Pensando e implementando políticas: a contribuição de Fabio Erber no BNDES
Dulce Monteiro Filha, José Eduardo Pessoa de Andrade, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.
Throughout his academic career, Fabio Erber sought to structure definitions that would help him understand reality and choose the paths he deemed correct. With an encompassing view of the world, the many varying choices he made throughout his life took on an analytical focus based on concepts. And it was through these concepts in his professional and political career that he managed to implement efforts that altered not only the understanding, but also the path of industrial policy taken by the BNDES – something which had an effect on the country. He significantly contributed to recuperating industrial policy in Brazil when he was involved in designing the Industrial, Technological and Foreign Trade Policy (PITCE). While the atmosphere was hostile, Fabio was convinced that the path for industrial policy had to be changed drastically. This paper reveals what took place at the BNDES during this moment in history: the beginning of Lula's administration. It was written by two people who worked with Fabio Erber at the BNDES after the 1990s. The history of the return to industrial policy via the PITCE is presented by means of testimonies from two of Fabio Erber's collaborators involved in designing this policy. Also, the paper aims at presenting the important theoretical discussions that led to the choices made.
1. Introdução
Fabio Erber era um homem que, como diria Kant, “ousava conhecer!”1 “Tinha a coragem de usar o seu próprio entendimento”,2 mesclando os ensinamentos adquiridos como professor de Economia da UFRJ com os resultados da frequente atividade de formulador de políticas governamentais. Assumiu funções públicas em períodos de mudanças políticas no país, nos governos Sarney, Itamar e Lula, com a incumbência de participar da elaboração e da implantação de programas e planos de desenvolvimento que incluíssem ações principalmente nas áreas industrial e tecnológica.
Durante sua vida, por vários períodos, esteve ligado à implantação de setores de ponta no país, desde os tempos em que trabalhou na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), atualmente Agência Brasileira de Inovação, na coordenação de um grupo ligado à implantação da Política de Informática do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).
Foi secretário executivo adjunto no Ministério da Ciência e Tecnologia no governo José Sarney, de 1986 a 1988. Nesse período, esteve envolvido com tarefas da Secretaria-Geral e também com a formulação de políticas.
Quando participou do governo Lula, essa experiência o ajudou na tarefa de opinar na remontagem da estrutura de Estado que permitiu a volta da política industrial ao Brasil. Participou ativamente da elaboração da PITCE. Esse trabalho não foi fácil, por causa da postura adotada pelos governos anteriores, que ressaltava as desvantagens dessa política, e também porque tinha sido destruída grande parte do amplo arcabouço jurídico-institucional da época dos planos de desenvolvimento. Havia outra dificuldade ainda, relacionada à necessidade de priorizar, naquele período, o controle da inflação. A PITCE representou uma mudança institucional, pois foi estabelecida uma nova convenção – a do novo desenvolvimentismo.
No BNDES, como funcionário de carreira, Fabio assumiu por dois períodos uma diretoria nessa instituição, com atuações marcantes. Em 1992, foi nomeado diretor pelo então presidente da República, Itamar Franco, na gestão do presidente do BNDES Antônio Barros de Castro, e assumiu a responsabilidade pela Área Industrial.
Fabio resolveu criar uma nova estrutura para o funcionamento da Área Industrial. Essa área foi dividida em duas superintendências, cada uma compartimentada em quatro departamentos setoriais, em diferentes graus de agregação dos setores abrangidos. Como diretor da Área Industrial, implantou as gerências setoriais, que têm como tarefa armazenar e analisar informações dos setores industrial, agrícola e de serviços, publicando o BNDES Setorial, entre outros trabalhos e atividades.
No período 2003-2004, assumiu novamente a diretoria e foi um dos principais responsáveis pela volta da política industrial no país e um dos articuladores da PITCE, tendo reestruturado a Área Industrial e a Área de Planejamento do BNDES. Foi o responsável também pela diretoria que criou programas visando à implantação de novos setores ou à dinamização de setores incipientes na matriz industrial brasileira, determinantes para o desenvolvimento tecnológico do país.
1.1. Contexto histórico
De 1955 até 1990, o desenvolvimentismo incorporou as disputas técnicas e políticas,3 usando a intervenção do Estado para, por meio da industrialização, estabelecer um padrão de crescimento.
Os planos que propuseram uma ação mais intervencionista na parte real da economia foram o Plano de Metas e o II PND, pois consideravam, como questão principal, o desenvolvimento a partir do processo de industrialização. Com base no modelo de substituição de importações em setores-chave que poderiam ter efeitos encadeadores e propagar o desenvolvimento para o restante da economia, construía-se um discurso político que enfatizava a possibilidade de espraiar os resultados alcançados para o restante da economia.
Entretanto, já a partir de 1988, com a promulgação da nova Constituição brasileira, o modelo anterior de desenvolvimento foi considerado terminado, em face da crise inflacionária que se tentava combater desde 1986 (Plano Cruzado).
No âmbito interno do BNDES, no governo Sarney, predominava a proposta da “integração competitiva”,4 com o diagnóstico de que a proteção, principalmente alfandegária, aos setores industriais instalados no país, um dos pilares do estímulo à implantação de novas indústrias, não proporcionara eficiência e capacidade competitiva a esses setores. Seria necessário aumentar sua exposição à competição internacional. A possibilidade de atingir eficiência internacional seria tomada como referência para orientar a atuação estratégica ativa do Estado e do BNDES nos setores capazes de se integrar competitivamente à economia mundial, sem o recurso da proteção alfandegária diferenciada.
A abertura da economia brasileira ocorrida nos anos 1990, no governo Fernando Collor, seguindo os preceitos do Consenso de Washington, trouxe uma mudança de modelo econômico e a modificação de um conjunto de normas. Essas normas mudaram o arcabouço técnico e jurídico do país. O governo passou a promover ações visando à diminuição da presença do Estado na economia e à privatização das empresas estatais. Foram estabelecidas medidas de redução acentuada e generalizada das barreiras alfandegárias. Foi adotada uma política industrial horizontal, sem considerar as particularidades e as necessidades de cada setor específico, com exceção aberta na política para os setores de tecnologia de ponta – microeletrônica, novos materiais, química fina e biotecnologia.
A chegada de Fabio à diretoria do BNDES, após a saída de Collor, ocorreu como resultado da alteração no predomínio das forças políticas que comandavam o Brasil. A concepção desenvolvimentista voltou a prevalecer, em face do reconhecimento da importância das políticas proativas no fortalecimento da atividade industrial no país.
O setor industrial não deveria ser abordado como um bloco único e coeso. Era a avaliação das vantagens das políticas setoriais verticais diferenciadas em relação às horizontais indiferenciadas. A incorporação da eficiência para enfrentar a concorrência internacional não ocorrera de modo uniforme pelos diferentes setores. Novas ações e muitas inovações deveriam ser formuladas e implementadas. Políticas diferenciadas incorporando as especificidades e as necessidades de cada setor industrial deveriam ser adotadas.
1.2. A visão sobre política industrial
O Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) perceberam, nos anos 1990, que era necessário voltar a discutir política industrial.
Em 1993, o Banco Mundial enfatizou a importância da coordenação, registrando que, além de enfocar falhas de funcionamento do mercado, mesmo na ausência destas, as políticas de governo deveriam tratar as falhas de coordenação, que, por si só, podem gerar importantes falhas de mercado.
