Expectativas, incerteza e convenções

Fernando J. Cardim de Carvalho, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.

In Fabio Erber’s final years, the concept of conventional behavior was one of his main subjects. This concept makes it possible to establish connections between theories on expectations such as Keynes’ premise – which focuses on both taking decisions at times of uncertainty and on individuals – and theories that emphasize elements that are common to structuring the expectations of several agents. Such a connection establishes not only the possibility of observing collective behavior at a certain moment, but also identifying elements of continuity in these behaviors over time. In this paper, Erber’s development convention concept is examined in comparison with the Keynesian theory on expectations, responding to the author’s insistent call for dialogue between related theoretical perspectives.

1. Introdução

Fabio Erber, ao aposentar-se do BNDES e passar a ocupar seu posto de professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) em tempo integral, escolheu entre seus temas centrais de investigação acadêmica o que chamou de convenção de desenvolvimento. Esse tema de pesquisa o colocou na fronteira entre várias correntes de investigação, especialmente a keynesiana (ou pós-keynesiana), a schumpeteriana e a institucionalista. Para os que conheceram Erber, nada havia de surpreendente em uma escolha assim, dado que uma das características mais consistentes de sua vida intelectual foi a independência que sempre manteve em relação às escolas existentes de pensamento econômico, inclusive as heterodoxas.

Keynes, mesmo antes da publicação de sua Teoria geral do emprego, juros e moeda (TG), em 1936, enfatizou a importância de se entender como as expectativas dos agentes econômicos são formadas, porque delas dependiam suas decisões com relação a consumo e investimento. A teoria keynesiana de expectativas apoia-se em uma visão de mundo em que a incerteza irredutível do futuro é uma característica central. As mais importantes decisões de caráter econômico que uma pessoa pode tomar são sempre apostas na plausibilidade de um dado futuro. Consumidores apostam que suas rendas futuras evoluirão dessa ou daquela maneira, o que lhes deverá permitir comprar um determinado bem de consumo. O mesmo vale para investidores, em uma aposta ainda mais arriscada: a de que os ativos que adquirem renderão no futuro aquilo que se espera no presente, de modo a, no mínimo, viabilizar os compromissos financeiros necessários a serem assumidos no momento da decisão.

A teoria de formação de expectativas sob incerteza de Keynes levou muitos de seus seguidores a dar ênfase a sua natureza criativa, de “causa não causada”, como escreveu George Shackle, um dos mais influentes economistas a discutir o tema. Expectativas não são endógenas, isto é, elas não são determinadas mecanicamente por fatores objetivos de modo a permitir que o comportamento de consumidores e investidores pudesse ser reduzido a modelos mecânicos de qualquer natureza, em que leis férreas de movimento ou de gravitação se impõem aos agentes, independentemente do que estes decidam fazer.

A hipótese proposta por Keynes mostrou sua fertilidade muitas vezes. Em especial, desde a eclosão da crise financeira internacional nos Estados Unidos, em 2007, multiplicaram-se as ocasiões em que economistas teóricos ortodoxos, mas também autoridades de governo e até mesmo participantes dos mercados financeiros foram lembrados das dramáticas limitações que cercam seus modelos de análise, sempre baseados na noção de que mercados de ativos são arriscados, mas que esses riscos são mensuráveis e que medidas apropriadas de hedge podem ser sempre tomadas para neutralizar tais riscos. Essas “sólidas” defesas desmancharam-se todas no ar quando a crise realmente chegou, exatamente como Keynes advertiu em um passado nem tão distante.

A novidade ou a excitação gerada pelo conceito de incerteza, contudo, serviu para focalizar a teoria de expectativas resultante, talvez de modo excessivo, na subjetividade dos seus determinantes. No entanto, uma teoria puramente individualista de expectativas, como a proposta, por exemplo, pelos austríacos, não é efetivamente tão fértil quanto possa parecer. Expectativas são formadas por indivíduos, mas há que se reconhecer que, no mundo real, em muitos casos, elas tendem a convergir para valores que são amplamente compartilhados. O que propicia essa convergência? Por que em certas situações há convergências, mas em outras não? Em outras palavras, quais são os fatores de natureza interpessoal que atuam na formação de expectativas de modo a criar movimentos agregados na economia?

Na TG, Keynes ofereceu o conceito de comportamento convencional, formas de ação individual que seguiriam padrões coletivos. Keynes não parece ter se interessado pela convenção em si, mas em extrair consequências de sua provável existência.

Na TG, encontram-se características do comportamento convencional identificadas aqui e ali, implicações de sua existência ou de seu desaparecimento, razões por que esse conceito pode ser útil, mas pouco mais do que isso.

