internet in the late 1990s.
Tyler Cowen shares by and large Gordon’s assessment of IT and the Internet. He considers that while the Internet has been fantastic for the intellectually curious, its direct employment effects are very weak and it has done little to raise material standards of living. According to Cowen (2011), we have a collective historical memory that technological progress brings a big and predictable stream of revenue growth across most of the economy, but, when it comes to the Web, those assumptions are turning out to be wrong or misleading. Both authors consider factors which drove economic growth for most of America’s history are to a large extent spent. Cowen uses the expression “technological plateau” and points to the “low-hanging fruit” which made rapid growth easy, including the cultivation of much previously unused land; the application and spread of what he views much like Gordon as “once and for all” technological breakthroughs, notably electricity, mass communications, refrigeration and sanitation and finally mass education.
In emerging or developing countries, including, in this respect, BRICS with the traits of underdevelopment which linger on with differing degrees of acuity, the diffusion process fed by Gordon’s last two industrial revolutions is not over. Nor has the growth potential of mass education really begun to taped save in China. In this respect, they can still enjoy a part of the low-hanging fruit on condition that the appropriate economic and social conditions are created. For some BRICS, new intensive uses of land represent a transitory low-hanging fruit, the exploitation of which, under the sway of the most strongly rentier segments of financial capital, serves to delay the creation of such conditions.
4. US Policy respondes to declining innovation under the influence of finance
Gordon and Cowen voice concerns which are shared by the stable non-partisan segments of US government. Government or quasi-government reports recently published contain related figures on R&D expenditures which have implications for US’s leadership in science and technology. On the face of things the situation seems satisfactory (most OECD countries would be triumphal about them!). The 2012 edition of the National Science Foundation’s Science and Engineering Statistics reports that “over the last five years (2004-2009), annual growth in US R&D spending averaged 5.8%, compared to annual average growth of 3.3% for US GDP.” It immediately adds that “indeed, over the last several decades, average annual growth in R&D spending has substantially outpaced that of GDP.” This implies the absence of a positive relationship between. The report does not offer any explanation. Besides the long-recognized difficulties stemming from the reporting of their R&D by firm, the lack of positive relationship could reflect the lack of investment opportunities in a phase dominated by financial devices for supporting the single housing market. Further explanations arise from the analysis in later sections. It also reports that development is by far the largest component of US R&D, that business sector funding of basic research in university labs “declined steeply after the 1990s” leaving the federal government do all the funding. A point of concern on the part of the NSF is that “academic R&D has also long been concentrated in just a few S&E fields. For decades, more than half of all academic R&D spending has been in the life sciences” [National Science Foundation (2012, chapter 5)]. The highest representatives of the scientific community have repeatedly expressed their anxieties about changing corporate innovation-investment-related priorities in the context of globalization and called for increased federal funding of basic research and scientific education. In 2005, the US National Academy of Sciences, the US National Academy of Engineering and the Institute of Medicine published report entitled “Rising above the Gathering Storm.”6 In a 2010 update, the gathering storm was said to be approaching “force category 5.” Despite the reference to the hurricane, the report is not about the threats of climate change or about the pursuit of scientific endeavor in the general interest. Very prosaically, it calls for increased spending to offset the fall in US competitiveness in not only science as measured by scientific publications, but also patenting by US corporations. It pleads for long-term investment in science (a ten per cent annual increase in federal funding of basic scientific research for seven years) and in scientific and technical education and points to the different ways in which commitments to increased federal support were not met even before 2008. The key question of the subordination of science to the market and the need to assess the effects of the 1980 Bayh-Dole Act on the working of the universities is not even raised despite the warnings to which we turn below. The offshoring of laboratories by US corporations and the outsourcing to Asia of much of their development activities using the facilities of ITCs are deplored but not really questioned because it would mean challenging corporate management strategies under the regime of maximization of shareholder value and moving away, if only a little, from the accepted canons of finance capital-dominated government policy making.
