A crise e as múltiplas oportunidades de retomada do desenvolvimento industrial do Brasil

Luciano Coutinho, Estratégias de desenvolvimento, política industrial e inovação: ensaios em memória de Fabio Erber / Organizadores: Dulce Monteiro Filha, Luiz Carlos Delorme Prado, Helena M. M. Lastres. – Rio de Janeiro : BNDES, 2014.

The article discusses the challenges and opportunities for long-term development policies, an issue to which Fabio Erber dedicated his life. The aim is to reveal new strategies for industrial and technological development, exploring his contributions on: the role of technical progress; the systemic approach of promotion and financing policies; the influence of macro-economic variables and of distinct forms of "development convention" in conditioning development policies. The article argues that Brazil has important frontiers for expansion and also that the manufacturing industry and its modern associated services have the means to constitute a crucial platform for creative development. More than merely expanding long-term development, the article proposes to combine the consolidation of democracy with advances in social inclusion, innovation and sustainability, associating economic, social, political and spatial features to heighten the potential of Brazilian development.

1. Introdução

As últimas décadas vêm testemunhando notável ascensão econômica de um conjunto de países em desenvolvimento, constituindo um fenômeno marcante e transformador da geografia econômica global. No contexto do quadro geral de crise que se abate sobre os países industriais avançados, desde setembro de 2008 até o presente, tal fato torna-se mais relevante e ressalta que o dinamismo da economia mundial tem se apoiado nos países emergentes. No entanto, é preciso compreender as efetivas implicações desse processo, notadamente no que toca ao Brasil, e identificar qual a melhor estratégia de desenvolvimento industrial, tecnológico e de inovação necessária para avançar.

Em muitas ocasiões e diante de situações econômicas difíceis, desde os anos 1980, troquei ideias com Fabio Erber a respeito da busca da melhor estratégia industrial para a economia brasileira. Assim, pensei em homenageá-lo com o presente texto, que visa discutir os desafios e as oportunidades para políticas de desenvolvimento no longo prazo, tema ao qual Fabio dedicou toda sua vida. Com refinada percepção, as análises de Erber sobre a economia brasileira contemporânea e suas contribuições como formulador e executor de políticas de desenvolvimento tecnológico e industrial sempre foram argutas e inovadoras. Pensou políticas adaptadas ao desenrolar das conjunturas e tendências macroeconômicas, tendo sido um dos precursores do debate sobre a natureza e o papel do progresso técnico no Brasil; sobre a necessidade de um enfoque sistêmico das políticas; sobre a importância do conhecimento e dos processos de aprendizado; sobre o papel-chave dos setores supridores e propulsores de inovações para o resto do sistema produtivo; assim como sobre os padrões apropriados de financiamento.

O contexto dos argumentos que preenchem este artigo enquadra-se em uma das reflexões habituais de Erber, a saber, como as variáveis macroeconômicas condicionam (limitam ou potencializam) as políticas de desenvolvimento produtivo e inovativo. De fato, desde os anos 1960 e 1970 – e conforme observado por diversos autores latino-americanos e caribenhos – a visão sistêmica ampliava o entendimento da dinâmica industrial e tecnológica e o alcance das políticas para sua mobilização. Tal visão implicava reconhecer e atuar sobre os condicionantes do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específico dos diferentes países e da relação de cada país com o sistema mundial [Furtado (1961; 2002)]. Ênfase fundamental foi dada à observação de que esse contexto macro representa “política implícita”, capaz de dificultar e até anular as políticas explícitas específicas [Herrera (1971)]. Daí a pertinente insistência de Fabio na necessária compreensão e distinção entre políticas explícitas e implícitas, operando sob regimes macroeconômicos malignos ou benignos [Coutinho (2005)] ou, em seus próprios termos, sob distintas formas de “convenção de desenvolvimento”:

Embora tenha sempre características específicas, influenciadas pela própria história do país, cada convenção de desenvolvimento nacional é parte de uma convenção internacional, que a condiciona. Conforme a literatura sobre políticas explícitas e implícitas tradicionalmente argumentou, podem surgir contradições entre estes dois tipos de política. Dado o seu caráter “pervasivo”, por se aplicarem aos preços básicos da economia e decorrerem de uma convenção hegemônica que define as prioridades econômicas e sociais, as políticas implícitas tendem a dominar as políticas explícitas [Erber (2008b, p. 28)].

