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Homenagem a Curadora do Site: Dulce Monteiro Filha

Dulce Monteiro Filha é doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), tendo graduação em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da UFRJ (1971). É mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas - SP (1975) e formou-se em Direito pela Universidade Cândido Mendes em 2013. É economista aposentada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, desde 2010. Vem estudando, desde 1987, o Processo de Desenvolvimento Brasileiro. Estudou também as Experiências Comparadas de Desenvolvimento de vários países no curso de Doutorado, onde apresentou a tese "A aplicação de fundos compulsórios pelo BNDES na formação da estrutura setorial da indústria brasileira: 1952 a 1989", cujas principais conclusões constam do artigo "O BNDES e seus critérios de financiamento industrial", no livro "BNDES- um banco de ideias: 50 anos refletindo o Brasil, do qual foi coorganizadora junto com Rui Modenesi. É coautora do texto "BNDES e o Acordo de Basileia" junto com Luiz Carlos Delorme Prado, In "Regulação Bancária e Dinâmica Financeira" (org. Mendonça,A.R. e Andrade,R.). Organizou, em parceria com Luiz Carlos Prado e Helena M.M. Lastres, o livro " Estratégias de Desenvolvimento, Política Industrial e Inovação: ensaios em memória de Fabio Erber", publicado em fevereiro de 2014, tendo escrito dois artigos. Foi curadora na elaboração do site www.fabioerber.com. É membro da rede Globelics (Global Network for Economics) e do Centro Internacional Celso Furtado.

 

 

No 3o aniversário do Site a família Erber homenageia Dulce Monteiro Filha, profissional e amiga que prontamente atendeu ao nosso pedido para ser a curadora do site.

A ideia primordial do convite foi a certeza de que ela era a pessoa ideal por ser uma expert do pensamento econômico de Fabio Erber. Dulce se autodenomina uma Economista Desenvolvimentista Erberiana.

Dulce Monteiro Filha é doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi orientanda de Fabio Erber. É economista aposentada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e foi assessora de Fabio.

Durante o processo de criação do site,  Dulce foi incansável, competente e criativa. Estruturou a Linha do Tempo estabelecendo relações entre a vida profissional e pessoal de Fábio. Dulce facilitou o encontro com profissionais e amigos, cujos depoimentos apresentaram um caleidoscópio com as múltiplas faces do Fábio, enriquecendo de forma original o site.

O trabalho de curadoria resultou em uma pesquisa profunda e inédita. Dulce se empenhou em  escrever os resumos dos artigos publicados e selecionou palavras chaves que são importantes ferramentas de busca de assunto no site.

As pessoas permanecem vivas porque pensamos nelas.  O site é a ferramenta que escolhemos para manter vivo o pensamento do Fabio. Dulce trabalha ativamente com os artigos escritos por ele, porque conhece a importância da recuperação de suas ideias para um novo Brasil.

Dulce publicará um livro em breve com sua pesquisa sobre as questões do desenvolvimento econômico, dando continuidade às ideias de Fabio Erber – BRASIL: políticas Industriais dos governos do Partido dos Trabalhadores (2003 a 2014) – Convenção do Desenvolvimento segundo Fabio Erber.

Homenageamos Dulce como gratidão ao seu profissionalismo, sua generosidade, e disponibilidade.

 

Conheça melhor Dulce Monteiro Filha:

https://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4250875U2&tokenCaptchar=03ANYolqsrjGNM87SvSUfFy_xYSFzf_Szu5SCXqcrypRShawu94CpffuU0CmuB8NbpQI3x6MQl92OR8czpM6ZP2_kWPX2DgjN74MytNTMC1C1mkhTHwk0eq6G6IRIY2NuQE6usnI7pIOi85ZHj-Xr7C3X5wQAWeT26FJs5WnpshhbSjAgcCD_kAQ7aehvL43d3kXH1HTQbdkJfb1n6PTBDPF29DWPR21UxBXppauJNA9ifHYOWro8vj7VDzjceOp_otUPW60lZhE5U-XZAtMhRMytymJuMX7EvxuR0FGgmvIOUil-al_hR9eOOC9JDdcbRvuF6Q-Mcd6r91eVc2LOZfsJP5nNnVx4vKzP3qwDzWyCansVGLcADjSAJ_0NmFPmbAZSom_b9JuhtSv0fwGdQKrkrfwCQQnYRyN9ehkPsjdsF5AfqkE1P6TNw41e5Ei99y7Ffg0U37HtwglPmcrn1gKevtdZhmQgL8oa1CAnazDqc8lWP_2Qjz2cVe0nXLzDqEm5aM60HwMgvExKco7vJTuCmwC8HyDPNfg

Doida

Espreguiçou-se. Fora bom. Muito bom. Nunca fora tão bom assim, da primeira vez. Olhou-se no espelho do teto. Satisfeito, notou a barriga lisa, a musculatura do peito, as pernas fortes. Àquela distância não era possível distinguir nitidamente o rosto, mas congratulou-se pela plástica. Ninguém daria a idade que tinha.

A moça mexeu-se um pouco, aconchegou-se e disse, com a boca colada no seu peito, os olhos fechados:

– Detesto esses espelhos.

Sentiu-se envergonhado, pego em flagrante. Ela acrescentou, com os olhos sempre fechados:

– Tenho muitas cicatrizes.

Ele passou os dedos pela pele das costas e olhou-a no espelho. Apenas as marcas do biquini. A pele lisa. Ela pareceu adivinhar seu pensamento.

– Minhas cicatrizes são por dentro.

Ele assustou-se e ela acrescentou:

– E têm zíper. As cicatrizes. Quando puxam, elas abrem e sangram.

Ele suspirou profundamente e pensou, quase falando.

– Ai meu Deus! Outra doida! Por que  só arrumo doidas?

A respiração dela indicou que voltara a dormir. Sem mexer-se, pelos espelhos, examinou-a. Voltou a olhar-se. Veio-lhe, inesperado, o medo.

E se fosse doida mesmo? Não sabia coisa alguma a respeito dela. Mal o seu nome. Que podia ser falso. Os cabelos eram tingidos.

Lera a história de uma serial killer que arrumava homens em hotéis e os matava. Crimes perfeitos. E com mutilações.  E se ela fosse uma serial killer? Sentiu uma contração nos genitais.

No espelho identificou uma tatuagem na omoplata. O desenho era pequeno e não conseguia percebê-lo. Lentamente, deslocou-se até poder ver. Uma caveirinha, com duas tíbias cruzadas. O medo virou pânico.

Conseguiu controlar-se e, devagar, com todo o cuidado, desvencilhou-se do abraço e levantou-se. Ela murmurou algo  e abraçou o travesseiro.

A bolsa estava no chão, do lado dela. Sem fazer barulho no carpete espesso, apanhou-a.

Trancou-se no banheiro e abriu a bolsa. Era uma bolsa bastante grande. No fundo, preto, com brilhos sinistros, estava o revólver de cano curto. Sentiu a contração no estômago, a boca seca, um estampido nos ouvidos. Olhou-se no espelho e não se reconheceu. O medo era ruidoso.

Pôs uma toalha na pia e colocou o revolver em cima, com cuidado para não fazer barulho. Foi procurando e achou o canivete suíço. Abriu todas as lâminas. Tesourinha, lixa, lâmina pequena. Mas a outra lâmina, a grande, era de bom tamanho. E afiada. Enfiada no pescoço, cortaria a carótida. Um golpe só seria suficiente. Depois, poderia cortar o resto. Ou até antes, ainda vivo, sentindo.

Sentou-se na privada e, aos poucos, controlou-se. Agora sabia com quem estava lidando. A questão era, o que fazer? Guardou o revolver e o canivete na bolsa e, escondendo-a atrás de si, voltou para o quarto. Ela continuava dormindo, de bruços. Colocou a bolsa de volta onde a achara.

