Regina Dahn (Gigi)
Amiga | Depoimento enviado por e-mail
Eu tinha entre 18 e 19 anos de idade, estava há dois anos morando no Rio, em Ipanema, vinda de Cuiabá, minha cidade natal e andava atribulada por uma paixão “fora de propósito” por um intelectual de esquerda que tentava insistentemente me convencer, entre outras “barbaridades”, de que o Deus no qual eu acreditava não passava de projeção da minha figura paterna. Como se não bastasse, meu trabalho social voluntário num asilo de crianças abandonadas, onde eu dava banhos, colinho, mamadeiras e voltava pra casa me sentindo uma verdadeira santa, era expiação de minhas culpas burguesas! A vida girava dentro e fora de mim…
Um dia esse príncipe me disse sério que queria que eu conhecesse um amigo muito importante para ele, mas que eu me preparasse, porque era um tipo que não permitia meias medidas: ou o amávamos à primeira vista, ou o odiávamos. UAU!
Quando chegamos no imenso apartamento do Posto 6 , ao lado do Arpoador, com móveis de madeira escura, me senti entrando num palco. Nisto me aparece uma figurinha magrinha, cabeluda, meio cambaleante, com os olhos brilhantes e um sorriso irresistível, que foi logo dizendo: ‘Então é você, Gigi!’ Me ganhou no ato! Me deu um abração e ficamos amigos para sempre.
Nesse apartamento havia um certo clima de teatro. Eram gerações de italianos e suas histórias. O nono, com quase 100 anos, lúcido e aprontador, o pai, dr. Roberto, sempre sorridente e bonachão (que também se transformou num amigo do peito) Lívia, a mãe, que para mim tinha um certo ar de artista de cinema, o irmão Pietro, rato de praia, e ainda até uns tios comunistas históricos que chegavam da Itália para visitar. Ali se respirava cultura europeia no seu melhor estilo. Eram politicamente abertos, afetivos e generosos. Eram “gente vivida”. Doutor Roberto aprendeu inglês com James, Joyce, acreditem!…
Fabio conversava sobre política com a mesma paixão com que falava de teatro. Eram paixões equivalentes. Hoje eu penso que para ele o teatro ocupava o lugar da religião. Muito mais tarde, pude ver como quando educava os filhos, era sempre com exemplos de personagens de teatro.
Mas voltando ao início, o meu novo amigo esteve por um bom tempo determinado em me transformar em atriz de farsas medievais. Me achava um talento nato! Acontece que isso não me passava pela cabeça de jeito nenhum! Mas íamos para o Jardim Botânico e naquele palco ensolarado ele recitava textos inteiros, me explicava tudo, me contava fofocas do meio, etc… Tudo isso era muito rico para a cuiabaninha provinciana.
Agora, falar em Fabio é impossível sem falar em Ana. Isto porque, por uma grande coincidência, conheci Ana antes dele.
Meus pais compraram o nosso apartamento da Aníbal de Mendonça, fui estudar no Colégio Santa Úrsula, onde conheci Ana Maria, que também morava em Ipanema. Ficamos amigas.
No seu apartamento na Visconde de Pirajá, perto da Montenegro, as portas viviam sempre abertas. Era um entra e sai permanente. Dona Lourdes, viúva, tinha quatro filhas em “escadinha”, cada uma com seu universo próprio e os amigos tinham livre acesso à casa. Assim se juntavam os aspirantes a artistas de vanguarda, com os aspirantes ao mundo diplomático, os mais politizados e os mais festivos. Eram Flamarion, Carlos Zílio, Cabeto, Luís Roberto, Lulu, Sônia Roriz…Era uma convivência gostosa e rica. Alguns anos mais tarde, conheci meu marido Gilberto que se integrou muito bem com eles e nos casamos no mesmo ano. Me lembro da Ana grávida da Paula e as pessoas sugerindo o nome “Fabiana” ao que Fábio, irritado respondia: É, já pensamos nisso. E se for menino vai ser Anábio….
Pouco depois, eles foram pra Inglaterra. Gilberto e eu nos mudamos para a Gávea, e o pós AI 5 pariu o “desbunde”. Quem ficou no Brasil, aderiu, ou pelo menos nós aderimos. Nosso apartamento da Gávea passou a ser um point de festas, de encontros, e de tudo o que o desbunde significou. E as caixas de som ribombaram Jimi Hendrix, Led Zepelin, Pink Floyd, etc…
Quando os Erber voltaram da Inglaterra, foi um pouco difícil pra eles entenderem essa mudança, mas eu percebia um certo fascínio, sobretudo dele. E a amizade continuou, como também com Dr. Roberto, que continuava cliente fiel de Gilberto e muito meu amigo. Nos mudamos para o Leblon, nossos filhos crescendo, eles com três, nós com dois, em escolas diferentes. Mas nossa amizade permaneceu e nos acompanhamos sempre.
Daí veio o fim de meu casamento, meu novo casamento, minha mudança para a Alemanha, etc… Nós sempre conectados. Morando aqui fui hóspede deles no Rio por duas vezes, numa tremenda mordomia! Fabio acalentava o sonho de escrever e publicar e começou a esboçar pequenos contos que me mandava pra criticar. Tinha muito boas ideias, alguns contos eram realmente bons, sobretudo os mais concisos, urbanos, contemporâneos, mas quando partia pra outras aventuras, podia ficar perigoso. Assim, num conto passado numa fazenda em Mato Grosso, o velho fazendeiro a noitinha se sentava em sua bergère para fumar um cachimbo e tinha um arquiteto com doutorado, a decoração da casa era um luxo…. e eu tinha que colocá-lo na real: fazendeiro de Mato Grosso descansa na rede, pita cigarro de palha e não se liga em decoração. A moeda é o boi.
…O boi e a “honra” são os únicos valores que imperam nesse mundo. E sabemos que a honra é um valor muito relativo. …
Pelo que eu saiba, arquiteto não faz Doutorado. Mas a trama do romance era a cara do autor! E eu morri de rir e me deu uma saudade enorme dele.
Nos falávamos bastante por telefone e púnhamos o papo em dia. Se preocupava comigo, com minha segurança, com minha saúde. Quando, em 1997, eu tive um diagnóstico que parecia ser sério, eles, que nesse momento estavam em Paris, vieram a Darmstadt para me apoiar. Por sorte não foi nada, mas o apoio deles me fez muito bem. É nessas horas que aparecem os amigos. Quando ele recebeu o diagnóstico, continuamos em contato por telefone.
Hoje ele tem um quarto grande, com janela para o horizonte em meu coração.
Victor Prochnik
Meu nome é Victor Prochnik e atualmente sou professor do Instituto de Economia. Entrei para cá em 1979, quando o Fabio Eber era professor. Ele foi um dos fundadores do Instituto de Economia, e ele foi meu professor na cadeira Economia da Tecnologia, ele era o titular da cadeira. Acho que o Fabio...