A OCDE elaborou um texto que foi bastante debatido [Postel-Vinay (1999)], no qual afirmava:
Se a política externa, a política econômica parecem noções intuitivas, a política industrial apresenta noção diversa e representação diferente segundo os interlocutores e países: política de competitividade para um ambiente favorável às empresas para uns, desenvolvimento de grandes pesquisas para outros, para estes se amoldando com uma política tecnológica, por vezes enfim perseguindo através de suas ajudas financeiras como um meio de acompanhar reestruturações, ou como um resto de políticas setoriais. Esclarecer o conceito é pois necessário, e isto sob um período muito longo para limitar os efeitos da ótica conjuntural (p. 18).
A OCDE passou a defender políticas de promoção de competitividade, em substituição ao termo política industrial.
No entendimento de OCDE (1998), a política de competitividade tinha como principal papel contribuir para o estabelecimento de uma ampla estrutura de mercados eficientes e para a correção de falhas de mercado que podiam retardar a contribuição dos negócios ao crescimento econômico e do emprego. Essas políticas procuravam, entre outros aspectos, privilegiar economias de coordenação, para reduzir assimetrias de informação entre os agentes econômicos, a fim de minimizar falhas de governo e de mercado e estimular maior eficiência no uso de fatores que contribuíam para crescentes ganhos de produtividade. Apoiavam a modernização produtiva e promoviam ainda a atração de novos entrantes.
Em 1998-1999, o Banco Mundial também deu particular ênfase à importância da informação, na era do conhecimento, para o crescimento econômico, destacando seu aspecto vital para o eficiente funcionamento dos mercados. Os agentes econômicos, em geral, têm problemas de acesso à informação, isto é, os mercados de conhecimento frequentemente falham, o que influencia negativamente a competitividade.
Os debates levantados pelo Banco Mundial e pela OCDE decorreram da abertura econômica em grande número de países. Como exposto em Monteiro Filha e Piccinini (2001), em uma economia aberta o instrumental usado nas análises de mercado/estratégias/progresso técnico não pode ser o mesmo de economias fechadas. Em economias abertas, a competitividade das cadeias produtivas e dos países depende de sua capacidade de reagir a novas oportunidades e desafios, respondendo às demandas no timing adequado.
No texto “O Retorno da Política Industrial”, Fabio Erber teve a coragem de explicitar o que todos que trabalhavam com o assunto sabiam:
O tema política industrial evoca divisões profundas entre os economistas. Durante a última década, a própria expressão tornou-se um tabu, tendo sido banida da retórica dominante (quando indispensáveis, usam-se eufemismos como política de competitividade) [Erber (2002a, p. 637)].
Fabio tinha uma visão própria de política industrial, que desenvolveu por sua experiência profissional, mas, seguindo a tradição inaugurada por Herrera (1971), enfatizou a necessidade de perceber as dimensões explícita e implícita e elaborou a diferença entre elas. Chamou de políticas industriais explícitas aquelas, definidas pela ação do Estado, que visam, diretamente, alterar o comportamento das empresas industriais, direcionando de forma específica a mudança pretendida. Entendia como políticas industriais implícitas as que procuram alcançar determinados objetivos que são definidos, em parte, à luz da teoria sobre o processo de desenvolvimento.
Em sua concepção,5 a política industrial faz parte de um sistema, de forma que sua eficácia depende da convergência de políticas implícitas com as demais políticas, principalmente a macroeconômica. A convergência entre políticas industriais explícitas e implícitas depende das condições macroeconômicas e dos objetivos do desenvolvimento que o Estado pretende alcançar.
Ao mesmo tempo, achava relevante uma visão da economia que captasse sua complexidade. Para isso, procurava entender a diferença entre as partes do sistema econômico, usando o conceito de setor. Defendia que o nível de agregação a ser utilizado – definição de setor – deve depender do tipo de problema a ser tratado [Erber (2002b)].
A operação de um setor é um processo coletivo, em que o resultado final difere da soma das partes, o que pode ser esquematizado na metáfora da “cadeia” (entendendo-se cadeia como o processo produtivo que transforma as matérias-primas em produtos e os leva à fase em que são comercializados, sendo agregado valor em cada uma das etapas percorridas). Isso conduz à percepção de que a força de um setor é inversamente proporcional à fraqueza de seu elo mais débil. “Ilhas de excelência”6 esparsas em um mar de subdesenvolvimento não conduzem à sua superação. É, portanto, uma visão sistêmica da economia.
A interdependência também existe entre setores, que mantêm fortes relações de compra e venda visando ao abastecimento de determinado mercado (citando, como exemplo, o complexo têxtil), ou para juntar setores industriais que compartilhem da mesma base técnica, embora forneçam a mercados distintos (o exemplo dado é o complexo eletrônico). São os chamados setores mesoeconômicos [Erber (2002b, p. 10)].
Podem existir várias políticas industriais, em decorrência também da especialização, nas quais setores e cadeias são definidos por base técnica e mercado. Estratégias e competências de arranjos empresariais são determinadas pelo relacionamento das empresas com relação a mercado e pela rede de interações empresariais, levando-se em consideração a base técnica.
A diversidade das Políticas Industriais é também uma imposição técnico-econômica: os setores e cadeias produtivas apresentam características distintas, que impõem tratamento diferenciado. Mesmo as políticas mais horizontais, como as políticas macro, têm rebatimentos setoriais distintos. Igualmente, a heterogeneidade das empresas, em termos de tamanho e origem do capital, introduz diferenças importantes na sua lógica de transformação de portfólios – o que implica em Políticas Industriais diferenciadas. […] Finalmente, a especificidade dos ativos que compõem a empresa também implica em diferenciação de Políticas Industriais [Erber (2002a, p. 639)].
Fabio chamava a atenção para o fato de que políticas macroeconômicas têm rebatimentos setoriais distintos. E, igualmente, a heterogeneidade das empresas, quanto a tamanho e origem do capital, introduz diferenças importantes na lógica de transformação do conjunto – reforçando a necessidade de políticas industriais diferenciadas.
O autor enfatizava que, para um país retardatário, o timing é importante para que possa ocorrer o catching-up com os países desenvolvidos e sustentava que a política industrial acelera esse processo.7 A ausência de política é uma política de manutenção do status quo, isto é, “mais do mesmo”, e não uma situação de não política. Políticas de desenvolvimento geram desequilíbrios para poder promover o emparelhamento com os países mais adiantados, porque mudanças estruturais ocorrem nesse contexto. A política industrial é, assim, um instrumento poderoso na promoção do desenvolvimento [Erber (2002a, p. 647-648)].
2. Contribuição de Fabio Erber a partir dos anos 1990
2.1. Atuação no BNDES de 1993 a 1994
Com vivência acadêmica, na esfera pública e no BNDES, Fabio apresentou novas ideias para fortalecer o setor industrial no Brasil, assumindo, ao mesmo tempo, a direção da área específica do BNDES na qual seria possível manejar instrumentos capazes de atingir os fins desejados.
No governo Itamar, de 1992 a 1994, havia grande preocupação com a hiperinflação e a estagnação do Produto Interno Bruto (PIB), com um decréscimo acentuado do crescimento da economia brasileira. Na década de 1980, o crescimento do PIB foi de 1,57% a.a., bem menor do que os 7,45% a.a. no período 1945-1980. Era grande o questionamento externo e interno sobre o grau de proteção da economia brasileira, principalmente em relação aos produtos industriais. A economia era fechada e não havia estímulos ao aumento da eficiência e da competitividade dos setores industriais.