Erber, em vários trabalhos, especialmente nos últimos, concentrou-se exatamente nesse problema. Em particular, interessou-o menos uma teoria geral das convenções do que a exploração de uma forma específica de manifestação, a que chamou de convenção do desenvolvimento, interessado como sempre esteve em desenvolver argumentos teóricos que pudessem ser aplicados imediatamente ao estudo de problemas da economia brasileira. Erber chegou ao conceito menos por via de Keynes que pela via dos trabalhos de economistas franceses, notadamente André Orléan, sobre o tema, mas jamais perdeu de vista a possibilidade de fertilização cruzada que esse tipo de problema oferecia com a teoria keynesiana, entre outras. De fato, entre as conclusões mais frequentes de seus trabalhos sobre o tema, Erber invariavelmente listava a possibilidade, ou mesmo a necessidade, de diálogo entre correntes heterodoxas, sobretudo a keynesiana, a schumpeteriana e a evolucionária, a que o foco na formação de convenções convidava.

Neste artigo, pretende-se responder, pelo menos parcialmente, ao chamado de Fabio Erber, discutindo-se o conceito de convenção de desenvolvimento a partir de uma perspectiva keynesiana. Para tanto, na seção seguinte, reconstitui-se a teoria keynesiana da formação de expectativas e tomada de decisões para identificar os espaços abertos para a consideração de fatores de natureza interpessoal. Também nessa seção, examina-se o conceito de comportamento convencional, uma tarefa menos ambiciosa que o estudo pleno do conceito de convenção proposto por Erber, mas que abre a porta para o diálogo com as proposições feitas por outras correntes teóricas. Na terceira seção, com base em trabalhos de Erber, explora-se a noção de convenção, particularmente, a de convenção do desenvolvimento. Como fez Erber, também será mantido o caso brasileiro como pano de fundo, que às vezes emerge para o centro do palco, para o exame desse conceito. A quarta seção trata de algumas possibilidades abertas pela ideia de convenção de desenvolvimento, conectando as duas seções anteriores. A quinta seção apresenta as conclusões.

2. Formação de expectativas sob incerteza

A teoria keynesiana da decisão é, hoje em dia, amplamente conhecida e, nesta seção, não se pretende introduzir qualquer novidade essencial. Antes, o que se almeja é construir uma visão da teoria de expectativas que mostre o espaço para a consideração de fatores interpessoais na sua formação e que permita também avançar na análise das consequências das decisões tomadas. Esse é o contexto em que o conceito de comportamento convencional é introduzido por Keynes no Capítulo 12 da TG.

O problema da tomada de decisões racionais sob condições de incerteza foi um dos maiores problemas a interessar Keynes. Na verdade, seu interesse manifestou-se antes mesmo de se decidir pela economia como foco profissional. À época de Keynes, muitos fenômenos sociais eram explicados por apelo a fatores irracionais. A sucessão de períodos de prosperidade e contração econômicas, por exemplo, os chamados ciclos econômicos, para muitos economistas era explicável pela ocorrência de uma sucessão de ondas irracionais de otimismo e pessimismo. Keynes não negava a importância ou a influência de fatores não racionais na tomada de decisões dos indivíduos, mas dedicou-se desde logo a investigar: (1) como identificar os elementos não racionais envolvidos nesse processo (o que exigia, naturalmente, identificar também quais eram os elementos racionais envolvidos); (2) como e em que extensão esses elementos não racionais influenciavam a escolha final entre alternativas de ação. 

A importância dessa investigação parecia autoevidente para Keynes e seus contemporâneos. O último quarto do século XIX e o primeiro do século XX foram um período marcado pela erosão das certezas mais profundas que haviam definido o pensamento ocidental por, diga-se, centenas de anos. Os pilares do cristianismo tradicional tinham sido abalados por Darwin e pelos geólogos que reestimaram a idade da Terra mostrando que a teoria da evolução era plenamente plausível.

Outros choques ainda estavam por vir, especialmente com a teoria da relatividade e a demonstração de que nem mesmo tempo nem espaço eram os absolutos que se pensou por tanto tempo (Keynes não parece ter sido afetado pela revolução quântica).

Nesse quadro de mudanças e instabilidade, a posição de vanguarda ocupada pela Grã-Bretanha no cenário internacional não sobreviveria aos eventos desencadeados pela chamada Grande Depressão do fim do século XIX. O declínio da economia inglesa, a emergência de novas potências, especialmente Estados Unidos e Alemanha, no cenário internacional, o aumento das tensões imperiais que culminaram na Primeira Guerra Mundial e nas agitações que se seguiram a seu término não apenas criaram profundas instabilidades políticas, mas, como logo se apercebeu Keynes, também refletiam contradições mais profundas do próprio sistema capitalista como existia até então.

