Política industrial e tecnológica: uma proposta

Fabio S. Erber, Propostas de políticas apresentadas ao PT

A Política Industrial articula-se a outras políticas, que visam desenvolver a infraestrutura, econômica (transporte, energia e comunicações), social (educação, saúde e habitação) e científica e tecnológica (pesquisa científica e serviços tecnológicos). Outras políticas setoriais, como a agrícola, dependem da Política Industrial. A PI está também intrinsecamente vinculada à constituição de novos padrões de financiamento para a economia brasileira, novas formas de relação entre trabalhadores e patrões e à reforma do Estado brasileiro. No curto prazo, a PI constitui um dos principais elementos de um processo de estabilização de preços não recessivo. Somente um projeto integrado de desenvolvimento pode dar coerência a todas essas políticas, cada qual dotada de características próprias Cabe, porém, destacar que a Política Industrial do PT, refletindo as características do processo de desenvolvimento industrial contemporâneo e os objetivos do Partido, abarca sempre o suprimento de conhecimentos científicos e tecnológicos e de recursos humanos necessários a todas as atividades industriais - desde a concepção de novos produtos e processos até a sua venda. Esta abordagem integrada e integradora reconstitui a natureza coletiva dos processos industriais, que faz com que o resultado seja maior que a soma das partes, e um dos seus traços distintivos, política e tecnicamente. São explicitadas ainda mais dois tópicos nesta proposta: Política industrial e distribuição de renda e; Crescimento e relações interindustriais (Programas Setoriais e Programas Horizontais de Capacitação e Modernização Tecnológica).

1. Política industrial e distribuição de renda

Toda política econômica tem um aspecto redistributivo. Atualmente, no Brasil, privilegiam-se os detentores de capital que o utilizam para aplicações de natureza puramente financeira, em detrimento dos demais segmentos da sociedade. O PT transformara essa situação, privilegiando os rendimentos do trabalho e do capital utilizado para o crescimento do pais.

Dentro deste objetivo, a PI fomentara:

  • o suprimento de produtos e serviços que formam a cesta básica de consumo dos trabalhadores, com qualidade superior e preços reais mais baixos;
  • o uso de processos de produção que dem melhores condições de trabalho e saúde aos seus operadores;
  • a adoção de técnicas de gestão mais modernas, que assegurem a maior participação dos trabalhadores nas decisões;
  • o uso de processos produtivos que preservem o meio-ambiente;
  • o investimento das empresas em capacidade produtiva e domínio da tecnologia de produtos e processos;
  • a cooperação entre empresas, sindicatos e instituições educacionais, tecnológicas e cientificas.
  • a formação de recursos humanos adequados, em todos os níveis, incluindo o retreinamento de pessoas para novas funções técnicas.

A PI será operacionalizada por meio de medidas que reduzirão os custos e os riscos das atividades que levam aos resultados acima enunciados. Estas medidas, detalhadas a seguir, implicam em transferências de rendas da sociedade para os agentes responsáveis por aquelas atividades.

O PT condicionara a concessão de incentivos de qualquer natureza à definição clara dos objetivos a serem alcançados e à realização das atividades em prazos previamente acordados. Estabelecera mecanismos de acompanhamento e avaliação de resultados que assegurem, ao mesmo tempo, a transparência e a eficácia de ações e decisões do poder público, eliminando o clientelismo e o casuísmo que hoje prevalecem na concessão de incentivos, muitos dos quais não redundam em qualquer benefício social.

Uma profunda revisão dos incentivos atualmente vigentes será feita, mantendo apenas aqueles que se justifiquem à luz dos objetivos da política econômica e social, sujeitos aos condicionantes acima apresentados, acabando com a “privatização” do Estado brasileiro. Esta revisão ampliara também a capacidade financeira do Estado, permitindo uma alocação de recursos  mais eficiente e mais justa.

Finalmente, serão implantados mecanismos legais e administrativos que imponham sanções aos agentes que não cumprirem os acordos que lastreiam a concessão de incentivos. Da mesma forma, serão aplicadas com rigor medidas contra atividades que tragam prejuízos sociais, como danos à saúde dos trabalhadores e à degradação do meio-ambiente.

Estas sanções serão inequivocamente aplicadas, de forma a estabelecer o respeito à lei e por fim à impunidade com que hoje se exploram os benefícios públicos.

No âmbito da PI, como nas demais políticas, o PT dará, assim, um verdadeiro conteúdo social e democrático à ação do Estado. Ao mesmo tempo, reorientando e concentrando os benefícios em atividades estratégicas, dará maior eficiência à política econômica.

2. Crescimento e relações interindustriais

A retomada do desenvolvimento industrial e indispensável para estabelecer um novo padrão econômico e social. Num pais de dimensões continentais como o Brasil este desenvolvimento deve basear-se no mercado interno. Grande parte deste mercado e constituído por relações entre industrias, que respondem por cerca de 40% da produção industrial.

Por outro lado, os setores industriais desempenham papeis diferenciados nas suas relações. Ha setores que suprem todo o sistema industrial de meios de produção e de progresso técnico, como os fabricantes de bens de capital, e setores que dependem de outros para esses mesmos fins, como os fornecedores de bens-salário. A PI do PT atendera essas diferenças.

2.1. Programas Setoriais

Em consequência, tanto para propiciar um novo padrão de distribuição de renda como para estimular o crescimento da produção e do emprego, o PT estabelecera Programas Setoriais que envolverão os vários setores industriais que participam de uma cadeia produtiva e os fornecedores de serviços tecnológicos, científicos, educacionais e de infraestrutura econômica que servem de apoio a essa cadeia.

