A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) solicitou a Erber uma revisão da literatura brasileira sobre inovação e desenvolvimento a partir da década de 1990, com o objetivo de “sistematizar o pensamento gerado no Brasil a respeito das características e determinantes do desempenho das empresas atuantes no país em matéria de P&D, geração de tecnologias e inovação em processos e produtos”. A identificação dos textos foi feita por meio da consulta a publicações e pesquisadores (as) atuantes nessa área de conhecimento. A divulgação desta versão do texto visa a sanar omissões, além de submeter, em um espírito habermasiano, as conclusões ao debate.
Estudos sobre o desenvolvimento tecnológico no Brasil foram frequentes durante a década de 1970, conforme mostra uma revisão feita há 30 anos (ERBER, 1979). Após um período de relativo ocaso, voltaram a proliferar no passado recente. Na próxima seção, apresento uma interpretação do que fez que a temática da inovação reassumisse um papel de relevo: a transformação tecnológica que ocorreu no mundo durante o período considerado, a convergência entre os economistas de diversas persuasões teóricas sobre a importância da inovação, assinalando as correntes que mais influenciaram a literatura nacional, os problemas enfrentados pela economia brasileira a partir do início dos anos 1990, as políticas destinadas a lidar com alguns desses problemas, notadamente a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior de 2003 e a disponibilidade de novos dados sobre a inovação no Brasil a partir das pesquisas sobre inovação tecnológica feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec). As seções seguintes analisam a literatura sobre inovação no Brasil. A seção 2 olha para os estudos que situam o Brasil no contexto internacional. A terceira seção examina os estudos que analisam o fenômeno no Brasil. Conforme explicado em breve introdução teórica, em que se destaca a importância do contexto macroeconômico para o investimento em inovação, o ordenamento dos estudos é feito cronologicamente, seguindo as etapas de investimento observadas na história brasileira dos anos 1990 até meados da presente década, período sobre o qual se dispõe de dados para pesquisas. Finalmente, a seção conclusiva sugere uma agenda de pesquisas futura, visando a aprofundar e complementar os estudos resenhados e, eventualmente, preencher algumas lacunas que Erber percebeu.
Inovação Tecnológica na Indústria Brasileira no Passado Recente – uma resenha da literatura econômica
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) solicitou a Erber uma revisão da literatura brasileira sobre inovação e desenvolvimento a partir da década de 1990, com o objetivo de “sistematizar o pensamento gerado no Brasil a respeito das características e determinantes do desempenho das empresas atuantes no país em matéria de P&D, geração de tecnologias e inovação em processos e produtos”. A identificação dos textos foi feita por meio da consulta a publicações e pesquisadores (as) atuantes nessa área de conhecimento. A divulgação desta versão do texto visa a sanar omissões, além de submeter, em um espírito habermasiano, as conclusões ao debate.
Estudos sobre o desenvolvimento tecnológico no Brasil foram frequentes durante a década de 1970, conforme mostra uma revisão feita há 30 anos (ERBER, 1979). Após um período de relativo ocaso, voltaram a proliferar no passado recente. Na próxima seção, apresento uma interpretação do que fez que a temática da inovação reassumisse um papel de relevo: a transformação tecnológica que ocorreu no mundo durante o período considerado, a convergência entre os economistas de diversas persuasões teóricas sobre a importância da inovação, assinalando as correntes que mais influenciaram a literatura nacional, os problemas enfrentados pela economia brasileira a partir do início dos anos 1990, as políticas destinadas a lidar com alguns desses problemas, notadamente a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior de 2003 e a disponibilidade de novos dados sobre a inovação no Brasil a partir das pesquisas sobre inovação tecnológica feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec). As seções seguintes analisam a literatura sobre inovação no Brasil. A seção 2 olha para os estudos que situam o Brasil no contexto internacional. A terceira seção examina os estudos que analisam o fenômeno no Brasil. Conforme explicado em breve introdução teórica, em que se destaca a importância do contexto macroeconômico para o investimento em inovação, o ordenamento dos estudos é feito cronologicamente, seguindo as etapas de investimento observadas na história brasileira dos anos 1990 até meados da presente década, período sobre o qual se dispõe de dados para pesquisas. Finalmente, a seção conclusiva sugere uma agenda de pesquisas futura, visando a aprofundar e complementar os estudos resenhados e, eventualmente, preencher algumas lacunas que Erber percebeu.
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Arranjos produtivos locais (APLs), caracterizados como aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, que têm foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos entre si, vêm ganhando importância crescente como objeto de estudo acadêmico e de políticas públicas. Parte dessa atenção deriva da hipótese que essas aglomerações possibilitam ganhos de eficiência que os agentes que as compõem não podem atingir individualmente – ou seja, que nelas está presente uma “eficiência coletiva” que confere às aglomerações uma vantagem competitiva específica.
Baseando-se na literatura sobre APLs industriais, este artigo comenta a base analítica desta “eficiência coletiva”, fundada em “economias externas locais” e “ação conjunta”. Os dois fundamentos e os resultados da eficiência coletiva em termos de vantagens competitivas são discutidos em seções separadas, ficando a seção conclusiva reservada às implicações da análise precedente para a política econômica.
Eficiência coletiva em arranjos produtivos locais industriais: comentando o conceito
Fabio S. Erber, Nova Economia, Belo Horizonte 18 (1), pp.11-32, janeiro-abril de 2008
Arranjos produtivos locais (APLs), caracterizados como aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, que têm foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos entre si, vêm ganhando importância crescente como objeto de estudo acadêmico e de políticas públicas. Parte dessa atenção deriva da hipótese que essas aglomerações possibilitam ganhos de eficiência que os agentes que as compõem não podem atingir individualmente – ou seja, que nelas está presente uma "eficiência coletiva" que confere às aglomerações uma vantagem competitiva específica.
Baseando-se na literatura sobre APLs industriais, este artigo comenta a base analítica desta "eficiência coletiva", fundada em "economias externas locais" e "ação conjunta". Os dois fundamentos e os resultados da eficiência coletiva em termos de vantagens competitivas são discutidos em seções separadas, ficando a seção conclusiva reservada às implicações da análise precedente para a política econômica.
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O artigo argumenta que as teorias de desenvolvimento econômico são metáforas que têm um forte conteúdo mítico, embora este não seja normalmente reconhecido. As políticas que derivam destas teorias têm duas agendas: uma agenda “positiva”, que especifica quais problemas são relevantes e as formas aceitáveis de resolvê-los; e uma agenda “negativa”, que contém as questões e políticas que devem ser evitadas. Esta abordagem é usada para interpretar a visão hegemônica do desenvolvimento, tal como explicitada no Consenso de Washington, mostrando que esta visão contém todos os ingredientes de um mito milenarista – o da travessia do Deserto rumo à Terra Prometida. Analisa a seguir a aplicação das duas agendas desta visão de desenvolvimento ao caso brasileiro durante a segunda metade dos anos noventa. Finalmente, o artigo discute visões alternativas de desenvolvimento, argumentando a favor de metáforas abertas, como o mito de Ulisses.
The Brazilian development in the nineties – myths, circles, and structures
Fabio S. Erber, Nova Economia, Belo Horizonte 12 (1), pp.11-37, janeiro-junho de 2002
O artigo argumenta que as teorias de desenvolvimento econômico são metáforas que têm um forte conteúdo mítico, embora este não seja normalmente reconhecido. As políticas que derivam destas teorias têm duas agendas: uma agenda “positiva”, que especifica quais problemas são relevantes e as formas aceitáveis de resolvê-los; e uma agenda “negativa”, que contém as questões e políticas que devem ser evitadas. Esta abordagem é usada para interpretar a visão hegemônica do desenvolvimento, tal como explicitada no Consenso de Washington, mostrando que esta visão contém todos os ingredientes de um mito milenarista – o da travessia do Deserto rumo à Terra Prometida. Analisa a seguir a aplicação das duas agendas desta visão de desenvolvimento ao caso brasileiro durante a segunda metade dos anos noventa. Finalmente, o artigo discute visões alternativas de desenvolvimento, argumentando a favor de metáforas abertas, como o mito de Ulisses.
Comme la tête tranchée d ́Orphée,
la mythologie continue à chanter,
même aprés l’heure de sa mort,
même à travers l’éloignement.1
1. Introduction
Over the past years, watching the Brazilian policy-makers stick to their course in spite of all warnings about the high risks entailed by the strategy they were following, I was often reminded of Polonius’ remark about Hamlet: “if this madness be, there is method in it”. This essay is about the “method” – their view of development. The strategy is a consequence of such a view. Quite obviously, the view of development provides only a partial explanation of the strategy; other important factors, such as economic and political interests, play important roles in the definition of a development strategy. Nonetheless, such other factors are not discussed below, except in terms of the roles economic actors are supposed to play in the strategy. Development strategies are derived from “problem-setting” metaphors. Such metaphors lead to a “positive” agenda – problems which must be tackled – and a “negative” agenda – issues which must be avoided. For reasons that are explained at some length below, I believe the strategy followed in Brazil – as well as in most developing countries – has strong mythical contents which the article tries to bring to the fore. Such contents help to explain the “positive” and “negative” agendas of the strategy, and thereby why the strategy has failed to achieve some of its most important objectives. Moreover, they help to explain the rigid adherence of policy-makers to a prescribed path. Analytically, my hopes are that, by focusing on that hidden aspect of development, I am contributing to a multi-disciplinary debate which may lead to the creation of “cognitive metaphors” – metaphors which may “enable us to see aspects of reality that the metaphor’s production helps to constitute” (Black 1993, p. 38).
In the following section, I briefly describe the conditions of the Brazilian society at the end of the eighties, which made it ripe for radical changes but, at the same time, posed a great uncertainty about the course to be followed. Section 3 presents, first, a digression on problem setting and the role of myths in dealing with uncertainty faced at times of deep changes, and then it argues that the development strategy which was (and still is) hegemonic in Brazil has the same structure, the same view of the process of change and the same approach to history as the myth of “crossing the desert”. As a myth, it claims to be the result of a “universal convergence” of scientists and it holds a very restricted view of the “world” that has to be changed, which is limited to the institutional structure. It has its doctrine and initiates. In short, it is a closed-end metaphor. Section 4 presents the “positive” agenda of the Brazilian policy-makers – its scope (institutional reform), actors and the three virtuous circles which were envisaged to produce growth. The evidence presented argues that although some of the envisaged results did come true, the virtuous circles turned into vicious circles. Section 5 is an analysis of silence – the issues policy-makers refused to confront (their “negative” agenda) and of some implications of such agenda. The poor record of the strategy can be also ascribed to the “negative” agenda – especially its denials of the role played by the productive structure in the process of development and the role played by the state in changing the productive structure. In the last section, I briefly review the debate about the reversibility of the reforms, but its gist lies in the argument that, contrary to what is currently stated, there are alternative views of development, such as the evolutionary approach, which sees development arising from the coevolution of productive and institutional structures. Such approach embodies uncertainty and history but, most importantly, it stresses theoretical humility, flexibility, and innovation. Therefore, it requires open-ended metaphors, which are not provided by cosmological myths such as the myth of crossing the desert.
2. A time of darkness
At the end of the eighties, Brazil was ripe for important changes. The long process of restoring democracy was ending: a new constitution was voted in 1988 and the first direct election for president since 1960 was scheduled for the end of 1989. But, defeating many hopes, democracy did not bring along economic prosperity. Quite the contrary, the economy was plagued by slow growth and inflation. The latter had been carried from “high and chronic” levels to the brink of hyperinflation, where indexing mechanisms played perverse roles. The short and sharp cycles of economic activity during the eighties –coupled with the incapacity of the governments (authoritarian and democratic) to kill the “dragon of inflation”2 and to negotiate the external debt – led to a deep disillusionment with the pattern of development which prevailed since the thirties, in which the state played a leading role (Castro, 1993).
