Fabio Erber e sua pesquisa de novos modelos de desenvolvimento

Dulce Monteiro Filha, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.

This article outlines the historical and theoretical contexts from 1940 to 1980, highlighting the importance of the French planning model when structuring institutions created in Brazil while implementing development policies. It also specifies some of the ideas disseminated throughout the prior developmentalist model. The text discusses Fabio Erber's changing vision, who, in spite of criticism against it, adopted a line of research focused on convention. After leaving the BNDES, he acknowledged the importance of the planning process in establishing conventions. Planning as a process, and not merely as a target to be achieved, makes public policies more efficient and effective. In search of new development models, Fabio Erber encountered the explanation of the primary cause of change in times of economic growth: the dynamics of structures. He had planned to coordinately study the meso-economic process defined by dynamic production structures and their interaction with institutional environments, which facilitates this process, as well as supplies of human capital and infrastructure, which must be adjusted.

1. Introdução

Fabio Erber era um homem de múltiplos interesses, com vasto e profundo conhecimento em assuntos nos quais se tornou um especialista, pois aliou o estudo teórico à vivência prática. Foi, ainda, um homem de ampla cultura humanista.

Ao longo de sua vida profissional foi um operador (coordenador geral)1 de políticas públicas e um pensador. Exerceu os cargos de secretário executivo adjunto do Ministério da Ciência e Tecnologia, diretor do BNDES e, ainda jovem, de coordenador na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), atualmente Agência Brasileira de Inovação. Como professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), dedicou-se a pensar o desenvolvimento econômico, com foco no setor industrial, e tornou-se um especialista em políticas públicas na área de tecnologia.

Por meio de conceitos2 nascidos da observação do mundo prático e de um vasto cabedal de leituras, procurava muitas vezes estruturar definições, que se caracterizavam pela lucidez.

Essa maneira de pensar e adquirir conhecimento enquadrava-se dentro de uma ampla concepção de mundo, na qual a ideologia tinha um papel importante. Contudo, em um mundo em guerra ideológica, Fabio rejeitava o radicalismo de um mundo dividido entre bons e maus, procurando sempre a possibilidade de um acordo, visando ao estabelecimento de convenções.

Os conceitos trazidos para o entendimento do mundo real eram expostos de modo a estruturar formas de ação política e eram confrontados com interesses comuns já manifestados na sociedade ou em construção por grupos de interesses que se propunham a estabelecer convenções, com fortes influências sobre o mundo econômico. Essa tarefa complexa envolve interesses, princípios e valores diversos que influenciam na elaboração de políticas. A reação à ação política decorre, em parte, também do modo como ocorre a imposição de valores e normas do processo social, como explicam Berger e Berger (1977). As convenções tornam-se então vitais ao estabelecimento de políticas, que, quando embasadas em amplas articulações, têm a possibilidade de ser implantadas. Cabe, contudo, enfatizar que as convenções são localizadas no tempo e no espaço,3 e só com grande dificuldade passam a se incorporar na cultura,4 mantendo-se, portanto, por um lapso de tempo maior, pelo menos de gerações, e têm se localizado em um espaço físico, algumas vezes estipuladas por um povo,5 mas, em geral, dentro de uma nação. Mesmo assim, como depois do estabelecimento de convenções são montados arcabouços institucionais, legais e administrativos, desestruturar o que foi estabelecido na convenção anterior é difícil e só ocorre parcialmente, em maior ou menor proporção, se não houver guerras (que as destruam). Essa resistência decorre da incorporação de ideias e valores absorvidos pelas pessoas que têm ou adquirem força política.

Ao estudar a convenção social, Erber (2007) a definiu como a identidade compartilhada de uma mesma visão de mundo por uma “geração sociológica”, seus objetivos, os caminhos a serem seguidos e os meios aceitáveis para alcançar esses objetivos. “É um sistema cognitivo que serve de guia para as práticas sociais e atua como um elemento fundamental para a redução de incerteza e para a coordenação dos agentes econômicos e políticos” [Orléan (2007, p. 43)]. Esses conceitos que formavam a estrutura do pensamento de Fabio Erber foram expressos quando escreveu, em 1988, A transformação dos regimes de regulação: desenvolvimento tecnológico e intervenção do Estado nos países industrializados e no Brasil, sua tese de docência para a UFRJ, em que utilizou a metodologia dos trabalhos de economistas regulacionistas parisienses, notadamente, Aglietta (1976) e Coriat (1982).