2. A Economia Brasileira

Após três décadas de crescimento acelerado (décadas de 1950, 1960 e 1970), a economia brasileira experimentou um longo período estagnante, entre 1980 e 2003. Essa inflexão adversa aconteceu após o rápido ciclo de endividamento externo na década de 1970, seguida de forte elevação do patamar dos juros internacionais (choque Volker de 1979-1980), acarretando um alto impacto no serviço da dívida pública. A crise da dívida provocou fortes depreciações na taxa de câmbio, desorganizou as finanças públicas e debilitou o setor produtivo estatal. Como resultado, o país enfrentou inflação galopante com estagnação econômica e foram necessárias muitas tentativas de estabilização, até o Plano Real. A consolidação deste exigiu avanços relevantes no campo fiscal e, ainda assim, a estabilidade só se solidificou após a rápida acumulação de reservas próprias de divisas, entre 2004 e 2007. O colchão de reservas significou a superação da alta vulnerabilidade cambial, prevalecente desde o início dos anos 1980, e da elevada incerteza daí decorrente, reabrindo o horizonte de crescimento.

Com efeito, entre 1950 e 1980, a economia brasileira foi uma das três que mais cresceram no mundo. Em consequência, o hiato que separava o Brasil das economias ricas baixou substancialmente. A renda per capita do país ascendeu de cerca de 15% da americana a 30% (ambas medidas em Purchasing Power Parity – PPP). Contudo, depois desse longo ciclo expansivo que levou a economia brasileira para uma posição de destaque entre os países de renda média, esta ingressou, pelas razões supracitadas, num processo prolongado de estagnação. A brecha que a separava das economias avançadas voltou então a aumentar e, em 2000, a renda per capita brasileira havia regredido para 22% da norte-americana.

Embora o período de longa estagnação tenha ficado, com razão, conhecido como o das “décadas perdidas”, alguns avanços importantes ocorreram nos planos econômico, social, político e institucional, que semearam as condições para a retomada da trajetória de crescimento econômico após 2003. No plano político, cabe realçar a conquista da democracia, hoje enraizada nas instituições e na cultura política do país. Na esfera econômica, destacam-se: o fim do processo de alta inflação, obtido com o Plano Real em 1994 e consolidado nos governos seguintes; a queda continuada da dívida pública líquida a partir de 2004; a reversão da posição de devedor para credor líquido internacional pós-2005; e a acumulação de um elevado nível de reservas, que eliminaram a vulnerabilidade externa e a grande volatilidade econômica a ela associada.1 No plano social, destacam-se a progressiva melhoria da distribuição de renda, os aumentos dos salários reais e a expressiva redução da pobreza absoluta nos últimos dez anos, que contribuem para mitigar desigualdades regionais e fortalecem a coesão social do país.

A partir desse período, a economia brasileira efetivamente ingressou num ciclo virtuoso de crescimento que combinou fundamentos sólidos – a saber, estabilidade de preços, equilíbrio fiscal, elevadas reservas e balanço de pagamentos equilibrado – com um vigoroso mecanismo de propulsão, dado pela dinamização do mercado de consumo, apoiada na veloz expansão do crédito combinada com extraordinária melhoria da distribuição da renda. Na esteira desse comportamento virtuoso, uma onda de otimismo motivou investidores domésticos e internacionais em relação às perspectivas do país. A expansão do investimento foi notável, tendo alcançado uma taxa média de crescimento de 9% ao ano entre 2004 e 2008. Esse ciclo de expansão das inversões sofreu interrupção, quando da eclosão da crise internacional em fins de 2008. Mas a rápida e vigorosa recuperação que se seguiu, na segunda metade de 2009 e em 2010, mostrou a capacidade de resposta da economia, bem como a restauração de instrumentos anticíclicos de política econômica, tais como ampliação da disponibilidade de crédito ao consumo e ao investimento por meio de bancos oficiais, substancial redução das taxas básicas de juros e incentivos fiscais. A partir da interação com o Ministério da Fazenda e o Conselho Monetário Nacional, o BNDES pôde desempenhar um papel fundamental na preservação do investimento privado e público. Destacam-se o Programa BNDES de Sustentação do Investimento (BNDES PSI), voltado para setores de bens de capital, e os Programas Emergenciais de Financiamento aos Estados (PEF I e II) e depois Proinveste, voltados para o setor público.