The debacle of the Plano Cruzado at the end of 1986 (a “Plan which must succeed” and which promised an easy way out of inflation and the quick resumption of growth) was probably a watershed in the perception of agents about the possibilities of development of Brazil. It was no longer possible to sustain the idea that development was Brazil’s manifest destiny3 and the “convention of growth” which had ruled the country through military and democratic regimes (Castro, 1993) came asunder. It is significant that, in the 1989 election, there were no leading candidates upholding the previous pattern of development – and much less so the outgoing government.
International conditions favored drastic changes, too. The criticism of the import-substitution industrialization, which had mounted during the seventies (e. g. Krueger, 1974), coalesced with the reform wave of the Thatcher/Reagan period and became a blueprint for stabilization and growth of developing countries – the “Washington Consensus” (Williamson, 1990), to which we return in the next section. Such recommendations came at a time in which the capitalist world economy showed increased vigor in terms of trade, investment, and technological development, increasing the legitimacy of such recommendations.
3. Where do we go to? To cross the desert
The electoral campaign of 1989 showed that there was a consensus that deep changes were necessary in Brazil, but it also showed that the options presented by the two leading contestants were far from clear (Conti, 1999). Uncertainty was the hallmark of the period. Economists of Keynesian and evolutionary persuasions have long argued that uncertainty is not synonymous with incomplete information, that economic agents breach the gulf of substantive uncertainty by recourse to institutions, conventions, and emotions, such as Keynes’s “animal spirits” and Schumpeter’s “entrepreneurship”. Part of the conventions which help social actors to deal with uncertainty are “stories” told about change – of how change is necessary and, especially feasible, even under difficult circumstances. In fact, in his analysis of metaphors, Johnson (1987) argued that moving from one point to the other along a “path” is one of the basic image schemata we use. Coupled to the “scale” schemata which organizes our experience of “more” and “different” (ibid), the “path” schemata provides a basic experience of development. But to serve as guidelines for action in complex situations, such a schemata must be organized and enriched by more complex metaphors. As pointed out by Schön (1993), we think about social problems “in terms of certain pervasive, tacit generative metaphors” (p. 139, emphasis added), which are used for problem-setting, “to describe what is wrong with the present situation in such a way as to set the direction for its future transformation” (p. 147). Some of such tacit and pervasive metaphors are provided by myths. The function of the myth is to reveal models, reducing uncertainty (Eliade, 1963). “Myths guarantee to Man that what he is preparing to do was previously done, they help him to chase the doubts he could hold about the result of his enterprise”(Ibid, p. 173, his emphasis, my translation). Although they may have lost their sacred meaning, some myths are metaphors which are widely shared in a society – they provide “stories” about change that everybody knows. Consider, for instance, the millenialist myth we all know. A People is immersed in sin and it is leading a miserable life under the rule of the Daemon. A courageous Leader guided by the Doctrine given by a Deity comes, and with the help of a devoted band of early followers, defeats the Daemon and leads the People to a Promised Land. However, before reaching this wondrous place, they must surmount many obstacles. Some of the obstacles are external (e. g. a desert), others are internal (doubts). Doubters must be convinced to continue by the combination of menaces and promises. Many of the persons who started the journey will not end it: either because of weakness or because they have backtracked and became allies of the Daemon. The latter must be eliminated ruthlessly. Faith and Perseverance are essential. Finally, the People reach the Promised Land. History – and the story – end here. A characteristic of myths is that they have many variations.4 Readers of a Judeo-Christian culture will probably have recognized the story as that presented in the Exodus chapter of the Bible. However, Romans acquainted with Virgil could have recognized in the story several elements of the Aeneid. More modern versions of this myth can be found in some Marxist-Leninist visions of history: Try replacing the People by the Proletariat, the Leader by the Party, the Daemon by Capitalists and the Promised Land by Communism. As for individuals, all initiation rites (from those performed in Amerindian cultures to those necessary to be admitted to academic or esoteric communities) share some of the structural features of this myth (Johnson’s schemata): the path from a “bad” to a “good” situation is fraught with sacrifices and helped by a superior force. A myth is no ordinary story – ancient people distinguished between “myths” (true stories) and “fables” (false stories) (Eliade, 1963). To be a “true” story, it had to be told by someone holding special powers, a priest or a chaman. Nowadays, such sacred role is performed by scientists. If a version of the myth is presented under scientific language the original sacredness of the myth is restored5 and its power reinforced. An integral part of a mythical thinking is the initiates’ belief that they hold the Truth. Skeptics, who point out that the myth may reveal only part of reality, are not tolerated. At best, they are misguided and must be enlightened, but if they persist in their doubts, this is a clear sign of being allies of the Daemon. By the end of the eighties the Washington Consensus presented all elements needed for a modern generative millenialist metaphor. To societies plagued by slow growth and high inflation, the Washington Consensus identified the Daemon, the cause of their afflictions: the State. The State suffocated the market through protection, regulation, public property, fiscal profligacy and an ever-increasing and self-serving bureaucracy. Misallocation of resources, slow productivity growth, consumer’s damnation through high prices and poor quality products and services were the results. The path to a new society was provided by institutional reform. Such reform, to be effective, had to be pervasive. As examined in detail by Eliade (1963), cosmological myths hold that the New World cannot come into being unless the Old World has been destroyed. For the Washington Consensus, the “world” is equated to institutions, reversing the “old” emphasis on productive structure posed by ECLA and other developmentalists. If the latter, by and large, ignored institutions, the reformers of the Consensus dealt with institutions only – the blindness of one is the vision of the other. Therefore, not only the “world” must be renewed, but the whole concept of what is the “world” is changed. Refraining to call such sweeping reforms a “revolution” is probably a result of the socialist overtone the latter concept acquired. Nonetheless, the term adopted, “structural reforms”, has a deep resonance in Latin America, where during the sixties it was a rallying cry for change and development. It is true that, in the past, “structural reform” was a banner of the left, and now it had changed hands, but such rhetorical appropriations are not uncommon. Although the sequencing of the reforms admitted variations, at the end of the path would lie a society ruled by efficiency and merit. As all national societies followed the prescribed path and became market-driven and democratic, history would come to an end. If duly propitiated, foreign capital and international institutions would be the presiding angels which would help underdeveloped societies to reach the desired goal, bringing guidance and manna – finance and technology. Several rhetorical elements reinforced the story told by the Consensus. First, its claim to scientism. As it is well known, the Consensus is based on a theoretical tripod: conventional neo-classical economics, public choice theory, and the new institutional economics. The latter two may be viewed as resulting from the “invasion” of political science and sociology by neo-classical economics assumptions such as methodological individualism. Reviewing the Consensus at the beginning of the nineties, its godfather argued that “most of the universal convergence… is drawn from that body of robust empirical generalizations that form the core of economics” (Williamson, 1993, p. 1333). To conclude, he states “I regard [the Washington Consensus] as an attempt to summarize the common core of wisdom embraced by all serious economists” (ibid, p. 1334). In other words, there is one and only one Doctrine and those who disagree are apostates (or cranks).
Second, its claim to universality. As shown by the first quote above, by the early nineties the Washington Consensus – thus baptized because it reflected a list of “economic reforms that were being urged on Latin American countries by the powers-that-be in Washington” (as explained by Williamson himself – ibid, p. 1329) – had become a “universal convergence”.6 The downfall of socialist regimes, and consequently of the socialist myth as a competitor to the Consensus, strengthened this claim further. The Hegelian view of history provided by Fukuyama (1989), whereby countries which combined political democracy and market-led economies had completed their trajectory, reaching a “post-historical” condition, provided a powerful metaphor for the claim to universality. Opposition to “universal trends” is both illegitimate and inefficient.
Last but not least, doubts about the persistence and relevance of mythical rhetoric can perhaps be dispelled by noting the emphasis of reformists on the “fundamentals” of the economy7 and recalling that the Washington Consensus is presented as a Decalogue (Williamson, 1990 and 1993).
It is true that the magic of the Consensus was short-lived, at least in Washington: by the end of the decade it was disowned by its institutional parents – its policies were dubbed “hardly complete and often misleading” by no less than the Senior Vice-President and Chief Economist of the World Bank (Stiglitz, 1998, p. 1).
Nonetheless, the Consensus marches on, with variations. Stiglitz has left the Bank and the latter’s bureaucracy now speaks of “second generation” reforms, i. e. the Consensus was correct but incomplete. Although there are alternative views of development, such as provided by the evolutionary research program, which regards development as resulting from the coevolution of institutional and productive structures, they have not reached policy-making echelons.8 Moreover, there is no sign of recanting in the Brazilian policy-making team. Ideas sometimes take a long time to cross the Equator line.
4. Uses of the myth: the positive agenda – virtuous and vicious circles
Few politicians in the Brazilian history have presented such messianic traits to the public as Fernando Collor, the winner of the 1989 election. Not with standing the fact that he had run a millionaire campaign and been favored by the media and bourgeoisie, probably his victory was also the result that the electorate fell less insecure with a white, handsome, educated, rich, and very determinate candidate than with a former worker – a testimony to the uncertainty previously mentioned and to the importance of the mythical Leader.9
Collor set the country along the reform path predicated by the Washington Consensus. Although he had to resign the Presidency in 1992 following corruption charges, the path was trod on by his successors – Collor’s Vice-President, Itamar Franco and the latter’s Finance Minister, Fernando Henrique Cardoso, who was elected in 1994 and reelected in 1998. It is on the latter’s development strategy that we concentrate on.
The Consensus, as a truly generative metaphor, sets a “positive agenda”, the issues to which policy should be addressed to, and a “negative agenda”, the issues which should be avoided. Such agendas were wholeheartedly embraced by Cardoso’s policy-makers. In this section, we analyze the positive agenda and in the next section, the negative agenda.
The positive agenda was ambitious. Its foremost objective was to defeat the inflation dragon and then to keep it under control. The stabilization plan10 was based on fiscal measures to bring public deficit under control and on an ingenuous monetary reform, which first introduced an account currency to align prices and then transformed this currency into money proper. In subsequent stages, inflation was kept under control by a combination of foreign exchange and monetary anchors – an overvalued exchange rate (superimposed on import liberalization) and very high interest rates. Introduced in 1993, when Cardoso was the Finance Minister, the successful stabilization led to his subsequent election (1994) and reelection (1998) as President, indicating the degree to which the population abhorred the dragon.11 Nonetheless, the positive agenda did not stop at price stabilization. It aimed also at growth, by laying down “sound macroeconomic fundamentals” and establishing three virtuous circles of higher investment, higher productivity, and higher growth, described below. Moreover, at a deeper level, policy-makers intended to transform what was seen as an “organic” (corporative) fabric of relationships into a more individualistic society – a truly liberal intention.12 In practical terms, this has been equated to establishing market-friendly institutions, following the Consensus Decalogue – e. g. by privatizing state-owned enterprises and setting up sectoral regulatory agencies; eliminating differences between local and foreign-owned enterprises; eliminating price controls by the state and establishing a regulatory system to avoid market power misuse; liberalizing foreign trade and investment; establishing a new legislation for intellectual property which strengthens the rights of innovators;13 liberalizing labor legislation and fostering regional Integration under the MERCOSUR.