2. Contexto Histórico: Brasil e França

A ligação de Fabio Erber com os economistas regulacionistas tem uma explicação decorrente da história do desenvolvimentismo no Brasil, qual seja, da utilização do conceito de “économie concertée”.

O desenvolvimentismo incorporou as disputas técnicas e políticas6 usando a intervenção do Estado para, por meio da industrialização, estabelecer um padrão de crescimento.

No Brasil, foram implementadas instituições que ficaram encarregadas de estudar o arcabouço teórico desenvolvimentista e propor políticas de governo. O Ministério do Planejamento foi criado em 1961, enquanto, no BNDE, Celso Furtado elaborava o Plano Trienal do governo de João Goulart. Entretanto, a partir de 1964, o sistema de planejamento brasileiro foi sendo montado, absorvendo muitas ideias do Commissariat du Plan francês. Surgiu também o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para auxiliar o governo com estudos e propostas de política, conforme depoimento do ministro João Paulo dos Reis Veloso:

Quando Roberto Campos, então Ministro do Planejamento, me chamou para colocar o desafio da criação do Ipea, lá nos idos de 64, fez questão de acentuar: tem de ser uma instituição fora do dia-a-dia do Ministério e do governo, voltada para pensar o Brasil principalmente no médio e longo prazo. E a idéia de pesquisa aplicada significa que não vai ser uma instituição acadêmica, tudo que fizer deverá ser “policy oriented”, voltado para a definição de Políticas Públicas e para o planejamento [Reis Veloso (2004)].

Foi assim criado no Estado brasileiro um aparato institucional de planejamento com semelhanças do francês, de modo a botar em prática o conceito de économie concertée, uma noção utilizada pelos franceses e popularizada por François Bloch-Lainé em 1956. Esse conceito expressa um conhecimento prévio de como ocorrerá a participação das grandes empresas, do Estado e, na teoria e não na prática, das associações de comércio. Le Plan7 adota essa noção, rejeitando conceitos de economia planejada, planificada ou orientada. Por “economia  concertada”, entende-se uma economia “onde cada um que desempenha seu papel na orquestra concorda em anunciar que eles vão tocar a melodia de modo que não haja muita cacofonia” [Kocher-Marboeuf (2003, p. 68)].

O Ministério das Finanças francês ficou responsável por toda a política econômica; e o Tesouro, por segurar salários e preços, por salvaguardar a posição de troca externa da França e por manter recursos disponíveis para projetos de alta prioridade, tais como projetos militares e paramilitares. Era o Ministério das Finanças, e não o Commissariat du Plan, o principal responsável pelo relacionamento com as associações de comércio e por todas as “agências” da administração econômica [Quinet e Touzery (1986)].

A falta de coordenação entre políticas de curto prazo e programas de médio prazo de Le Plan8 era a mais séria fonte de dificuldade nas relações entre o Commissariat du Plan e o Tesouro [Quinet e Touzery (1986)].

A partir do quarto estágio do processo de planejamento, o plano preparado pelo Commissariat du Plan e pelo Tesouro era complementado com programas detalhados de investimento, para aumento de produção e modernização. Era montado um conjunto de comissões e subcomissões, que chegou a ter mais de três mil participantes [Quinet e Touzery (1986)].

No primeiro plano – de économie concertée –, em uma primeira fase, modelos econométricos formais foram usados primordialmente para a legitimação de reformas e programas de produção, mas, em uma segunda fase, foram projetados objetivos de produção quantitativa visando a um sistema de equilíbrio geral. O plano incorporou metas para todas as atividades econômicas, tornando-se uma estrutura para decisões políticas, o que, ainda deacordo com Quinet e Touzery (1986), pode ter contribuído para o período de recessão, inflação e crise no balanço de pagamentos que se seguiu.

Le Plan francês passou por diversos estágios, podendo-se atribuir a ele uma ação positiva sobre o crescimento no pós-guerra, mas a crise dos anos 1970 pôs em xeque todo esse sistema. Na Tabela 1 expõem-se as taxas de crescimento percentuais anuais globais da França.

Tabela 1: Taxas de crescimento anuais globais da França

Fonte: Quinet e Touzery (1986, p. 160). Nota: Os anos-base dos períodos indicados não coincidem com o começo de cada plano.