A recuperação da capacidade de implementar políticas anticíclicas, promover e expandir o investimento de longo prazo e engendrar novas oportunidades de desenvolvimento marca nossa história econômica recente. Poucos são os países no mundo que dispõem hoje de condições e instrumentos de propulsão do crescimento, com relativa autonomia, em face da prolongada crise internacional. 

3. Desafios da Trajetória Recente

Desde setembro de 2011, ante o agravamento da crise na Zona do Euro, o governo brasileiro tomou iniciativas adicionais de estímulo à economia, tais como desonerações de impostos, redução dos custos de energia elétrica e, mais importante para o longo prazo, propôs um conjunto de concessões e incentivos ao setor privado no campo das infraestruturas logísticas, compreendendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos no Programa de Investimentos em Logística. Este mobilizará investimentos de grande escala, aproximadamente R$ 180 bilhões nos próximos quatro anos, representando cerca de 1% do PIB anual, em média. Não obstante os fatos e as iniciativas supramencionadas, a desaceleração do crescimento, em 2012, influenciou a percepção de parcela dos analistas a respeito do potencial da economia brasileira e alimentou uma visão de que a economia teria esbarrado em obstáculos estruturais que decretariam um potencial de crescimento muito inferior ao que se supunha. Alguns argumentos apontavam que o ciclo de expansão iniciado em 2004, em vez de inaugurar uma era de expansão promissora, teria sido o último suspiro de um processo que levou o país à “armadilha da renda média” – segundo a qual, a grande maioria dos países emergentes passa a enfrentar dificuldades de manter um ritmo célere de crescimento econômico após atingir um nível intermediário de renda per capita.

Para refutar essa visão, antes de identificar as múltiplas oportunidades de expansão da economia, é necessário olhar a fundo as causas desse desempenho fraco em 2012, especialmente no que toca à indústria de transformação e à composição setorial do crescimento, reflexão que se beneficia do rico legado que nos deixou Fabio.

Enquanto a indústria de transformação teve um crescimento nulo des de 2008, o setor de serviços cresceu a um ritmo de 3,4% ao ano. Esta é uma das chaves para o entendimento do que ocorre com a economia brasileira: enquanto o setor de serviços investe pouco e emprega muito, relativamente a sua participação no PIB, a indústria de transformação tem características opostas a essa: investe relativamente muito e emprega re lativamente menos quando comparada a serviços. Não é de admirar, pois, que o crescimento dos últimos anos tenha se combinado a uma queda muito forte da taxa de desemprego, mesmo com o investimento abaixo das projeções. Esse padrão representa, a rigor, a acentuação de uma tendência que já estava em curso há pelo menos quatro anos.

Visto de maneira mais ampla, o processo de crescimento dos últimos anos teve um perfil desequilibrado que combina dimensões exitosas com a permanência de fragilidades, as quais não se restringem à perda do dinamismo manufatureiro, relativamente ao significativo crescimento dos serviços e de setores produtores de commodities. Outros desequilíbrios abrangem:

(i) a defasagem entre o avanço no consumo de bens e serviços e o baixo crescimento das infraestruturas associadas;

(ii) a diferença entre o crescimento da oferta e da demanda de trabalho, que levou ao esgotamento do excedente de mão de obra; e

(iii) o desequilíbrio externo potencial, atenuado pelo boom de preços das commodities.

Esses desequilíbrios, ainda que possam impor restrições ao crescimento no curto prazo, representam, desde que adequadamente enfrentados, oportunidades para reforçar o dinamismo econômico dentro de um novo padrão de desenvolvimento, mais criativo, versátil e sustentável. Vejamos.

A perda de dinamismo industrial em 2011 e 2012 teve a ver com a significativa elevação dos custos industriais, em especial daqueles contabilizados em dólares, o que subtraiu rapidamente a competitividade do setor manufatureiro brasileiro em relação a seus concorrentes. Em consequência, a despeito da continuada expansão da demanda doméstica por manufaturas, a produção doméstica estagnou. Porém, ao contrário da grande maioria dos países, a base industrial brasileira é economicamente relevante e sua força de reação não pode ser desmerecida. Cabe relembrar a capacidade de resistência da indústria brasileira a períodos difíceis e duradouros durante a longa etapa de estagnação de 1980-2003. Além disso, a significativa mudança de rumos da política monetária americana – remoção gradual das injeções de liquidez pelo Federal Reserve (Fed) mediante a desativação do programa de compras de títulos privados e públicos, anunciada em junho de 2013 – tende a fortalecer o dólar nos próximos anos, facilitando a depreciação relativa do real, com efeitos pró-competitivos para a indústria brasileira.