The timidity and defensive character of the responses express the power relationships between financial capital and government and more fundamentally those between capital and labor of course. This is particularly true of the long and in appearance ambitious report put out in 2012 by the Department of Commerce on “US Competitiveness and Innovative Capacity” [US Department of Commerce (2012)]. It lists six “alarms” which should justify massive federal investment in science and technology, education and infrastructures. The report was prepared in the lead up to the presidential elections and so the alarms are listed in an order corresponding to the needs of Obama’s campaign. First, employment (“the United States’ ability to create jobs has deteriorated during the past decade”); second, wages and the situation of the “middle class which has struggled as incomes and wages have generally stagnated;” third, the erosion since 2002 of the US’s trade surplus in “advanced technology products,” (biotechnology products computers, semiconductors and robotics) with an $ 81 billion trade deficit in 2010 (the 2002-2010 period is exactly that of the Bush-Greenspan priorities on war in Iraq and Afghanistan and debt-enhancement in housing and construction but the parallel is not made); fourth, innovation “after reviewing 16 key indicators, number of scientists and engineers, corporate and government R&D, venture capital, productivity, and trade performance etc., the July 2011 Atlantic Century report indicated that the United States had made little or no progress in its competitiveness since 1999;” fifth, education (the “United States is struggling to prepare US students in math and science”); and finally, infrastructure (“delays at airports, time lost in traffic jams, bridges in need of repair, and ports that cannot handle the newest ships exemplify how traditional infrastructure in the United States has failed to keep pace with its growing population”).
These six “alarms” do not lead the Department of Commerce to take an offensive stance. It almost apologizes for advocating increased federal investment. Just to take the example of science and technology, the report starts by absolving finance and industry from any responsibility in underinvestment in R&D. One of the most reactionary tenets of neoclassical doctrine is called on, namely the theory of public goods and the divergence between social and private returns to investments due to the free availability or non-excludability of scientific knowledge, to absolve business. “It may not be possible for those conducting basic research to fully appropriate the benefits from research and innovation” since “the social benefits (those that accrue to society as a whole) from these innovative activities are likely exceed the private benefits (those that accrue just to the entity conducting the research)” [US Department of Commerce (2012, chapter 3)].7 This is why basic research must be funded publicly and the results made available to firms which can then privatize them in ways and at a pace defined by corporate strategies. The report’s main argument for increased federal spending thus consists essentially of a long reminder list of the key innovations due to federal R&D and procurement along with the names of the corporations that built their profits on them: the transistor in the Bell Labs at the time of ATT (American Telephone & Telegraph Company); semiconductors with Intel, IBM, Hewlett-Packard, and Texas Instruments as major beneficiaries;8 Internet and Google;9 the National Institutes of Health (NIH) and “the creation and expansion of the biotechnology industry.” Here the report cites Genentech (fully owned by Hoffman-La Roche since 2009) as the most striking success. But it also gives more recent examples such as Protea Biosciences, which holds a dominant position in protein-coding genes with the backing of NIH funding. It is interesting to note that while defense R&D accounts for 58% of US federal outlays, the examples of technological spillovers given in the report date back to the late 1980s.