Podia vestir-se em silêncio e fugir. Mas ela podia acordar. E não podia sair do motel sem ela. Não ia dar certo.

Podia sair com ela e, na volta, parar numa delegacia de polícia e entregá-la. Mas não vira nenhuma delegacia no caminho. Se desviasse e ela percebesse, podia dar-lhe um tiro ou esfaqueá-lo. Sentiu o pânico voltando.

Ela virou-se na cama, mas não acordou. Continuava abandonada. Inerme. Podia domina-la. Sentar-se em cima dela, prendendo-lhe os braços com os joelhos. Sufoca-la com o travesseiro, até que ela desfalecesse. Sem matá-la. Depois, seria fácil. Podia amarrá-la, amordaçá-la, pagar o motel, colocá-la no carro e entregá-la na delegacia.

Mas o que aconteceria na delegacia? Ela podia negar que fosse uma serial killer. Que provas tinha? Quem acabaria preso seria ele.

A solução era leva-la com uma confissão. Tinha um gravador portátil no carro, que usava para ditar memorandos. Depois que a tivesse amarrado, seria fácil. Havia massagens em partes do corpo que causavam dores terríveis e não deixavam marcas. Isso ele sabia por experiência. Com o olhar identificou as partes. Sentia o suor nas mãos.

Ou, quem sabe, não entregá-la na delegacia? Seria um escândalo. Todos os jornais iriam comentar o caso. Todos. Teria que dar depoimentos, participar do processo. Insuportável. E tinha um viagem marcada para o dia seguinte. E para que? Psicopatas são incuráveis. Ele, a sociedade, estariam melhor  se ela morresse.  Depois de confessar, claro. Seria fácil. Não precisaria usar o revolver, nem o canivete, que sujariam tudo. Era só sufocá-la com o travesseiro. Ela se debateria um pouco…

Dispor do corpo seria fácil. Havia tantos precipícios perto. E nada os ligava. Perfeito.

Sentiu um calor no corpo, irradiado do sexo, e relaxou, fechando os olhos.

Ela deu uma risada. Estava  apoiada nos dois travesseiros. Sentou-se na cama e sacudiu os cabelos, como os cachorros quando saem da água. Pegou a bolsa, foi até ele, fez-lhe uma carícia no rosto com a ponta dos dedos e foi para o banheiro.

Ouviu o barulho da descarga e, depois, o de água correndo. Ela colocou a cabeça para dentro do quarto e disse:

– Vou tomar um banho. Se quiser pode entrar.

Hesitou longamente. E se ela o estivesse esperando, com o revólver na mão? Ou escondida atrás da porta, com o canivete? Ouviu-a chamar seu nome. Talvez ela não desconfiasse de que ele descobrira seu segredo.

Ela estava na banheira, a bolsa ao lado. A banheira cheia, via-lhe o bico dos seios e a mancha escura do púbis. Sentou-se atrás dela e colocou as duas mãos nos ombros. Seria fácil empurrá-la.

Ela esfregou a nuca contra suas mãos. O roçar dos cabelos molhados contra os pulsos provocou-lhe um arrepio.

– Isso, massageie aí. Está tão tenso… E’ o meu trabalho, que é muito estressante. Trabalho na Polícia Federal.

Virou-se e olhou-o. Sem  perceber, ele massageava-lhe os ombros.

– E você, faz o que?

Atrapalhou-se e murmurou.

– Sou um executivo.

Ela riu.

– Hoje em dia todos são. Venha, executivo, execute-me!

E puxou-o para dentro da banheira.

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“Avaliação da Política Nacional de Informática”

Fabio S. Erber, In: Relatório “Avaliação da Política Nacional de Informática” (CNPq)

Este relatório elaborado, em novembro de 1989, para o projeto UNICAMP/CNPq “Avaliação da Política Nacional de Informática” nos ensina a história das dificuldades, problemas e comenta sobre as distorções de informações que ocorreram na implantação dessa política. Aponta como sua proposta, transformada no governo Figueiredo na lei nº 7232 de 29 de outubro de 1984, sofreu pressões políticas fortíssimas, inclusive, em 1987, o governo americano retaliou as exportações brasileiras. Na Introdução, Erber conta que, teoricamente, se pensou que a política de informática deveria abranger o “complexo eletrônico integrado”, envolvendo a indústria de equipamento de telecomunicações, cujo capital era estrangeiro, mas tendo a mesma base técnica, que poderia fornecer pessoal às universidades e centros de pesquisa. Ao mesmo tempo, se asseguraria às empresas nacionais, reserva de mercado e tratamento integrado para estas e para serviços do referido complexo. Erber explicita, ainda, que a Política Nacional de Informática (PNI), de outubro de 1984, gerou enormes conflitos internos e internacionais, devido a ambição de suas características. O autor narra que, nas negociações para viabilizá-la, o governo Sarney cedeu às pressões. Os equipamentos de telecomunicações não foram incluídos na política, de modo que não foi possível absorver internamente os conhecimentos técnicos da base tecnológica do complexo de setores escolhidos, notadamente engenharia de projeto, fundamental à inovação. Foi, consequentemente, ampliada a gama de ofertantes internacionais de tecnologia inibindo o desenvolvimento local. Além disso, a Nova Política Industrial terminou com a reserva de mercado. Imputava-se à política de informática um desejo de autarquia tecnológica, de “reinventar a roda”, o que constituiu uma crítica infundada, uma vez que ela passou a apoiar diretamente a importação de tecnologia, tanto na forma de engenharia reversa, como através de contratos formais de licenciamento e de importação de componentes. Contraditoriamente, a Nova Política Industrial (NPI), de junho de 1986, não manteve a distinção entre empresas segundo o seu capital, o que foi referendado pela Constituição de 1988. Para preservar o Plano Nacional de Informática (PNI), o Estado excluiu este setor dos regimes fiscais definidos pela NPI, exceto no que tange aos incentivos à exportação. A NPI assemelhava-se à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, no que se refere aos programas de desenvolvimento tecnológico interno, combinando-os às atividades produtivas de todo um complexo industrial e a formação de recursos humanos que apoiassem atividades industriais. Numa política industrial articulada por programas setoriais, a PNI por sua horizontalidade necessitava de articulação com as políticas de outros setores, que foi muito falha por parte do governo, tendo sido mantidos regimes distintos para indústrias de bens de consumo e de equipamentos de telecomunicações. Portanto, a eletrônica não foi pensada como área estratégica. Na segunda seção, Fabio Erber analisa as principais questões dessas ligações interindustriais, e, complementarmente, na seção 3, distingue as principais articulações deste complexo com o resto do sistema produtivo de uma forma mais geral. Enfatiza que a política teria sido bem-sucedida se tivesse havido a formação de grupos empresariais capazes de explorar as economias de escopo e aprendizado, e que tivessem condições de superar as crescentes barreiras de escala, voltando-se também para o mercado internacional. Acrescenta ainda que a ação destes grupos deveria ter sido articulada a um padrão de intervenção estruturante de parte do Estado, que abrangesse não só o complexo eletrônico mais também os vínculos deste para trás na cadeia produtiva, com a formação de pessoal e a pesquisa científica e tecnológica extramuros do complexo. Da mesma forma, deveriam ser desenvolvidos encadeamentos para frente, com os usuários dos bens e serviços eletrônicos. Observa-se que, como fornecedor de bens e serviços, o complexo deveria ser dividido naqueles produtos que são de uso final, adquiridos por unidades familiares, e aqueles que são comprados como bens de produção pelo setor público ou privado. Com relação aos comprados para os bens de produção, chamou a atenção para o fato de que a eletrônica ensejou aos usuários um novo padrão de produção, caracterizado pela flexibilidade da automação, que permite diversificar as linhas de produção com economias tanto de capital, como de mão de obra, configurando um novo paradigma de produção. A proposta que Fabio Erber defendeu no texto é que o complexo eletrônico, posto que exerce papel de dinamizador do processo de acumulação de capital e de progresso técnico, deve ser internalizado no país, em decorrência do fato de que o processo de difusão de inovações é fortemente afetado pela proximidade econômica e geográfica entre fornecedores e usuários. Durante a sua argumentação defende ainda que o que caracteriza a dependência tecnológica é a baixa relação entre gastos locais e importação, não é a importação de tecnologia, posto que esta é indispensável. Na seção 4, Erber analisou a questão do manejo dos hiatos tecnológicos, e concluiu que qualquer política que fosse adotada teria como consequência hiatos absolutos. Entretanto, lembrou que as críticas à política de Informática são mais consistentes no campo do hiato relativo, quando se compara os preços de produtos similares no mercado brasileiro e americano. Finalmente, a quinta seção volta a defender a necessidade de uma política integrada para o complexo eletrônico, assim como de seletividade de produtos para administrar os hiatos tecnológicos. Sugere que política seja focada em algumas famílias de produtos por seu uso, definidas pela análise de três dimensões básicas: 1) utilização e desenvolvimento de recursos tecnológicos; 2) barreiras econômicas à produção local e; 3) conflitos político-econômicos.