Resultantes do nível baixo de investimento durante um longo período, as restrições de infraestrutura se agravaram nos últimos anos em razão do forte crescimento da produção e do consumo de bens e serviços. Estes requerem uma infraestrutura de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias, telecomunicações e serviços públicos urbanos. Os setores de infraestrutura já vêm sendo objeto de maiores investimentos, que poderão ser acelerados nos próximos anos, contribuindo decisivamente para retomar o crescimento econômico e para a sustentabilidade das cidades, atendendo aos desafios da logística de transportes, fluxos de pessoas, bens, serviços e conhecimentos. Além disso, a ampliação da oferta de infraestrutura produzirá efeito positivo em termos de redução de custos sistêmicos e aumento da produtividade da economia.

O ocaso da era de mão de obra abundante é explicado pela rápida transição demográfica, mas foi acelerado pelo ciclo de crescimento iniciado em 2004. O crescimento da população em idade ativa, um dos principais determinantes da expansão da oferta de trabalho na economia, está em apenas 1,2% ao ano. Com uma elasticidade do emprego em relação ao PIB de cerca de 0,5 – valor médio desde 2004 – bastaria uma taxa de crescimento de 2,4% ao ano do PIB para absorver a mão de obra entrante no mercado de trabalho. Visto por outro ângulo, para crescer acima de 2,4% ao ano, será necessário aumentar a produtividade do trabalho num ritmo superior ao que vem ocorrendo nos últimos dez anos. Assim, por exemplo, para crescer 4,5% ao ano, de forma sustentada, será necessário, tudo o mais constante, elevar persistentemente a produtividade do trabalho em 3,3% ao ano. Por essa razão, a agenda da produtividade tornou-se prioritária e imperativa para a sustentação do crescimento da economia, devendo merecer atenção redobrada.

Por fim, a contribuição das commodities para o crescimento, para o investimento e, sobretudo, para o saldo comercial foi potencializada pela conjuntura mundial favorável da década passada. De 2004 até 2011, as transações correntes do país tiveram um ganho de 2,2% do PIB em virtude da melhoria dos termos de troca. Contudo, com a perspectiva de desaceleração do crescimento da China para um ritmo entre 7% e 8% ao ano, o ciclo de commodities está em transformação: é plausível que aquelas de origem mineral cresçam a menores taxas, mas as de origem agrícola tendem a manter certo vigor, ante a expectativa de inclusão econômica continuada em países populosos. De todo modo, não é aconselhável contar com benefícios extraordinários advindos do cenário externo.

O enfrentamento dos desafios descritos requer uma estratégia articulada de desenvolvimento em três frentes:

(i) a redução dos custos de produção e o avanço da competitividade via inovações, sobretudo na indústria;

(ii) a aceleração persistente dos ganhos de produtividade; e

(iii) a elevação duradoura das taxas de investimento e de poupança doméstica da economia. Esses elementos estão obviamente interligados.

O aumento do investimento é uma das alavancas do crescimento da produtividade; e o aumento desta, um dos ingredientes para reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade das empresas brasileiras. O aumento da poupança e do financiamento de longo prazo de base doméstica, por sua vez, é condição para que o avanço do investimento não dependa crescentemente da poupança externa, cujos fluxos podem ser interrompidos por razões exógenas.