Three entwined virtuous circles would arise from such reforms, leading to higher investment and growth.14 The first and most important circle was related to globalization (defined as trade and investment growth above production growth and elimination of distinctions between foreign and national capitals). Trade and foreign direct investment (FDI) would introduce competitive pressure into the erstwhile protected markets and bring in more modern machinery and inputs, increasing productivity. Trade and FDI are closely related: FDI requires freedom to import but it has, at the same time, a greater propensity to export. In the long run, such investment would lead to increases in productivity and hence to greater exports. It did not matter that a considerable part of FDI was directed to purchasing local (private and state-owned) firms, since this was a prelude to increases in productivity and greater exports. Therefore, the large deficit in the transactions account of the balance of payments was a temporary phenomenon as was the reliance on short-term international finance to fill in the foreign exchange gap. By the same token, the very high interest rates required to attract financial capital would be short-lived. Moreover, financial liberalization would allow firms to access cheaper international sources, reducing the impact of the high internal interest rates. The first virtuous circle and, in fact, the whole strategy were predicated upon the availability of cheap, long-term foreign finance. The second circle was related to stability: the end of inflation had brought about a positive income redistribution, favoring those which had suffered most under the dragon’s flames and thus increasing the internal market. At the same time, stability allowed for longer time frame, so that the entrepreneurs would be stimulated to invest and consumers to buy, fuelling the market. Trade liberalization would further stability by acting as a brake on price domestic producers. Privatization and deregulation would coalesce with imports and FDI to increase competition. Wider markets, positive expectations, and greater competition would lead to new investment and trade liberalization would allow imports of new vintages of machinery and inputs and therefore to increased productivity, exports and growth. Fiscal reform would support a decline in interest rates and more “flexible” labor legislation would reduce costs and increase international competitiveness. The adoption of an over-valued exchange rate strengthened the mechanisms of the two circles, linking further the stabilization and growth components of the strategy. Finally, ancillary to the two previously described circles, regional integration would increase trade and FDI and, at the same time, widen the national market. From such virtuous circles, different roles for social actors are derived – as in Orwell’s farm, some are more equal than others and the former lead the process. In the virtuous circles, the state – shorn of its enterprises and committed to fiscal equilibrium – moves to the backstage and foreign enterprises – acting as investors, traders, and financiers – play the leading roles. To such demiurges of development, all propitiatory incentives were given: from changing the Constitution to nominally equalize them with national enterprises to fiscal and credit incentives in order to attract them. National enterprises play the supporting roles – as one would expect from reading President Cardoso’s (1964, 1971) academic works.15 Difficult roles, it should be said, given the import liberalization, the overvalued exchange rate, and the very high internal interest rates, especially for those enterprises which had limited access to the international market. To the many who failed to cross the desert, social Darwinism was the answer. Faith and Perseverance were not lacking among policy-makers: despite the Mexican, Asian and Russian crises, they adhered to the prescribed path, with some detours such as shifting the weight on foreign actors from financial capital to direct investment. The most important change came in early 1999 in the wake of a foreign exchange crisis, when policy-makers (after using up a considerable part of foreign exchange reserves) were obliged to overhaul the foreign exchange policy16 and adopted “inflation targeting”, under the “prudent supervision” of the International Monetary Fund. Although those are important tactical changes, the reform strategy is maintained. Therefore, it is worthwhile to briefly analyze the performance of the virtuous circles.17 Some expectations of the virtuous circles were fulfilled. First, inflation was kept under control: from a staggering 5,154% yearly rate in June 1994, just before the launching of last phase of the Real Plan, it declined to 1.7% in 1998. Although the drastic overhaul of the foreign exchange policy in the beginning of 1999 pushed the inflation rate up to 9%, this was much less than all analysts (including the government’s) had expected. Second, FDI did come in: from US$ 2 billion in 1994, it grew to about US$ 30 billion in 1999/2000. Third, productivity also increased – labor productivity in industry increased by close to 6% per year between 1991 and 1998.18 Fourth, with the end of inflation, urban labor real average earnings19 increased by 8.7% between 1994 and 1995, leading to a consumer expenditure boom. Nonetheless, virtue was not duly rewarded. Gross Domestic Product growth rates changed from fair in 1994 (5.9%) to modest in 1995 (4.2%), mediocre in 1996 and 1997 (2.8% and 3.7%), and finally to nil (or close to) in 1998 and 1999 (0.8%). Investment measured at current prices was low in 1994 (20.8% of GDP) and declined to 19.1% in 1998. Unemployment rose to unprecedented levels,20 and informal employment now accounts for more than half of the total – features which partly explain increased productivity.
Labor earnings continued to grow up to 1997, albeit at a slower pace, but then declined in 1998 and 1999, when they stood at the same level as that of 1995. The combination of unemployment, reduced earnings, and tight and expensive credit led to a drop of consumer expenditures.21
Such poor performance can be ascribed to another circle – of vicious nature. The envisaged virtuous circles engendered a perverse progeny: vicious circles in which the stabilization anchors (over-valued exchange rate and high interest rates) led, on the one hand, to growing deficits in current transactions, increasing foreign capital requirements, and thus preventing any decline in interest rates. On the other hand, the latter led to low investment and unemployment as well as to growing fiscal deficits, which sustain high interest rates. In other words, the development strategy faces two entwined constraints: foreign exchange and fiscal restrictions.
It is worth showing a few figures to illustrate such constraints. Exports grew by 17% between 1994 and 1998, but imports soared ahead, increasing by 77% in the same period. As a consequence, the current account deficit was 4.5% of GDP in 1998.22 The high internal interest rates fuelled a drive to indebtedness abroad and the ratio of net debt/yearly exports grew from 3.5 in 1990 to 4.5 in 1999. Servicing this debt takes a toll – in 1999, payments for interest and amortization accounted for 71.5% of exports and were equivalent to more than double the entry of FDI (Kleber, 2000). In other words, the foreign front is structurally vulnerable – a point to which we will return in the next section.
Pushing interest rates to sky-high levels to attract foreign finance capital and keep inflation under control seriously damaged public accounts too. Although the government (all spheres) has managed to maintain a surplus on the primary account by cutting down expenses and increasing fiscal revenue by several ad-hoc measures, payment of interests has produced burgeoning deficits, which reached more than 10% of GDP in 1999. 23 By the end of that year, the net public debt was equivalent to 48% of GDP (Gazeta Mercantil, 24/1/2000). The poor quality of public services underlies such figures, which most deeply hurts the more underprivileged groups of society. Since Brazil presents one of the world’s most unequal income and wealth distribution, this means that it is the bulk of the population which bears the brunt.
The turn of the century was heralded as a new age. In fact, building upon idle capacity and lower interest rates – which enabled increases in the sales of durable consumer goods – and with foreign reserves bolstered by an IMF “package” during a period of relative calm in the international financial markets, GNP growth rate shot back to 4.2 % in 2000, inflation was kept within the targeted limits (6%), and open unemployment was slightly reduced – to 7.1%. As a consequence of the reduction of interest rates, public deficit was cut down to 4.5% of GNP. Government officials, supported by a highly sympathetic media, boasted that a new growth cycle had started – the promised land was on sight.
By the second quarter of 2001, such optimism was substantially reduced. The Argentinean crisis led to another sharp devaluation of the real and the Central Bank inflected its previous policies of lowering interest rates, in order to keep inflation within its targeted limits. Moreover, the lack of investment in electric power generation and transmission, due to an ill-conceived privatization scheme, produced a severe rationing of energy. As a consequence, uncertainty has increased considerably and investment plans are being revised downwards. We are still plodding through the desert.
To conclude this section, let us consider an important part of the positive agenda which has remained largely unfulfilled – the reform of the state. The government has provided the economic team with a considerable degree of “bureaucratic insulation” and adopted several important measures as regards state intervention in the economy, such as the privatization of state-owned companies and the setting up of regulatory agencies, as previously mentioned.
Nonetheless, some of the most crucial state aspects in Brazil remain untouched. The Constitution of 1988 had still wet ink on its pages and fiscal experts all around the country proclaimed that its fiscal structure was unmanageable. Since then, projects of fiscal reform have piled up in Congress. It was supposed that a thorough fiscal reform would be one of the priorities of the government, since fiscal “soundness” is an acknowledged “fundamental”. This was not so! In spite of having an overwhelming majority in Congress, which has approved all major projects of the executive, the latter has shown no interest in presenting a coherent fiscal reform and the debate on the subject recently progressed only under IMF pressure. Other aspects of the state reform, such as electoral legislation, 24 distribution of power between the country’s states and even the administrative reform were also neglected. It is probable that this important aspect of the reform’s positive agenda was curtailed by political realities: to reform the state in Brazil implies discussing the regional distribution of power, income and wealth, built along decades. The present government was elected by a coalition which brought together the President’s party, nominally a social-democrat party, and a conservative party which has been in power since decades, benefiting from all the advantages laid by the ancien régime. Although the latter has recently and vigorously adopted the liberal rhetoric, it is essentially a practitioner of the realpolitik with high stakes put on the status quo of the state. To breach the issues related to the state reform means opening a Pandora box or, more simply, a can of worms.
As evolutionary economists are fond of saying, “history matters”. After fifty years of deep involvement in direct promotion of the country’s development, it is not easy for the state to move backstage. As growth sputtered political pressures to step up, state intervention mounted. Throughout the Cardoso period, a conflict has divided the economic team, hinged upon the degree of state intervention which was necessary in industrial and trade policy (ITP). 25
Since all members of the team are economists and many of them were previously academics, a substantial part of the debate was couched in terms of economic theory.
The establishment and operation of the virtuous circles was fully entrusted to market mechanisms enhanced by the state reform. If ITP had a role, it would be found in the eventual failure of such mechanisms.
But the very abundance of market failures poses a strategic problem: by which failure should ITP begin. Welfare theory does not provide an answer to that question, since there is no a priori Paretian criterion to distinguish between two imperfect positions when there are several market failures and it is impossible to remove all failures simultaneously (Nath, 1969). External criteria deriving from other economic and political considerations must be introduced to select priorities, as Lall (1994) argued was done in Southeast Asia.
Against this, the faction opposing any ITP has argued that market failures have to be balanced against failures introduced by the very action of the state. Unfortunately, once again, theory and empirical evidence prevent straightforward comparisons of cost and benefits of the two types of failures and we are driven back to other, “nonscientific” (i. e. not derived from neoclassical economics) criteria.
Lacking such criteria, industrial and trade policy was conducted on an ad-hoc manner, trying to solve specific problems afflicting some sectors or activities, especially exports. Such an outcome, which may be interpreted as a partial victory of interventionists (or a vindication of history), falls short of an ITP aiming at changing the productive structure of the country. Such a shortcoming can be partially ascribed to the negative agenda shared by all policy-makers – discussed in the next section.
5. Uses of the myth: the negative agenda – productive and regional structures
As remarked above, portraying the past as “evil” or “inefficient” is a common trait of cosmological myths. Franco, a learned economic historian, goes to the length of singling out the “lost” decade of the eighties, when import substitution was irrelevant, as the prime example of the slow productivity growth ascribed to the import substitution industrialization (Franco, 1998). Denial extends to other structural components of the previous pattern of development. Thus “autonomy of decisions” looses any positive normative sense 26 and tends to become a clear sign of old/evil thinking. As I have argued in more detail elsewhere (Erber, 1999), this had deep consequences for activities which were linked to the autonomy objective but are also important to the transformation of the productive structure, such as scientific and technological activities. National enterprises and parts of the state bureaucracy were the greatest losers of this normative reversal. If autonomy has become a bad word, “picking the winners” is even worse – something akin to praising pork among Moses followers. This has prevented industrial and trade policy from evolving from a set of ad-hoc interventions to a fully fledged ITP, in which it is recognized that sectors play different roles as regards economic and technological development and, therefore, as regards the international comparative advantages of the economy. Recognizing that potato and computer chips are not equivalent, the least a modern government of a developing country can do is to provide a “vision” of a desired industrial and technological structure to be discussed with the private sector so as to orient investments.
No such vision can be found in Brazil. Given the role played by exports in the virtuous circles previously described, this omission is especially striking: since the eighties trade specialists have warned that Brazilian exports consisted mainly of products which tended to exhibit slow growth rates in the international market. Among such specialists, we find at least two above suspicion – Batista and Fritsch (1993) – who came to hold high posts in the Finance Ministry during Cardoso’s tenure – an indication that it is not lack of information coming from trustworthy sources which presides the silence around the productive structure.