Le Plan perdeu credibilidade em razão das transformações socioeconômicas depois dos anos 1970.
O objetivo explícito dos autores regulacionistas foi, então, o desenvolvimento de um referencial de análise da economia capitalista que fosse além dos modelos de equilíbrio geral, usados pela teoria neoclássica, e possibilitasse o estudo da staginflation que atingiu alguns países capitalistas desenvolvidos por volta de 1973-1974. Nesse período, houve uma queda da atividade econômica, porém não houve deflação, pois os preços continuaram a subir [Bocchi (2000)].

As crises econômicas dos anos 1970 reavivaram o debate sobre as crises capitalistas entre os autores que se interessavam pela Escola Francesa da Regulação, ressurgido com a tese de Michel Aglietta [Aglietta (1974)], nos seminários do Institut National de la Statistique et des Études Économiques (INSEE) – 1974 e1975 – e no Centre Pour la Recherche Économique et ses Applications (CEPREMAP) – 1976-1977 [Quinet e Touzery (1986)].
Com base na análise feita por Marx do modo de produção capitalista, esses autores buscaram articular as questões da acumulação capitalista com as leis de concorrência, pois consideraram que este era o núcleo da teoria de regulação do capitalismo.

Segundo essa abordagem, o capitalismo consegue se reproduzir nos períodos entre as crises a que está sujeito, por meio de um aparato regulatório, que, uma vez aceito pelos agentes econômicos, tende a agir de forma anticíclica. Esse modelo de desenvolvimento resulta da relação harmônica entre o regime de acumulação e o modo de regulação. O regime de acumulação pressupõe um padrão de organização da atividade produtiva adequado ao padrão de consumo, ou seja, da atividade econômica com a demanda efetiva (oferta agregada igual à demanda agregada), o que evita crises de superprodução ou situações de elevado nível de inflação.

O modo de regulação é entendido como um conjunto de leis, valores e hábitos que medeiam a relação com o regime de acumulação e mantêm a coesão social. Os elementos que constituem um modo de regulação são as chamadas formas estruturais. A abordagem regulacionista destaca cinco importantes formas estruturais em sua análise: a forma de adesão ao Sistema Internacional; o padrão monetário que estabelece o padrão de pagamentos internacional; a forma de concorrência; a forma de Estado estabelecendo o modo de intervenção estatal, seja regulatória (Estado liberal) ou direta (Estado intervencionista); e a relação salarial, estabelecendo a forma de organização do trabalho (concorrencial, taylorista, fordista ou toyotista).

Essa escola era composta de vários grupos, destacando-se o de Grenoble II e o de Paris.9 Segundo Bocchi (2000), o ramo parisiense pode ser considerado o núcleo fundador da Escola de Regulação. Afirma ainda que Saboia (1989) reconhece em Boyer o fiel da balança na encruzilhada teórica vivida pela escola, entre os ainda seguidores do pensamento marxista, como Alain Lipietz e Benjamin Coriat (Centre d’Économie du Paris Nord – CEPN), e os classificados como pragmáticos, como Aglietta, que abandonou, em 1982, a teoria do valor trabalho. Os estudos regulacionistas levaram a uma importante conclusão, de que a crise dos anos 1970 pode ser entendida como a crise do modo de regulação.

Em Grenoble II, outros pesquisadores destacaram-se aprofundando suas pesquisas sobre economia internacional, por exemplo, Christian Palloix, que fez uma hierarquização de sistemas produtivos em nível mundial.10 11

Para Palloix (1973), o sistema econômico capitalista mundial dá a ilusão de que as políticas nacionais (nacionalistas, do ponto de vista ideológico) são importantes, mas, na verdade, representam somente facetas (nacionais) das práticas imperialistas, pois, essas diversas facetas, que se utilizam da gestão (nacional) das realidades internas, apenas obedecem à lei de valor internacional.

A lei de valor internacional com seus diversos elos (capital, indústria/ramo, força de trabalho, processo de produção e circulação de mercadorias) determina, segundo a cadeia de relações de produção que modela e remodela sem cessar, de acordo com seu funcionamento contraditório, os quadros espaciais e políticos da gestão/sanção: os estados-nações. Estes são, do ponto de vista econômico, os instrumentos dessa gestão/sanção da lei do valor. Assim, somente se pode compreender a economia interna partindo da internacional, principalmente se as instituições do país estiverem abertas ao exterior.