A estratégia econômica do governo vem se movendo na direção adequada, por meio de várias iniciativas:

  1. No plano macro, a política econômica buscou um mix mais favorável, que combina uma taxa de câmbio menos apreciada com taxas de juros mais baixas do que no passado.
  2. No plano das políticas sistêmicas voltadas para o aumento sustentado da produtividade, registrem-se o amplo plano de investimento em infraestrutura – do qual faz parte o Programa de Investimentos em Logística (PIL) –, e os importantes programas educacionais, para elevar a qualidade da educação de base, para ampliar a formação profissional de nível intermediário e para acelerar a formação de especialistas em engenharia, ciências exatas e naturais.
  3. No campo da política industrial: (a) apoio ao adensamento de cadeias e arranjos produtivos locais, principalmente por meio do Plano Brasil Maior, com medidas de incentivo ao investimento e à produção; de utilização do poder de compra governamental; estímulos a empreendimentos de pequeno porte; e ênfase à territorialização da política por todo o país; (b) melhoria da competitividade, com extinção da contraproducente estrutura de incentivos à importação (regimes aduaneiros estaduais baseados no ICMS); e (c) fomento ao processo de transformação estrutural mediante o apoio ao desenvolvimento tecnológico e ao esforço inovador das empresas em setores-chave da matriz produtiva nacional, principalmente por meio do programa Inova Empresa.

4. As Múltiplas Fronteiras do Crescimento

De todo o exposto, reitere-se que a sustentação do crescimento requer o aumento progressivo das taxas de investimento e poupança, a recuperação da participação da indústria no PIB e a ampliação da competitividade das exportações.

As políticas macroeconômica e industrial vêm contribuindo para a redução de custos industriais desde meados de 2011. Entre outras iniciativas, as de maior impacto foram, no plano macro, a redução dos juros e a desvalorização do real e, no plano micro, a redução das tarifas de energia elétrica e o barateamento dos custos dos empréstimos do BNDES. Novos importantes avanços poderão vir de reformas do sistema tributário. O governo tem se empenhado no seu aperfeiçoamento, destacando-se a iniciativa de reduzir e reordenar a incidência de impostos e encargos sobre a folha salarial.

No entanto, mais além dessas medidas, a ampliação da competitividade da economia brasileira depende cada vez mais fundamentalmente do aumento da produtividade. Este é um objetivo que vem sendo perseguido por meio de três passos simultâneos, mas com efeitos encadeados ao longo do tempo, a saber:

  1. No curto prazo, a retomada do investimento em novas máquinas e sistemas avançados, elementos-chave da dinamização de cadeias e arranjos produtivos, estimulada pelo menor custo de capital, principalmente por meio do BNDES PSI (Programa BNDES de Sustentação do Investimento).
  2. No médio prazo, a expansão dos investimentos em infraestrutura tende a reforçar e contribuir para o aumento da eficiência e competitividade sistêmica.
  3. Por fim, no longo prazo, as iniciativas em curso nos planos da inovação e da educação vão elevar competências, habilitando o país a crescer também a partir de impulso tecnológico endógeno.

Porém, é na perspectiva da transformação estrutural que se abrem as mais notáveis oportunidades de diversificação da indústria brasileira, formando um quadro muito distinto daquele previsto pelos que compartilham da tese da armadilha da renda média. O fato relevante é que a economia brasileira dispõe, como poucas, de uma diversidade de fronteiras viáveis de expansão que são simultaneamente geradoras de oportunidades de desenvolvimento industrial.

Especialmente dinamizador pode ser o papel que os investimentos em infraestrutura energética, logística, de transportes, de telecomunicações, de urbanização e outras tendem a exercer sobre as indústrias de bens de capital eletrônicos, elétricos e mecânicos. A complexidade tecnológica em termos de funções, especificações e manufatura desses bens pode se transmitir a uma ampla gama de cadeias produtivas, envolvendo diversos fornecedores de materiais, componentes, equipamentos e serviços, cada vez mais, altamente especializados. Se convenientemente apoiadas, essas oportunidades podem fomentar sistemas produtivos e inovativos com potencial para atingir níveis de excelência internacional. Entre esses, a exploração de petróleo em águas ultraprofundas, o chamado pré-sal, é o exemplo mais relevante, mas está longe de ser o único.

Uma outra fronteira produtiva da qual podem desdobrar oportunidades industriais promissoras é o agronegócio, que já desfruta de competitividade estrutural na maioria de seus segmentos. Essa competitividade decorre não somente da extensa base de recursos naturais disponível no país, mas também da competente base tecnológica que se construiu nas últimas décadas e da importante base empresarial que se consolidou nos últimos anos. Em função dessas características, o sistema produtivo do agronegócio encontra-se particularmente apto para novos e significativos saltos tecnológicos. Motivado pela combinação do avanço das ciências biológicas, com a demanda gerada com a nova geopolítica comandada pela problemática da segurança alimentar e da exploração do potencial dos biocombustíveis, a pesquisa e o desenvolvimento agrícola têm condições para acelerar seu dinamismo inovativo e, como consequência, propciar avanços nas respectivas cadeias supridoras de equipamentos, insumos primários, fertilizantes avançados, genética e um amplo leque de serviços de alta sofisticação.