Em uma passagem significativa de sua primeira grande obra de sucesso, The economic consequences of the peace, Keynes advertia que o capitalismo moderno, no início do século XX, encontrava-se em uma encruzilhada. Baseado como era em uma profunda desigualdade na distribuição de renda e riqueza, o capitalismo tinha sua legitimidade sustentada por sua eficiência na promoção do crescimento econômico e da extensão, ainda que gradual e desigual, do bem-estar para todos. Capitalistas podiam apropriar-se de uma parcela da renda e da riqueza muito maior do que a dos trabalhadores, na medida em que não consumissem seus lucros, mas os reinvestissem na produção. No entanto, argumentou Keynes, no fim do século XIX as grandes fronteiras de investimento tinham se esgotado. O sistema passaria a enfrentar um dilema que poderia vir a ser fatal se uma saída não fosse encontrada entre a necessidade de estimular o consumo de capitalistas para manter o nível de atividades, à custa do agravamento das tensões sociais (pelo contraste entre o consumo conspícuo dos grupos de altas rendas e o magro consumo dos trabalhadores) ou a contenção do consumo de capitalistas, levando a uma persistente estagnação. No primeiro dos grandes paradoxos sistêmicos que caracterizariam a obra de Keynes, o capitalismo se debateria entre o sucesso econômico em meio à instabilidade política ou a estabilidade política com estagnação econômica. Mantidas as regras do jogo, a situação tenderia a se deteriorar em qualquer circunstância.1

É nesse quadro de instabilidade que se deve entender a ênfase que Keynes atribuiu ao conceito de incerteza. A preocupação de Keynes não era com a incerteza em si, ou com o debate do livre-arbítrio. Em suas obras, ele raramente tomou partido entre os grupos que defendiam alguma forma de determinismo histórico e os que propunham a plenitude do livre-arbítrio, quaisquer que fossem suas convicções pessoais a respeito. 

Nelas, preocupou-se não com a natureza do universo, mas com como os indivíduos sentem a incerteza que cerca o futuro de cada um e, o mais importante, como se preparam para enfrentá-la, isto é, que tipo de cuidados cada um toma para se defender das consequências possivelmente danosas de uma decisão tomada diante de uma expectativa de futuro que seja desapontada.2 As grandes inovações teóricas propostas por Keynes giram todas em torno de atitudes dos agentes econômicos explicadas pela tentativa de reduzir ou contornar a incerteza que cerca suas decisões. Preferência pela liquidez, poupança precaucionária, o próprio princípio da demanda efetiva, até mesmo o comportamento convencional, como se argumentará mais adiante, são todas formas de comportamento cuja racionalidade é perceptível quando se considera o contexto de incertezas que cerca cada decisão individual. São essas precauções que quebram o mecanicismo da teoria econômica que Keynes rejeitou. Os trade-offs entre resultados e exposição ao risco que tomar decisões representa quebram a relação rígida que abordagens mecanicistas propõem entre condições objetivas e comportamentos, tornando impossível reduzir a teoria econômica a um ramo da física, como almejaram (e ainda almejam) gerações de economistas. Conforme explicou Keynes em uma carta a Roy Harrod:

Eu também quero enfatizar fortemente o ponto de que a economia é uma ciência moral. Eu mencionei antes que ela lida com introspecção e com valores. Eu poderia ter acrescentado que ela lida com motivos, expectativas, incertezas psicológicas. É preciso estar constantemente em guarda contra tratar o material como constante e homogêneo. É como se a queda da maçã ao chão dependesse dos motivos da maçã, de se vale a pena cair no chão, e se o chão quer que a maçã caia, e de cálculos equivocados por parte da maçã a respeito da distância que a separa do centro da terra (CWJMK XIV, p. 300).

A primeira grande contribuição dada por Keynes ao tema foi precisamente no volume Treatise on probability, em que ele examinou o método indutivo não como teoria epistemológica, mas como fundamento da decisão racional sob incerteza. Baseado no pressuposto óbvio de que uma decisão sempre se refere ao futuro e que, por definição, a informação sobre esse futuro será sempre incompleta já que o que acontecerá no futuro dependerá também do próprio resultado da decisão a ser tomada no presente, Keynes examinou como a evidência passada e presente poderia ser utilizada para estabelecer as bases racionais de uma tomada de decisão, que nunca seriam suficientes, de qualquer modo, para evitar a consideração de elementos não racionais (arracionais, mais do que irracionais) no processo. A teoria de probabilidades proposta ali por Keynes (em oposição ao sentido dominante, laplaciano, de probabilidade de um evento como a razão entre a frequência desse evento e o total de eventos possíveis) não eliminaria o papel da avaliação do que ele chamou de “peso da evidência”, isto é, a avaliação da “força” que deveria ser atribuída a uma relação entre causas e efeitos.

Essas preocupações estiveram presentes, de forma mais ou menos explícita, em toda sua obra, inclusive, ou especialmente, a de natureza aplicada a problemas econômicos. Foi na TG, sua obra magna, que Keynes chegou a um tratamento mais acabado do problema. Na TG, Keynes explorou não apenas implicações da consideração da incerteza do futuro, como a emergência de comportamentos defensivos importantes, que poderiam afetar a determinação do nível de produto e emprego, como é o caso de uma variação na preferência pela liquidez, mas, de certa forma, deu um passo atrás para considerar também como expectativas seriam formadas (e como deveriam ser estilizadas para inclusão em um modelo teórico de operação da economia) nessas circunstâncias.