Uma das primeiras ações de Fabio, alterando a tradição dos procedimentos praticados na Área Industrial do BNDES, foi a proposta de criação de gerências setoriais em cada um dos departamentos integrantes de sua estrutura. Argumentou, na época, que a atuação tradicional do BNDES nas fases do projeto – análise, aprovação, contratação e acompanhamento – permitia que os técnicos e responsáveis gerassem competências e conhecimentos qualitativamente diferenciados.
Além disso, outros conhecimentos gerados durante as fases do projeto, primordialmente de caráter mais setorial, eram pouco registrados nos relatórios. Eram conhecimentos obtidos nas leituras, nas conversas internas ou com representantes das empresas e nas conversas ocorridas em eventos com representantes dos setores industriais envolvidos. Esse conhecimento gerado em nível tácito, não formalizado e sistematizado, era difundido na instituição primordialmente pela convivência informal dos técnicos mais antigos com os mais novos.
Fabio compreendeu e identificou a importância para um banco de desenvolvimento desse conhecimento, ainda muito pouco aproveitado, tanto internamente, na instituição, quanto externamente, pelas demais instituições públicas, órgãos de governo e entidades privadas.8
Mesmo com a nova inflexão no predomínio das forças políticas que comandavam o país, com a presidência de Fernando Henrique Cardoso e a prevalência da concepção neoliberal e das propostas de políticas horizontais indiferenciadas, as gerências setoriais permaneceram na estrutura do BNDES como um legado da contribuição de Fabio, como diretor do BNDES, durante aquele período.
Em 1997, após a saída de Fabio da diretoria do BNDES, outras áreas operacionais aprovaram a extensão da criação de gerências setoriais: a Área Social e a Área de Infraestrutura. A participação do Banco na evolução de alguns setores estratégicos e, inversamente, o peso desses setores na carteira do Banco justificaram a institucionalização de centros de conhecimento setorial na forma de gerências setoriais.
Na apresentação do livro BNDES 50 Anos – histórias setoriais, Fabio explica o recorte setorial [Erber (2002b)]:
[…] a avaliação das propostas de financiamento submetidas ao Banco requer a competência para analisar os setores em que os candidatos ao financiamento se inserem. Em outras palavras, o BNDES, como outras instituições financeiras semelhantes, requer, operacionalmente, alto grau de inteligência setorial. Dada a diversidade das operações do Banco, este tem ainda que deter a competência para realizar a análise de novos setores. Para ser eficaz, tal conjunto de competências precisa estar institucionalizado, de forma a não depender de indivíduos específicos – o que implica contar com uma massa crítica de técnicos qualificados em análises setoriais. Esse tipo de consideração presidiu a decisão da diretoria do Banco de criar as Gerências Setoriais do BNDES, em 1993 (p. 13).
[…] será fundamental a concepção das Gerências Setoriais como “núcleos de inteligência setorial”, agindo articuladamente com as áreas operacionais do Banco e os demais aparatos do Estado (p. 14).
Apesar da importância da recuperação da história setorial, especialmente num país onde esse tipo de informação é reconhecidamente precário […] [os estudos] fornecem elementos importantes para a revisão crítica do passado recente e, principalmente, contribuem para a formulação de políticas setoriais e para a própria atuação do Banco. Nesse sentido, cumprem a função estratégica das Gerências Setoriais de atuarem como centros de inteligência para a formulação de políticas de desenvolvimento (p. 14).
As gerências setoriais (GESETs), de 1993 até hoje, vêm sendo responsáveis ou contribuíram para a elaboração de publicações, tais como BNDES Setorial, Informe Setorial, Relato Setorial, Textos para Discussão, estudos, estudos especiais e livros.
Júlio Ramundo, diretor do BNDES, que é funcionário da instituição desde 1992, conta que as GESETs foram criadas com o objetivo de sistematização da informação, mas não têm apenas essa função. Elas conseguem apreender o conhecimento tácito que existe em uma organização como o BNDES, gerando uma postura impessoal na proposição de política setorial. Os chefes de departamento, que são os responsáveis diretos pelo relacionamento com os setores, passam a ter capacidade de verbalizar essas políticas mais articuladamente.
Segundo Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do Banco, as GESETs dispõem de um nível de conhecimento do setor e das empresas que permite uma atuação sobre disfunções existentes. Os estudos setoriais são muito importantes em setores intensivos em ciência e tecnologia, que têm formas de se expressar muito técnicas e bastante diversificadas, uma vez que utilizam ampla gama de conhecimentos científicos. As GESETs permitem que o BNDES opere com empresas com risco mais elevado do que outros financiadores privados, que nem sequer examinam os pedidos de empréstimos, pela dificuldade de entendimento da operação da empresa. É usual colocarem spreads muito elevados, impedindo que projetos ligados à inovação sejam financiados.
2.2. Os anos 1990 segundo Fabio Erber
Ao analisar os anos 1990, Fabio especifica o embasamento teórico das ideias motivadoras da mudança que levou a convenção neoliberal a se tornar hegemônica no Brasil. Ela era constituída por um tripé intelectual dado por:
(i) o programa de pesquisas novo-clássico que, combinando suposições sobre os agentes econômicos maximizadores e dotados de expectativas racionais, equilíbrio contínuo de mercados, taxa natural de desemprego e decisões de oferta dependentes de preços relativos, postulava a ineficácia de políticas ativas do Estado, salvo por meio de “surpresas”;
(ii) a invasão da ciência política pelos postulados da economia neoclássica (notadamente o individualismo maximizador de interesses privados), que levou a teoria da escolha pública a teorizar a “apropriação” do Estado por interesses particulares – seja por coalizões restritas, seja pela própria burocracia. Em consequência a ação do Estado deveria ser restringida e submetida a regras rígidas e transparentes e a burocracia “insulada” das pressões econômicas e políticas;
(iii) os aportes da “nova economia institucional” que explicavam o desenvolvimento de instituições adequadas que, na fase atual do capitalismo, estimulassem a inovação e reduzissem os custos de transação. Embora indispensáveis, as instituições estatais deveriam ser tão market friendly quanto possível, de preferência “simulando a atuação do mercado, de forma a privilegiar a alocação eficiente de recursos e inovação”.
As pernas do tripé reforçavam-se mutuamente e retomaram o etapismo – notadamente na visão de Fim da História [Fukuyama (1989)] – pela qual o desenvolvimento, adequadamente conduzido, levava necessariamente a uma sociedade “pós-histórica”, regida pelo mercado e com um sistema político de democracia representativa [Erber (2007, p. 52-53)].
Essa visão dinâmica da sociedade foi traduzida, como já mencionado, em um conjunto de recomendações, em um decálogo que ficou conhecido como Consenso de Washington, originariamente destinado a países da América Latina, mas rapidamente ampliado a países em desenvolvimento.
Fabio destaca ainda quatro aspectos fundamentais que definem as duas convenções:
I. O desenvolvimentismo partia da sociedade para chegar ao agente individual. Na convenção neoliberal, o percurso é oposto.
II. A velha convenção via o desenvolvimentismo como a transformação da estrutura produtiva, com as instituições adequando-se a esta transformação, ao passo que a recomendação básica da convenção neoliberal é de get the institutions right, acerto que levaria a uma estrutura produtiva apropriada à alocação eficiente de recursos.