 

 

  1. Introdução: PNI e NPI

A Política Nacional de Informática (PNI) brasileira tem seis características principais:

– A identificação da eletrônica como area estratégica do ponto de vista econômico, político e militar;

– Estar baseada no mercado interno, através de uma substituição de importações “antecipatória”, em que importações são impedidas pela produção local potencial;

– 4% objetivo de desenvolvimento de uma capacidade tecnológica autônoma, através de investimentos locais, sem prescindir do licenciamento de tecnologia externa, nas transcendendo os limites que a lógica deste impõe à transferência de conhecimentos, especialmente na concepção de produtos e processos a diferenciação de tratamento entre empresas nacionalmente controladas e aquelas controladas do exterior, atendendo aos objetivos de autonomia de decisões e, especialmente, de controle tecnológico, pela reserva do mercado brasileiro às empresas sob controle nacional para os produtos que estas sejam capazes de fabricar, deixando os demais produtos preferencialmente às empresas sob controle externo; a busca de um tratamento integrado das várias indústrias e serviços que compõem o “complexo eletrônico”; e ter sido objeto de uma Lei específica, amplamente debatida pela opinião pública e no Congresso, dando-lhe legalidade e legitimidade.

Até recentemente estas características conferiam à PNI uma singularidade dentro da política econômica nacional, embora algumas destas características fossem compartilhadas por outras, políticas traçadas para setores estratégicos do ponto de vista tecnológico e de soberania nacional como o aeronáutico (*).

For configurar um padrão de política industrial distinto, em que o peso dos atores nacionais é muito maior que o usual em setores estratégicos e onde a autonomia tecnológica é privilegiada, a PNI transformou-se num pólo de conflitos tanto internos como internacionais.

Nos últimos anos ocorrem dois movimentos, aparentemente contraditórios: de um lado, tangido pela oposição à PNI, o Executivo fez várias concessões a seus críticos (por exemplo, no que toca ao software) e não implementou a integração de políticas na área eletrônica, mantendo regimes para as indústrias bens de consumo e de equipamentos de telecomunicações distintos dos prefigurados pela Lei de Informática.

Da mesma forma, ao definir um novo regime de incentivos fiscais para a indústria através dos Decretos da Nova Política Industrial (NPI), o Estado não fez qualquer distinção entre empresas segundo o centro do seu capital.

Em contraposição, referendou se na Constituição a diferença entre empresas brasileiras em função do seu controle estar ou não em mãos nacionais, bem como o princípio de que o mercado interno constitui patrimônio nacional podendo seus acessos ser regulamentado para atender objetivos nacionais especialmente nos setores considerados estratégicos.

Por outro lado, o Estado para preservar a PNI excluiu a informática dos regimes Fiscais definidos pela PNI exceto no que tange os incentivos à exportação, dos quais zsa empresas que operam ao abrigo da Lei de Informática podem fazer uso.

A NPI assemelha-se ainda à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, na ênfase dada a programas de desenvolvimento tecnológico interno, inclusive pela combinação deste com a importação de tecnologia e na concepção de uma política industrial articulada por programas setoriais em que se combinem as atividades produtivas de todo um complexo industrial as atividades de desenvolvimento tecnológico e de formação de recursos humanos que apoiam as atividades industriais.

A NPI assemelha-se ainda à PNI no que toca à prioridade dada aos setores intensivos em tecnologia, na ênfase dada a programas de desenvolvimento tecnológico interno, inclusive pela combinação deste com a importação de tecnologia e na concepção de uma política industrial articulada por programas setoriais, em que se combinem as atividades produtivas de todo um complexo industrial às atividades de desenvolvimento tecnológico e de formação de recursos humanos que apoiem as atividades industriais.

Estas contradições refletem tanto os conflitos que são inerentes à PNI como a própria indefinição da sociedade brasileira quanto ao seu padrão de desenvolvimento industrial. No presente momento, em que se conclui o longo processo de transição de um regime autoritário para uma democracia contemporaneamente a pior crise econômica do pós-guerra, há um consenso quanto à necessidade de reverse-se o padrão de desenvolvimento industrial do país.

Dadas as singularidades da PNI, que a fazem emblemática de um padrão distinto e o caráter estratégico da informática, que permeia toda a sociedade, essa revisão passa, necessariamente, pela discussão da PNI e de seus vínculos com outras políticas setoriais.

As seções subsequentes pretendem contribuir a esse debate enfocado principalmente questões relativas a vínculos interindustriais, tanto dentro do complexo econômico (CE) como entre o CE e demais complexos, mantendo dessa maneira, a convergência entre a PNI e a NPI.

Assim, a próxima seção detalha algumas características de CE que são importantes para entender sua dinâmica interna e conexões com os outros complexos, com a natureza da interdependência que une as indústrias que compõe o CE.

As duas seções seguintes concentram-se sobre as relações entre o CE e outros complexos. A seção 3, de uma forma mais geral, distinguindo as principais articulações do CE com o resto do CE em condições como as brasileiras.

Finalmente, a quinta seção propõe uma abordagem para a PNI que permitiria combinar a abrangência decorrente da interdependência entre os componentes do CE com a seletividade importa pela administração do hiato tecnológico.

 

  1. A Economia do CE e a PNI

As indústrias eletrônicas e serviços conexos fornecem bens e serviços destinados, lato senso, ao processamento da informação. Esta característica faz com que seus mercados sejam extremamente diversificados – do entretenimento a automação industrial. O espectro de mercados tende a se ampliar tanto pela criação de novos produtos (Por exemplo, vídeo- texto) como pela substituição de outras formas de processamento de informação (por exemplo eletromecânica) pela eletrônica. Este processo de expansão do uso da eletrônica na sociedade, assemelhado a uma mancha de óleo que se espalha de forma irregular, e reforçado pela redução do custo relativo de vários atributos que caracterizam um produto – desempenho, confiabilidade, durabilidade etc.

Apesar de suprirem mercados que tem dinâmicas muito distintas, as indústrias e serviço eletrônicos tem uma dinâmica interdependente, que é estabelecida pelas características dos produtos que fornecem e pelo uso de uma base cientifica e técnica comum, tanto na concepção com na produção desses bens. Estes vínculos de interdependência dinâmica entre as várias industriais eletrônicas tendem a ser mais fortes que os vínculos que as unem outras indústrias de distinta base técnica, e tem um efeito de sinergia, onde a resultante da interação e maior que a soma das partes.