A intuição fundamental que orientou o tratamento dado por Keynes às expectativas na TG foi a de que o horizonte temporal pelo qual uma determinada decisão comprometa o tomador é fundamental para a determinação de seu comportamento. Quando a decisão compromete o tomador por pouco tempo, ou seja, apenas no futuro mais imediato, sugere Keynes, é razoável supor que a incerteza que cerca esse futuro imediato não seja muito grande. Em outras palavras, surpresas são possíveis (no sentido da ocorrência de eventos que nem mesmo faziam parte da lista de possibilidades consideradas pelo tomador de decisões), mas elas tenderiam a ser raras e com efeitos mais ou menos limitados. Uma decisão “errada” (no sentido de assumir um desenvolvimento futuro diferente daquele que efetivamente ocorreu) não teria, provavelmente, grandes consequências, porque o desvio entre o cenário projetado e o cenário efetivamente verificado tipicamente não seria muito grande. Keynes argumenta que, a curtos intervalos de tempo, a experiência mostra que raramente o mundo passa por mudanças significativas. Se isso fosse verdadeiro, o ganho obtido por minimizar desvios entre expectativas e desenvolvimentos efetivos seria pequeno demais para cobrir o custo de recriar “teorias” sobre o futuro repetidas vezes. Decisões que não envolvessem horizontes temporais mais largos, portanto, chamadas por Keynes na TG de expectativas de curto termo, seriam basicamente adaptativas, obtidas por um fenômeno semelhante ao aprendizado: a repetição do processo de decisão sob a permanência da maioria das condições, diga-se assim, estruturais da economia permitiria que elas fossem assim consideradas de modo a que o tomador de decisões teria apenas de promover, a cada ocasião em que fosse chamado a decidir, um ajuste marginal nas informações consideradas. Na TG, Keynes assume que decisões de produzir são em geral orientadas por tais expectativas. Elas são tomadas sequencialmente de forma frequente em uma economia empresarial e não valeria a pena o empresário repensar as bases de operação da economia em que vive a cada vez que fosse decidir o quanto produzir. Novamente, vale lembrar que o tema que interessa a Keynes não é o determinismo por si. O mundo não é “certo” no curto termo e incerto no longo, mas, para o agente que tem de tomar uma decisão, é assim que as coisas lhe parecem. 

A mesma estabilidade de contexto não pode ser assumida para o longo termo, ou seja, no caso de decisões cujo horizonte temporal de eficácia seria largo. Se o horizonte temporal fosse largo, a permanência das condições estruturais correntes da economia poderia ser assumida. Não apenas eventos perturbadores de larga escala poderiam ocorrer (o que também poderia acontecer no futuro mais imediato), mas suas consequências teriam tido uma possibilidade de desdobramento maior, modificando de forma mais ou menos profunda as estruturas econômicas. Entre as grandes perturbações que poderiam ocorrer estão os choques externos (como fenômenos meteorológicos ou geológicos, por exemplo), tanto como as mudanças provocadas pela própria ação dos agentes econômicos, quando tomassem o que Shackle chamou de decisões cruciais, aquelas que têm implicações tão profundas que destroem o ambiente em que foram tomadas, impedindo sua repetição e, portanto, o aprendizado e a adaptação. Mas, mesmo que grandes perturbações não tivessem lugar, por qualquer causa, o mero efeito cumulativo de mudanças menos dramáticas poderia conduzir, no longo termo, a economia para uma configuração amplamente diversa daquela considerada quando da tomada de decisão. Era, portanto, nesse horizonte temporal mais largo que a incerteza se fazia sentir com mais intensidade, pela percepção, por parte do próprio tomador de decisões, de que seria impossível projetar cenários com um mínimo de segurança para datas muito afastadas no futuro, e a demanda por formas de proteção, hedge, se fazia mais forte.

No caso de decisões voltadas para o longo termo, isto é, orientadas pelo que Keynes chamou de expectativas de longo termo, a informação disponível no momento da decisão não seria desprezível, mas seria certamente percebida, pelo próprio tomador de decisões, como insuficiente. Seria aqui que as expectativas sobre o futuro se tornariam o que, novamente, Shackle denominou de causa não causada (uncaused cause). O tomador de decisões teria de imaginar (e saberia estar imaginando) cenários futuros e decidir até que ponto acreditaria nesses cenários o suficiente para justificar o comprometimento de recursos por esse horizonte, como ocorre, no caso de investimentos empresariais, ou da aquisição de bens de consumo durável de maior valor, no caso de consumidores. Nesse caso, propôs Keynes, é importante poder separar os elementos racionais dos arracionais do processo de decisão, distinguindo os elementos de cálculo racional (de lucratividade, de satisfação, do que seja) da confiança que o tomador de decisões possa ter nos próprios cálculos ou, mais precisamente, na relevância da informação utilizada para efetuá-los. 

Essa teoria de expectativas foi utilizada por Keynes não apenas na TG, mas também nos anos seguintes a sua publicação, quando ela foi aplicada tanto em suas análises de conjuntura quanto no julgamento da eficácia de políticas de administração de demanda agregada. Nas mãos de seus seguidores, a teoria refinou seu foco nas implicações do processo de decisão descrito, enfatizando especialmente a instabilidade das expectativas, especialmente as de longo termo, e a possibilidade que essa teoria abria para a ocorrência de mudanças súbitas e catastróficas na trajetória das variáveis econômicas mais importantes.