III. O Estado é para o desenvolvimentismo o motor do desenvolvimento, seja por causa das falhas de mercado, seja porque representa o interesse da coletividade. Para os neoliberais, as falhas do Estado são mais daninhas que as falhas de mercado, e o Estado tende a ser apropriado e deve ter seu poder discricionário limitado ao máximo. Os mercados, ao contrário, devem ser estimulados e, quanto mais completos, maior será a probabilidade de desenvolvimento.
IV. Os desenvolvimentistas insistiam que o subdesenvolvimento é um processo histórico específico e que a história dos países periféricos não é uma repetição defasada do percurso dos países mais avançados. Os neoliberais recuperam o etapismo, em uma versão ainda mais simplificada que as prevalecentes nos anos 1960, como a de Rostow (1964) [Erber (2007, p. 54 e 55)].
Fabio Erber apontava ainda que o modelo de estabilização implantado depois de 1990 montou um arcabouço institucional, na esperança de desenvolver um capitalismo financeiro no país9 e de dar maior competitividade à economia brasileira para capacitá-la a atuar em um mundo globalizado.
Somava suas conclusões com autores como Chagas (2006), que argumentava que a instabilidade econômica, com a inflação acelerada e a inoperância do Estado em relação à política industrial e tecnológica, levou à cristalização de uma conformação estrutural caracterizada por acentuada heterogeneidade tecnológica e estrutural e por fraca capacidade de inovação, fatores que passaram a ser óbices à retomada do crescimento. Os problemas enfrentados pela estrutura produtiva eram vistos como o esgotamento do modelo de desenvolvimento, identificado pela queda dos índices de produtividade.
2.3. Fabio Erber volta à diretoria do BNDES em 2003
Em 2002, Fabio Erber escrevia que, em face da necessidade de retomar o crescimento econômico e das pesadas restrições macroeconômicas existentes, “parece muito provável que a nova estratégia de desenvolvimento venha a novamente privilegiar as alterações na estrutura produtiva, atuando por meio de políticas setoriais” [Erber (2002b, p. 14)].
Nesse contexto, com a mudança de governo, em 2003, voltou a ideia de política industrial, e Fabio Erber foi um protagonista dessa história. Foi nomeado diretor do BNDES pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na gestão do presidente do BNDES Carlos Lessa.
Inicialmente, ficou responsável pelas Áreas de Planejamento e Mercado de Capitais. No Planejamento, promoveu uma reestruturação remodelando o departamento de estudos, para iniciar análises de alguns setores, como tecnologia da informação, farmacêutico e biotecnologia. Nas estatísticas do BNDES, estudou-se a possibilidade de obter informações sobre apoio financeiro a locais por Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em vez de por macrorregiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste), o que possibilitaria melhor avaliação de políticas de inclusão social. Estudou-se que ações o Banco poderia adotar para incentivar o emprego no país. Foram demandados estudos sobre a fragilidade externa do país, sobre a implicação dos acordos comerciais para o Brasil e sobre a integração com a América do Sul, assim como foi solicitada uma agenda de trabalho conjunta das Áreas de Planejamento e de Exportação, objetivando estruturar operações que visassem ao desenvolvimento de cadeias produtivas. Entretanto, já no início do segundo semestre Fabio foi deslocado para as Áreas de Crédito e Industrial.
No período de 2003 a 2004, foi um dos principais responsáveis pela volta da política industrial no país e um dos articuladores da PITCE. Reestruturou a Área Industrial e a Área de Planejamento do BNDES, assim como foi o responsável pela diretoria que criou programas visando à implantação de novos setores e ao fortalecimento de setores incipientes na matriz industrial brasileira, determinantes para o desenvolvimento tecnológico do país.
O ambiente hostil à ideia de política industrial demandava, na época, uma resposta à questão: por que o Brasil precisa de política industrial? Como pensador, Fabio Erber preocupou-se em responder a essa pergunta, e, como operador de políticas públicas, se propôs a desenvolver instrumentos de política industrial, adequados ao momento de transição – do predomínio de uma convenção10 neoliberal para uma desenvolvimentista.
Como desenvolvimentista, propunha uma mudança estrutural e frequentemente se referia à necessidade de não se fazer apenas “mais do mesmo”.
Em períodos de reestruturação das instituições, era indispensável, para o estabelecimento de uma nova convenção, a compreensão dos instrumentos de política usados pela convenção anterior, que tinham de ser modificados para a implantação de novas.
Num contexto extremamente adverso, a política industrial precisava articular primeiro as instituições que possibilitariam sua existência. Assim, é fácil entender por que a PITCE se propôs a uma atuação mais restrita que a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que lhe seguiu. O arcabouço institucional capaz de administrar a implantação de uma política mais ampla não existia mais, principalmente porque havia clareza quanto à importância de políticas diferenciadas para indústrias com lógicas distintas, conforme mostrava o texto do documento Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior:11
A organização industrial e a dinâmica da inovação e difusão de tecnologias determinam comportamentos empresariais diferenciados. Desta forma, a política para um setor intensivo em capital, estruturado por grandes empresas, não pode ser a mesma que para outro setor, intensivo em trabalho e caracterizado por pequenas empresas. De forma análoga, setores industriais que geram inovação não podem ser tratados da mesma forma que setores que são mais receptores de inovações geradas em outros segmentos produtivos. A dinâmica de cada processo é diferente, o que exige tratamento diferenciado.
2.4. Atuação como “operador” de política: PITCE
Quando no segundo semestre de 2003 assumiu a Diretoria Industrial do BNDES, Fabio passou a se empenhar tanto na coordenação da implantação da política industrial quanto no desenvolvimento de programas de financiamento para os setores de software, fármacos e medicamentos e bens de capital. Além disso, recriou um programa horizontal denominado Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec, atual BNDES Fundo Tecnológico), para financiar o desenvolvimento tecnológico.
Essa atuação era coordenada por Brasília. Havia, no governo, a Câmara de Política Econômica (CPE), ministerial, que se reunia na Casa Civil, coordenada pela Fazenda – o secretário de Política Econômica formalmente montava a pauta, mas os ministros tinham participação ativa, diretamente, e compareciam às reuniões semanais. A CPE criou o Grupo Executivo da PITCE, que tinha representantes de vários órgãos – o do BNDES era o Fabio Erber. Havia uma coordenação: Edmundo Machado de Oliveira (Fazenda), Alessandro Teixeira (que na época estava na Apex), Mario Sergio Salerno e Fernando Rezende. Na função de articulador político, Glauco Arbix conversou com todos os ministros ligados ao assunto para lançar a ideia de política industrial. Até a formalização do documento Diretrizes de política industrial, tecnológica e de comércio exterior, lançado em novembro de 2003, o grupo fazia reuniões semanais. Havia subgrupos específicos também.
Fabio Erber teve participação destacada, pois não ficou na abordagem “corporativa”, segundo declarações de Mario Salerno. Contribuiu na formulação geral e na articulação. Apresentou algumas vezes sua análise da experiência anterior com planejamento, um alerta para a superação dos possíveis problemas.