Na configuração destes Programas participarão representantes dos trabalhadores, além de autoridades governamentais, empresários e membros das instituições supridoras dos serviços acima mencionados.

Estes Programas poderão ter um escopo regional circunscrito, dependendo da configuração da cadeia produtiva e do mercado que esta atinge, ganhando assim maior agilidade e adequação aos problemas da população.

Os Programas Setoriais do PT terão, pois, uma concepção distinta dos atuais, seja em termos de abrangência de atividades, seja em termos de representatividade social e política. Serão, portanto, mais modernos e eficazes.

Inicialmente, serão estabelecidos Programas Setoriais para:

(i) Bens-salário industriais : alimentos, vestuário e calçados e habitação;

(ii) Serviços de consumo básico onde  os insumos industriais são críticos e a introdução de novos processos e equipamentos podem levar a grandes aumentos de cobertura e eficiência, especialmente nos aparatos estatais :  saúde e saneamento, transporte urbano;

Nos dois grupos de setores, o papel desempenhado pelos fornecedores de equipamentos e serviços de apoio tecnológico e educacional e crítico e os Programas deverão enfatizar a capacidade de suprimento de meios de produção, conhecimentos e recursos humanos. Ao mesmo tempo, os Programas deverão estabelecer mecanismos que estimulem e facilitem o uso desses recursos nos dois grupos de setores, de forma a configurar um “circulo virtuoso” de crescimento e progresso técnico.

No entanto, a estrutura de oferta e distinta nos dois grupos de setores: nos bens-salário industriais a oferta e predominantemente privada, enquanto os serviços básicos são supridos principalmente pelo Estado. Em consequência, a PI utilizara instrumentos distintos nos dois casos.

Para os setores supridores de serviços básicos, o principal instrumento da PI será o poder de compra do Estado (recomposto pela reforma fiscal), que será utilizado seja para a especificação dos suprimentos, seja para reduzir os riscos econômicos do desenvolvimento de novos produtos e processos. Complementarmente, os fornecedores serão beneficiados por mecanismos de credito e fiscais, especialmente os primeiros.

Para os setores produtores de bens-salário e seus fornecedores, a Política Industrial provera mecanismos de credito e fiscais que reduzam o custo da sua modernização tecnológica, de acordo com os objetivos da PI, e mecanismos de difusão de conhecimentos que reduzam o risco da adoção de novos equipamentos e processos de produção, exigindo dos supridores, em contrapartida dos incentivos que recebam, a montagem de serviços adequados de controle de qualidade e assistência técnica.

2.2. Programas Horizontais de Capacitação e Modernização Tecnológica

Ao lado dos Programas Setoriais, que tem uma abordagem “vertical”, tomando como eixo uma cadeia produtiva, a PI atuara também por Programas “Horizontais”, destinados principalmente ao desenvolvimento e difusão de tecnologia e meios de produção que são, com adaptações locais, de uso generalizado, como, p.ex., as novas técnicas de organização da produção (círculos de controle de qualidade, kan-ban, etc ), processos de automação com base na microeletrônica e procedimentos de gestão da qualidade.

Esses Programas Horizontais visam ampliar o “círculo virtuoso” de crescimento e progresso técnico entre produtores e usuários desses meios de produção e tecnologia.

Com base em critérios de economias de escala e escopo, tamanho de mercado e possibilidades de adaptação e inovação, serão definidas famílias de produtos e tecnologia para as quais serão buscados, alternativamente, o desenvolvimento tecnológico e a produção locais, ou a produção local com tecnologia importada ou, apenas, o uso de produtos importados. A inclusão de um grupo de produtos ou tecnologia em uma ou outra categoria será decidida adotando-se procedimentos de consulta semelhantes aos dos Programas Setoriais e será revista periodicamente.

Para os três grupos de produtos, a PI estimulara o desenvolvimento conjunto entre fornecedores e usuários e o estabelecimento de mecanismos de difusão de tecnologia.

Para os produtos onde deseja-se obter uma capacidade de inovação local, a PI deve abranger medidas redutoras de riscos (técnicos, econômicos e financeiros) e medidas redutoras de custos. Entre as primeiras, destacam-se o desenvolvimento de recursos humanos adequados, o aporte de capital de risco por agências governamentais, créditos cujo reembolso esteja condicionado ao sucesso do empreendimento, leasing incentivado, o uso de poder de compra do Estado e, mesmo, a reserva de mercado explicita. Para esses produtos, a proteção contra as importações, estabelecida de forma temporária e cadente, devera abarcar a tecnologia e os bens e serviços em que está se incorpora. Entre as segundas contam-se com os mecanismos tradicionais de credito e incentivos fiscais.

Para o segundo grupo de produtos, os estímulos recairão sobre a atualização da tecnologia importada e sobre a produção local desses bens e serviços, que será incentivada por uma proteção tarifaria (também temporária e cadente) e por mecanismos como o poder de compra do Estado e créditos governamentais.

Finalmente, para o terceiro grupo, a política dará ênfase aos mecanismos de difusão de conhecimentos, procedimentos de leasing e créditos para aquisição e uso dos bens e serviços.

Dada a importância das relações entre usuários e produtores de bens e serviços, os Programas Horizontais terão sua concepção final e implementação descentralizada e definida a nível local. Para tanto, serão mobilizadas as entidades públicas estaduais e municipais, além de organizações sindicais e patronais. Como instrumento financeiro dos Programas serão utilizados os Bancos Estaduais de Desenvolvimento e, pela sua capilaridade nacional, o Banco do Brasil.

Esta característica descentralizada dos Programas Horizontais permitirá que as pequenas e medias empresas tenham um atendimento adequado, contribuindo para a desconcentração do poder econômico.