Um desafio importante a essa teoria, no entanto, recebeu relativamente pouca atenção. Como visto, a teoria de Keynes enfatiza a liberdade do indivíduo quando forma suas expectativas em relação às condições correntes, já que a decisão está mais amarrada a cenários imaginados que a realidades presentes. No entanto, nem todos os cenários imagináveis são vistos pelos tomadores de decisão como igualmente possíveis. Em particular, há uma tendência razoavelmente visível para a convergência das expectativas formadas independentemente por indivíduos e não apenas, ainda que mais fortemente, no curto termo.3 Por quê?

O foco quase exclusivo lançado sobre o indivíduo por autores como Shackle, por exemplo, dificulta a resposta a essa pergunta. A resposta de Shackle sobre os limitantes que atuam sobre a formação das expectativas dos agentes era a consideração de “leis naturais”. No entanto, os indivíduos identificam outros obstáculos a reduzir a plausibilidade de certos cenários que não sejam apenas aqueles em que a projeção de futuros envolva uma violação de alguma lei natural. A própria vida em sociedade serve como limitante à plausibilidade do que é imaginável (e que esteja de acordo com as leis da natureza). Algumas das barreiras criadas pela sociedade são identificáveis com facilidade. Por exemplo, indivíduos a cada momento têm sua liberdade de ação restringida pela existência de compromissos contratuais (ou, similarmente, por costumes, obrigações de outra natureza etc.). A existência de obrigações contratuais contraídas no passado determina a tomada de decisão no presente, limitando o conjunto de cenários futuros que possam ser considerados. Do mesmo modo, o perfil presente do estoque de capital existente, do estoque de conhecimento de todas as naturezas, das habilidades dos fatores de produção etc. também é dado e serve para restringir as possibilidades de trajetória futura àquelas que partam desses dados.

Mas há mais do que restrições naturais, materiais ou institucionais envolvidas a constranger o processo de tomada de decisões. Há pelo menos uma consideração final a ser feita que é enfrentar as restrições representadas pelo próprio caráter individual independente das decisões a serem tomadas. A convivência de um grande número de unidades de decisão independentes em um determinado momento do tempo torna necessário, a cada tomador de decisão, formar expectativas sobre as expectativas alheias. Se os planos escolhidos individualmente não forem consistentes entre si, eles não poderão ser concretizados, e as expectativas serão desapontadas, mesmo se tiverem sido respeitadas as restrições naturais, materiais e institucionais já mencionadas. Mas, no capitalismo, não existem mecanismos explícitos e obrigatórios de conciliação prévia de expectativas e planos. É possível, mas implausível na já longa história basicamente bem-sucedida do capitalismo, argumentar que a convergência de expectativas tem sido obtida por coincidência. A existência de convenções e do que Keynes chamou de comportamento convencional é certamente uma hipótese mais promissora.

3. Convenções 

A definição de convenção é relativamente direta: é uma crença compartilhada por um certo número de indivíduos. Keynes a usa nesse sentido, e Erber também o fará. Uma convenção, portanto, é um redutor de incertezas ao tornar previsível o comportamento daqueles que se assume compartilhar a mesma crença. Mas a relevância de uma convenção naturalmente dependerá de quantos indivíduos compartilham uma determinada crença. Keynes usou a ideia de convenção no sentido de uma crença dominante em um dado momento, aquela capaz de explicar não apenas o comportamento de um indivíduo, mas, na verdade, da economia como um todo. Erber e os economistas franceses seguiram um caminho diverso, como se verá a seguir.

Convenções são frágeis por natureza, dado que nada garante que uma proposição amplamente aceita e firmemente acreditada não desapareça de uma hora para outra. De fato, o colapso de convenções é um dos temas mais fascinantes de um projeto de pesquisa sobre a formação de expectativas. Mas, em um dado momento, embora sempre haja dissidentes (e crenças candidatas a substituir a dominante), Keynes usa a expressão comportamento convencional para distinguir precisamente as formas de comportamento resultantes da aceitação da convenção dominante em um dado momento.

Nos trabalhos de Erber, há uma preocupação central com a identificação de outras convenções além daquela dominante, até porque a competição entre elas e a eventual substituição de uma por outra se constituiu, talvez, no tema que mais atraiu seus esforços nessa área.4 Assim, Erber (2011) aceita a definição de convenção oferecida por Orléan, um dos líderes da corrente francesa de estudo do tema, e que expõe da seguinte forma: 

Para lidar com os problemas de incerteza e coordenação, as sociedades utilizam instituições – as “regras do jogo”. Nos planos cognitivo e comportamental estas regras estão estruturadas por convenções. Formalmente, temos uma convenção se, dada uma população P, observamos um comportamento C que tem as seguintes características: (i) C é compartilhado por todos os membros de P; (ii) cada membro de P acredita que todos os demais seguirão C e (iii) tal crença dá aos membros de P razões suficientes para adotar C (p. 32). 