Chart 1: Inflation-adjusted increase in federal research funds, by S&E field. 2000-09
The breakdown of federal funding of R&D by science and engineering fields gives a good indication where priorities shaped by preoccupations about military superiority (which is very understandable), competitiveness (that of the pharmaceutical industry particularly) and support to the venture capital market prevail over environmental or social objectives. The 2005 Joint Academies Report pointed out the federal funding of research in the physical sciences as a percentage of GDP was 45% less in 2004 than in 1976. It talked about “shortsightedness” and “risk aversion” by federal funding agencies.10
5. The impacts of the Bath-Dole act on the “Scientific Commons”
What the Department of Commerce report both says and does not say about the effects on the US research system of the privatization of the results of basic research and the total silence of the Gathering Storm reports are significant of the damage wrought by the finance-dominated regime in the university research system. In 1980, a Supreme Court decision in the Diamond vs. Chakrabarty case laid down that genetically engineered life forms were patentable. The same year the privatization of scientific knowledge generated in universities was enhanced by legislation. As stated in the preamble of the 1980 Bayh-Dole Act, the aim was “to cut down on bureaucracy” in the access of business to the results of basic research and to “encourage private industry to utilize government financed inventions through the commitment of the risk capital necessary to develop such inventions to the point of commercial application.”Expanded technology commercialization was to be accomplished by “employing the patent system to augment collaboration between universities (as well as other nonprofit institutions) and the business community and ensure that inventions were brought to market” [Schacht (2009, p. 2)]. By 1988 the implications of the Act were sufficiently clear for Partha Dasgupta and Paul David to warn that economic growth under conditions of “privatization of science” might continue to be grounded in the exploitation of scientific and technical knowledge, but it would lose its sustained character [Dasgupta and David (1988)]. In another study, Richard Florida argued that because universities were seen as “engines” of growth, they were focusing on applied rather than fundamental research. According to Florida (1999), national and local policies and practices were encouraging the commercialization of academic research at the expense of knowledge creation. By 2000, the assessment could be made that codes of behavior within academic institutions were rapidly eroding. Professors often owned stock in the companies that funded their work or accept extra rewards in the form of stock-options. Universities with research laboratories had set up technology-licensing offices to manage their patent portfolios,
often guarding their intellectual property as aggressively as business does and doing so in some cases against their own research staff. Universities with limited budgets are investing large resources in commercially oriented fields of research, while downsizing humanities departments and curbing expenditures on teaching. They had become eager co-capitalists, embracing market values as never before.11
Today, the issue is as topical as ever. In one of the most recent assess ments of the situation the political scientist Philip Mirowski concludes that the harm done to science in the US (and of course in all countries following the US example) amounts to a qualitative degradation in the special nature of the knowledge produced [Mirowski (2011)]. The 2010 Department of Commerce report prefers to consider that the results of the Bayh-Dole Act are disappointing: a particular motive of concern is the “slowdown in commercialization of technologies by US universities since 2000.” The Act
was meant to provide a strong incentive for universities to offer useful technology to industry, who would then quickly transform it into products. By the late 1980s, university patenting, licensing of technology to industry, and the proliferation of university-linked startup companies all began to accelerate, reaching especially high growth rates in the late 1990s. However, the pace of these activities slowed starting in 2000, a slowdown that persisted after the brief recession of the early 2000s [US Department of Commerce (2012, chapter 3)].
This is partly due to the retreat of venture capital after the NASDAQ 2001 crash, which is examined below, but it may also be an indicator of dwindling patentable knowledge. One would have thus expected the Department of Commerce report to begin assessing the possible effects of the Bayh-Dole Act on the production of basic research and discussing at least the advisability of amending it.
Work exists to this effect. In one of several articles on the effects of Diamond v. Chakrabarty and Bayh-Dole, Richard Nelson wrote in 2004 that while the privatization of the scientific commons is relatively limited, there are real dangers that, unless halted, soon significant portions of future scientific knowledge will be private property and fall outside the public domain, and that could be a difficult for both the future progress of science, and for technological progress [Nelson (2004)]. Nelson argues that technological advance is a collective, cultural, evolutionary process. A strong body of scientific understanding of a technology serves to enlarge and extend the área within which an inventor or problem solver can see relatively clearly and thus make informed judgments regarding what particular paths are promising as solutions, and which ones are likely to be dead ends. With regard to basic science “research outputs almost never are final products themselves, but have their principal use in further research, some of it aimed to advance the science farther, some to follow leads that may enable a useful product or process to be found and developed.” Thus his concern “about not hindering the ability of the scientific community, both that part interested in advancing the science farther, and that part interested in trying to use knowledge in the search for useful product, to work freely with and from new scientific findings” [Nelson (2004, p. 463)]. Nelson and his colleagues12 call for amendments to the Bayh-Dole Act.13 This would have to be done in the general interest of the pursuit of science because of the creation, since the double turn of 1980, of strong vested interests: “Many university administrators and researchers certainly would resist such an amendment, on the grounds that it would diminish their ability to maximize financial returns from their patent portfolio.” Nelson (2004, p. 467) writes that “in the era since Bayh-Dole, universities have become a major part of the problem, avidly defending their rights to patent their research results, and license as they choose.” Many have ceased “supporting the idea of a scientific commons, except in terms of their own rights to do research.” Similarly, Philip Mirowski considers that the roots of academic commerce run deep. “Bayh-Dole was just one component in a whole range of roughly simultaneous ‘reforms’ being engineered into corporations, the government, and the universities, all calculated to instigate the marketplace of ideas throughout the entire culture” [Mirowski (2011, p. 149)]. If he or Nelson and his colleagues are right it is understandable that the committees that wrote the “Gathering storm” reports make no mention of Bayh-Dole.