3. Contexto teórico dos anos 1940 aos anos 1990: O desenvolvimentismo

Em face da importância do desenvolvimentismo, é relevante recuperar as discussões teóricas mais significativas, para mostrar que o modelo de substituição de importações, fruto das ideias do economista argentino Raúl Prebisch, é apenas uma de suas propostas de atuação.

A batalha intelectual pela industrialização brasileira foi travada principalmente pelos “development economists”, que venceram a discussão e foram responsáveis pela implantação do modelo de substituição de importações.

Fabio analisou esse modelo e afirmava que a importação de tecnologias intensivas em capital trazem problemas de adequação aos países em que são implantadas, em decorrência das diversidades estruturais dos países, criando uma dependência difícil de ser superada.

Durante a vida profissional de Erber, mais especificamente até 1990, vigia no país esse modelo de desenvolvimento,12 que nasceu em decorrência do debate em nível internacional dos anos 1940, 1950 e 1960, que enfatizava a desigualdade entre países ricos e pobres, atribuindo um papel decisivo ao setor industrial no dimensionamento da economia.13

A principal tese de Rosenstein-Rodan era de que, se os países em desenvolvimento recebessem grandes investimentos internacionais e empréstimos, poderiam aumentar substancialmente seus níveis de desenvolvimento, desde que houvesse uma programação de investimentos em uma gama variada de indústrias, gerando um big push. Pela expansão interna da massa salarial e pelo efeito-renda sobre o consumo, seria gerado um crescimento da demanda nessas indústrias; e pela interdependência das atividades, haveria um acréscimo significativo na demanda final. Esse modelo baseado no mercado interno deveria também destinar parte da produção ao mercado externo, de modo que os financiamentos pudessem ser pagos com a geração de divisas.

Já Ragnar Nurkse propôs o crescimento econômico com equilíbrio de oferta e demanda, mas reconheceu que em economias subdesenvolvidas o crescimento fica bloqueado pelo baixo nível de investimento, explicado em parte pela insuficiência de recursos financeiros, o que chamou de círculo vicioso do subdesenvolvimento [Basu (1989)]: a acumulação insuficiente de capital gera lento crescimento econômico e não eleva a produtividade dos fatores; estes, por sua vez, provocam baixo nível de renda e poupança, reduzindo o mercado interno, altos custos médios e baixa taxa de lucro. A exígua propensão marginal a investir resultante fecha o círculo vicioso do subdesenvolvimento. A transformação estrutural fundamental para vencer essa dificuldade é o aumento contínuo da produtividade do trabalho e dos recursos naturais, de forma que os capitais deveriam ser distribuídos proporcionalmente entre diferentes indústrias, a fim de se obter crescimento equilibrado, que constitui um meio de aumentar o tamanho do mercado e criar estímulos adicionais aos investimentos. Nurkse entendia que o Estado podia se transformar na agência creditícia e no empresário inovador, promovendo a industrialização e o desenvolvimento.

Gunnar Myrdal adotou o conceito de círculo virtuoso de pobreza em suas análises sobre problemas sociais. Teve uma contribuição notável nos estudos de problemas raciais, em questões metodológicas relacionadas à valoração de premissas e elementos políticos na teorização econômica, em sua abordagem institucional e em sua crítica à teoria econômica internacional aplicada a países em desenvolvimento.

Tanto Nurkse como Myrdal apresentaram em suas contribuições teóricas a recorrência a mecanismos cumulativos e a causações circulares como fontes explicativas importantes. Nurkse define e explica o círculo vicioso da pobreza e Myrdal aponta para a importância da identificação de causações circulares cumulativas para entender e vislumbrar a possibilidade de alcançar o desenvolvimento.

Raúl Prebisch foi o development economist de maior influência na América Latina, sendo conhecido no continente por sua participação na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Suas atividades e produção intelectual foram direcionadas ao entendimento do desenvolvimento dos países da periferia econômica do mundo, particularmente da América Latina. Chamou a atenção para quatro pontos em relação ao subdesenvolvimento:

(i) o distanciamento crescente no nível de renda entre países do centro e da periferia;

(ii) o desemprego persistente na periferia;

(iii) o persistente desequilíbrio do balanço de pagamentos na periferia que impunha importante restrição externa no processo de crescimento econômico; e

(iv) a tendência à deterioração dos meios de troca da periferia.

Sua teoria explica esses quatro fenômenos apontando suas causas no nível de circulação (padrão do comércio internacional) e da produção (estrutura econômica) da periferia. Essa teoria engloba sua tese mais conhecida, a tendência de deterioração dos termos de troca da periferia, que coincidiu de certa forma com os desenvolvimentos teóricos de Hans Singer [Palma (1989)].