Em outras palavras, qualquer comportamento compartilhado por um grupo de indivíduos define uma convenção, desde que esses indivíduos aceitem a regra de comportamento que a define. A aceitação da regra comum permite a cada membro dessa população antecipar a reação dos seus companheiros a estímulos correntes, delinear o modo pelo qual tais estímulos serão transformados em um plano de ação, e, talvez, embora Erber não chegue a definir esse ponto, até mesmo como reagirão a choques específicos no futuro. Com isso, cada indivíduo minimiza uma fonte importante de incertezas no que diz respeito à consistência entre suas decisões e seus planos de ação e à dos outros membros da população.

Essa definição mais geral de convenções oferece uma vantagem e uma desvantagem em relação ao foco mais estreito sobre as crenças dominantes, proposto por Keynes. A vantagem é permitir ao analista captar a diversidade de visões concorrentes de como opera a economia, o que pode ser útil caso, por qualquer razão, a crença dominante venha a sofrer um colapso. A desvantagem é que, ao explicitar a coexistência, a cada momento, de várias convenções, torna-se necessário definir algum critério pelo qual se possam eliminar da análise as crenças com menor chance de virem a se tornar dominantes e que, portanto, possam ser eliminadas do conjunto de possibilidades a serem consideradas. Em outras palavras, se toda crença compartilhada pode ser considerada uma convenção, em que ponto se traça a linha, se é que isso é possível, que separa as convenções que merecem estudo daquelas que definem minorias inefetivas, cultos exóticos, modas e manias? Por outro lado, se um filtro puder ser definido, as formas de interação entre as crenças dominantes ou potencialmente dominantes, até mesmo para definir as regras de sucessão de uma para outra, tornam-se uma importante área de reflexão e análise.

Assim, embora Keynes e os franceses definam convenção essencialmente da mesma forma, interessa ao primeiro apenas a convenção dominante, ao passo que, aos segundos, a convivência e a concorrência entre regras do jogo diversas, aceitas por populações definidas, parecem ser o tema principal.

Duas diferenças adicionais parecem resultar desse contraste. O conceito adotado por Keynes inclui apenas o modo pelo qual a economia (ou partes dela) parece funcionar. Um exemplo dado por Keynes de uma variável convencional é a taxa de juros, porque dependeria do modo pelo qual os agentes econômicos entenderiam que ela é determinada e sua visão do que seria seu valor “normal”. 

Já no argumento de Erber, convenções são um conceito mais especializado e incluem não apenas hipóteses comuns a respeito da operação efetiva da economia, mas também uma hierarquia comum de fins. Em outras palavras, não apenas se cultiva uma visão comum de como funciona uma economia de mercado (por exemplo, se mercados de trabalho permitem a emergência de desemprego involuntário ou se tendem a permanecer na posição correspondente à taxa natural de desemprego), mas também uma hierarquia definidora da solução para eventuais trade-offs que exijam alguma intervenção externa (por exemplo, por meio de política econômica). Assim, quando Erber contrasta o que chamou de “convenção do desenvolvimento” com a “convenção da estabilidade”, não são apenas hipóteses diversas dos mecanismos fundamentais de operação da economia que fundamentam o contraste entre as convenções, mas também a preferência, na primeira, pela promoção do desenvolvimento, mesmo que isso possa sacrificar a estabilidade, ou a promoção da estabilidade, mesmo que isso possa sacrificar o desenvolvimento, no caso da segunda.5 Além disso, Erber preocupou-se primordialmente com a análise das formas de intervenção da política econômica na operação da economia e na persecução dos fins propostos por cada convenção. Por isso, uma convenção incluiria também uma especificação dos instrumentos de intervenção cuja eficiência deveria ser maior.

Assim, enquanto o conceito keynesiano de convenção resume-se à descrição do que os participantes de uma dada economia julgam possível (como a trajetória da taxa de juros), no conceito francês adotado por Erber, a convenção inclui também o que se julga desejável ou prioritário e como a consecução desses objetivos seria viabilizada ou facilitada pela intervenção de política econômica.

Um segundo elemento comum às duas noções de convenção é sua natureza antiteleológica. De fato, a convenção substitui a noção de que há atração a uma trajetória comum. Ela se baseia exatamente na ideia de que comportamentos não convergem “naturalmente” para nenhuma regra comum, a não ser na existência de uma convenção. Erber (2002, p. 15) ressalta que mesmo a ideia de trajetória é uma construção teórica própria de modelos teleológicos. A noção de trajetória assume implicitamente que dois pontos em uma sequência estão ligados por alguma relação de causalidade, quando é possível que sejam apenas exatamente isso: dois pontos alcançados em datas diferentes, sem nada mais que os ligue que a suposição feita por alguns (orientada por uma convenção) de que algum mecanismo defina uma conexão necessária. O conceito de incerteza de Keynes é antitético a qualquer visão teleológica, e a escola da convenção compartilha tal posição.