As indústrias eletrônicas e seus serviços constituem, assim um complexo industrial – o complexo eletrônico (CE). Este complexo tem uma forma especial, o leque, onde o centro e constituído pelas atividades de concepção de produtos (pesquisa e desenvolvimento) e por insumos e componentes de uso comum, notadamente componentes semicondutores e software. Os raios do leque são constituídos pelas diversas cadeias produtivas orientadas para mercados distintos- automação, processamento de dados etc. A convergência entre alguns mercados, que antes eram separados, como a informática e telecomunicação formando a telemática, reforça a referida interdependência entre as várias cadeias.

O tipo de interdependência verificado entre as indústrias eletrônicas faz com que, na sua dinâmica, destaquem-se as economias de escopo, derivadas dos usos dos mesmos recursos para linhas de produção distintas. Por outro lado, o caráter intensivo em tecnologia, fortemente utilizador de mão de obra muito qualificada (especialmente na fase de concepção dos produtos) e o ciclo de vida relativamente curto dos bens e serviços eletrônicos, enfatizam as economias de aprendizado, tem efeitos de sinergia e constituem um importante barreira a entrada do setor.

No passado recente, as barreiras também têm aumentado de altura devido a crescente padronização de alguns produtos e a expansão da automatização dos seus processos de pesquisa e desenvolvimento e de produção, ampliando a importância das economias de escala estáticas tradicionais – o que é interpretado por alguns como um sinal de um relativo “amadurecimento” do CE.

Está combinatória de economias de escopo e escala, estáticas e dinâmicas, tem profundos efeitos sobre a estratégia das empresas que participam do CE. Tradicionalmente, essas economias foram exploradas por meio de integrações horizontais e verticais dentro do mesmo grupo, ou seja, um efeito de aglomeração eletrônica. Mais recentemente, somou-se a conglomeração a cooperação entre grupos, tano ao nível de tecnologia, por meio de licenciamentos cruzados e projetos cooperativos de P&D, como ao nível da produção, por meio de “joint-ventures” e “joint-businsessses”.

Nos países centrais, onde o CE nasce e se desenvolve mais, as características do CE também definiram um padrão de intervenção do Estado especifico, da natureza “estruturante”, onde o Estado plasmou, ao mesmo tempo, as condições de oferta e demanda do CE, atuando de forma abrangente e sustentada no tempo, sobre todas as etapas da cadeia que vai da pesquisa as vendas dos produtos e serviços, utilizando medidas redutoras de custos e, especialmente, de riscos para as empresas nacionais, numa perspectiva ofensiva, de ganhar espaço no mercado internacional. Mesmo onde o CE já se implantou, a intervenção do Estado se mane, assumindo um caráter estruturante para os produtos que constituem a fronteira tecnológica do setor e fomentando ou estruturando a cooperação entre empresas.

As análises da intervenção do Estado no CE normalmente concentram sua atenção sobre a constituição da capacidade cientifica, tecnológica e produtiva do complexo, ou seja, ao nível da oferta de bens e serviços do complexo e de seus encadeamentos com o sistema educacional e de pesquisa. No entanto, convém assinalar que esta intervenção foi simultânea a ação sobre a demanda destes bens e serviços, feito tanto diretamente apelo Estado, através de suas políticas de compras, como indiretamente por meio de medidas que reduziam os riscos e custos do uso destes bens, especialmente para que eles compradores que os empregavam como bens de produção e eram oriundos de uma base técnica não eletrônica – por exemplo, na introdução do controle numérico na indústria de máquina-ferramenta.

Esta dupla intervenção, a que, por isso, chamamos de “estruturante”, dá-se, pois, tanto dentro do CE como nas interfaces deste com outros complexos industriais ou com os consumidores finais, constituindo a política industrial (lato sensu) para o CE e uma parte fundamental (dada a importância da eletrônica para o sistema econômico e social) da política industrial geral.

Finalmente, não é ocioso insistir sobre o caráter internacionalmente do CE – tanto em termos de mercados como de produção, seja na definição de estratégias por parte das empresas como nos Estados nacionais, há uma dimensão internacional, que tem um efeito cumulativo. Assim, a intervenção de um Estado nacional favor das empresas do seu CE nacional, obriga-os demais a intervir, sob pena de prejudicar a posição competitiva de suas empresas nacionais.

Em síntese, a economia tecnológica, industrial e política do CE sugere que este será bem-sucedido se houver a formação de grupos empresariais capazes de explorar as economias de escopo e aprendizado e superar as crescentes barreiras de escala, voltando-se também para o mercado internacional. A ação destes grupos deve estar articulada a um padrão de intervenção estruturante de parte do Estado, que abrange não só o CE como os vínculos destes para trás, como a formação de pessoal e a pesquisa cientifica e tecnológica extramuros do complexo, e os encadeamentos para frente, com os usuários dos bens e serviços eletrônicos.

A luz destas conclusões, a parcialidade da PNI brasileira e patente. A segmentação da política, entre setores e, dentro dos setores, por produtos, implicou que as economias de escopo, aprendizado e escala fossem reduzidas. A relutância em assumir uma postura claramente estruturante, que teria impicado em medidas mais restritivas de ordenamento de oferta, fez com que a formação de grupos capazes de usufruir das economias de escopo e escala fosse retardada, o que foi agravado pela ausência de uma política de exportação adequada as especifidades do setor.

Ainda no âmbito do CE, note-se que o apoio das agencias financiadoras do Estado foi tardio e, frequentemente, hesitante, especialmente no que toca a capital de risco, como bem evidencia a crônica falta de capital da única empresa estatal do complexo, cuja vocação de liderança tecnológica e provedora de externalidades para as demais empresas jamais foi plenamente assumida pela política.

Em termos dos encadeamentos para trás, a constituição de tecido científico e tecnológico sobre o qual repousa o complexo, foi notoriamente precária, limitada por uma política míope de controle dos gastos públicos – o que levou as empresas nacionais a internacionalizar custos e riscos que, em outros países, constituem externalidade para seus congêneres, limitando assim sua competividade internacional.

As relações com os demais complexos industriais, como para frente como para trás, são analisadas em maior detalhe na próxima sessão, mas cabe aqui, enfatizar a parcialidade das políticas de demanda por produtos eletrônicos, tanto os adquiridos diretamente pelo Estado como os dirigidos pelo setor privado.

Na verdade, a PNI utilizou basicamente dois instrumentos: o controle de importações, tanto de produtos acabados como de partes e componentes, e a aprovação de projetos e produtos. Embora incentivos fiscais, créditos de agências governamentais e compras estatais também fossem utilizados, foram-no de forma limitada e descontinuada ao longo do tempo.

Embora poderosos, especialmente pelo conteúdo importado relativamente alto (para padrões brasileiros, conhecidos pela quase-autarquia), estes instrumentos não constituem um arcabouço estruturante para um setor e, muito menos, para o CE, onde sua insuficiência e agravada pela desconexão entre as políticas setoriais.

Esa insuficiência torna-se muito mais grave quando situada num contexto internacional não só as condições do CE brasileiro são muito mais precárias, como a intervenção dos Estados nacionais e, essas sim, de caráter nitidamente estruturante.

 

  1. Política Inter complexos

Para trás, como consumidor de produtos industriais fornecidos por outros complexos industriais, o CE demanda bens de vários complexos, notadamente do complexo eletromecânico, como fiação elétrica e componentes de mecânica fina, e do complexo petroquímico, pelo consumo de plástico e outros derivados sintéticos.

Embora suas compras possam não ser vultuosas, em termos quantitativos, o CE pode exercer um importante efeito sobre seus supridores ao definir requisitos técnicos apurados para os produtos que compra (por exemplo, em ermos de tamanho ou dissipação de energia), obrigando os fornecedores a aperfeiçoar os seus procedimentos de projeto e produção. Como esta capacitação técnica pode ser utilizada para suprimento de outras indústrias, esta articulação para trás do CE tende a gerar externalidades para outros complexos industriais.

No caso brasileiro, o suprimento de insumos não eletrônicos constitui uma das principais causas do custo relativamente alto dos produtos de CE (veja-se abaixo a discussão do hiato tecnológico) e deveria constituir uma das prioridades de uma política industrial que articula o CE aos demais complexos.