6. The Posto-2001 performance of venture capital financing of inoovation
The venture capital industry is finance capital’s original distinctive contribution to the financing of R&D. From the mid-1990s on it became very central to the organization of funding in the USA. For a long time an exceptionally large part of total R&D expenditures financed by the federal government but performed in industry was a central feature of the US national innovation system. The 2005 Joint Academies Report notes the overall retreat of the large corporations:
Some of the most important fundamental research in the 20th century was accomplished in corporate laboratories—Bell Labs, GE Research, IBM Research, Xerox PARC, and others. Since that time, the corporate research structure has been significantly eroded. One reason might be the challenge of capturing the results of research investments within one company or even a single nation on a long-term basis [National Academy of Sciences; National Academy of Engineering; Institute of Medicine (2005, p.32)].14
This retreat does not show up in the figures. On the contrary from the early 1990s onwards, on account of venture capital’s interest in innovative dot.com and biotech firms, the share of total funding financed by the private sector grew very fast. Business R&D outlays represented 70% of total US R&D expenditure in 1999. It then fell for five years before remaining on a plateau until the new drop in 2009 on account of the 2008-09 financial crisis and economic recession [National Science Foundation (2012, chapter 4)]. The increase in the business funding of R&D in the 1990s took place during the very period in which the doctrine of share holder value was taking complete hold over the management of corporations and the “short-termism” denounced by a wing of US economists [Dertouzos et al. (1989)]. The support of R&D by venture capital does not belie “short-termism.” It involves a change in the actors and in the locus and nature of decisions shaping the future of research projects. R&D carried out in corporate laboratories declines. Corporations quoted on the Stock Market can buy back shares rather than invest in R&D [Lazonick (2012a; 2012b)].The uncertainties and risks inherent to research are assumed by venture capitalists. They become closely linked to financial speculation and a significant part of funding depends on the state of financial markets.
The venture capital financing of R&D requires a very specific set of systemic relationships. Both the evolution of the venture capital market over the past decade and data published recently on the annual rate of startups make their degree of fragility clearer than in 2000. For a venture capital industry to emerge one must first have a strong and regular flow of talented scientist and engineers in a position to “walk out of the door” of university laboratories with their patents and their specific knowledge or again to negotiate their departure from large corporations in order to set up, with the help of venture capital, their own company in the expectation of large financial rewards. For this to take place the law and the practice of the academic world must first have undergone the changes that make this “migration” legally possible if not encouraged and on the whole accepted and even envied within academia as an institution. But for the flow to be regular and venture capital firms kept interested the “rate of production” of new knowledge must not abate.
Venture capital firms are specialized intermediaries between the small or very technology-intensive or “laboratory-type” firms and financial investors decided on using part of their funds to make high-risk investments in a range of markets including technology. Venture capitalists use the funds placed under their management plus those that they borrow to provide investment finance dedicated to start-ups or early-stage innovative companies with high growth potential high technology development. In the 1990s, pension funds were far the largest investor groups, holding roughly 40% of capital outstanding and supplying close to 50% of all new funds raised by partnerships.15 The last condition that must be satisfied is ease of exit for venture capital through an initial public offering (IPO) of shares on specialized markets or the sale of the firm to a large corporation.