Although Brazil is a “global trader”, in the sense that it exports to many countries, and close to 60% of its exports are manufactured products, 27 such products tend to be low-tech products, either resource – or scale-intensive commodities which grow slowly and are subject to cycles on which Brazil has no control (see Tables 1 and 2). 28 Those were the sectors established during the second half of the seventies, under the last stage of import substitution (II PND). 29 High-tech, science-intensive products, which are the fast-growth sectors in the international market, 30 account only for 11 and 7% of manufactured exports, respectively. More than a third (36%) of the high-tech and two thirds of the science-intensive exports are due to one firm only – Embraer, which produces airplanes. It is somewhat ironic that this success is to a large extent due to the heavy state investments the ade in the enterprise during the import substitution, autonomy-seeking period, when the enterprise was state-owned.31
Table 1 – Structure of the Brazilian industrial production (Y); exports (X) and imports (M) according to technology level of products as a percentage of total value – 1989 and 1998
Table 2 – Structure of the Brazilian industrial production (Y); exports (X) and imports (M)
according to factor intensity of products as a percentage of total value – 1989 and 1998
Given such export structure, it is not surprising that the Brazilian exports increased by 4.6% per year during the period 1994/98, while international trade grew by 7.6% (Pinheiro et al., 1999) and that the Brazilian share of total world manufactured exports fell from 1.37% in 1980, when the projects of the II PND were coming on line, to 0.94% in 1997 (Lall, 1999). In 1999, the favorable export prospects, given by a sharp devaluation combined with a sluggish internal market, did not materialize: the quantum of manufactured exports remained stable and their value decreased by 7% (FUNCEX, 2000). Only in 2000, manufactured exports showed a better performance, surpassing the 1998 level by 10%, suggesting that it requires more than macroeconomic policies to fuel exports. In contrast, imports are made up of medium and high-tech products, which increased their share of total manufactured imports along time (see Table 2), pointing to a structural trade balance deficit. In fact, over the period 1994/98, imports increased by 77%, as compared with an export growth of 17% only (Pinheiro et al., 1999). In the latter year, the trade deficit of electronics products accounted for 88% of the total trade deficit (ibid and Melo and Gutierrez, 1999). As expected, the 1999 devaluation led to a decline in non-oil imports, which was partly offset in 2000, as a result of imports of intermediary goods for the higher output level. As a consequence, the manufactures trade balance remained negative.
Foreign trade reflects the country’s productive structure and, as can be seen in Tables 1 and 2, the technological structure of industry has remained stable, with prevailing low-tech products. Comparing 1989 with 1998, there is a noticeable growth in the share of resource-intensive products, mostly at the expense of labor-intensive products and of specialized suppliers. The latter’s decline can be ascribed to imports of capital goods, which now account for more than 50% of the apparent consumption of such products.
It is true that important microeconomic changes underlie the relative structural stability – witness the impressive productivity increase in manufacturing industry previously mentioned, but those are infra-structural changes which do not alter the country’s international insertion. With the present productive and trade structure, the Brazilian economy is caught in a trap: any resumption of growth leads to a more than proportional increase in imports, not accompanied in the same measure by exports. The ensuing deficit in the foreign current account must be closed by foreign capitals.
It is perhaps ironic that the trap above described, which results from the different elasticities of imports and exports, in fact, is an up-dating (applied to manufactures, which provide the bulk of the Brazilian foreign trade) of the well-known diagnostic of the foreign exchange constraint posed by Prebisch in 1949 (CEPAL, 1949), which laid the ground for justifying import-substitution industrialization in Latin America.
As shown above, the foreign indebtedness of Brazil has increased the vulnerability of the economy. Reliance on financial capitals to cover a growing current account deficit would further increase the vulnerability, requiring high interest rates to cover the risks and thus reducing investments. Moreover, as the recent experience has shown, international finance capital cannot be relied upon to support long-term development prospects. Therefore, FDI should sustain the main role. The main motives of recent FDI inflows have been the Brazilian market (enlarged by the other MERCOSUR countries) and the acquisition of local enterprises (Laplane and Sarti, 1997). 32 But, in the long run, the growth of such market as well as the growth of exports are limited by the existing productive structure, reducing the prospects of a robust growth of FDI and giving rise to another vicious circle. The same constraints apply to national firms too, since the latter are more tightly bound to the local market than the transnational companies.
In other words, we argue that attention should be paid to the productive structure of the economy. Given the well-known problems of coordination and time horizon entailed in structural change, 33 to hope that the market by itself will bring about the necessary changes requires a great amount of faith. Such attention could be paid even within the present development strategy, if policy-makers were a bit more skeptic about the power of the market. The silence imposed by the negative agenda on the change of the productive structure is deafening.
Moreover, even for sectors for which there were ITPs, no vision of structure is to be found. This is best exemplified by the automotive sector, where soaring imports and competition with Argentina for FDI led the Brazilian government to set up a complex scheme of incentives, in which restrictions on imports of final products were combined with incentives to import parts and components and fiscal incentives to investment. Nobody knows whether authorities government officials considered one, two or twenty new assemblers desirable.
Finally, the silence imposed by the negative agenda extends to the regional structure. Brazil is a continental country plagued with striking regional differences, which have not improved during the nineties, as shown in Table 3. Although a substantial part of the public deficit is due to the regional governments (states and municipalities) the federal government, nominally committed to reduce public deficit (one of the “fundamentals”) and constitutionally bound to oversee the Union, has turned a blind eye on the savage competition between the regional levels to attract investments. The “fiscal war” certainly benefits the enterprises which use the incentives, but the benefits accruing to the communities are more doubtful, especially if one takes into account the intergenerational conflict underlying the future reduction of fiscal revenue.
Table 3 – Brazil: regional structure of the gross domestic product – in percentage – 1991 and 1998
In order to address the problems of regional development, a structural view of the spatial distribution of economic sectors is required. It is unlikely that market forces by themselves will lead to a more equitable distribution and the government, prodded by the political forces asking for more growth, commissioned a study of investment prospects along regional axes of development. Only a small share of investments would be funded by public resources, the rest depending upon private funds. The former have been included in the budget law, but it is worth recalling that the federal budget approved by the Congress is not mandatory – the Finance Ministry is at liberty to disburse the funds or not, according to its assessment of the fiscal conditions and, in the past, many projects remained at the planning board for such reasons. As discussed above, the destiny of this plan depends heavily on the outcome of the fiscal reform debate and on the possibility of reducing interest rates.
6. Conclusions
It is a consensus that for Brazil (as well as the for the rest of Latin America) the eighties were a lost decade from the point of view of development. As shown by Pinheiro et al. (1999), except for inflation (and it is a big exception) the record of the nineties as regards growth, employment, and export performance is worse. For the near future, no major change of strategy is foreseen, provided no major bad news emerge from the foreign front. 34 As indicated above, there are strong reasons to doubt about the capacity of this strategy to produce high and sustained growth rates which would lead to the reduction of unemployment. To many observers the government seems to be doomed to go on plodding through the desert.
Nonetheless, to consider the nineties simply as another lost decade is to miss the importance of the changes it introduced in the Brazilian society. Some observers may, simultaneously, recognize the importance of the changes and wish to cancel them. Other observers claim that the reforms are still incomplete and, therefore, it is sufficient to trod on the prescribed path, finishing the present wave of reforms and then moving on to the “second generation” of reforms (e. g. Pinheiro et al., 1999).
I differ from the two observations. I suggest that the former observers, placed most often in the opposition, are falling prey to another type of myth, cycle myths, in which time is reversible and a former, better world (a Golden Age) can be restored (Eliade, 1963). The “goodness” of the previous pattern of development is highly questionable – e. g. the income distribution it produced. Moreover, a trait which distinguishes primitive from modern thinking is the recognition by the latter of the irreversibility of time. Thinking about time and of social processes as irreversible is one of the cornerstones of the evolutionary theory. If this is true, the nineties produced a new institutional structure in Brazil.
As regards the latter observers, I argue that the basic assumption of the reform strategy – that institutional reform suffices to lead to development – is wrong and that their overall Weltanschaaung is reductionist and misleading. From an evolutionary perspective, development comes from the coevolution of the institutional and productive structures. As indicated above, the reform of the productive structure must be tackled in Brazil. This will require further institutional change, since the state must intervene in the process and new governance mechanisms must be established (e. g. for coordination of state agencies and of such agencies with the private sector) as well as efficient mechanisms for financing investments out of national funds.
The coevolution of institutional and productive structures is path-dependent, laden with national specificity and it continuously poses new problems so that the past cannot be abolished and history never comes to a rest. Contrary to the perspective held by the institutional reformers, Heraclitus rules: we never plunge into the same waters twice and there is no map for the path.
Complex tasks as those involving development require open-ended metaphors to deal with them. The degree of uncertainty about development processes should lead to a substantial degree of theoretical humility. Substituting dialogue for the Doctrine is an important epistemological step which leads the development strategy to emphasize flexibility and learning. Such features are found in the evolutionary approach. If such views are correct cosmological myths are a trap to be avoided but Odysseus, the wandering hero who uses intelligence to cross uncharted seas, 35 provides an appropriate myth to think about development.
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Aqui você consegue ver o arquivo PDF original. Por se tratar de um registro histórico, algumas informações podem não estar totalmente legíveis.
Veja a primeira parte da tese...
Esta tese oferece uma interpretação do padrão de desenvolvimento brasileiro e de outros países semi-industrializados, tendo como fios condutores o progresso técnico e a intervenção do Estado.
No primeiro capítulo, faz-se uma revisão do debate sobre a industrialização latino-americana, partindo das expectativas dos defensores da industrialização, revendo os principais resultados desta e, por fim, apresentando algumas das propostas recentes de modelos alternativos de desenvolvimento.
Os demais capítulos exploram os caminhos de interpretação abertos pela “teoria de regulação”, que caracteriza o padrão de desenvolvimento, ou mais precisamente, o “regime de regulação”, como um conjunto interligado de “normas”, econômicas e sociais, pertinentes às esferas da produção, consumo, acumulação, financiamento, inovação e ação do Estado, estruturadas pelas relações de classe típicas do capitalismo, onde convivem forças de ruptura e de continuidade do sistema.
O Capítulo II desenvolve estas ideias, aprofundando os conceitos de “paradigma” e “trajetórias” tecnológicos, o papel diferenciado dos setores industriais no progresso técnico e a noção de “complexos industriais” à luz das transformações que estão ocorrendo na base técnica mundial.
No capítulo seguinte analisa-se o regime de regulação que prevaleceu durante a última metade de século, (o “fordismo”) detalhando o papel desempenhado pelo Estado nos países capitalistas avançados na configuração dos novos paradigmas tecnológicos e na estruturação dos setores “motores” da inovação.
A difusão deste regime de regulação nos países em processo de industrialização, como o Brasil, é analisada no Capítulo IV, destacando-se a especificidade que assume o fordismo naquelas regiões.
A crise do fordismo nos países avançados e o papel que as novas tecnologias podem desempenhar na sua superação é o objeto do Capítulo V.
Finalmente, o Capítulo VI analisa os efeitos destas novas tecnologias sobre o regime de regulação dos países semi-industrializados, detendo-se sobre as experiências recentes de constituição dos setores motores de inovação no Brasil, notadamente o eletrônico, suas implicações para o regime de regulação e os limites que este impõe à sua própria transformação.
A Transformação dos Regimes de Regulação: Desenvolvimento Tecnológico e Intervenção do Estado nos Países Industrializados e no Brasil
Fabio S. Erber, Tese apresentada para o concurso de Professor Titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Esta tese oferece uma interpretação do padrão de desenvolvimento brasileiro e de outros países semi-industrializados, tendo como fios condutores o progresso técnico e a intervenção do Estado.