Como Mario Sergio Salerno12 chama a atenção,
um dos resultados desse processo foi a compreensão da necessidade de novas construções institucionais. Foi proposta a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, envolvendo ministros, industriais e sindicalistas para a discussão das estratégias, aconselhamento de ações e consultas, e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), uma instituição autônoma, que fosse independente do orçamento da União, operando sob comando direto do MDIC, coordenadamente com o MCT. A proposta era a de reunir um corpo profissional enxuto mas dedicado em tempo integral para coordenar, monitorar andamento, propor novas ações e eventualmente operar algum instrumento específico. Com essas duas entidades atuando, esperava-se que aumentasse a coordenação intragovernamental e a interlocução com a indústria, o que é fundamental numa política na qual o Estado não interfere diretamente na produção, mas busca incentivar posturas e ações da iniciativa privada.
Em 2004, amadureceu a ideia da criação da ABDI, quando o grupo executivo não conseguiu mais trabalhar, pois cada um tinha de cuidar de suas tarefas em seus órgãos. Fabio Erber participou ativamente dessa concepção. Ela foi discutida com os ministros “diretos” – ministro da Fazenda, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e ministro da Ciência e Tecnologia –, que inicialmente faziam parte de seu conselho de administração. O projeto de lei resultante foi aprovado por unanimidade.
A PITCE, aprovada em 31 de março de 2004, colocou no centro das preocupações políticas a inovação e a agregação de valor aos processos, produtos e serviços da indústria nacional.
Propunha três eixos de ação: linhas horizontais visando à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, inserção externa/exportações, ambiente institucional e modernização da indústria brasileira como um todo; apoio mais incisivo nos setores estratégicos, definidos como software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos; e apoio às chamadas atividades portadoras de futuro, identificadas como biotecnologia, nanotecnologia e energia renovável.
No governo federal, em depoimento, Mario Salerno13 conta que existiam três níveis de discussão que levaram à articulação da PITCE:
- Câmara de Política Econômica (CPE) – ministros da Fazenda, do Desenvolvimento Indústria e Comércio, do Planejamento Orçamento e Gestão, da Casa Civil e da Ciência e Tecnologia. Conforme o tema, o ministro da área era chamado. O grupo executivo participava dessas reuniões, que ocorreram em 2003.
- Grupo executivo – o grupo era fechado: além da coordenação – Ipea, Fazenda e MDIC –, contou com a participação assídua de Fabio Erber, que, apesar de não estar formalmente na coordenação (composta apenas de pessoas sediadas em Brasília), foi quem mais ajudou, segundo Mario Salerno. No documento da PITCE, na capa, há a relação dos órgãos que participaram (evidentemente, não de forma homogênea).
- Grupos diversos – normalmente, se reuniam na Secretaria Executiva do MF, para tentar chegar a algum consenso ou proposta para ser levada à CPE.
2.5. A preocupação com o desenvolvimento tecnológico
Ao diferenciar os três grupamentos de políticas (horizontais, setores estratégicos e as atividades portadoras de futuro), a PITCE enfatizou a necessidade de investimento em setores cujas inovações objetivariam mudar radicalmente, num período curto de tempo, a capacidade de competição do país. Na concepção de Schumpeter, a concorrência é um processo dinâmico marcado pela introdução e pela difusão contínua de inovações. Assim, é indispensável introduzir setores inexistentes na matriz industrial brasileira.
Profundo conhecedor da literatura sobre desenvolvimento tecnológico, Fabio Erber foi um especialista conhecido no Brasil e no exterior. Com um humor refinado, usava slogans engraçados para transmitir suas mensagens, como “Inovações em computer chips têm consequências distintas de modificações em potatoes chips“.
Em texto escrito para Cepal/Ipea, ele demonstrou a preocupação que norteou sua vida profissional:
Olhando a literatura de uma perspectiva histórica, dimensão singularmente ausente nos estudos recentes sobre inovação, é recorrente a constatação de que, no Brasil, investe-se pouco em P&D, o aprendizado é passivo, as inovações são defensivas, o sistema de inovações fragmentado e imaturo. As comparações internacionais confirmam, com riqueza de detalhes, esse padrão, que pouco se modifica ao longo do tempo [Erber (2010, p. 69-70)].
Complementando, ainda:
A estrutura industrial brasileira pouco se teria alterado desde o início dos anos 1980, quando se completou o II PND.
A abertura dos anos 1990 prometia libertar a capacidade de inovação das peias da estrutura interna via os efeitos dinamizadores do comércio internacional e do investimento estrangeiro. Suas consequências para a inovação local, mediadas pela estrutura produtiva, merecem análise mais detalhada. Aparentemente, a abertura comercial ampliou o peso relativo dos setores intensivos em recursos naturais e reduziu o dos setores mais intensivos em tecnologia.
A importação de inovações, incorporadas ou não em bens de capital e insumos, permite a rápida difusão de inovações, mas inibe a expansão dos setores motores e difusores das inovações e não gera nas cadeias produtivas o processo de aprendizado entre fornecedores e compradores que cria capacidade de inovar – problemas apontados desde os remotos anos 1970. Especificidades locais, não só de recursos, mas também de mercado, como a baixa renda, parecem explicar boa parte das inovações introduzidas pelas empresas estrangeiras, que correspondem por parte substancial do esforço inovador brasileiro [Erber (2010, p. 69-70)].
Como um dos principais articuladores da PITCE, Fabio explicou no texto da Cepal/Ipea sua preocupação com o desenvolvimento tecnológico, pois, ao ser lançada, a política tinha o propósito de retomar a transformação da estrutura produtiva, mediante o reforço dos setores motores e difusores de inovações. Não estava excluído o apoio a inovações secundárias, tais como novos métodos de produção, novas fontes de matéria-prima, novos mercados, novas formas de organização, entre as diversas estratégias que podem construir um elemento decisivo na concorrência capitalista, novas aplicações e usos para produtos e processos, bem como as melhorias no que já existe, pois também constituem inovações. Em todos os casos, a inovação requer a introdução do novo no mercado, conferindo, assim, a vantagem competitiva – ou, nos termos de Schumpeter, a posição de monopólio temporário – ao inovador.
Acrescentou ainda Fabio que, pela teoria de sistemas de inovação e pela observação dos dados da Pintec,
é fundamental estudar o processo de inovação ao nível das cadeias produtivas, além da análise tradicional por setores, identificando, na cadeia, onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia, com quais efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia [Erber (2010, p. 70)].
Apesar de haver consenso quanto à importância da inovação, há grande dificuldade no entendimento dos conceitos envolvidos, de forma que a implementação de políticas públicas não conseguiu criar ainda um círculo virtuoso. Do ponto de vista da literatura acadêmica, Fabio chama a atenção para o fato de que, a partir da década de 1990, quatro caminhos tornaram a inovação um lócus de convergência teórica em economia [Erber (2010)]: a teoria do comércio internacional (mais linear), as teorias do crescimento econômico (em que a inovação é variável central), o programa evolucionista neoschumpeteriano e os estudos de desenvolvimento.
O programa evolucionista neoschumpeteriano desenvolveu conceitos que influenciaram a literatura brasileira dos anos 1990 [Erber (1992); Coutinho e Ferraz (1994); Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1996)], considerando a inovação como variável central para o crescimento. Eles partem do axioma da diversidade entre as firmas, que tem como base as teorias de Penrose (1959). Os paradigmas tecnológicos de Dosi (1982) estão também frequentemente presentes nas conversas sobre apoio à inovação.