Chart 2: VC investment in four selected industries in the USA
As can be seen from this figure, venture capital investment never recovered from the crash of the Internet bubble on NASDAQ. From 2003 onwards speculative capital was more interested in mortgage than in technology. Levels of venture capital investments were only marginally affected by the busting of the housing bubble during the 2007-2008 financial episode of the on-going world economic and financial crisis. But as will be seen below the sharp fall in IPOs disrupted the venture capital system taken a whole. The distribution among the four broad industry groupings became more balanced after the bursting of the dot.com bubble with the evident exception of alternative energy. Misgivings about biotechnology funding will be discussed below.
Venture capital investment is broken down between early stage investment (seed, startup), expansion or “second round financing” which provides working capital for company expansion preparatory to initial public offering and later stage investment which includes acquisition-financing and management and leverage buyouts. In 2004, the National Science Foundation stressed that “contrary to popular perception, only a relatively small amount of dollars invested by venture capital funds ends up as seed money to support research or early product development.” In the latest 2012 report, the assessment is that
venture capital investment has become generally more conservative during the 2000s. Later stage venture capital investment has both grown in absolute terms and as a share of total investment. The shift to later stage, more conservative investing has been attributed to a desire for lowered investment risk, higher minimum investment levels, a shorter time horizon for realizing gains, a decline in yields of venture capital investment, and the sharp decline in IPOs and acquisitions of venture capital-backed firms, which has required venture capital investors to provide additional rounds of financing. [National Science Foundation (2012, Chap. 6, p. 59)].
The report adds that “another possibility is that venture capital investor behavior changed because fewer opportunities for attractive risky investments were available in the 2000s than in the 1990s.” [National Science Foundation (2012, Chap. 6, p. 71)]. The following figure published by the Bureau of Census is included in the Department of Commerce report with the commentary that it could mean that “fewer would-be entrepreneurs are raising to the challenges of turning new ideas into new businesses” [US Department of Commerce (2012, Chap. 7, p. 6)].16 But it can also be interpreted as an indication of the validity of the “technological plateau” hypothesis and the legitimacy of the fears regarding the weakening of the scientific commons.
Chart 3: Declining pace of =rm startups, US private sector, BDS
The particular case of venture capital in the biotech sector has been subjected to much analysis, starting with that of Gary Pisano, professor at the Harvard Business School. In the 1990s the biotech sector attracted more genuine early stage investment (seed, startup) than other industries. Subsequently it appeared to “be retreating from its distinctive position at the radical and risky end of the R&D spectrum” [Pisano (2006)].17 The bursting of the Internet bubble coincided and aggravated the effects of the rise of strong disillusions about time-horizons and expectations of returns in the support of genomics (the mapping of human genes and resulting therapies). Industry specialists even refer to a “genomics bubble”18 the bursting of which in 2001 went unremarked on account of the Internet collapse. After 2001, the strategies of startups and the preferences of venture capitalists underwent
a marked change. Rather than forming so-called molecule-to-market companies, whose first product revenues might be more than a decade away, entrepreneurs and investors began to look for lower-risk, faster-payback models, such as licensing existing projects and products from other companies and then refining them [Pisano (2006, p. 118)].
Given the importance acquired by the venture capital market, “the change in strategies raises a major concern: If young biotech firms are not pursuing cutting-edge science that will focus on the higher-risk long-term projects that offer potential medical breakthroughs?” [Pisano (2006, p. 118)].
In an interview, Pisano put his findings and assessment very bluntly:
Science and business work differently. They have different cultures, values, and norms. For instance, science holds methods sacred; business cherishes results. Science should be about openness; business is about secrecy. Science demands validity; business requires utility. So, the tensions are deep. What has happened is that we have tried to mash these two worlds together in biotech and may not be doing either very well. Science could be suffering and business certainly is suffering. If you try to take something that is science, and then jam it into normal business in stitutions, it just doesn’t work that well for either science or business [Silverthorne (2006, p. 1)].