No primeiro capítulo, faz-se uma revisão do debate sobre a industrialização latino-americana, partindo das expectativas dos defensores da industrialização, revendo os principais resultados desta e, por fim, apresentando algumas das propostas recentes de modelos alternativos de desenvolvimento.
Os demais capítulos exploram os caminhos de interpretação abertos pela “teoria de regulação”, que caracteriza o padrão de desenvolvimento, ou mais precisamente, o “regime de regulação”, como um conjunto interligado de “normas”, econômicas e sociais, pertinentes às esferas da produção, consumo, acumulação, financiamento, inovação e ação do Estado, estruturadas pelas relações de classe típicas do capitalismo, onde convivem forças de ruptura e de continuidade do sistema.
O Capítulo II desenvolve estas ideias, aprofundando os conceitos de “paradigma” e “trajetórias” tecnológicos, o papel diferenciado dos setores industriais no progresso técnico e a noção de “complexos industriais” à luz das transformações que estão ocorrendo na base técnica mundial.
No capítulo seguinte analisa-se o regime de regulação que prevaleceu durante a última metade de século, (o “fordismo”) detalhando o papel desempenhado pelo Estado nos países capitalistas avançados na configuração dos novos paradigmas tecnológicos e na estruturação dos setores “motores” da inovação.
A difusão deste regime de regulação nos países em processo de industrialização, como o Brasil, é analisada no Capítulo IV, destacando-se a especificidade que assume o fordismo naquelas regiões.
A crise do fordismo nos países avançados e o papel que as novas tecnologias podem desempenhar na sua superação é o objeto do Capítulo V.
Finalmente, o Capítulo VI analisa os efeitos destas novas tecnologias sobre o regime de regulação dos países semi-industrializados, detendo-se sobre as experiências recentes de constituição dos setores motores de inovação no Brasil, notadamente o eletrônico, suas implicações para o regime de regulação e os limites que este impõe à sua própria transformação.
Aqui você consegue ver o arquivo PDF original. Por se tratar de um registro histórico, algumas informações podem não estar totalmente legíveis.
2. A estrutura setorial da produção, importações e exportações
A literatura sobre desenvolvimento tecnológico da indústria há muito reconhece que os setores industriais se diferenciam em termos do uso que fazem de recursos tecnológicos....
Este ensaio analisa as relações existentes entre as atividades tecnológicas realizadas pela indústria brasileira e o que pode ser chamado o “padrão” de desenvolvimento industrial nacional, tal como este foi se configurando ao longo da última década, e discute alguns desdobramentos futuros destas relações. O artigo divide- se em seis seções. A primeira faz considerações importantes sobre as limitações da análise. Nas quatro seções seguintes discute alguns traços do padrão de desenvolvimento industrial brasileiro e suas implicações para o desenvolvimento de atividades tecnológicas no país: a estrutura de produção e a inserção no comércio internacional (seção 2), o controle do capital das empresas industriais (seção 3), o padrão de investimentos (seção 4) e o foco das políticas públicas (seção 5). Na sexta e última seção apresenta algumas especulações sobre o futuro.
O Padrão de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico e o Futuro da Indústria Brasileira
Fabio S. Erber, UFRJ – Revista de Economia Contemporânea – Vol. 5 – Edição Especial
Este ensaio analisa as relações existentes entre as atividades tecnológicas realizadas pela indústria brasileira e o que pode ser chamado o “padrão” de desenvolvimento industrial nacional, tal como este foi se configurando ao longo da última década, e discute alguns desdobramentos futuros destas relações. O artigo divide- se em seis seções. A primeira faz considerações importantes sobre as limitações da análise. Nas quatro seções seguintes discute alguns traços do padrão de desenvolvimento industrial brasileiro e suas implicações para o desenvolvimento de atividades tecnológicas no país: a estrutura de produção e a inserção no comércio internacional (seção 2), o controle do capital das empresas industriais (seção 3), o padrão de investimentos (seção 4) e o foco das políticas públicas (seção 5). Na sexta e última seção apresenta algumas especulações sobre o futuro.
2. A estrutura setorial da produção, importações e exportações
A literatura sobre desenvolvimento tecnológico da indústria há muito reconhece que os setores industriais se diferenciam em termos do uso que fazem de recursos tecnológicos. Assim, mesmo numa economia reconhecidamente inovadora como a dos Estados Unidos, a produção de alimentos dedica em média 0,5% do seu faturamento líquido a gastos em P&D enquanto a indústria de computadores destina 9,2% das suas vendas ao mesmo fim1. No Brasil, observa- se o mesmo fenômeno: no mesmo ano (1997) a percentagem de firmas paulistas que introduziram inovações de produtos e processos na indústria de computadores chega a 64% enquanto na de alimentos é de apenas 17% (Quadros et al. 1999)
Os setores industriais diferenciam- se também pelo papel que desempenham nos fluxos intersetoriais de tecnologia: as inovações mais radicais são geradas por um grupo restrito de setores, que usa intensamente recursos científicos e técnicos. Estas inovações são transmitidas aos demais setores que as incorporam em novos produtos ou processos. Neste processo de adaptação e difusão de inovações, os fornecedores especializados de bens de capital desempenham um papel fundamental.
Portanto, a demanda de um sistema industrial por recursos tecnológicos depende, em boa medida, de sua composição setorial. Quanto maiores forem os pesos relativos de setores que atuam próximos da fronteira científica e de setores produtores de bens de capital, maior tende a ser o uso de ativos tecnológicos e mais rápido o progresso técnico.
Os ativos tecnológicos utilizados por um setor podem estar localizados dentro do país ou fora. Neste último caso, em que importa- se o produto destes ativos, a demanda do país serve a fomentar o desenvolvimento destes ativos externos. Embora a literatura aponte a importância da proximidade e da interação entre os que desenvolvem e os que usam inovações, a padronização de processos e produtos em escala internacional através da globalização de redes empresariais minora os problemas microeconômicos advindos da distância geográfica entre produtores e usuários de inovações. Do ponto de vista do sistema industrial como um todo, a distância tem efeitos maiores, posto que um sistema nacional de inovações gera, cumulativamente, externalidades para o meio circundante.
Os Quadros 1 e 2, a seguir, mostram a evolução da estrutura de produção da indústria brasileira, assim como a evolução das exportações e importações de produtos industriais. Os 49 setores considerados respondem por 89% do valor bruto da produção industrial brasileira de 1995 (Moreira 1999 a)2. Estes setores foram agrupados segundo dois tipos de classificação freqüentemente utilizadas em análises industriais: (i) os fatores mais importantes na competitividade internacional dos setores, distinguindo setores que são baseados em ciência, que atuam como fornecedores especializados, que usam intensamente mão de obra ou recursos naturais e que são caracterizados por fortes economias de escala e (ii) a intensidade tecnológica destes setores (alta, média e baixa), identificada através da participação dos gastos em P&D no seu faturamento (OCDE 1994). Os dados disponíveis cobrem o período 1989/98. Por questões de espaço e tempo a análise a seguir enfoca apenas os anos extremos do período, estando a série completa à disposição dos leitores interessados. Finalmente, cabe notar que o crescimento industrial de 1989 (2,9%) foi relativamente elevado para o fim dos anos oitenta, enquanto 1998 foi um ano de inequívoca crise. Assim, optou- se por comparar 1989 com 1997 – ano de desempenho industrial também favorável (5,5%). A análise inicia pela estrutura de produção, tratando a composição das pautas exportadora e importadora a seguir.
O Quadro 1 mostra que, na estrutura de produção brasileira, entre 1989 e 1997, aumenta substancialmente a participação dos setores baseados em recursos naturais, em detrimento dos setores intensivos em mão de obra e dos fornecedores especializados, ao passo que os setores intensivos em escala ou ciência mantém, aproximadamente, sua participação.
Conforme apontado acima, do ponto de vista tecnológico os setores baseados em ciência são especialmente relevantes. Este grupo é composto por “material e aparelhos eletrônicos e de comunicações”, ”produtos farmacêuticos” e “outros veículos”. Embora sua participação no total da indústria seja quase constante, sua composição altera- se no decorrer do período: os produtos eletrônicos, que em 1989 respondiam por 56% do grupo, caem para 27% em 1997. Embora de forma menos abrupta, a participação de outros veículos também cai – de 19% para 13% do grupo. Em contrapartida, aumenta a participação de produtos farmacêuticos, que passa de um quarto do total para cerca de 60% deste. Fatores diversos explicam este movimento: a elevação de preços de produtos farmacêuticos e a queda de preços em produtos eletrônicos, a substituição de produção local por importados no caso destes últimos3, e a crise e posterior recuperação da EMBRAER (incluída em “outros veículos”). Quadros et al. (1999) mostram que os setores “outros veículos” e eletrônicos apresentam a maior intensidade de esforços de P&D4 dentro da indústria, ao passo que o setor de produtos químicos e farmacêuticos apresenta intensidade abaixo da média5. Ou seja, além da participação dos setores baseados em ciência manter- se aproximadamente a mesma, num período em que ocorreu uma verdadeira revolução tecnológica baseada na eletrônica, a composição deste grupo aparentemente foi na direção de uma menor intensidade de esforços de P&D.
O mesmo Quadro mostra o declínio da participação do grupo de “fornecedores especializados” (constituído principalmente por produtores de bens de capital mecânicos e elétricos6), provavelmente atribuível ao influxo de importações, que em 1989 representavam 8% do consumo aparente e, dez anos depois, eram equivalentes a quase 40% deste. Embora as importações aportem equipamentos de alta produtividade, a evolução do seu peso no consumo sugere que deve ter ocorrido uma redução nas relações produtores- consumidores, com um enfraquecimento do sistema local de inovações e um deslocamento da demanda por inovações para o exterior.
Portanto, a evolução da estrutura industrial brasileira aponta para uma relativa perda de importância dos setores mais intensivos em atividades tecnológicas mais complexas.
O Quadro 1 também mostra o substancial aumento da participação dos setores intensivos em recursos naturais, tornando este grupo dominante na estrutura de produção brasileira. Embora as atividades industriais destes setores sejam relativamente pouco intensivas em pesquisa e desenvolvimento (Quadros et al. 1999), a especificidade dos recursos naturais brasileiros gera uma potencial demanda por projetos de P&D a montante da cadeia produtiva, visando dar uso industrial aos recursos naturais. No passado, esta característica levou a projetos que envolveram recursos científicos e tecnológicos substanciais7 e de grande impacto econômico, como a exploração de petróleo em águas profundas, o cultivo da soja no Cerrado e o uso de eucaliptos de fibra curta para a produção de celulose. Na década de noventa, aparentemente, a geração de inovações sob estímulo das relações usuários- fornecedores de recursos naturais foi menos intensa. Embora os antigos programas tenham sido mantidos (notadamente o de petróleo), a iniciativa do desenvolvimento tecnológico na área agrícola partiu principalmente do Estado e dos produtores rurais, que se beneficiaram também dos aperfeiçoamentos tecnológicos introduzidos pelas indústrias fornecedoras de equipamentos e insumos8. Alguns segmentos, como o de laticínios, passaram por um processo de grande reestruturação empresarial, liderado por empresas multinacionais, que levou a fortes aumentos de produtividade e à difusão de novos produtos, originados nos países mais avançados. O padrão de competição nos setores intensivos em recursos naturais demanda ainda o investimento em técnicas apuradas de logística. Dado o peso destes setores na estrutura industrial brasileira, a sistematização dos estudos das inovações ao longo das cadeias produtivas deveria merecer atenção9.
A evolução da estrutura de produção mostrada no Quadro 1 aponta para a relativa estabilidade do grupo de setores intensivos em escala. Este grupo é um forte demandante de serviços de engenharia de processo para as indústrias de bens intermediários padronizados (siderurgia, petroquímica) e de engenharia de produto e processo para a produção de bens duráveis (automóveis, principalmente). Dada a característica dominante deste tipo de atividade industrial, os investimentos em tecnologia tendem a avolumar- se quando são estabelecidas novas fábricas, que envolvem novos processos e produtos. O processo de renovação da indústria automobilística (veja- se a seguir) provavelmente explica a intensidade de gastos em tecnologia relativamente alta observada nesta indústria por Quadros et al. (1999) e SOBEET (2000).