A produção de energia renovável forma um terceiro campo extremamente rico em oportunidades. A despeito de já contar com uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, o Brasil reúne condições excepcionais para incorporar as diversas fontes de energia não fóssil, sejam as baseadas em biomassa (etanol, biodiesel), eólica, solar ou tantas outras fontes que ainda estão em estágio mais embrionário de desenvolvimento. Possibilidades também significativas referem-se à área da sustentabilidade ambiental, com o protagonismo que vem sendo alcançado por projetos ligados à admirável biodiversidade do país e, ainda, ao desenvolvimento e produção de materiais com bases renováveis, recicláveis e não tóxicas.

No campo das tecnologias de informação e comunicação (TICs), o sucesso que vem sendo alcançado em alguns nichos específicos justifica uma percepção favorável sobre o potencial de desenvolvimento de algumas cadeias desse sistema industrial. Projetos significativos objetivando a produção de semicondutores ou a consolidação de um importante núcleo de empresas de excelência em software, inclusive com robusto desempenho exportador, constituem evidência de que o sistema das TICs está em movimento no país.

Oportunidades promissoras também podem ser encontradas em uma ampla gama de atividades relacionadas aos novos desenvolvimentos das ciências da vida e sua reprodução em sistemas produtivos. Também relevantes são os segmentos de defesa e aeroespacial, que vêm se beneficiando da firme mobilização do poder de compra do Estado em favor do desenvolvimento industrial e tecnológico, assim como na aeronáutica, estruturada em torno do sucesso da Embraer na produção de aeronaves para a aviação civil.

Destacam-se, ainda, oportunidades concretas de avanços substanciais no Brasil no âmbito do complexo industrial da saúde, em que o domínio do conhecimento já alcançado em importantes aplicações da biotecnologia em fármacos, vacinas e hemoderivados, além de equipamentos e serviços, por exemplo, tem motivado projetos industriais de grande relevância, estimulados pela crescente demanda pública do Sistema Universal de Saúde (SUS) do país. Enfrentar o desafio de eliminar a fome e a pobreza extrema e universalizar serviços públicos básicos à vida, como saúde, educação e espaços urbanos sustentáveis, passa a ser uma oportunidade de descortinar alternativas de inovação e desenvolvimento industrial necessário à criação de um mercado interno robusto e duradouro. Preocupações antes tidas como exclusivamente sociais, regionais ou ambientais, e desassociadas de objetivos econômicos, estão no centro de políticas públicas e privadas do século XXI e representam enormes oportunidades para países como o Brasil.

Essas novas oportunidades criadas pelas fronteiras dinâmicas do crescimento brasileiro mencionadas acima não restringem o potencial de revitalização industrial. A economia brasileira dispõe de bases industriais relevantes de insumos básicos – química e petroquímica, siderurgia, não ferrosos, celulose, insumos para a construção civil etc. –, bens de consumo duráveis – indústria automobilística, eletroeletrônicos, linha branca, mobiliário –, bens de consumo não duráveis – alimentos industrializados, vestuário, calçados – e em vários segmentos de bens de capital seriados e sob encomenda. Recuperar a competitividade dessas cadeias industriais é relevante, especialmente num contexto de sustentação do crescimento com melhora das condições sistêmicas.

Mas, para ser fiel ao pensamento de Fabio Erber, é necessário ir além. Iniciativas de aprimoramento dos diferentes sistemas setoriais, regionais e locais de produção e inovação devem estimular a geração própria e a incorporação de novos conhecimentos e tecnologias. Somente por meio de um sistema de inovação bem-articulado será possível que a sustenta bilidade socioambiental seja incorporada em novos padrões de produção e consumo. Assim, mais do que recuperar e expandir o investimento de longo prazo, objetiva-se avançar mirando um novo contexto que combine inclusão social com sustentabilidade ambiental.