Suas propostas de política foram influentes, notadamente em relação à criação de uma nova ordem econômica mundial. 

4. Crise

A crise atingiu os países avançados nos anos 1970, e os estudos acadêmicos indicavam o fim do modelo desenvolvimentista. Surgiu então a proposta de modelos liberalizantes. Estruturas foram desmontadas e houve uma mudança profunda. Valores e princípios foram alterados, com o movimento liderado pelos governos Reagan e Thatcher.

Essa crise atingiu tardiamente o Brasil em 1981, tendo ocorrido nesse ano uma queda de 4,25% do Produto Interno Bruto.14 No ano seguinte, houve apenas um crescimento de 0,83%, e um decréscimo de 2,93% em 1983.

Realizaram-se estudos acadêmicos que procuravam incessantemente os caminhos para a economia brasileira. Fabio Erber foi um dos intelectuais cujo esforço foi para entender o problema em toda sua extensão.

Fabio, por meio da análise das teses e resultados da industrialização latino-americana, utilizando o arcabouço teórico do regime de regulação e verificando o papel desempenhado pelo Estado nos países capitalistas avançados na configuração dos novos paradigmas tecnológicos e na estruturação dos setores motores da inovação, analisou, em sua tese, a especificidade que assumiu o fordismo naquelas regiões.

Com a crise do fordismo nos países avançados, realizando uma análise exploratória, verifica os efeitos da implantação das novas tecnologias nos países semi-industrializados, detendo-se sobre as experiências recentes de constituição dos setores motores da inovação no Brasil, notadamente o eletrônico, suas implicações para o regime de regulação e os limites que este impõe a sua própria transformação.

5. Novos Caminhos

Procurando por novos caminhos que possibilitassem a implantação de setores dinâmicos na economia brasileira, que está sempre defasada com relação a novas tecnologias, Fabio Erber passou a estudar o conceito de convenções, identificando convenções dominantes em períodos da história brasileira: “convenção do desenvolvimento” e “convenção da estabilidade”.

Para ele, o modelo denominado desenvolvimentismo, outrora implantado no Brasil, foi uma crença em determinada convenção que se materializou em um “projeto nacional” que visava ao “bem comum”,15 que foi levado à frente por meio de ações de planejamento.

Após sua participação na Diretoria do BNDES, passou a entender que o processo de planejamento é importante para o estabelecimento de uma convenção, pois, mesmo que não se chegue à definição francesa de économie concertée, posições divergentes, por esse processo, podem ser conciliadas. Assim, o relevante na adoção do planejamento, nesse conceito de conciliação, é o processo, que potencializa a existência de políticas públicas mais eficientes e eficazes.

Fabio partiu então para a pesquisa de novos modelos de desenvolvimento e ficou bastante entusiasmado ao tomar conhecimento do texto de José Antonio Ocampo [Ocampo (2005, p. 12)]. Esse autor aponta as dinâmicas das estruturas produtivas como a causa primeira do crescimento econômico. Tais dinâmicas interagem com balanços macroeconômicos gerando feedbacks positivos que resultam em círculos virtuosos de crescimento econômico rápido, ou alternativamente, crescimentos fracos.

Para Ocampo, alguma medida de estabilidade macroeconômica, amplamente definida, é uma condição necessária, pois essas mudanças das estruturas produtivas interagem com o balanço macroeconômico correspondente. Um ambiente institucional facilitador e uma adequada oferta de capital humano e infraestrutura são condições estruturais, mas não são determinantes ativos para iniciar um movimento de crescimento de uma economia.

Para Ocampo, ainda, a habilidade para gerar constantemente novas atividades dinâmicas é a essência do desenvolvimento bem-sucedido. Nesse sentido, o crescimento é basicamente um processo mesoeconômico, determinado por estruturas de produção dinâmicas, um conceito que sumariza a evolução da composição setorial da produção, linkages intra-intersetoriais, estruturas de mercado, funcionamento do mercado de fatores, e instituições que os suportam (a todos). Mudanças microeconômicas dinâmicas são os tijolos, mas o processo de alargamento (expansão) do sistema é mais relevante. Além disso, as características das transformações estruturais determinam a dinâmica macroeconômica, particularmente por meio de seus efeitos sobre investimento e sobre balança comercial.