Para frente, ao olhar o CE como fornecedor de bens e serviços, convém distinguir entre os bens e serviços que são de uso final, adquiridos por unidades familiares, e aqueles que são comprados como bens de produção pelo setor público ou privado.

A composição e quantidade dos primeiros depende diretamente da política de rendas e apenas medianamente pela política industrial externa ao CE. No entanto, a evolução deste último e, conforma já assinalado, fortemente afetado pela política tecnológica e industrial definida para as indústrias que produzem esses bens de consumo (notadamente áudio e vídeo, mas, crescentemente, microcomputadores também) e, desta forma indireta, os demais complexos industriais são também afetados.

Assim, no caso brasileiro, a baixa integração tecnológica, produtiva e da política entre o setor de bens de consumo sediado na Zona Franca de Manaus e o resto do CE nacional em efeitos negativos que transbordam os já notados para o CE, incidindo sobre o resto do sistema industrial.

No passado recente e no presente, a política de renda do país tem induzido uma produção de bens de consumo eletrônicos que busca a diversificação dos modelos, reforçando a propensão a importar tecnologia e componentes. Caso houvesse uma modificação desta política de rendas, privilegiando uma distribuição mais equitativa de rendimentos, e provável que o consumo destes bens não se alterasse em termos quantitativos (ao contrário, e provável que a densidade de eletrônicos por domicílios aumentasse) mas sua composição, rumo a modelos mais simples, provavelmente seria alterada.

Por mais importante que sejam os efeitos da difusão da eletrônica sobre os padrões de consumo domiciliar (a que devem somar-se os impactos políticos e culturais), do ponto de vista estritamente econômico, o principal impacto do Ceda-se pelo uso de seus produtos e serviços como meios de produção de outros bens e serviços.

Conforme já foi apontado, a rápida difusão dos bens eletrônicos como meios de produção deve-se a uma combinação de fatores: o objeto que transformam – a informação, em todos os seus usos, a diversificação destes bens eletrônicos, adaptáveis a diversos usos, e a drástica redução das relações entre o preço destes bens e suas demais características (desempenho, durabilidade, confiabilidade etc.).

Com o e sabido, a eletrônica ensejou aos seus usuários novo padrão de produção, caraterizado pela flexibilidade da automação, que permite diversificar as linhas de produção com economias tanto de capital como de mão-de-obra, configurando um novo paradigma de produção.

Desta forma, o CE fornece os meios para que os demais setores revolucionam sua base técnica, induzindo um processo de inovação encadeado, em “cascata”, que afeta todo o sistema econômico.

Mais indiretamente, ao definir procedimentos de pesquisa e produção com margens de tolerância muito restritas, o CE estabelece paradigmas para o resto do sistema, como por exemplo, o “grau de pureza eletrônica” na produção.

Para que o CE exerça a contento esses papeis de dinamizador processo de acumulação de capital e de progresso técnico, e necessário que este complexo esteja internalizado no país, posto que o processo de difusão de inovações e fortemente afetado pela proximidade econômica e geográfica entre fornecedores e usuários. Dadas as conhecidas limitações do processo de transferência internacional de tecnologia, e necessário que o CE local tenha uma capacidade tecnológica própria, sem prescindir, obviamente, da importação de tecnologia. Convém aqui reiterar que o que caracteriza a dependência tecnológica não é a importação de tecnologia, posto que é indispensável, mas a baixa relação entre os gastos locais e a importação.

Neste sentido, a PNI tem um sentido verdadeiramente estratégico para o resto do sistema econômico ao garantis a internacionalização de um CE sob controle nacional, sendo de deprecar os pequenos investimentos feitos na montagem do sistema científico e tecnológico externo ao CE e que dá sustento a capacidade de inovação deste último.

A presença de um CE, mesmo dotado de capacidade tecnológica própria, não garante, porém que o processo em cadeia previamente descrito se dê. E necessário também quer que estejam presentes no sistema aqueles setores industriais e serviços que desenvolvem e adaptam as inovações eletrônicas (fazendo na linguagem shumpeteriana “inovações secundarias”) aos seus múltiplos usos.

Entre os setores industriais que fazem este papel de “intermediários” entre os “motores” da inovação, como o CE, e o resto do sistema econômico (Erber, 1988), destacam-se os produtores de bens de capital, lócus clássicos da incorporação e difusão do progresso técnico.

Na segunda metade da década de setenta, o Brasil, deu um salto quantitativo na capacidade de produção de bens de capital baseada na tecnológica não-eletrônica. A trajetória natural dessa indústria nos anos oitenta, que seria a introdução da eletrônica, foi freada pela crise da década, originada por fatores financeiros extra industriais.

A redução do ritmo de investimentos teve como consequência imediata a diminuição da introdução da eletrônica na indústria de bens de capital, que, por estar em seus estágios iniciais, demanda altos gastos em inversão e um grande esforço de aprendizado.

Esta contração da demanda esperada por meios de produção de base eletrônica teve um efeito perverso cumulativo, ao ocorrer quando se implantava a produção local destes bens, contribuindo, pelos aumentos dos custos fixos unitários, a aumentar os preços destes bens e, assim a desestimular mais ainda a sua demanda.

Não obstante, o número de máquinas-ferramenta com controle numérico instalado no país, em 1988, era mais de cinco vezes superior ao do início da década e o número de controladores programáveis vendidos naquele último ano era onze vezes superior ao vendido em 1984 (Laplane 1989 e Sei 1989).

Embora os números acima atestem que o processo de difusão não estancou, tendo prosseguido a ritmos superior ao do crescimento industrial do país, esta difusão ainda e pequena em termos internacionais. A título de exemplo, enquanto no Brasil, em 1987, apenas 4% das máquinas-ferramenta produzidas eram de controle numérico, nos países avançados esse percentual supera, em média, a metade da produção.

Em consequência, uma das prioridades da política industrial deve ser a incorporação da eletrônica pela indústria de bens de capital. Neste sentido, a definição do setor de máquinas-ferramenta como uma das prioridades para a elaboração de um programa setorial integrado, no âmbito da NPI e positivo, como é a constituição pelo BNDES de uma linha específica de apoio a automação industrial. Note-se, porém, que, nos países avançados, o apoio governamental a introdução da eletrônica na indústria de bens de capital abrange um conjunto de medidas mais amplo, que visa reduzir tanto os riscos como os custos dos usuários (Sa, 1989).

Por ter o estado brasileiro, tanto a Administração Central como as Empresas Estatais, assumido os principais ônus da crise financeira, a demanda publica por bens eletrônicos foi especialmente afetada. Em consequência, a PNI foi privada, no campo econômico, de um dos principais instrumentos utilizados nos países avançados para desenvolver seus CEs, inclusive com sentido anticíclico, e, no campo político, de um de seus esteios de legitimidade, que seria a utilização dos bens de serviços do CE para fins sociais, inclusive para a modernização do aparto estatal.

Embora medidas de política industrial, estrito senso, possam aumentar a articulação entre o CE e os demais complexos industriais, esta depende, em boa medida, de condições macroeconômicas que transcendem o âmbito da referida política, entre as quais se destaca a alteração do padrão de financiamento do processo de desenvolvimento industrial e de operação do Estado brasileiro. Como bem ilustra o caso do sistema financeiro, onde a introdução eletrônica foi célere e baseada em soluções tecnológicas locais, quando estas condições são propicias, o CE nacional e capaz de responder adequadamente.

Embora o preço de vários produtos do CE, notadamente de tecnologia nacional com as qualificações devidas ao seu estágio “infantil”, a oferta de bens de produção do CE brasileiro ainda parece de uma relação entre preços e demais atributos excessivamente alta, o que sugere ser conveniente, do ponto de vista da política industrial como um todo, priorizar os esforços de redução de custos nesse segmento do CE.