Destaca-se, na percepção sistêmica proposta por Fabio, a inédita possibilidade descortinada pelas políticas implementadas pelo governo brasileiro de romper a armadilha de dissociar suas dimensões econômica, política, social e espacial. Caminhos inclusivos e solidários que superem padrões de produção e consumo não sustentáveis e restritivos social e regionalmente e que, por outro lado, sejam capazes de ampliar o bem-estar da sociedade, alargando o acesso às condições básicas de habitação, mobilidade urbana, educação, saúde, cultura. A implementação dessas políticas requer o tratamento sistêmico das atividades produtivas e sua conexão com os territórios oferece oportunidade valiosa para ampliar e enraizar o desenvolvimento.

5. Perspectivas e Conclusões 

O legado intelectual de Fabio Erber é relevante para a compreensão da crise que atravessa a economia mundial, desde 2008, e das condições necessárias a sua superação. Em primeiro plano, se põe a reflexão sobre o perigoso descolamento entre a valorização fictícia dos ativos impulsionada pela especulação financeira e os fundamentos da competitividade e eficiência dos sistemas produtivos nas economias desenvolvidas. As economias que apresentaram maior resiliência aos impactos da crise iniciada em 2008 foram aquelas que regularam de forma mais prudente a expansão do crédito como base para securitizações e operações alavancadas com derivativos. Essas economias puderam manejar políticas anticíclicas com condições mínimas de autonomia. Nas economias em desenvolvimento, a possibilidade de crescer com base no mercado interno e em torno dos eixos de inclusão social – com melhoria na distribuição de renda e inovação com sustentabilidade ambiental – revela-se ingrediente fundamental para os novos modelos de política para o desenvolvimento. Reforça-se, assim, a relevância de as políticas, públicas e privadas, particularmente em períodos de rupturas e crises, serem capazes de mobilizar e reorientar os sistemas nacionais de produção e inovação, como motor do desenvolvimento.

O cenário internacional pós-crise indica o desdobramento de transformações significativas em direção a novos paradigmas de produção inclusiva e sustentável, intensivos em conhecimento e inovação. Esses processos, em curso em economias desenvolvidas e em desenvolvimento, relevantes, obrigam o Brasil a repensar e redesenhar seu projeto de desenvolvimento, sua matriz industrial e sua inserção internacional.

Os Estados Unidos, para muitos em pleno processo de reindustrialização, são óbvios candidatos a abocanhar uma parcela maior dos mercados internacionais de manufaturas. A arquitetura da nova política industrial norte-americana (em larga medida implícita) deixa transparecer duas diferentes características que, em conjunto, podem levar a resultados poderosos. De um lado, sobressaem medidas que buscam retomar a competitividade perdida por meio de redução de custos de energia (shale gas), melhoria da infraestrutura e de readequação do mercado de trabalho. De outro lado, retomou-se uma postura proativa que visa reforçar as condições de liderança científico-tecnológica, por meio do apoio a setores portadores de futuro, como ciências da vida, microeletrônica, tecnologias de informação, novas fontes de energia limpa. Na China, o ambicioso 12º plano quinquenal, para o período 2011-2015, pretende promover uma verdadeira guinada no padrão de crescimento chinês. É expectativa das autoridades chinesas que sete atividades de alta tecnologia – que vão de biotecnologias e TICs a novos materiais, denominadas “indústrias estratégicas emergentes” – aumentem sua participação no PIB dos atuais 5% para 15% em 2020. Mesmo a Europa, o bloco econômico que na década passada desenhou um projeto de reestruturação industrial muito ousado e que atualmente enfrenta uma transição difícil, não abandonou os incentivos à inovação e ao avanço da competitividade. Tampouco o Japão, que atravessa um longo período marcado por baixo dinamismo macroeconômico, dá mostras de que vai renunciar passivamente ao protagonismo alcançado no último quartil do século passado.

Esses movimentos revelam uma tendência ao acirramento da concorrência industrial e inovacional entre essas economias. Para o Brasil, nesse contexto, não se trata apenas de sobreviver às mudanças, mas principalmente de reinventar-se para extrair o máximo proveito das oportunidades descortinadas por essa rodada da redivisão internacional da produção. Certamente, não é uma tarefa fácil e exigirá muito das forças produtivas, do governo e da sociedade em geral. Para se aproximar desse objetivo, o Brasil, ou qualquer outra nação do mundo, não pode prescindir de uma política industrial e tecnológica proficiente. Sem dúvida, os movimentos de reposicionamento competitivo que vêm sendo perseguidos pelas principais potências do planeta são pesadamente baseados em investimentos e incentivos para o avanço do conhecimento e das inovações.