Finalmente, o Quadro 1 mostra o forte declínio relativo dos setores intensivos em mão de obra. Para reagir à competição das importações, este grupo também demanda serviços de engenharia de processo nos seus segmentos mais padronizados e de engenharia de produto para os produtos cuja estratégia competitiva se dá através da diversificação.
O Quadro 2 apresenta a distribuição dos setores segundo sua intensidade tecnológica. Embora os setores de baixa intensidade continuem dominantes, seu peso relativo tende a diminuir – em favor porém dos setores de média intensidade, posto que a participação dos setores de alta intensidade mantêm- se praticamente constante.
Portanto, ressalvadas as limitações dos dados originais e das classificações adotadas, a estrutura produtiva da indústria brasileira parece demandar investimentos em ativos tecnológicos industriais orientados principalmente para a engenharia, conferindo pouca importância relativa aos ativos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento.
A observação da estrutura de importações brasileira parece confirmar a conclusão acima. Durante a década de noventa a indústria brasileira passou por um processo de intensa abertura às importações, em que estavam combinadas a valorização da taxa de câmbio, eliminação de controles administrativos, redução de tarifas e a possibilidade de financiar importações em melhores condições do que as vendas internas. Assim, a participação das importações no consumo aparente total passou de 4,5% em 1989 a 19,3% em 1998. Esta penetração das importações foi especialmente significativa nos produtos baseados em ciência e de fornecedores especializados, nos quais chegou a 39% do consumo aparente em 1998, assim como nos produtos de alta tecnologia, onde passou de 9% a 34% do consumo aparente no período 1989/1998.
A abertura às importações eliminou muitas “idiossincrasias” locais que estimulavam a realização de atividades tecnológicas no país. Aumentou a pressão para que os bens produzidos no Brasil tivessem os mesmos atributos (preço, desempenho, durabilidade, confiabilidade, etc.) que os produtos importados, induzindo a adoção de tecnologias de produto e processo importadas e, finalmente, substituiu simplesmente a produção local por bens desenvolvidos e produzidos no exterior. Assim, provavelmente contribuiu para aumentar os gastos em certas atividades tecnológicas como adaptações de produtos e processos e controle de qualidade e, simultaneamente, reduzir as atividades de pesquisa.
Os Quadros 1 e 2 mostram que as importações brasileiras apresentam maior intensidade tecnológica e maior participação de bens intensivos em ciência e de fornecedores especializados do que a produção local, confirmando que a demanda por estes bens tende a ser abastecida do exterior, reduzindo a demanda por atividades tecnológicas no país, especialmente as atividades mais inovadoras, supridas por aqueles grupos de setores. Vista pelo ângulo da intensidade tecnológica, a estrutura de importações move- se na mesma direção observada na estrutura produtiva, com uma redução no peso dos produtos de baixa intensidade sendo compensada pelo aumento da participação dos produtos de média intensidade (Quadro 2). De forma mais desagregada, tal como apresentada no Quadro 1, a evolução da estrutura das importações indica uma perda de peso relativo dos setores intensivos em recursos naturais, onde o Brasil tradicionalmente usufrui de vantagens comparativas, em favor dos setores intensivos em ciência e fornecedores especializados.
Tampouco as exportações brasileiras envolvem grandes esforços de pesquisa e desenvolvimento. No período 1989/1997 os setores cobertos pelos Quadros 1 e 2 aumentaram o coeficiente exportado de 9% do valor da produção para 15% e, conforme mostra o Quadro 2, houve um deslocamento na estrutura de exportações análogo ao da estrutura de produção: embora os produtos de baixa intensidade tecnológica continuem dominantes, perderam posição relativa em favor dos produtos de média intensidade. No entanto, não se altera a participação dos produtos de alta tecnologia, cujas exportações devem bastante aos aviões da EMBRAER (26% do grupo em 1997). Vistas as exportações pelo ângulo da intensidade de fatores (Quadro 1), reitera- se o crescimento da participação de produtos intensivos em recursos naturais, que dividem a liderança das exportações com os setores intensivos em escala. Finalmente, assinale- se, do ponto de vista tecnológico, o relativo aumento da participação de fornecedores especializados, entre os quais se destacam os produtores de motores e peças para veículos (40% do total do grupo em 1997).
Na última seção deste artigo discuto algumas implicações desta estrutura setorial para o desenvolvimento da indústria brasileira. Aqui, registro apenas que tal estrutura requer um esforço de pesquisa e desenvolvimento muito limitado e, em conseqüência, gera uma capacidade endógena de inovação bastante circunscrita.
3. O controle do capital
O controle do capital constitui outra variável definidora do padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico. No caso brasileiro, ao contrário da dimensão produtiva acima examinada, a estrutura de controle de capital das empresas sofreu grandes alterações com a maciça entrada de investimento direto estrangeiro e com a privatização das empresas estatais.
Moreira (1999b) estima que, entre 1980 e 1995 as firmas com participação estrangeira no capital igual ou superior a 10% aumentaram seu peso na receita operacional líquida da indústria de transformação (ROLIT) de 28 para 43%. Tomando apenas as empresas em que o capital estrangeiro é majoritário, a participação destas na ROLIT passa de 33% em 1995 para 35% dois anos depois (ibid.). Trabalhando com dados de vendas das 500 maiores empresas, Gonçalves (1999) chega à mesma estimativa para a participação das empresas estrangeiras em 1997: 36%. Os dados sobre intenções de investimentos industriais apresentados por Laplane e Sarti (1998) indicam que esta participação tende a crescer, posto que a maior parte dos investimentos será feita por empresas estrangeiras, isoladamente ou em associação com empresas nacionais.
Moreira (1999b) mostra que, em 1997, a participação das empresas sob controle estrangeiro superava 50% da ROLIT setorial em máquinas, aparelhos e materiais elétricos; material eletrônico e de comunicações, instrumentos de precisão e veículos automotores. Nas indústrias química, de máquinas para escritório e informática e maquinaria mecânica a participação destas empresas era também muito significativa, oscilando entre 42 e 48% no mesmo ano (Quadro 3). Assim, os setores mais dinâmicos do ponto de vista de geração e transmissão de inovações estão sob forte influência das empresas de capital externo.
Por sua vez, com a exceção da Petrobrás, as empresas estatais desapareceram da indústria de transformação. Os efeitos da privatização sobre a indústria vão mais além, posto que as empresas de serviços privatizadas são importantes demandantes de produtos industriais de alta e média tecnologia, originados em setores baseados em ciência (p.ex. equipamentos de telecomunicações) e de fornecedores especializados.
Quais os efeitos desse processo de internacionalização e privatização sobre as atividades tecnológicas realizadas no Brasil? Quadros et al. (1999) argumentam que as firmas que são total ou parcialmente controladas do exterior apresentam maior propensão a introduzir novos produtos e processos e a empregar proporcionalmente mais cientistas e engenheiros dedicados a atividades de P&D do que as firmas nacionais. SOBEET (2000) sugere que a intensidade de gastos em P&D e outras atividades tecnológicas das empresas estrangeiras é maior do que a de firmas nacionais. Moreira (1999b) mostra que os setores acima citados (Quadro 3) respondiam por 68.4% da ROLIT do universo de empresas sob controle estrangeiro. Ou seja, a maior propensão inovadora das empresas estrangeiras é consistente com sua orientação setorial.
Os estudos também são concordes na caracterização da divisão de atividades tecnológicas entre matrizes e filiais brasileiras. Assim, Quadros et al. (1999) explicam que “technologically new products and processes are originated in the industrialized countries, where transnational companies locate their major R&D centers. They transfer such innovations to the South American market by adapting new products and processes to the local market needs or to the technical constraints to supply of materials and components” (p.7). Por sua vez SOBEET (2000) afirma que “as pesquisas sobre novos produtos ou processos são feitas quase que integralmente nos laboratórios ou centros de pesquisa da própria matriz, ou naqueles por ela controlados… No Brasil, as atividades de suporte e apoio tecnológico e de controle de qualidade são as realizadas mais freqüentemente” (p. 15). Adaptações de maior vulto são feitas apenas quando idiossincrasias locais assim o exigem, como é o caso, na indústria automobilística, do uso de motores de baixa potência e a necessidade de adaptar sistemas de suspensão às condições das estradas nacionais.
A lógica empresarial da divisão de trabalho acima descrita é irretocável – a localização das atividades de P&D nos países centrais usufrui de maiores economias de escala e escopo e de externalidades derivadas de sistemas científicos e tecnológicos mais avançados. Esta lógica é reforçada pelas mudanças nas regras fiscais e administrativas que governam a transferência de recursos à conta de tecnologia, facilitando sua remessa, e na legislação de propriedade intelectual, que reforça os direitos dos detentores de patentes que, em sua maioria (mais de 80%) são empresas estrangeiras (Barbosa, 1999). Esta divisão do trabalho não obsta o aprendizado por parte das filiais (que é inequívoco), mas orienta o desenvolvimento de capacitação tecnológica para atividades cujo alcance inovativo é limitado.
Da mesma forma, a divisão de trabalho entre matrizes e filiais também tende a circunscrever a demanda feita pelas filiais a universidades e institutos de pesquisa locais a atividades de complexidade tecnológica limitada. Se, conforme argumentam os trabalhos acima, estas empresas são os principais investidores em tecnologia, a constituição de um sistema nacional de inovação a partir delas parece limitada.
A julgar pelos resultados da SOBEET (ibid.) os estímulos fiscais e creditícios dados pelo Governo brasileiro são pouco eficazes para aumentar os gastos feitos no país em atividades simples como as que já são feitas – o que se dirá de sua eficácia para aumentar substancialmente sua complexidade!
À luz da caracterização acima é de se lastimar de que não se disponha de informações sobre o que ocorreu com os programas tecnológicos de empresas privadas nacionais adquiridas por empresas estrangeiras, especialmente porque algumas destas (especialmente certos produtores de auto- peças) estavam entre as poucas empresas nacionais a terem programas de P&D de porte significativo.
É importante notar que a força da competição obriga empresas nacionais que concorrem com filiais de transnacionais (diretamente ou através de importações) a também buscar tecnologia no exterior para apresentarem produtos semelhantes em prazos compatíveis com os de seus competidores e, preferencialmente, amparados por marcas internacionais10. O licenciamento de tecnologia externa leva ao desenvolvimento da capacidade de produção e de engenharia de detalhe mas não induz à capacitação em pesquisa e desenvolvimento – ou seja, a competição leva as empresas nacionais a replicarem as mesmas capacidades das filiais aqui instaladas.
Tampouco conta- se com muita informação sobre os efeitos da privatização sobre as atividades tecnológicas industriais. No caso da petroquímica, em que havia um centro de pesquisas importante em implantação, este projeto foi abandonado. Nos outros casos, quando os compradores foram empresas locais, como na maioria das empresas estatais industriais, os novos proprietários aparentemente mantiveram a trajetória tecnológica anterior – tal parece ser o caso, por exemplo, da EMBRAER e da USIMINAS. Quando os compradores foram empresas estrangeiras, a lógica empresarial acima referida parece prevalecer. Embora este último caso seja mais freqüente no setor de serviços, a compra tem efeitos sobre a indústria através do mecanismo de compras, conforme já mencionado. Em primeiro lugar, é importante notar que as empresas de capital estrangeiro apresentam maior propensão a importar do que as de capital local (Moreira, 1999b) e, portanto deslocar as compras e o desenvolvimento tecnológico destas para o exterior. Em segundo lugar, os novos proprietários tendem a adotar, no Brasil, as mesmas especificações de equipamentos e componentes que usam em outras partes do mundo, reduzindo a demanda por inovações locais. Segundo Cassiolato et al. (1999), após a privatização dos serviços de telecomunicações, os fornecedores de equipamentos de telecomunicações teriam reduzido seus gastos em P&D e orientado suas atividades tecnológicas para finalidades mais simples.