In a follow-up to Pisano, the particularities of venture capital funding of biopharmaceutical R&D and the perspectives of this industry have been investigated in research led by William Lazonick. In a paper with Öner Tulum, he finds that the greatest vulnerability comes from lack of liquidity in overall unfavorable financial market conditions of firms that are quasi-financial as- sets. Investors will put money into firms whose sole “capital” is knowledge, only if exit through IPOs is guaranteed [Lazonick and Tulum (2011)].
As shown in this figure made by Mustafa Erdem Sakinç in ongoing PhD research supervised by Lazonick in biotech, the IPO market never really recovered from the 2000 crash on NASDAQ. In 2008 and 2009 it was badly hit by the subprime crisis and then the September 2008 panic after the failure of Lehman Brothers. Indeed, the IPO market practically disappeared before reviving a little. Lazonick and Tulum doubt whether the emergence of the small numbers of successful drugs from biopharmaceutical research would have occurred without NIH funding. They raise the question of the social costs of leaving the application of findings stemming from public funding in the hands of firms particularly subjected to the state of financial markets. The funding criteria of the NIH itself was scrutinized by the 2005 Joint Academies Report and found to be very conservative.19
Chart 4: Biotechnology IPOs in the USA
7. Science and Technology offshoring and outsourcing and the US “Industrial Commons”
We must now look at a part of the discussion and data concerning the scale and effects of offshoring and outsourcing of R&D by US corporations under the regime of shareholder value maximization. A theme which has been heatedly debated among economists in American business schools is the deteriorated state of the US “industrial commons.” By this term, Gary Pisano and his colleague at the Harvard Business School Willy Shih mean the “R&D and manufacturing infrastructure, know-how, process-development skills, and engineering capabilities resulting from the clustering of universities, suppliers, and manufacturers” [Pisano and Shih (2009, p. 1)]. They consider that their case-study research shows that in industries where constant interaction between R&D and manufacturing is important, notably in those where rapidly-developing innovations in processes and process technologies are taking place, the outsourcing of manufacturing to other countries proves to be destructive not only to the innovative process in the individual firm, but also to the industrial commons of a whole set of firms. Pisano and Shih argue against the “prevailing view that the migration of mature manufacturing industries away from developed countries is just part of a healthy, natural process of economic evolution that allows resources to be redeployed to new, higher-potential businesses.” It simply “ignores the fact that new cutting-edge high-tech products often depend in some critical way on the commons of a mature industry. Lose that commons, and you lose the opportunity to be the home of the hot new businesses of tomorrow.” This article sparked off a strong blog debate20 leading to a book in which Pisano and Shih sum up their replies to their critics [Pisano and Shih (2012)]. For economists and political scientists who have long worked on technology, many points made are a little déjà-vu: the benefits of industrial and technological clustering for instance (Italian industrial districts are cited) or the imperatives of close interaction between R&D and on-site production. But after nearly three decades of neoliberal-neoclassical domination these ideas are welcome and their reappearance a sign of the many impasses experienced in the heartland of world capitalism.
The issue raises two questions: first, did the US ever really have, bar ing a few exceptions, true “industrial commons” as defined by Pisano and Shih and second, is their destruction or significant weakening the straightforward result of liberalization and globalization or must they be attributed specifically to financialized corporate management as it has developed over the past three decades? Only American scholars can answer the first question. I will attempt to sort out the second a little. Two of the consequences of liberalization and globalization taken together are the increased opportunities for foreign direct investment (FDI) and the intensification of oligopolistic rivalry in truly global markets. FDI by TNCS has always called for and been accompanied by the setting up of R&D facilities of the variety named support labs doing work adapting production to local conditions, primary inputs but more generally customers habits and so markets. Once this is considered, then TNC R&D investment in countries with large and expanding markets is first and often remains the straightforward result of their FDI. The upgrading of R&D capacities follows the increased sophistication of domestic demand and the growth of the competitiveness of local firms. The other dimension of globalization is the intensification of competition as domestic oligopoly gives way to global oligopoly. In industries where as studied by Deiter [Ernst (2009)] the “modularization” of engineering, development and research can be organized, the setting up or upgrading of foreign laboratories may become part of networking strategies by TNCs confronted by acute oligopolistic rivalry. These factors in combination with wage levels, skill availability and attractive economies of agglomeration can well push TNCs to offshore part of the overall corporate R&D. These patterns correspond largely to those of US TNC R&D investment in China.