Dada a interdependência entre os segmentos do CE, esta orientação remete, uma vez mais, para uma política integrada dentro do CE e deste com seus supridores, notadamente os metalmecânicos, que constituem um dos principais obstáculos a redução de preços. Dadas as limitações de tamanho do mercado brasileiro e a escassez de recursos técnicos e produtivos de famílias de produtos a serem desenvolvidas localmente se impor, tema tratado em mais detalhe nas duas seções seguintes.

 

  1. A administração do Hiato Tecnológico

As firmas nacionais de informática já alçaram uma clara capacitação tecnológica em vários domínios tecnológicos. No campo da fabricação, capacitaram-se inicialmente a manufatura os produtos localmente e, agora, vem ampliando sua competência no controle e melhoria de qualidade e nos serviços de manutenção dos equipamentos. Na area de projeto de produtos desenvolveram a capacidade de engenharia reversa e de projetar produtos internamente, tanto em hardware (por exemplo, equipamentos de automação bancária) como em software (por exemplo, o sistema operacional SOX da COBRA).

Não obstante estes resultados positivos, a Política de Informática enfrenta o problema da capacidade de inovação e de acompanhar o desenvolvimento internacional na area, pontos centrais do questionamento da política, e que em obvias implicações para os demais setores motores da inovação.

A política de Informática imputa-se com frequência um curioso desejo de autarquia tecnológica, de “reinventar a roda”. Os fatos, no entanto, invalidam esta crítica. A política, tal como vem sendo posto em prática, tem-se apoiado diretamente sobre a importação de tecnologia, tanto sob a forma de engenharia reversa como através de contratos formais de licenciamento e plena importação de componentes.

Em verdade, a política ampliou a gama de ofertantes internacionais de tecnologia, como pode ser visto comparando as ofertas de licenciamentos nas duas concorrências feitas de para a produção local de microcomputadores, em 1977, no início da política, e em 1983, para superminis. Na segunda, as empresas líderes do setor dispuseram-se s ceder tecnologia a firmas nacionais, ao contrário do que ocorrera na primeira.

A experiencia da indústria brasileira de informática confirma a de outros setores no que toca as relações entre importação de tecnologia e desenvolvimento de uma capacitação tecnológica interna. Assim, a importação de tecnologia serve para desenvolver algumas capacidades, como a de engenharia de fabricação, mas tende as inibir outras, como a engenharia de projeto.

Como as capacidades tecnológicas que tendem a ser inibidas são aquelas indispensáveis pelas inovações, a importação de tecnologia tende a ser perpetuada, a menos que os importadores realizem um investimento autônomo na sua capacitação nas atividades que a importação não desenvolve.

Esse constitui um dos principais objetivos e, ao mesmo tempo, desafios da política brasileira de informática, que se repete nas outras áreas de ponta.

Embora a percentagem do faturamento das empresas brasileiras devotada a atividades tecnológicas na area de informática seja alta (cerca de 10%), o tamanho de muitas destas firmas faz com que o nível absoluto de gastos seja insuficiente para atuar na fronteira internacional, onde o patamar mínimo de gastos se elevando.

Os gastos governamentais brasileiros também não são suficientes para alcançar os dos países avançados e o estoque de recursos de que o País dispõe, especialmente recursos humanos, e claramente insuficiente para inovar numa faixa muito ampla de produtos de alta tecnologia.

Entretanto, para Pais como o Brasil, não é necessário nem factível estar colado as fronteiras internacionais em todos os produtos das áreas de ponta. Tanto nas decisões quanto a o que produzir internamente, com que parâmetros de custo/desempenho, como nas decisões quanto a concentração da capacidade de inovar, as condições do País impõem uma postura seletiva em termos de produtos.

Esta política seletiva implica numa análise mais cuidadosa da problemática do “hiato tecnológico” em condições de relativo subdesenvolvimento.

O hiato tecnológico na oferta de produtos e identificado pelas diferenças entre as relações preço/desempenho prevalecentes nos mercados internacionais e brasileiro. Quando certos produtos são ofertados internacionalmente e não no Brasil, há um hiato “absoluto”. Quando os produtos são ofertados em ambos os mercados, o hiato eventual e “relativo”.

A dinâmica do complexo eletrônico caracteriza-se, conforme já foi mencionado, pela diversidade de produtos e, ao confrontar as ofertas no mercado brasileiro e no exterior, constatam-se inúmeros exemplos de “hiato absoluto”.

Cabe, porém, questionar o significado deste hiato. O conceito de “hiato” contém, implícita, uma noção de “necessidade” universal, que se expressaria através dos parâmetros de custo e desempenho dos produtos. Estes, porém, são definidos pelas empresas com base em critérios internos de competição e acumulação aplicados as condições dos países desenvolvidos. Nem os critérios nem as condições podem ser mecanicamente extrapolados para os países como Brasil. Um conceito mais apropriado de “hiato” implica na identificação detalhada de que necessidades não são atendidas pela oferta brasileira.

Em outras palavras, a identificação de um hiato na oferta e uma decisão política, além de econômica.

Cabe considerar que, mesmo nos países desenvolvidos, nos setores de alta tecnologia observa-se, com frequência, o que se pode chamar da “síndrome da câmara refles”. Com efeito, como se sabe, são incontáveis os compradores de potentíssimas câmeras fotográficas, capazes de tirar fotos nítidas na escuridão ou de um cavalo cruzando a reta final no hipódromo, que usam apenas para fotografar as crianças no jardim, paradas sob céu azul. O mesmo descompasso entre uso (necessidade) e oferta se aplica a outros produtos, como computadores pessoais e, mesmo, em equipamentos profissionais. A crise pela qual passou recentemente a indústria de computadores nos Estados Unidos e atribuída, em boa medida, a essa capacidade ociosa dos equipamentos.

No caso brasileiro, não há evidência disponível que ateste que a Política de Informática tenha deixado necessidades de alta prioridade social ou econômica inatendidas, embora enha, certamente, privado muitos usuários de prazer e prestígio de possuir o “dernier cri” em matéria tecnológica.

O conceito de “hiato” contém ainda, implícita, a hipóteses de disponibilidade de recursos para importar os bens não ofertados localmente. A crise cambial brasileira e de tais dimensões que torna indispensáveis maiores comentários sobre o realismo desta hipótese.

O controle de importações desempenha um papel fundamental na política de informática brasileira. Em primeiro lugar, dada a falta de integração vertical do complexo eletrônico, permite pelo controle de importações das partes, componentes e equipamentos, selecionar que produtos serão produzidos no País. Ao mesmo tempo, permite manter, pelo mesmo canal, os hiatos tecnológicos (absoluto e relativo) sob relativo controle. Em terceiro lugar, tem sido um importante elemento de barganha para elevar as subsidiarias implantadas no País a tanto aumentar suas compras locais de partes e componentes, como de elevar suas exportações intragrupo. Recentemente, a lista de produtos cujos pedidos de importação necessitam ser examinados pela Secretaria Especial de Informática foi reduzida, ao mesmo tempo que os procedimentos de exame estão sendo agilizados.

Potencialmente o controle de importações poderia ainda constituir um importante elemento salvaguarda dos interesses dos consumidores, atuando como elemento de pressão para que as empresas endividam dessem esforços para reduzir as relações de preços/desempenhos de seus produtos. Esta pressão que poderia traduzir-se em medidas de proteção (tarifaria e/ou administrativa) cadentes ao longo do tempo não foi utilizada pela PNI, que se caracterizou por uma proteção sem claros limites temporais.

A restrição de divisas que pesa sobre a economia brasileira, combinada a dados como a dimensão do mercado nacional, recursos disponíveis localmente para implantar o setor etc., implica que qualquer política que fosse adotada, teria como consequência hiatos absolutos. Entretanto, e possível que a composição da oferta onde tais hiatos fossem consignados, fosse distinta caso a política fosse levada a cabo por empresas multinacionais, ou alternativamente, exclusivamente por empresas estatais. Parece, porém, difícil afirmar que as necessidades cobertas por estas estratégias alternativas teriam, a priori, maior validade econômica e social que as atendidas pela atual política.