Em síntese, a transformação da estrutura de controle de capital da indústria brasileira parece atuar no sentido de acelerar a introdução de novos produtos e processos e, ao mesmo tempo, concentrar as atividades tecnológicas em projetos de adaptação e melhorias de qualidade. Neste sentido, reforça a orientação derivada da estrutura de produção e de inserção internacional.
4. Crescimento e investimentos
O investimento em ativos que servem principalmente para introduzir inovações em produtos, processos e métodos de gestão faz parte do portfolio de investimentos das empresas industriais e deve, portanto, ser tratado no contexto mais amplo do processo de investimento dessas empresas (Erber, 1999).
No caso brasileiro, há consenso quanto à predominância do mercado interno como determinante dos investimentos industriais. Isto é válido mesmo no caso das empresas transnacionais, com o eventual acréscimo do MERCOSUL ao mercado interno (Bielschowsky, 1999; Laplane e Sarti, 1997 e 1998).
O crescimento do produto industrial ao longo da década de 90 é altamente irregular, conforme mostra o Quadro 4. Apenas 1993 e 1994 apresentam taxas de crescimento elevadas, que compensam a queda do triênio anterior. Seguem- se dois anos de crescimento limitado e outro (1997) de expansão. Esta, porém é abortada pela crise externa do fim daquele ano e o crescimento do restante da década é irrisório. A taxa de investimento industrial dos períodos 1992/93 e 1995/97 (respectivamente 2% e 3,3% do PIB) sugere que a década passada foi, do ponto de vista do investimento, ainda pior que os famigerados anos 80, em que a taxa para 1981/88 foi de 3,2% do PIB (Bielschowsky, 1999).
O mesmo autor argumenta que no período 1991/97 teriam ocorrido duas fases de investimento. A primeira fase, típica da crise do início da década, foi caracterizada pelos objetivos de redução de custos e melhorias na qualidade através da racionalização dos processos produtivos via desobstrução de gargalos produtivos e novas técnicas de gestão (“just in time”, “qualidade total”, etc.), desverticalização e especialização. O período posterior (1995/97) é descrito por Bielschowsky como um “mini- ciclo de modernização”, em que os investimentos, embora ainda orientados para a redução de custos, contariam com maior grau de imobilização devida à reposição de equipamentos. Tais investimentos seriam movidos principalmente pela necessidade de evitar perdas nos custos enraizados – ou seja, teriam, essencialmente, uma natureza defensiva. Os investimentos destinados à expansão de fábricas, à introdução de novos produtos e a novas fábricas eram reduzidos, face às incertezas macroeconômicas. A necessidade desses investimentos “de expansão” seria ainda minorada pelo aumento de capacidade de produção trazida pelos investimentos de modernização, concomitante à redução de custos.
Nos anos finais da década, marcados pela crise de 1998/99, os investimentos industriais provavelmente mantiveram- se semelhantes aos observados por Bielschowsky (1999), conforme sugerem os dados de produção e importação de bens de capital11, embora alguns setores, como o automobilístico, tenham prosseguido com seus planos de expansão. A última sondagem da Confederação Nacional da Indústria, feita no último trimestre de 1999, mostrava que havia uma tendência a aumentar os investimentos no ano 2000, mas que estes seriam dirigidos principalmente para o aumento de eficiência das empresas (CNI 1999), seguindo assim o padrão anterior12.
Conforme aponta Carvalho (2000), o grande aumento da produtividade média da indústria durante a década de noventa pode ser atribuído a esses investimentos (incluindo a introdução de novos métodos de organização da produção) e à abertura às importações. Embora os dados setoriais sejam muito precários, Moreira (1999 a) mostra que o aumento de produtividade teria sido especialmente forte na produção de automóveis, na siderurgia e nos plásticos – setores intensivos em escala que também respondem pela maior parte dos investimentos (Bielschowsky, 1999; Laplane e Sarti, 1998).
Os (poucos) dados de que se dispõe sobre investimentos em inovação tecnológica são consistentes com a análise acima reproduzida sobre investimento fixo. Assim, SOBEET (2000) mostra que o principal foco dos investimentos feitos por empresas estrangeiras em inovação é o aumento da participação no mercado nacional com a mesma linha de produtos da matriz. O mesmo estudo e Quadros et al. (1999) apontam que os principais fatores determinantes da decisão de investir em inovação são a redução de custos da produção e a melhoria da qualidade dos produtos.
É possível avançar um pouco na configuração do padrão de investimento (fixo e em tecnologia) característico da década através de uma conjectura sobre os limites desses investimentos. Parece plausível supor que as empresas têm que realizar um nível mínimo de investimentos para permanecer no mercado. Esse “piso” tem uma forte determinação setorial e é também afetado pelo grau de concorrência vigente no mercado. Parece também plausível supor que as firmas têm um “teto” para seus investimentos, definido por características setoriais, pelas perspectivas dos seus principais mercados, pelas possibilidades de financiamento dadas pelo mercado financeiro e de capitais e pela possibilidade de aplicações alternativas com risco mínimo (títulos governamentais).
É importante notar que o investimento “em tecnologia” constitui um portfolio em si – projetos de desenvolvimento tecnológico variam desde pequenas adaptações de produtos e processos até a pesquisa. Posto de outra forma: os projetos de desenvolvimento tecnológico são distintos em termos da incerteza, tempo, irreversibilidade e indivisibilidade dos recursos necessários e dos resultados esperados. As mesmas condições técnicas e econômicas que tendem a comprimir o teto dos investimentos fixos a um nível próximo do piso também tendem a orientar o portfolio de investimentos em tecnologia na direção dos projetos que requerem recursos mais reduzidos, envolvendo ativos que podem ser usados para outros fins (i.e. menos específicos) e onde os prazos (de imobilização e maturação) são mais curtos e a incerteza (de custos e benefícios) é menor.
Adicionalmente, é também importante lembrar que, seja por meio de relações intra-grupo, seja por meio de contratos de licenciamento entre empresas independentes, é possível ter acesso aos resultados dos investimentos em tecnologia feitos por outras firmas. Esta possibilidade é especialmente relevante para os resultados dos projetos de pesquisa e desenvolvimento pois permite obviar a principal restrição a este tipo de investimento: sua incerteza. Ao utilizar este recurso as empresas podem reduzir o teto de seus gastos em tecnologia no país.
O início da década dos noventa no Brasil foi marcado pela concomitância de forte incerteza macroeconômica (basta lembrar as oscilações da taxa de inflação do período, bem como a turbulência política) com o lançamento do processo de abertura comercial, que permitiu a rápida introdução de novos produtos no mercado. Conforme mencionado acima as empresas reagiram defensivamente através de reduções de custos e melhorias na qualidade do produto. Este investimento foi feito com baixas taxas de imobilização, como mostra a taxa acima citada (2%). Dada à importância da introdução de novas técnicas de gestão de pessoal e produtos, bem como de adaptações de produtos, parece provável que o piso de gastos em tecnologia tenha subido, assim como o peso relativo deste tipo de gastos dentro do portfolio geral de investimentos das empresas e dentro do portfolio específico de investimentos em tecnologia, onde parece ter sido dominante13. No entanto, nas condições vigentes no período, parece provável que o teto (de todos os tipos de investimento) tenha ficado muito próximo do piso – ou seja, investiu- se apenas o indispensável para proteger os ativos já existentes e para sobreviver face às novas condições de concorrência.
Após a implantação do Plano Real, com a estabilização de preços, o aumento da massa salarial e à expansão do comércio regional, as perspectivas de investimento melhoraram, mas a euforia foi de curta duração e o resto da década decorreu em condições de renovada instabilidade macro originada no setor externo. O teto dos investimentos foi provavelmente comprimido pela incerteza macro bem como pelas altíssimas taxas de juros, que, de um lado, desestimulavam o endividamento para investimentos em capital fixo e tecnologia e, de outro, proporcionavam altos rendimentos a baixo risco para aplicações de natureza financeira. Ao mesmo tempo, a política macro, através da operação do câmbio, aumentou a competição com as importações e desencorajou a busca de mercados externo. Ou seja, a operação da política macro elevou substancialmente as taxas mínimas de rendimento (hurdle rates) de projetos de investimento e orientou o portfolio na direção de projetos de baixa imobilização, pouca incerteza e curtos prazos de maturação. Sob tais condições, os investimentos tendem a manter sua característica minimalista defensiva e seu montante a situar- se próximo do piso. Não parece ser acidental que os principais setores que investem neste período sejam protegidos contra as importações por condições naturais favoráveis (siderurgia e alimentos) ou regimes de preços especiais (material de transporte).
É possível que, tendo feito a reestruturação mais barata e rápida durante o início da década, as empresas tenham sido obrigadas a elevar o piso de investimentos fixos, tal como evidenciado pelo aumento da taxa de investimento no período 1995/97.
Neste caso, parece provável que o peso relativo dos investimentos em tecnologia dentro do mix de investimentos tenha declinado.
Existem poucas informações sobre os gastos empresariais em tecnologia no período. Limitações de tempo e espaço impedem uma discussão mais detalhada da quantificação feita dos gastos em tecnologia e atenho- me à identificação de algumas tendências, assumindo que os erros tenham uma distribuição uniforme ao longo do tempo.
Sbragia et al. (1999) estudam uma amostra de 86 empresas respondentes às pesquisas da ANPEI durante o período 1993/97. A amostra é constituída principalmente por empresas médias e grandes de propriedade nacional. O percentual de vendas dedicado a todos os tipos de atividades tecnológicas teria aumentado entre 1993 e 1994 e, a seguir, diminuído – o que parece consistente com as informações e a análise expostas acima. Da mesma forma, parece consistente a tendência ao aumento do percentual dos gastos totais com tecnologia dedicado à compra de tecnologia no exterior, que dobra no período. A participação de gastos em P&D no total teria aumentado entre 1993 e 1997, sugerindo que o teto dos investimento em tecnologia poderia ter se elevado, mas um dos autores me advertiu que este resultado pode ser devido a mudanças na classificação dos gastos. SOBEET (2000) apresenta dados para 77 filiais de empresas estrangeiras de porte médio e grande. Os dados estão centrados em 1998, mas as empresas apresentaram estimativas de gastos para 1995/97 e para 1999/2001. O percentual de vendas dedicado a todo tipo de gasto em tecnologia sobe ao longo de todo o período. No entanto, a participação de gastos em P&D no total de gastos em tecnologia cai entre 1995/97 e 1998 em detrimento dos demais tipos de gastos, que envolvem projetos de menor complexidade, que vão desde a capacitação de recursos humanos até a engenharia não- rotineira. Para o futuro (sempre imprevisível), as empresas estimam que em 1999/2001 haveria uma volta da participação dos gastos em P&D no total aos mesmos níveis de 1995/97.
Ressalvada a precariedade dos dados (a despeito da diligência dos pesquisadores), as informações acima citadas e a análise qualitativa exposta na seção anterior não parecem falsificar (no sentido popperiano) a hipótese de que o padrão de crescimento e investimento da indústria brasileira durante a última década induziu à elevação do piso de gastos em tecnologia mas não ergueu o teto desses gastos. Claro está que a hipótese, embora plausível, carece de outras pesquisas que a validem.