Como observado acima, na abordagem de Erber, uma questão de extrema importância refere-se ao surgimento de convenções (como elas são originadas) e, ainda mais, como elas se sucedem como dominantes. Apoiando-se no exemplo do Brasil no período do pós-Segunda Guerra Mundial, Erber aponta a (gradual?) substituição da convenção do desenvolvimento pela da estabilidade. A primeira é introduzida como 

trata[ndo] das transformações estruturais que devem ser introduzidas na sociedade, estabelecendo o que há de “errado” no presente, fruto do passado, qual o futuro desejável, quais estruturas devem ser mudadas e as agendas de mudança, positiva e negativa [Erber (2011, p. 33)]. 

Essa convenção tendeu a se organizar em torno de modelos neokeynesianos de crescimento, da família Harrod-Domar, e se concretizou por meio de leis, regulações e utilização de instrumentos de política econômica [Erber (2012, p. 12)].

Já a convenção de estabilidade define-se, na sua acepção mais simples, talvez, pela aceitação do que John Williams tornou conhecido como o Consenso de Washington.6

Para Erber, a ascensão da convenção de estabilidade se explicaria de modo essencial pelas mudanças no contexto externo à economia brasileira, transformações complexas de natureza tanto econômica quanto política e mesmo ideológica, que tornaram não apenas seus objetivos prioritários de algum modo menos prioritários, mas também seus instrumentos de intervenção obsoletos ou francamente disfuncionais. O argumento é forte, mas parece não conferir nenhum papel a fatores internos, até mesmo a inabilidade da convenção do desenvolvimento para eventualmente responder às expectativas dos agentes com relação a seus fins (o desenvolvimento não foi atingido) e aos problemas emergentes em paralelo para os quais suas respostas eram débeis (a aceleração da inflação no período pós-1979).

De fato, o conhecimento de como mudanças promovidas pelo próprio sucesso de uma determinada convenção, que incluem a ampliação das expectativas do público, a perda de urgência que problemas vão sofrendo ao serem atacados com algum sucesso e a acumulação de “detritos” (como foi o caso da aceleração inflacionária dos anos 1980 em diante), parece ser peça essencial de uma reflexão sobre como convenções se estabelecem como dominantes em cada momento.

Em um de seus últimos trabalhos, Erber estende sua reflexão ao exame do governo Lula da Silva. Erber propõe que seus dois mandatos, como aliás já teria sido também o caso dos mandatos precedentes, de Fernando Henrique Cardoso, são marcados pelo conflito e pela luta por hegemonia de variantes das duas convenções, de desenvolvimento e de estabilidade, que parecem servir de matriz para as escolhas específicas feitas a cada período. No governo Cardoso, segundo Erber, o conflito entre variantes das duas convenções nunca teria ameaçado realmente o predomínio da convenção da estabilidade. Nos governos Lula da Silva, uma forma desta última teria dominado o primeiro mandato, mas, no segundo, um certo impasse teria sido estabelecido, tornando sua caracterização mais difícil.

Na avaliação do governo Lula, Erber introduziu mais um elemento de análise do conceito de convenções. Ao mostrar as formas específicas que as convenções de estabilidade e de desenvolvimento assumiram no interior do governo (e contrastá-las com outras variantes não participantes da administração), Erber implicitamente abriu nova frente no estudo do tema, a relação entre matrizes mais gerais de compreensão do funcionamento da economia e as formas específicas que essas matrizes vão assumindo em configurações políticas dadas.7

O grau de flexibilidade de uma determinada matriz deve certamente ter alguma influência sobre a possibilidade de derivação de formas aplicadas de cada convenção apropriadas às características de cada momento histórico.

O Brasil viveu a predominância de várias convenções durante o século XX e neste início de milênio. Seguindo uma pista sugerida por Erber, de que a diversidade de crenças compartilhadas “vaza” para a cultura popular, manifestando-se, por exemplo, sob a forma de provérbios ou outras formas de expressão, é possível dizer que já se vive a “convenção do Jeca Tatu”, do país enorme e atrasado, perdido em doenças crônicas e na ignorância e incapaz de reagir, sucedida pela convenção dos “50 anos em 5”, em que se acreditou que tudo era possível, até mesmo o desenvolvimento econômico e a transformação estrutural do país. A convenção dos “50 anos em 5” durou até o fim do governo Geisel, tendo afinal cedido sua preeminência a uma versão moderna da convenção do Jeca Tatu, da inevitabilidade do atraso, do país do futuro que sempre será, das décadas perdidas, mesmo depois da reconquista da estabilidade monetária.8 

4. A Convenção do Desenvolvimento

O interesse central de Fabio Erber em toda essa discussão era, indiscutivelmente, como recuperar o espaço para a convenção de desenvolvimento como a convenção hegemônica na sociedade brasileira. Ao retornar, por um instante, ao sentido keynesiano do termo, o primeiro requisito para essa recuperação seria o convencimento da sociedade de que o desenvolvimento é possível (não apenas o crescimento econômico, que tem se mostrado suficientemente difícil, mas também a transformação estrutural definidora do desenvolvimento). Nos termos propostos por Erber, o requisito seria na verdade recuperar a noção (não é claro que seria uma convenção no sentido por ele proposto, embora se trate claramente de uma convenção no sentido de Keynes) de progresso, isto é, a crença de que a mudança é efetivamente possível e está ao alcance da sociedade brasileira.