The first and still the most complete account of foreign direct investment in R&D facilities and the setting up of laboratories abroad was published by UNCTAD in 2005 [UNCTAD (2005, chapter 5)]. No data comparable in detail covering the main host and home countries has been published since. However China has been well researched as a host country meaning that data exists, while the US has surveyed regularly the foreign R&D activities of its TNCs. This makes it possible to measure the scale and discuss some of the features of US TNC R&D investment in China. The latest US data indicates that the share of US-owned affiliates R&D performed in China rose from a half percentage point or less in 1997 to 4% in 2008.21 The findings of research led by Nannan Lundin in Sweden [Lundin and Serger (2007)] and work carried out by Li Yanhua for the BRICS-Rede-Sist project [Yanhua (2013)] indicate that adaptive R&D [UNCTAD (2005, chapter IV)] in support of FDI accounts for the largest part of foreign R&Dactivities in China. TNCs have then sought to take advantage of the large and growing pool of skilled engineers and technicians as well as cutting their overall research expenditures. A few have started to build R&D facilities within globally integrated corporate structures along the modularized model; others have done so simply to increase their share of the Market and fight off indigenous competitors. General Motors is a major example. The very large R&D facilities set up in China are globally integrated but continue to be almost entirely devoted to adaptive work.22 In the setting up of R&D facilities by foreign firms, government pressure is also at work. In given industries, foreign investors are required to offer counterpart activities notably, the transfer of technology and/or the commitment to invest in R&D. The wholly owned affiliate is the main ownership mode of TNC R&D centers in high-technology industries. In such industries adaptive R&D can be sophisticated as with Chinese speech recognition software in which Motorola, Microsoft and Apple have all invested quite heavily. But the level of this investment must not be exaggerated. To get a sense of proportion, Motorola has the highest number of centers in China, yet its investment in China is only about 3% of its global R&D investment. On the Chinese side, Li Yanhua reports of current debates about the benefits of foreign R&D.23 But Ernst (2008) considers that while some quite large successful ITC firms such as ZTE, Huawei and Lenovo have emerged, they are still very small by global standards and that the real challenge facing the Chinese ICT sector is that of improving its integration into global networks. In my view, it would be important to set the Chinese situation in the framework of the “low-hanging fruit” it can still pick broadened to include the acquisition/appropriation of foreign technology.
The effects of financialization as distinct from those of globalization, with its specific opportunities and constraints, are observable in offshoring and outsourcing strategies with technological dimensions adopted by “New Economy” firms. Strategies bearing the mark of shareholder value maximization have been studied by two complementary approaches, one focusing, as in the case of Lazonick mainly on the structural factors behind the decline in US investment and only on innovation in a very broad manner [Lazonick (2012a; 2012b)] and the other more specifically on collective innovative capacity as that of Pisano and Shih. Shareholder value maximization corporate behavior helps to understand the otherwise totally self-defeating US original equipment manufacturer (OEM) corporate strategies of outsourcing to Asian firms. These have been studied by Pisano and Shih in the personal computer industry. US corporations among which Microsoft began simply by outsourcing the assembly of printed circuit boards in the 1980s to contractors in South Korea, Taiwan, and China. Then product assembly began before reaching complete product assembly. Given that many of the components were also sourced from Asia, a logical next step was to take over the management of the supply chain from their American customers. Finally, there came design-engineering tasks. The outcome is that by 2009 “nearly every US brand of notebook computer, except Apple, is designed in Asia, and the same is true for most cell phones and many other handheld electronic devices” [Pisano and Shih (2009)].