As críticas a Política de Informática parecem pisar terreno mais firme no campo do hiato relativo. Comparando os preços de produtos similares no mercado brasileiro e americano, constatam-se diferenciais substanciais para produtos como microcomputadores, periféricos, discos e unidades de controle numérico.

No entanto, quando analisamos ao longo do tempo, estes diferenciais tendem a cair, algumas vezes de forma abrupta. No caso de microcomputadores, reduzem-se de quase 200% a zero, no prazo de dois anos. Para as unidades de controle numérico localmente projetadas, caem de 46% a zero em 4 anos. Embora para outros produtos, como periféricos e discos, as reduções sejam menos intensas. Elas todas apontam a presença de economias de escala dinâmicas, um das justificativas clássicas da indústria nascente.

Igualmente significativo e o fato de os diferenciais de preços dos produtos de informática fabricados por subsidiarias de firmas internacionais os preços de produtos eletrônicos, fabricados na Zona Franca de Manaus. Não serem distintos daqueles observados para as firmas nacionais de informática, sugerindo que o problema tem raízes em condições estruturais, como a dimensão do mercado brasileiro, antes que nas características da Política de Informática.

Dois outros fatos apontam na mesma direção. Em primeiro lugar, o custo de equipamentos onde o mercado brasileiro e de porte internacional, como na automação bancária, e comparável e frequentemente, maior que no exterior. Em segundo lugar, estudos detalhados de custos de produtos de informática nacionais indicam que o principal fator que explica as diferenças observadas entre produtos nacionais e estrangeiros e o custo dos insumos e componentes, que, fabricados no País ou importados em pequena escala, oneram o preço do produto final.

Este último fator remete, de um lado, novamente, a importância de conceber a política integradamente para o complexo, mesmo que de forma seletiva ao nível de famílias de produtos. De outro lado, aponta para a já mencionada propensão a importar das filiais de firmas multinacionais, que, embora instaladas no País há várias décadas, passaram a desenvolver fornecedores locais apenas quando a Política restringiu as importações.

E importante, ainda, notar que, neste tipo de análise, estão sendo comparados resultados de uma indústria madura, como a americana, com os de uma indústria infante, como a brasileira. Sabe-se, porém, que as indústrias, em todos os países, levam um longo tempo para amadurecer. Tomando a indústria automobilística como exemplo de uma estratégia distinta, apoiada sobre firmas multinacionais, o seu amadurecimento, expresso pela redução de diferenciais de preços, parece ter sido muito mais lento que o evidenciado pela indústria brasileira de informática.

Embora a defesa dos interesses do consumidor seja um objetivo meritório em todas as circunstâncias, não deixa de ser curioso, politicamente, que muitos do que presentemente atacam a Política de Informática tenham, no passado, justificado os diferenciais de preços constatados em indústrias estabelecidas segundo o padrão ortodoxo, precisamente com os argumentos da indústria infante.

As considerações acima são feitas com um horizonte temporal de prazo longo. Apesar de apropriado a avaliação de políticas, este horizonte frequentemente não e compartilhado por usuários dos produtos. A observação do seu comportamento sugere que tais usuários tem uma “margem de tolerância” em relação ao hiato de oferta existente num dado momento, a qual opera ao longo de um período relativamente curto. Esgotada no tempo esta margem de tolerância, os usuários passam a pressionar para que o hiato seja removido, total ou parcialmente.

O hiato será mais tolerado se houver um compromisso de parte dos produtores de reduzi-lo em prazos definidos e se a política governamental incluir medidas que garantem o cumprimento deste compromisso, tanto por meio de sanções as empresas que não as honrem (por exemplo, cobrança de incentivos fiscais) como pela rápida abertura a competição externa.

Uma das características das áreas de tecnologia de ponta e a sua alta taxa de inovação, que faz com que a gama de produtos e as características destes estejam em movimento contínuo. Os usuários destes produtos andem a estar bem-informados sobre o “estada-da-arte” internacional e o movimento deste afeta a sua posição no “intervalo de tolerância” com o hiato, aumentando as pressões para a rápida redução deste. Estas pressões são potencializadas pela presença de subsidiarias estrangeiras, ofertantes virtuais das novas safras de produtos.

Os dois conceitos acima utilizados – a margem de tolerância dos consumidores com o hiato tecnológico na oferta interna de bens de serviços e a capacidade interna de inovar – podem ser combinados numa matriz, em que as células são compostas por produtos classificados segunda a margem de tolerância e capacidade de inovar, conforme o quadro 1.

A matriz, embora esquemática, fornece indicações para uma estratégia seletiva de desenvolvimento tecnológico. Para os produtos em que a margem de tolerância e alta e a capacidade interna de inovar também e, o desenvolvimento local destes produtos parece aconselhável. Contrariamente, para aqueles produtos em que a margem de tolerância e baixa e, similarmente o e a capacidade interna de inovação, a importação de tecnologia parece a melhor solução. Finalmente, na diagonal da esquerda, em que estão combinadas altas (baixas) tolerâncias com baixas (altas) capacidades de inovar, a melhor solução parece importação de tecnologia acompanhada de um esforço de inovação interno.

 

QUADRO 1 – Administração do Hiato Tecnológico

 

Margem de Tolerância – Capacidade interna de inovar

 

Alta                                 Baixa

Alta                       Desenvolvimento Local          Importação

Des. Local

Baixa                     Importação                                Importação

Desenvolvimento Local

 

A matriz acima descrita pode ser utilizada de forma estática, para classifica os produtos num dado ponto no tempo, ou de forma dinâmica, para definir a distribuição de produtos pelas células da matriz ao longo do tempo, ou, em outras palavras, para definir as prioridades de investimento em desenvolvimento tecnológico por linhas de produtos.

A definição da margem de tolerância, conforme descrito acima, cabe essencialmente aos consumidores. No entanto, o Estado pode, com base em critérios sociais ou pautado por um horizonte de tempo distinto, impor hiatos mais longos que os desejados pelos consumidores, pagando por isso o correspondente custo político.

A decisão sobre a distribuição dos hiatos por produtos – ou seja, a relação que se estabelece entre os perfis de oferta nacional e internacional, com suas obvias implicações em termos de importações, produtividade, satisfação dos consumidores etc., e uma decisão política de maior alcance que acima discutida, dependendo de considerações, como a política de rendas, que vão além do âmbito da política industrial.

A análise anterior sugere que se pode estabelecer critérios para definir esta distribuição de hiatos com base nos encadeamentos do CE com o resto do sistema econômico – por exemplo, a margem de tolerância em bens de consumo de entretenimento pode ser maior que bens de capital.

Esses critérios serviriam também para dar a matriz antes apresentada sua definição dinâmica, de instrumento auxiliar das decisões de investimento.

A política brasileira de informática parece ter atuado de forma semelhante, selecionando as estratégias tecnológicas para produtos ou grupos destes, em função da capacidade interna de prover soluções tecnológicas e das pressões para que os produtos fossem rapidamente ofertados no mercado interno.

Embora o prazo para avaliação dos seus resultados ainda seja curto, os que podem ser observados tendem a validar a PNI. No entanto, essa parece ter sido implementada de uma forma muito pontual, produto a produto, e com limitada capacidade de antecipação de problemas. Para que seja eficaz e evidente pressões insuportáveis, procedimentos mais sistematizados de administração do hiato tecnológico terão que ser estabelecidos.

Paradoxalmente, os próprios conflitos que cercaram apolítica, parecem ter contribuído para que ambas as metas claras de redução do hiato não fossem estabelecidas para os produtos protegidos e, ainda mais, para que sanções não fossem impostas quando do não cumprimento destas metas, prejudicando, em última instancia, a legitimidade da própria política.