As dinâmicas sobre estruturas de produção podem ser visualizadas como interações entre duas forças básicas, embora multidimensionais, notadamente:

(i) inovações, entendidas, de forma ampla, como novas atividades/produtos e novos processos, e os processos de aprendizagem que caracterizam tanto a realização completa de suas potencialidades e sua difusão no sistema econômico; e

(ii) as complementaridades, linkages ou networks entre firmas e atividades produtivas, e as instituições requeridas para o pleno desenvolvimento de tais complementaridades, cuja maturação é também sujeita a aprendizado.

Ofertas de fator elástico são, por outro lado, essenciais para garantir que esses processos dinâmicos possam desenvolver plenamente suas potencialidades.

A combinação desses três fatores –

(i) inovações e os processos de aprendizagem;

(ii) a criação de linkages; e

(iii) as ofertas elásticas de fator

– determina o que podemos caracterizar como eficiência dinâmica de um dado sistema de produção.

Os diferentes mecanismos, que cada um desses três fatores gera, desempenham funções complementares: as inovações são a máquina básica da mudança; sua difusão e a criação de production linkages são o mecanismo que determina a capacidade de transformação e gera sistemas de transformação integrados; aprendizados que acompanham esses processos e o desenvolvimento de complementaridades geram economias dinâmicas de escala e especialização, que são essenciais ao aumento de produtividade; e as ofertas elásticas de fatores são necessárias para que as atividades inovativas possam impulsionar o crescimento econômico.

A linha de raciocínio de Ocampo ressalta a importância do desenvolvimento de estudos mesoeconômicos, cuja importância Fabio sempre enfatizou e que institucionalizou no BNDES quando criou as GESET, que deveriam entender com profundidade a estrutura e a dinâmica dos complexos industriais.

6. Observações Finais

Fabio Erber preocupou-se, durante toda sua vida, em encontrar caminhos para conseguir implementar na vida prática os ensinamentos que obtinha de sua leitura e de sua experiência. Tornou-se, assim, um teórico com pensamentos próprios, sendo um profundo conhecedor da realidade.

Participou de ações práticas bem-sucedidas de implantação, no setor público, de maneiras de agir, das quais resultaram mudanças significativas na área econômica. Foram sementes, muitas das quais ainda precisam ser mais disseminadas.

Lutou pela implantação de novos setores, que ainda se encontram inconclusos ou mesmo inexistentes na economia brasileira.

Para melhor entendimento do ambiente político e institucional em que Fabio viveu, expuseram-se no texto algumas das principais ideias do antigo desenvolvimentismo, que adotou no Brasil o modelo de substituição de importações, que podia existir numa economia fechada.

O novo modelo de desenvolvimento pode ser convencionado pelo processo de planejamento, que deve ser visto como um meio de conciliação de interesses.

Pretendeu-se deixar claro a diferenciação com relação ao novo modelo de desenvolvimento que visa implementar a competitividade sistêmica por meio de um processo mesoeconômico, como é necessário numa economia aberta como a brasileira atualmente, se se objetiva um crescimento econômico capaz de absorver a entrada de mão de obra (decorrente do acréscimo populacional), assim como aumentar a inserção de mão de obra, reduzindo a taxa de desemprego. A estrutura industrial brasileira só poderá se manter ou aumentar se for competitiva interna e externamente.

Nesse sentido, é preciso ressaltar, mais uma vez, que Fabio Erber, entendendo a importância de mudar os estudos da composição setorial da produção e a necessidade do país de tornar suas estruturas de produção dinâmicas numa economia aberta, implantou no BNDES, na Área Industrial, as GESETs (gerências setoriais), as quais ele encarregou de estudar os diversos complexos, nos quais sobressai a importância dos linkages intra- e intersetoriais, estruturas de mercado, funcionamento do mercado de fatores e instituições que os suportam. Assim, o Estado brasileiro possui, no BNDES, as ferramentas para implementar essa política.

Cabe lembrar, finalmente, que o movimento político que se chamou de “globalização” e a possibilidade de rápida comunicação, viabilizados pelo desenvolvimento de novas tecnologias de informação, aumentaram ainda mais a importância desses linkages intra- e intersetoriais, acelerando o ritmo das inovações e tornando os mercados mais dinâmicos, aumentando a necessidade dos países de incrementarem sua competitividade sistêmica, para terem condições de se beneficiar da abertura de suas economias.