The 2005 Joint Academies Report deplores outsourcing but considers that nothing can be done about it:
US companies that outsource information-technology jobs have all but ordered their contractors to send some portion of the work overseas to gain hiring flexibility, cut employment costs − by 40% in some cases ‒ and cut overhead costs for the home company. Offshoring has become established, however, and it is merely one logical outcome of a flatter world. Furthermore, protectionist measures have historically proved counterproductive [National Academy of Sciences; National Academy of Engineering; Institute of Medicine (2005, p. 27-28)].
The strong propensity of “New Economy Firms” to embrace the tenet of shareholder value maximization is also clear in the offshoring of software services and more importantly of software-development to India. In the software industry the development process starts with the identification of a need, followed by the creation of a requirements definition, relating this definition to a software specification, designing the software, writing and coding, and then implementing and testing it [Davies (2004)]. Initially, US firms only outsourced code-writing projects to Indian firms so as to lower their development costs. Over time Indian companies developed their own software-engineering capabilities, won more complex work, like developing architectural specifications and writing sophisticated firmware and device drivers. They are now seen by US analysts as having a very central position in the world software program-writing industry. They have a very number of CMM Level 5 certified companies,24 several Indian IT services companies (TCS, Infosys and Wipro) are listed on the NYSE and NASDAQ and have acquired small US firms. They account for substantial part of US job creation in the industry. More importantly, from the standpoint of the theory of the industrial commons, it is in Indian cities, Bangalore, Chennai, Delhi, Hyderabad, Mumbai and Pune that the virtuous innovation-friendly interactions and feedback mechanisms are at work. As put in a Congressional testimony,
there is considerable evidence that R&D activities generate positive spillovers and that these spillovers are geographically limited in scope. For example, there is evidence that offshored R&D spurs domestic companies in the receiving nations to increase their R&D, thereby increasing the competitive challenge to US firms. This is one of the reasons for the renewed interest around the world in regional ‘clusters’ of economic activity, particularly innovation-based economic activity. As a result, losing R&D means more than the loss of the actual R&D activities [Atkinson (2007, p. 8)].
In the same testimony, it is reported that the “R&D outsourcing model,” if it can be called that, is contagious:
It’s not just large multinational firms that are offshoring R&D; small and midsized technology firms are as well. One study of California-based technology firms (80 percent of which had less than 500 employees) found that R&D was actually the most common activity offshored, with around 60 percent of firms reporting that they offshore R&D, which is about twice the rate of manufacturing offshoring and three times the rate of back office offshoring (p. 8).
A Swedish study focused notably on the future of Silicon Valley and the Bay Area in San Francisco made the same finding. This is not done just by well-established firms but even by recently-started ones still owned by financial investors: “another important driving force is venture capital firms encouraging their portfolio companies to consider locating part of their business activities abroad in order to cut costs” [Franchi (2006, p. 201)]. Here we have the imperatives of “pure financial capital” in their starkest form.
8. Conclusion
The US still has the strongest R&D base in the world. It enjoys clear leadership in military technologies, and Google, Apple and Microsoft have a near to total global control of information flows. But, behind this situation, which is of course more than a mere façade, the work done by lucid US researchers raise important issues, related notably to the effects of financialization which are often overlooked elsewhere in the world. The faltering rate of innovation challenges quite radically the whole idea of economic growth as understood in mainstream economic thinking, namely growth based on an unlimited expansion of private needs in the form of goods and an unlimited availability of natural resources. The word “plateau” seems to be used increasingly. In its latest 2013 report, the McKinsey Global Institute expresses its concern that “although global financial assets have surpassed their pre-crisis totals, growth has hit a plateau. Their annual growth was 7.9 percent from 1990 to 2007, but that has slowed to an anemic 1.9 percent since the crisis.” The authors are alarmed that global financial assets after having increased from 120 percent in 1980 to 355 percent of global GDP in 2007 fell by 43 percentage points relative to GDP since the start of the crisis. They are even more concerned that their indicators of financial globalization (flows of loans, cross-border holdings of bonds and equity, foreign direct investment) reveal a certain degree of “retreat from globalization.” This “retreat” could represent an opportunity and a challenge for countries over the world to direct their technological development in new directions on condition of course that they seek to free themselves as far as possible from the domination of the financial investor.
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