Autores dessa escola propuseram, por exemplo, um corte analítico baseado no fluxo de inovações, os setores podiam ser divididos em: motores, que geram as principais, baseados em ciência – como a eletrônica –, receptores, cuja demanda é atendida principalmente pela oferta de outros (bens de consumo durável), e os intermediários, cuja demanda é suprida, em parte, por esforços internos – principalmente inovações incrementais – e, em parte – as mais radicais –, por inovações geradas pelos setores motores. Os setores intermediários (por exemplo, bens de capital e insumos de produção) atuam como supridores de inovações entre si e, notadamente, para os receptores. A essa taxonomia setorial, Erber (1992) associava uma taxonomia de intervenções estatais que seguia a relação risco/custo da inovação.
A partir da segunda metade dos anos 1980, o estudo da complexidade do processo de inovação foi enriquecido com a adição da dimensão do aprendizado. Passou a ser importante
estudar como relações duradouras e padrões de interação e dependência estabeleciam-se, evoluíam e dissolviam-se com o correr do tempo [Lundvall (2007)]. Como, além das empresas, participam desse processo outros tipos de instituições, não empresariais, a dimensão institucional resultava ampliada, incorporando, explicitamente, a ação do Estado [Erber (2010, p. 13)].
Assim, o modelo de passagem linear do conhecimento, da ciência para o novo produto ou processo por meio do desenvolvimento tecnológico (a P&D), dava lugar a uma visão de “sistemas de inovação”, mais complexa e diversificada.
Dependendo do foco de análise, tal especificidade pode ser vista pela ótica nacional [Freeman (1995); Lundvall (1992); Nelson (1993)], setorial [Malerba e Orsenigo (1997)] ou regional [Cassiolato e Lastres (2003)], pois, conforme aponta Lundvall (2007), um dos pais do conceito de “sistemas de inovação”, em uma recente revisão, é, essencialmente, um focusing device [Erber (2010, p. 14)]14
A visão de sistemas de inovação, em qualquer de seus focos, enfatizava a diferença entre a abordagem da hélice tripla e do tecnoglobalismo, como uma especificidade do sistema, como afirmam Cassiolato e Lastres (2005).
2.6. Fabio Erber como implementador de política no BNDES
A implementação das ações da PITCE no BNDES foi coordenada principalmente pelo diretor Fabio Erber, responsável pelo desenvolvimento de quatro novos programas que faziam parte do grupamento denominado Opções Estratégicas: Novo Prosoft, Semicondutores, Profarma e Bens de Capital. No âmbito da PITCE, foi implementado ainda o Modermaq, pela FINAME, e foi definido, apenas com operações diretas, o novo Funtec.
Com relação às Opções Estratégicas da PITCE, não houve um programa para semicondutores e o de bens de capital foi alterado. Nos semicondutores, não houve programa de financiamento porque a ação que cabia era a de atração de investimentos. Não havia no país empresas a serem incentivadas a crescer. O programa para bens de capital teve dificuldades de implementação e foi alterado posteriormente, com inúmeros desdobramentos.
Novo PROSOFT – Programa para o Desenvolvimento da Indústria Nacional de Software e Correlatos
Júlio Cesar Maciel Ramundo, atual diretor do BNDES, era na época o chefe de departamento que tratava dos setores do complexo eletrônico na Área Industrial do BNDES e foi responsável tanto pelo programa de software quanto pelo incentivo à captação de empresas interessadas em vir para o Brasil.
Quando Fabio Erber se tornou diretor da Área Industrial, no segundo semestre de 2003, Júlio Ramundo, que tinha assumido o Departamento de Eletrônica em janeiro de 2003, a convite do superintendente Paulo Roberto de Souza Melo, afirmou:
Eu já tinha adquirido muito conhecimento através de um estudo sobre semicondutores realizado pelo Consórcio liderado pela McKinsey e também através de outro trabalho realizado pelo MIT para a Softex sobre software, onde eu era conselheiro, como representante do BNDES. Artur Pereira Nunes que, naquele momento, desempenhou um papel muito importante na mudança de conceito, havia contratado este trabalho.
Com relação ao software, ficou claro que o BNDES precisava modificar o seu programa PROSOFT antigo, pois este era direcionado ao desenvolvimento de empresas fabricantes de software produto, quando na verdade países emergentes, como a Índia, estavam tendo sucesso em serviços de software. A base de seu crescimento no setor de TI era na geração de codificação e do software como serviço.
Fabio Erber chamava a minha atenção, me instigando a pensar, perguntando se apoiar uma fábrica qualquer poderia levar à mudança da estrutura da indústria. Dizia que este apoio poderia constituir uma ação política de fato. Fabio questionava o antigo Prosoft.
Trouxe ao BNDES muitos especialistas da área, que foram entrevistados. A conclusão apontava para o desenvolvimento de um programa para serviços. O Novo Prosoft foi lançado na PITCE com este outro conceito, isto é, visando incentivar o software serviço.
Naquele momento, o contexto político dentro do BNDES era muito difícil, pela falta de apoio, mas Fabio Erber conseguiu o aval da Diretoria para implementar o programa dentro do Banco. Mesmo o corpo técnico tinha dificuldade em aceitar o apoio no setor, por suas especificidades – empresas muito pequenas, com uma quantidade grande de problemas.
Na minha opinião, foi muito importante também a aceitação pelo Ministério da Fazenda, na figura do Marcos Lisboa (ex-aluno do IE-UFRJ), da necessidade de política industrial no país. Acho que o Fabio Erber era respeitado intelectualmente, o que ajudou no entendimento das questões que se procurava resolver [Ramundo (2013)].
Para a implantação de linhas de financiamento específicas para os setores da política industrial, foram feitas provisões na contabilidade do Banco para suportar eventuais inadimplências das empresas apoiadas. No setor de software, não haveria possibilidade de grandes perdas, por causa do reduzido porte das empresas.
Júlio Ramundo continuou a narrativa, afirmando:
Fabio Erber trouxe a política para dentro do BNDES e permitiu que se elaborasse o programa. Se fosse outro o Diretor do Banco, não teria havido um redirecionamento do apoio financeiro ao software de serviços.
O Novo Prosoft foi concebido com todo apoio do BNDES num único programa, através de três sub-segmentos: Prosoft-Empresa, Prosoft-Comercialização e Prosoft-Exportação [Ramundo (2013)]
Eram financiados investimentos e planos de negócios de empresas sediadas no Brasil, bem como a comercialização no mercado interno e as exportações de software e serviços correlatos.
Com relação a semicondutores, foram iniciados contatos com várias empresas a fim de identificar as condições necessárias para viabilizar investimentos no país. Representantes do BNDES participaram de negociações com essas empresas no exterior.
PROFARMA – Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica
O Profarma teve sua origem nas atividades do Departamento de Indústrias Químicas, reorganizado quando Carlos Lessa assumiu a Presidência do BNDES. A convite do superintendente da Área Industrial, Paulo Roberto Melo, a chefia desse departamento foi ocupada por José Eduardo Pessoa de Andrade, de fevereiro de 2003 a maio de 2004. Este, após vivenciar uma experiência na Fundação Oswaldo Cruz, de junho de 2001 a janeiro de 2003, na Diretoria de Planejamento, acabava de retornar ao Banco. Influenciado por essa experiência, criou uma gerência específica para cuidar e desenvolver a indústria química para a saúde, convidando Pedro Palmeira para coordená-la.
Fabio, responsável pela Área de Planejamento, incentivou a realização de estudos sobre o setor farmacêutico e passou a acompanhar os trabalhos iniciados no Departamento de Indústrias Químicas.
O Banco já havia operado um programa de financiamento de medicamentos genéricos, formulado na gestão anterior, de Eleazar de Carvalho Filho. Contudo, esse programa não teve o desenvolvimento esperado.