Novamente no sentido de Keynes, se a crença na possibilidade de desenvolvimento (independentemente de especificações mais precisas sobre a forma que esse desenvolvimento deve tomar ou dos instrumentos necessários para alcançá-lo), que sucumbiu à sucessão de décadas perdidas, for reconstruída, por si só seria de se esperar uma ressurreição entre empresários do que Keynes chamou de animal spirits, uma disposição espontânea para enfrentar os riscos associados ao investimento, na confiança de que outros estariam fazendo o mesmo. 

Em um tal contexto, políticas de fomento e suporte ao crescimento também deveriam ter sua eficácia aumentada, porque a sensibilidade dos agentes econômicos aos estímulos lançados pelo governo deve crescer, se se acredita que outros estarão também atendendo ao chamado.9

Para isso, no entanto, é preciso reconstruir a convenção de que políticas de promoção do, ou apoio ao, desenvolvimento podem ser eficazes, algo que teria desaparecido com a longa hegemonia da “convenção de estabilidade” que relegava o Estado a uma função secundária, de garantia apenas da estabilidade macroeconômica, entendida em sentido estreito. O “plano” seria a corporificação, de certo modo, de uma convenção do desenvolvimento.

A força da noção de plano foi erodida por uma conjunção de fatores de importância desigual nas últimas décadas do século XX. Por um lado, o bem-vindo colapso das formas totalitárias de planejamento praticadas no Leste Europeu e na extinta URSS alimentou a ideia de que qualquer intervenção pública contém, no mínimo, as sementes do autoritarismo. No caso brasileiro, essa noção foi reforçada pelo sucesso de autores mais extremadamente liberais (cultores da convenção da estabilidade) de que o entusiasmo de alguns governantes do período militar pelo planejamento econômico era prova, em si mesma, da natureza autoritária de qualquer forma de intervenção. O sucesso, pelo menos por algum tempo, do argumento liberal obscureceu o registro histórico que lista várias formas de planejamento compatíveis com regimes politicamente abertos, a começar pelo planejamento indicativo francês no pós-Segunda Guerra Mundial. Mas a construção da hegemonia de uma determinada convenção é um problema político tanto quanto, se não mais, econômico. Economistas simpáticos a alguma noção de convenção não estão aparelhados adequadamente para explorar, com a profundidade necessária, a questão da substituição de convenções dominantes.

5. Conclusão 

Como mostrou Erber, uma forma específica de convenção de desenvolvimento recuperou sua força (se não necessariamente a hegemonia) no segundo mandato do Presidente Lula da Silva. Sua posição foi reforçada pela bem-sucedida administração das ondas de choque da crise econômica internacional que atingiram a economia brasileira ao fim de 2008.

Estratégia e instrumentos semelhantes foram reaplicados em 2012, mas com efeitos pífios sobre a economia, permitindo que partidários da convenção da estabilidade reabrissem a questão de sua hegemonia, cujas raízes nunca chegaram a ser realmente mais profundas. Em uma primeira, e necessariamente especulativa, aproximação, o desempenho da economia brasileira em 2012 parece ser um exemplo de livro-texto confirmando a eficácia da noção de convenção. Há uma percepção generalizada na sociedade brasileira de que as medidas de expansão tomadas ao longo de 2012 não funcionaram porque os agentes econômicos (especialmente os empresários) não teriam acreditado em sua eficácia. Ou, em termos mais apropriados à noção de convenção, os agentes não estariam convencidos que os outros agentes tivessem acreditado na eficácia das medidas, o que faria com que, caso algum empresário tivesse efetivamente respondido aos estímulos, acabaria por perceber que sua resposta seria anulada pela falta de adesão dos outros. Em outras palavras, a hipótese é que faltaria a crença compartilhada na eficácia das medidas tomadas que, por si, as tornaria ineficazes já que ninguém assumiria o risco de mover-se sem ter segurança que outros estariam movendo-se em simpatia.

Se a tese de Erber estiver correta, não bastaria escolher os instrumentos adequados, não bastaria nem mesmo convencer os agentes econômicos, um a um, de que os objetivos são factíveis e os instrumentos são eficazes, é preciso ainda convencê-los de que um número suficiente de agentes está convencido disso para garantir o sucesso de uma iniciativa. A convenção é um instrumento de coordenação de expectativas, de informação a cada um do que outros esperam resultar de um dado estímulo. Mas construir uma convenção envolve não apenas conhecer como funciona a economia, mas também saber persuadir politicamente um número suficiente de agentes da sua correção para que a política possa demonstrar sua eficácia e, assim, reforçar a convenção que a sustenta. Fabio Erber, corretamente, sustentou insistentemente que a solução desse problema exigiria não um debate entre correntes de economia, mas um debate entre várias disciplinas de ciências sociais. Para nosso pesar e nosso prejuízo, esse debate terá de prosseguir sem o privilégio de sua participação.