5. O foco das políticas governamentais
Os anos noventa são um período de profundas transformações no padrão de intervenção estatal em termos de desenvolvimento industrial e tecnológico, subordinadas a uma nova visão de desenvolvimento, que se opõe explicitamente à visão dominante até o fim dos 80. Portanto, mais além de modificações na política macro, podem ser identificadas duas “agendas” na atuação do Estado: a primeira, definida pela percepção dos equívocos do passado, constituída por ações a serem evitadas (uma agenda “negativa”) e a segunda composta pelas questões que a intervenção deve enfocar – ou seja, uma agenda “positiva”.
Dentro da agenda negativa, dois tópicos parecem ser os mais relevantes para a problemática tratada neste artigo. Em primeiro lugar, o temor que, ao adotar políticas que hierarquizem setores industriais, repliquem- se problemas de controle do Estado por grupos privados, levando à geração de rendas não- produtivas. Isto leva a uma política industrial e tecnológica de cunho “horizontal” que, em tese, não deveria diferenciar setores e, quando surgem crises, a intervenções localizadas e ad- hoc (cujo exemplo mais conhecido é o do regime automobilístico). Embora haja consenso que o rent seeking deve ser combatido (sem confundi- lo com os argumentos da “indústria infante”), este combate não pode ignorar a realidade de que os setores são diferentes em termos de dinamismo tecnológico, econômico e social. Na prática, devido a essas diferenças, não existem políticas que sejam neutras do ponto de vista setorial – mesmo as políticas macro mais gerais (por exemplo, a política cambial) afetam os distintos setores de modo diferente14. O próprio combate ao rent seeking exige a compreensão das diferenças setoriais – por exemplo através de metas de desempenho tecnológico ou exportador. Além de reduzir a eficácia da governance do Estado, a suposta “horizontalidade” das políticas industrial e tecnológica tende a consolidar o peso dos setores já implantados em detrimento de novos setores, o que, no caso brasileiro, atua contra os setores de alta tecnologia, baseados em ciência.
O segundo ponto da agenda negativa, correlato ao anterior, diz respeito à valoração da autonomia de decisões. No passado, este critério foi decisivo para a realização de investimentos pelo Estado na área de ciência e tecnologia e para a concessão de privilégios a empresas de capital nacional que investissem neste campo. Dentro da visão hegemônica, a identificação entre autonomia e investimentos em tecnologia tende a reduzir a prioridade política dada a esses investimentos15.
Por sua vez, a agenda positiva também contém importantes implicações para o padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico, convergentes com as conseqüências da agenda negativa. Também aqui selecionamos dois pontos da agenda positiva para ilustrar suas implicações. O primeiro ponto diz respeito ao foco de transformações estruturais. A nova agenda concentra suas atenções nas transformações da estrutura institucional, privilegiando as instituições de mercado. Supõe que, funcionando estas adequadamente, a estrutura produtiva a elas se conformará de modo eficiente, seguindo o modelo de vantagens comparativas internacionais. Reconhece que o mercado falha ou é incompleto (por exemplo, em termos de práticas lesivas à concorrência ou na ausência de instituições de crédito de longo prazo), mas, em sua versão mais radical, acredita que essas falhas são menos daninhas que as decorrentes da intervenção do Estado para saná-las. Em sua versão mais branda, postula que a intervenção do Estado é necessária. No entanto, esta intervenção é feita por meio de instituições específicas (por exemplo, o BNDES), através de mecanismos de mercado (reduzindo as taxas de juros para determinadas atividades ou setores) e sem qualquer perspectiva de estrutura produtiva. O regime automobilístico ilustra bem esse modo de atuação: mobilizaram- se vários instrumentos (tarifas e cotas de importação, incentivos fiscais, crédito do BNDES) sem que houvesse qualquer orientação do Estado sobre a estrutura produtiva desejável – apesar do mercado ser um mecanismo notoriamente falho para coordenar decisões, como reconhece o insuspeito Banco Mundial ao analisar o sucesso do Sudeste asiático (World Bank, 1993).
O segundo ponto diz respeito aos atores do desenvolvimento industrial e tecnológico. Na visão dominante, o demiurgo do desenvolvimento é a grande empresa internacional, que trará novas técnicas e abrirá caminho nos mercados internacionais, compensando assim sua forte propensão a importar. Para que esta firma possa agir de forma eficaz à abertura (comercial, financeira e econômica) é indispensável, eliminar as diferenças entre capitais nacionais e estrangeiros. Aqui também o desenvolvimento é confiado aos mecanismos de mercado – não há evidência de que se tenha negociado contrapartidas à abertura em termos de, por exemplo, investimentos em centros de tecnologia no país.
Em síntese, a visão de desenvolvimento prevalecente nos anos noventa parece atuar no sentido de reforçar as características estruturais do padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico vistas acima.
Para concluir, resta lembrar que a política macro implementada dentro deste quadro de prioridades negativas e positivas atuou decididamente no sentido de orientar os investimentos em tecnologia para níveis reduzidos e concentrados em atividades de baixa complexidade, conforme discutido nas seções anteriores.
6. Especulações sobre o futuro
Argumentou- se na seção anterior que o atual padrão de desenvolvimento industrial demanda uma capacitação tecnológica mais intensa em atividades de menor complexidade, vinculadas ao uso eficiente de processos desenvolvidos no exterior, destinados à produção de bens também projetados fora. No máximo, o padrão de desenvolvimento industrial demanda adaptações dos produtos e processos às condições locais – que podem até, em alguns casos, ser de relativa complexidade.
Admitamos que o desenvolvimento econômico seja retomado, seguindo as linhas do modelo vigente: um círculo virtuoso entre abertura, investimentos estrangeiros, aumento de produtividade, exportações e aumento de mercado interno16. Neste cenário de retomada de investimentos voltados para a ampliação da capacidade produtiva, regulado apenas pelo mercado e liderado pela empresas estrangeiras, é plausível supor que as filiais brasileiras ampliem sua participação nos respectivos grupos e, assim, recebam maiores incumbências técnicas, abrangendo inclusive o resto da América do Sul. Ou seja, o tipo de capacitação tecnológica atual seria aprofundado, embora pareça pouco provável que centros de P&D venham a ser estabelecidos no país.
Além da evolução macroeconômica favorável, este cenário é obviamente condicionado pela estratégia das matrizes das empresas estrangeiras e pela disponibilidade e qualificação da mão de obra especializada e de nível superior, principais fatores que as subsidiárias apontam como condicionando sua decisão de investir em inovação no país (SOBEET 2000).
Existem, porém, outros cenários mais pessimistas, vinculados às características estruturais vistas acima. A composição das pautas de exportação e importação vistas nos Quadros 1 e 2 aponta para a existência de um déficit comercial de natureza estrutural, posto que os produtos exportados tendem ter baixo dinamismo internacional e os bens importados têm alta elasticidade – renda interna – o tipo de situação descrito por Prebisch há muitos anos. Vários estudos, feitos inclusive por pesquisadores que integraram a equipe econômica do Governo (Batista e Fritsch, 1993), têm advertido para a tendência à perda de posição do Brasil no comércio internacional de produtos industriais devido à baixa intensidade tecnológica de suas exportações, e suas conclusões foram reiteradas recentemente pelo IEDI (2000), que recomenda, além de políticas horizontais, a adoção de políticas industriais e tecnológicas de corte setorial.
No entanto, o atual Governo parece ater- se à visão de intervenção estatal acima descrita, que exclui a ação dirigida a transformar deliberadamente a estrutura produtiva, fiando- se na alteração da política cambial. Esta (com um ano de lag) teria levado à um superávit comercial no primeiro semestre do corrente ano. Cabe, porém, observar que não só o superávit é muito menor do que o estimado pelo Governo, como cerca de 50% do crescimento das exportações totais deve-se a dois setores apenas – material de transporte e produtos elétricos e eletrônicos (FUNCEX 2000) – atividades muito atingidas pela retração de 1999 e que podem diminuir suas exportações na medida em que o mercado interno se recupere. Também é importante notar que o valor anual das importações de bens de capital em junho de 2000 era 22% inferior ao mesmo período do ano anterior (ibid.) e que estas importações (e as de bens intermediários) apresentarão forte crescimento caso haja um novo ciclo expansivo.
Portanto, a estrutura de produção e seu desdobramento em termos de comércio internacional tendem a reforçar a dependência da entrada de capitais para evitar uma crise externa. Após a experiência do último quinquênio, parece haver um consenso de que é muito arriscado confiar esse papel aos capitais financeiros – o que reforça a importância atribuída ao investimento direto. Como este é atraído principalmente pelo dinamismo do mercado interno17, há um risco de ocorrer um círculo vicioso: uma forte expansão do mercado interno provocar uma crise externa, obrigando o Governo a adotar medidas de contenção de demanda que desestimularão o investimento direto, alongando a crise.
Uma crise externa prolongada poderia dar lugar à mudanças no enfoque das políticas públicas, dirigindo- as para a transformação estrutural, inclusive através da negociação com as firmas internacionais. Neste caso, é possível que atividades tecnológicas mais complexas venham a ser encetadas. No entanto, mesmo neste quadro, é necessário considerar que há um forte elemento de inércia estrutural e que não é minimamente realista esperar que padrões de comportamento tecnológico consolidados ao longo de décadas sejam rapidamente modificados.
Os cenários virtuoso e vicioso acima esboçados são casos extremos. A análise anterior sugere que um quadro intermediário, em que estariam combinados crescimento reduzido, pouca transformação estrutural e limitada capacitação tecnológica, parece mais provável.
No entanto, mesmo este quadro intermediário pode ser inviabilizado por outras dimensões estruturais, até aqui omitidas: o emprego e a desigualdade econômica e social. Embora haja consenso que o desemprego não será diretamente reduzido através da indústria de transformação, esta tem um importante função indutora de emprego no resto da economia através dos papéis que desempenha na dinâmica da economia. Além do emprego, o crescimento industrial tem importantes efeitos indiretos sobre a redução dos níveis de desigualdade através dos seus impactos fiscais e da ampliação dos gastos sociais das três esferas governamentais.
Estima-se que é necessário que a taxa de crescimento da economia como um todo seja da ordem de 5% anuais para que a taxa de desemprego não aumente. O ano corrente apresenta claros sinais de recuperação da crise do biênio anterior, com o PIB crescendo cerca de 3,8% e com a indústria tendo crescido até o fim de julho 5,3% anuais. Em termos anuais, o crescimento industrial foi liderado pelos bens de consumo durável e intermediários. Os dados semestrais do IBGE (ibge.gov.br) apontam para um maior crescimento na produção de bens de capital, indicando que o processo de investimento pode estar retomando. No entanto, o quantum importado de bens de capital acumulado no ano corrente ainda era 11,5% inferior ao do período correspondente de 1999, em que as importações foram muito afetadas pela desvalorização do início do ano (FUNCEX 2000).
As estimativas mais otimistas para o crescimento nos próximos anos variam entre 5 e 6% anuais. Caso prevaleça um cenário intermediário, de baixo crescimento, a pressão política pode levar a mudanças no padrão de desenvolvimento macro e industrial/tecnológico, cuja direção é muito incerta.
QUADRO 1
BRASIL: ESTRUTURA DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL (Y); EXPORTAÇÕES (X) E IMPORTAÇÕES (M) SEGUNDO A INTENSIDADE DE FATORES, EM PERCENTAGEM DO VALOR TOTAL – 1989 E 1997
QUADRO 2
BRASIL: ESTRUTURA DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL (Y); EXPORTAÇÕES (X) E IMPORTAÇÕES (M) SEGUNDO O NÍVEL TECNOLÓGICO DOS PRODUTOS, EM PERCENTAGEM DO VALOR TOTAL – 1989 E 1997
QUADRO 3
PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS SOB CONTROLE ESTRANGEIRO NA RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO (ROLIT) – SETORES EM QUE A PARTICIPAÇÃO É SUPERIOR A 40% E TOTAL DA INDÚSTRIA – 1997
QUADRO 4
BRASIL: TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB INDUSTRIAL 1990/2000, EM PERCENTAGENS
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