A implementação de uma política específica foi fortemente influenciada pelo desempenho da indústria no Brasil, com expansão do déficit comercial de US$ 100 milhões, no início da década de 1990, para US$ 2 bilhões, em 2003, pelo fechamento de mais de mil linhas de fabricação de produtos nesse período, pela queda acumulada de 12% na venda de unidades farmacêuticas entre 1996 e 2003 e pelo fato de as empresas transnacionais responderem por 70% do valor dessas vendas.
Os dois executivos, José Eduardo e Pedro Palmeira, reconhecendo e diagnosticando a falta de experiência e conhecimento do BNDES sobre a cadeia produtiva farmacêutica, passaram a estudar e aprofundar sua compreensão sobre essa indústria. Para tanto, realizaram um programa de visitas às principais empresas nacionais e entrevistas com seus dirigentes, além de participarem de seminários setoriais. Incluíram discussões com representantes de outros órgãos públicos, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Butantan, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e também de associações empresariais privadas, como a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac) e a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos).
Essas atividades marcaram o início da melhor compreensão por parte do BNDES sobre a indústria farmacêutica e a importância atribuída à valorização do conhecimento já adquirido por várias instituições científicas e profissionais e pelas empresas. O desafio seria elaborar a contribuição que o BNDES, como instituição de fomento e desenvolvimento, poderia oferecer por meio do crédito apropriado para a consolidação dessa indústria no Brasil.
Nessa fase, ainda não haviam sido formalizados os grupos de elaboração e encaminhamento da política industrial no primeiro governo Lula.
Entretanto, Fabio e a Diretoria do BNDES incentivaram a realização desse trabalho pela importância atribuída à retomada da atuação desenvolvimentista da instituição.
No segundo trimestre de 2003, o Banco foi chamado a participar formalmente do Fórum de Competitividade da Cadeia Farmacêutica no MDIC. Aos representantes do BNDES, foi atribuída a coordenação do Grupo de Trabalho de Investimentos. Inicialmente, José Eduardo Pessoa de Andrade assumiu essa coordenação, com a participação de Pedro Palmeira, que a assumiu posteriormente. Esse grupo teve de analisar os entraves para o desenvolvimento da indústria no Brasil e propor alternativas de financiamento que contribuíssem para superá-los. Partindo do princípio de que a inovação é o driver principal dessa indústria intensiva em conhecimento e tecnologia, constatou-se a defasagem existente no Brasil, já que apenas os segmentos de pequena e baixa intensidade tecnológica estavam implantados.
No segundo semestre de 2003, quando Fabio Erber assumiu a responsabilidade pela Área Industrial, as atividades realizadas pelo Fórum no MDIC e a atuação dos representantes do BNDES passaram a integrar a agenda do diretor, principalmente em relação ao papel das empresas de capital estrangeiro, sem interesse em implantar no Brasil os estágios tecnologicamente mais sofisticados.
Essas informações eram apresentadas a Fabio Erber, que participava das articulações para a elaboração da PITCE. Pedro Palmeira relata:
Esta política teria uma ação vertical. De forma corajosa, ela faria escolhas estratégicas e um dos setores que viria a ser escolhido como Opção Estratégica era meu objeto de trabalho – a cadeia farmacêutica (farmoquímicos e medicamentos).
Começo a ter uma interação mais forte com o Fabio no sentido de buscar uma compreensão do que poderia ser feito, qual o alcance possível desse instrumento de política. Em setembro de 2003, surge o pedido para a formulação de um programa, e Fabio disse para apresentar o que estava sendo discutido no GT do MDIC. A proposta de programa tinha uma construção bastante interessante, baseado no entendimento do José Eduardo e no meu, durante o ano. Havíamos pensado um programa subdividido em três subprogramas que atenderiam os pontos de demanda por financiamento ou onde o BNDES teria um papel indutor de comportamento da indústria [Palmeira (2013)].
Na visão dos dois executivos, José Eduardo e Pedro Palmeira, a criação no BNDES de um programa setorial diferenciado de apoio aos investimentos na cadeia produtiva farmacêutica, como contribuição para a política industrial, poderia incentivar o aumento da produção de medicamentos e seus insumos no país. Haveria melhora nos padrões de qualidade dos medicamentos produzidos, para adequá-los às exigências do órgão regulatório nacional, a Anvisa, e colaborar para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população brasileira. Assim, a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país poderia ser estimulada e seria fortalecida a posição da empresa nacional nos aspectos econômico, financeiro, comercial e tecnológico. Dessa forma, o objetivo de redução do déficit comercial dessa cadeia produtiva poderia ser alcançado.
Procurou-se, então, incorporar essas ideias nos três subprogramas propostos:
- Subprograma Profarma Produção: para apoio aos investimentos associados à produção, englobando implantação, expansão ou modernização da capacidade produtiva, aquisição de equipamentos novos nacionais ou importados sem similaridade com o nacional, aquisição de softwares nacionais e outras despesas desses investimentos. Reconhece-se em alguns dos itens a preocupação da articulação com a política industrial que estava em formulação. Além desses itens, foi incluído também o financiamento para adequação das empresas produtoras aos padrões regulatórios da Anvisa, principalmente as despesas para obtenção do registro de medicamentos e de cumprimento das exigências dos testes de bioequivalência e biodisponibilidade, que procuram assegurar qualidade terapêutica dos medicamentos genéricos equivalente aos medicamentos de marca. Essas últimas atividades foram compreendidas como um passo inicial capaz de contribuir para o fortalecimento da capacitação técnico-científica tradicional das empresas nacionais.
- Subprograma Profarma – P, D & I: para estimular a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país, com perspectivas de aproveitamento dos recursos da biodiversidade e criação de condições para a obtenção de novas moléculas. Esse subprograma constituiu um desafio à atuação do BNDES, que teve de aprender, conhecer, classificar e definir os tipos de gastos em pesquisa que poderiam ser apoiados. Representou uma inflexão na prática histórica do BNDES, que havia aprendido a controlar os gastos incorridos somente no investimento para a implantação de unidades industriais.
- Subprograma Profarma – Fortalecimento das Empresas Nacionais: para apoiar a incorporação, a aquisição ou a fusão de empresas que levassem à criação de companhias de controle nacional de maior porte e/ ou mais verticalizadas. Esse subprograma baseou-se no diagnóstico da necessidade de fortalecer e modernizar as empresas nacionais, ainda sem porte e gestão adequados para participar do processo de concorrência e da inovação na indústria farmacêutica.
O Profarma foi inicialmente estruturado visando à modernização e à expansão da capacidade produtiva, em virtude da mudança no ambiente regulatório que estava em curso. Estava também previsto o apoio à fusão e à aquisição, pois se acreditava que algumas empresas não aguentariam a mudança regulatória e que o Banco, de forma criteriosa, deveria dar suporte a uma concentração saudável do setor. Por fim, o mote principal do programa era a inovação, o que seria um desafio, e aí a interação com o Fabio foi importante.
Quando o programa foi apresentado ao Fabio, ele achou que a proposta estava muito conservadora. Ele disse: “Vocês precisam ousar mais. Quero uma proposta mais ousada”.