Num plano mais amplo, da definição da distribuição dos hiatos por produtos, a PNI defrontou-se com um contexto em que inexistiu uma política industrial e onde a política econômica privilegiou, sem sucesso, o controle da inflação. Esta indefinição contribui fortemente para que a PNI fosse mais influenciada por indicações do mercado do que por considerações do uso social da eletrônica.

 

  1. Política Industrial e Informática – Uma Abordagem por Famílias de Produtos

Nas seções anteriores enfatizou-se, de um lado, a necessidade de uma abordagem integrada para o CE e, de outro, a necessidade de seletividade em ermos de produtos ao administrar-se o hiato tecnológico.

Estes dois princípios, abrangência e seletividade, poderiam ser conciliados operando a política ao nível de famílias de produtos que utilizassem recursos técnicos e produtivos semelhantes, e, ancilar mente, fosse dirigido para mercados com características semelhantes. Desata forma, seriam exploradas as economias de escopo, aprendizado e escala que originam a sinergia do CE, resguardando-se os seus usuários de um hiato tecnológico excessivo.

Nesta perspectiva, as famílias de produtos eletrônicos seriam divididas em três grandes grupos: produtos a serem importados, produtos a serem fabricados no país com tecnologia importada, e produtos a serem fabricados no país com tecnologia local. Como na análise anterior do hiato tecnológico, esta divisão teria tanto um caráter estático, de taxionomia inicial, como um caráter dinâmico, expressando os objetivos da política industrial pela alocação de famílias de produtos a um ou outro grupo no tempo.

Imaginado uma política industrial articulada as prioridades econômicas e sociais do país, uma primeira priorização das famílias de produtos eletrônicos, bastante ampla, poderia ser obtida de seus usos. Assim, a título de exemplo, a ênfase no aperfeiçoamento dos serviços básicos presados a população de baixa renda, como saúde e educação, levar a política industrial a privilegiar produtos eletrônicos distintos daqueles que serão priorizados pelo funcionamento do mercado, mantida a atual política de rendas.

Esta primeira seleção de famílias de produtos deveria, a seguir, ser objeto de um escrutínio mais cuidadoso, embora ainda mais amplo que o nível do projeto, seguindo três dimensões básicas, abaixo detalhadas.

I. Utilização e desenvolvimento de recursos tecnológicos no país.

A utilização e o desenvolvimento de uma capacitação tecnológica são objetivos em boa medida complementares, porque a utilização desenvolve os recursos disponíveis (via “learning by doing”) e os limites que esse aprendizado encontra aponta as prioridades do desenvolvimento, como, por exemplo, na transferência internacional de tecnologia.

O objetivo da política industrial ao longo desta dimensão, e ampliar o uso de recursos científicos e tecnológicos mais complexos, criando, ao mesmo tempo, postos de trabalho mais bem renumerados e melhores condições para que a produção local estreito o hiato tecnológico em relação a fronteira internacional.

No entanto, as considerações de ordem econômica e político-institucional, expressas nas outras dimensões do processo de escolha, podem recomendar, para certas famílias prioritárias de produtos, cautela neste avanço, que pode até ser excluído para as famílias que se julgue devam ser importadas ou fabricadas localmente sob licença.

Nos termos do esquema Antes proposto para a administração do hiato tecnológico, a dimensão “capacidade de inovação local” ali utilizada encontra-se subsumida nesta ordem de considerações.

 

II.Barreiras econômicas a produção local

Conforme já foi assinalado, há uma tendencia internacional a elevação dos gastos mínimos em P&D e produção dos produtos eletrônicos. Esta elevação afeta inclusive as interfaces entre o CE e outros complexos como as máquinas-ferramenta com controle numérico, cuja escala mínima de produção tende a ser superior à das máquinas convencionais e que, por sua vez, demandam, por seu alto custo, um uso intensivo por seus compradores.

Assim, a politica industrial deveria, ao selecionar famílias de produtos eletrônicos, considerar, ao lado da escala mínima de investimentos necessários, o mercado potencial destes produtos, priorizando, em ordem decrescente, no mercado nacional, a ocupação de “espaços vazios” na oferta nacional, preenchendo hiatos absolutos de ofertas e , a seguir, a substituição de importações e, no mercado internacional, na mesma ordem, as exportações independentes e as vinculadas a subcontratação e empreendimentos conjuntos com firmas internacionais.

A política de administração do hiato tecnológico acima discutida incide diretamente sobre esta dimensão, ao definir o “timing” de entrada dos produtos no mercado e a dimensão deste ao longo do tempo, pela manutenção do hiato. Outras políticas, como a de reserva de mercados para firmas nacionais, afetam igualmente esta dimensão, ordenando a competição.

 

III. Conflitos político-econômicos

Conflitos de interesse são invitáveis em qualquer política. Para tomarmos alguns exemplos da análise anterior, a harmonização de políticas setoriais dentro do CE só pode ser feita se alguns interesses forma inferidos, dada a discrepância de objetivos que norteiam as várias políticas.

Da mesma forma, a reserva de mercado para firmas nacionais e naturalmente, conflitiva, ao excluir as firmas multinacionais de um dos mercados de mais rápido crescimento no mundo. Neste caso, porém, ao configurar um padrão distinto de distribuição de benefícios entre os vários setores sociais, aplicável outros complexos industriais, notadamente aqueles onde ainda há “áreas vazias”, não ocupadas por firmas estrangeiras, o conflito transborda os limites do CE e adquire feição internacional.

O conceito de margem de tolerância com o hiato tecnológico, antes discutido, situa os conflitos na interface entre o CE e seus usuários e, indiretamente, entre o CE e seus supridores. O processo de solução deste conflito, ou seja, a administração do hiato tecnológico, e, ao mesmo tempo, técnico-econômico e político, pois a decisão quanto a que hiatos tecnológicos serão tolerados para que produtos e por quanto tempo e permeada por juízos de valor sobre que segmentos da sociedade pagam o custo da industrialização e quais desta se beneficiam.

Ao implementar qualquer política econômica, como a reserva de mercado e a administração do hiato tecnológico, o Estado conta com recursos políticos finitos, que são utilizados na gestão dos conflitos inerentes a estas políticas. Em consequência, e recomendável que a política industrial ao selecionar as famílias prioritárias de produtos eletrônicos, tome em consideração explicita os conflitos que ocasiona, ano com a ilusão de poder evitá-los, mas com o proposito de conferir a esta política, ao mesmo tempo, maior transparência e maior eficácia.

Neste sentido, a inovação da PNI de estabelecer camarás setoriais onde os conflitos dentro da cadeia produtiva e com os consumidores fossem explicitados, reservando ao Conselho de Ministros (CDI) apenas as decisões maiores de política, parece que um procedimento mais eficaz do que o adotado na PNI, onde as decisões são tomadas por uma instancia governamental, caso a caso, e todos os conflitos são remetidos a um Conselho misto (CONIN).

As dificuldades na implementação deste processo de seleção são, a dizer pouco, grandes. A quantificação das variáveis, na maior parte dos casos, e dificultou mesmo inviável, podendo-se apenas trabalhar com escalas do tipo qualitativo (“alta”, “média”, “baixa”) ou com ordens nocionais de grandeza (por exemplo, escala de investimento, tamanho do mercado). Aos obstáculos técnicos soma-se a tradição política brasileira do casuísmo e a consequente dificuldade de transparência de critérios e decisões.

No entanto, exatamente por estas dificuldades, que recolocam em questões as relações entre Estado e sociedade civil e, dentro desta, das relações entre vários grupos, a prática de um planejamento reconhecidamente limitado, mas participativo e transparente, serve a uma função econômica, política e social que vai muito além da política industrial. Neste campo, também, a eletrônica pode vir a constituir-se num paradigma para o resto do sistema.

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