O Brasil está pronto para se posicionar afirmativamente nesse contexto. O país vem avançando na definição de uma visão estratégica que concilia os diferentes interesses e requisitos (convenção do desenvolvimento). Com o apoio de uma política sistêmica de desenvolvimento produtivo e tecnológico cada vez mais ativa, um núcleo importante de empresas brasileiras registra progressos e conta com a interação e incentivos de outros atores relevantes, privados e governamentais. Mencionem-se, neste ponto, as iniciativas da Política de Desenvolvimento Produtivo e do Plano Brasil Maior que aperfeiçoaram o quadro das leis de incentivo e viabilizaram o uso de poder de compra pública. Registrem-se também os programas de capacitação de recursos humanos como o Pronatec, BNDES Qualificação e o Ciências sem Fronteiras. Finalmente, por parte do setor privado, ressaltem-se a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) e a recente implementação do ambicioso Programa Inova Empresa.

É oportuno reiterar a contribuição de Fabio Erber ao notar que, para além do desenho de uma política de desenvolvimento, por mais bem elaborado que seja, as reais possibilidades de sua execução devem ser observadas. Cabe destaque à sua abordagem sobre as possibilidades de construir e consolidar uma determinada convenção, entendida como instrumento de informação, orientação e coordenação de expectativas em torno de uma proposta comum. Tarefa essa que envolve:

(i) conhecer como funciona a economia;

(ii) ter um projeto para seu desenvolvimento; e

(iii) persuadir politicamente um conjunto hegemônico de agentes a implementá-lo.

Adicionalmente, colocam-se suas importantes contribuições ao discutir as vantagens e desvantagens, formas híbridas e superpostas de operação de distintas formas de convenção, nomeadamente a “convenção do desenvolvimento” e a “convenção da estabilidade” [Erber (2008b; 2011; 2012)].

Adiciona-se outra contribuição seminal de Fabio, que permanece atual em seus argumentos, os quais ele seguiu reforçando ao longo de sua vida: 

Para que um sistema industrial seja dinâmico e competitivo em termos internacionais é necessário que conte, internalizados, com os complexos motores da inovação – aqueles que, além de gerarem o grosso das inovações que usam, são os principais supridores de inovações para o resto do sistema. No entanto, para que as relações intersetoriais possam se dar de forma eficaz e eficiente, a indústria necessita possuir sistemas de apoio adequados – infraestrutura de serviços econômicos, como transporte, energia e comunicações, […] o conjunto das instituições tecnológicas, cientificas e educacionais, que produzem os conhecimentos, e as pessoas necessárias para que as inovações surjam e se difundam pelo sistema industrial propriamente dito e pelos demais setores da economia. A operação conjunta do setor industrial e desses “sistemas de apoio” tem efeitos de aprendizado e sinergia, configurando uma capacidade “sistêmica” de transformação endógena. Essa capacidade sistêmica requer, porém, padrões de financiamento adequados aos prazos de maturação e aos riscos envolvidos nas várias atividades que compõem o sistema, articulando a norma de financiamento às normas de investimento, inovação, produção e consumo, de forma a constituir a plena capacidade sistêmica de uma economia nacional [Erber (1992, p. 16)].

Passo a passo, o país vem caminhando nesse sentido, com a ampliação do diálogo entre governo e setor privado e com a formação de consensos sobre os próximos passos.

Um país que pode aproveitar janelas de oportunidade no mercado internacional de commodities; que tem diante de si o desafio do pré-sal; que apresenta um portfólio amplo e de retorno atrativo em energia e em infraestrutura, especialmente em logística; que possui uma base industrial pronta para dar um salto de qualidade em produtividade, sustentabilidade e inovação; e que continua sua trajetória de inclusão econômica e social, consolidando um mercado interno de proporções continentais, está qualificado para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades do futuro. Mas, para isso, na percepção de Fabio, é essencial que líderes empresariais, sociais e políticos sejam capazes de consolidar a emergente “convenção” de que a indústria manufatureira e os serviços modernos a ela associados devem constituir o eixo do processo criativo de desenvolvimento.