Os dois executivos ficaram surpresos com a manifestação do diretor. Influenciados pela tradição, haviam elaborado a proposta com todo o cuidado para atenuar os riscos e evitar perdas para o BNDES, em condições que já eram as melhores praticadas para o financiamento naquele momento. Foram autorizados a ir além. Outra proposta foi redigida, sugerindo uma taxa de juros fixa para o Profarma – P, D & I, que fosse, em termos reais, zero ou próxima de zero. Assim, a indução à inovação passou a contar com uma taxa fixa de 6% a.a. (a meta de inflação era exatamente de 6% a.a.).
A PITCE foi lançada em abril de 2004, enquanto o Profarma foi aprovado pela Diretoria do BNDES em 29 de março de 2004. Esse programa ainda permanece e tem sido renovado, desde então, com ajustes em suas condições. É considerado um caso de sucesso pela origem na articulação público-privada e pela capacidade que teve de induzir o comportamento da indústria.
O BNDES mantém uma reserva em sua contabilidade para garantir o Banco de eventuais perdas e inadimplências.
BNDES FUNTEC: Fundo Tecnológico
O BNDES Fundo Tecnológico (Funtec), que também fez parte da PITCE, embora lançado posteriormente aos outros programas, foi estruturado pela primeira vez por um grupo de representantes de suas áreas: Doris Lustman, pelo Planejamento, Luiz Henrique Rosati, pela Vice-Presidência, e Dulce Monteiro Filha, pela Área Industrial. Como um fundo que seria formado com recursos próprios do BNDES, não reembolsáveis, sofreu diversas mudanças ao longo de sua história, mas permanece vigente sem grandes alterações em seu formato original.
Rosati desenhou o novo Funtec, extraindo seu formato de um produto semelhante chamado Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), criado em 1964 por meio da Resolução BNDES 146. Esse fundo estabelecia que os recursos poderiam ser aplicados sob a forma de doação, subvenção, empréstimo reembolsável e participação societária e seriam destinados à manutenção de cursos de pós-graduação e a pesquisas técnico-científicas, entendendo-se como tais os programas, projetos-pilotos e experimentações técnico-científicas no campo das indústrias básicas.
Como uma das ações da PITCE, o Funtec possibilitou aplicações não reembolsáveis e participação acionária em projetos que contemplassem o desenvolvimento de inovações tecnológicas definidas como “introdução no mercado brasileiro de um produto (bem ou serviço) tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado ou introdução na empresa de um processo produtivo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado”, desde que houvesse a manifestação de interesse comercial por parte de empresa brasileira interessada, ou por conjunto de empresas organizadas em arranjos produtivos.
A importância do estabelecimento de uma relação entre empresa e instituto de pesquisa foi o ponto alto da proposta desse programa. A defesa do Funtec baseava-se na argumentação de que a obrigatoriedade da manifestação de interesse por parte de uma empresa destinava-se a evitar que fossem aplicados recursos em linhas de pesquisa que não resultassem em aplicação comercial, agravando o problema brasileiro de alta produção científica e baixa geração de tecnologias aplicáveis.
Segundo Rosati, a preocupação em desenvolver no país um “ambiente” que propiciasse a inovação em decorrência da relação entre empresa e instituto de pesquisa é a parte central da proposta do Funtec. Segundo Fabio Erber, esse programa visava apoiar o desenvolvimento de sistemas inovativos impactantes, de grande porte, que fossem relevantes para o país. Portanto, esse programa não interferiria na atuação da Finep.
Para implementação desse programa seria importante estudar a inovação ao nível das cadeias produtivas, identificando, na cadeia, onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia, com quais efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia.
3. Conclusão
A literatura econômica muito poucas vezes tem explicitado como teoria e prática, conjuntamente, podem (e devem) procurar soluções para os problemas do mundo real.
A vida de Fabio Erber, que manteve uma atuação como operador de políticas públicas e como pensador, nos propiciou mostrar como o estudo teórico pode ser aliado à vivência prática, desfazendo a imagem, frequentemente vinculada, de que a política está sempre ligada a interesses escusos.
Essa imagem tem levado à estruturação de regras comportamentais, inclusive inseridas no nosso direito, que, por serem genéricas e abstratas, procuram a padronização de comportamentos, impedindo que as especificidades dos problemas sejam estudados. Os grandes problemas têm de ser analisados em seus detalhes, cabendo a padronização apenas quando houver um grande número de problemas mais simples a serem resolvidos. Os movimentos que tiverem grande impacto em mudanças estruturais desejáveis são necessários para tornar o país mais competitivo.
Por meio de sua visão de mundo, Fabio procurou definir conceitos, que usou para compreender a realidade e interagir com ela, estruturando formas de ação política.
Como especialista em políticas públicas industriais e tecnológicas, teve participação importante em mudanças estruturais, que têm possibilitado maior competitividade da economia brasileira.
Esteve ligado à implantação de setores de ponta, defendendo que os países devem ter preocupação permanente de introduzir em suas matrizes industriais os setores que propiciam transformações radicais, determinantes para seu desenvolvimento tecnológico, sem esquecer a importância do estudo das cadeias produtivas e do conceito sistêmico da inovação para manter o país competitivo em nível internacional.
Fabio defendia que, para um país retardatário, o timing é importante para que possa ocorrer o catching-up com os países desenvolvidos e considerava que a política industrial acelerava esse processo. A ausência de política é uma política de manutenção do status quo, isto é, mais do mesmo, e não uma situação de não política. Enfatizava ainda que políticas de desenvolvimento geram desequilíbrios para poderem promover o emparelhamento com os países mais adiantados, porque mudanças estruturais ocorrem nesse contexto.
Participou ativamente de 2003 a 2004 do retorno da política industrial: a PITCE. Como diretor do BNDES, foi responsável pela criação de novos programas de apoio ao desenvolvimento de software, além de ter permitido o financiamento do software serviço e incentivado a fabricação de fármacos no país, assim como patrocinou a reativação do Funtec. Esse foi criado com o intuito de apoiar o desenvolvimento de sistemas inovativos impactantes, de grande porte, relevantes para o país, como a inovação ao nível das cadeias produtivas, identificando onde estão os centros geradores de inovações, como estas se transmitem ao longo da cadeia e quais são seus efeitos multiplicadores sobre as inovações nos demais elos da cadeia.
Como teórico, Fabio deixou, para os que se preocupam com o futuro, as reflexões sobre convenções e representações sociais que servem de guia às práticas sociais dos agentes que as subscrevem. A análise das convenções requer o estudo de práticas sociais que delas decorrem e, idealmente, do processo de interação entre esquema cognitivo e sua práxis.
Como ressaltou, “talvez pecando por otimismo, parece-me que estão se desenvolvendo, entre os economistas, as bases analíticas para uma nova convenção que vê o desenvolvimento como resultante da coevolução das estruturas produtiva, institucional e financeira, reconhecendo o caráter histórico e singular de cada trajetória nacional”, como identificou em Ocampo (2005). “Estudos sobre globalização da produção, comércio e finanças, sobre as diferenças no crescimento e em sua sustentação entre países, sobre a importância da inovação” (identificando-se e preocupando-se com setores portadores de futuro, como a PITCE os chamou) “e da informação assimétrica na dinâmica internacional e nacional, têm contribuído para este processo de geração” [Ocampo (2005)].
O otimismo corre sempre o risco de tornar-se ilusão, especialmente para os derrotados, complementa Fabio, e lembra Millôr Fernandes: “No fim, tudo termina bem e, se ainda não está bem, é que ainda não terminou” [Erber (2007, p. 57)].
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