Paulo Tigre

Colega de IE | 04.4.2019 | Instituto de Economia da UFRJ

Fabio Erber teve uma influência na minha vida profissional e também foi sempre um amigo, um exemplo de pessoa, inteligente, bem-humorado. Tivemos uma convivência muito feliz. Conheci o Fabio em 1976, quando eu estava fazendo mestrado na COPPE, em Economia da Tecnologia. Naquela época conheci o Ivan da Costa Marques e o Mário Henrique, que tinham vindo do Doutorado em Berkley, em Ciência da Computação, e estavam, então, defendendo um espaço para a inteligência brasileira na era da informática, algo que ainda era um pouco desconhecido, mas que apresentava um potencial grande. Aqui no Brasil, havia um grupo de pesquisa em desenvolvimento de produtos, processos, mas acreditava-se que nada daquilo teria êxito se não houvesse uma indústria brasileira capaz de absorver aquela tecnologia que estava sendo gerada.  Surgiu daí a ideia de uma política de informática.

Fiz minha dissertação de Mestrado sobre a indústria de computadores no Brasil, e o Fabio Erber foi um dos examinadores dessa tese. Ele foi um examinador duro, ele era crítico e pegou pesado comigo, mas logo demonstrou a grande generosidade que ele tinha, o grande interesse que ele tinha em promover pessoas. Ele acabara de voltar do Doutorado na Universidade de Sussex e me falou do grupo de pesquisa que tinha lá, o Sciense Politcs and Research Units. Tinha o Chris Frieman, onde eu encontraria uma possibilidade de continuidade dos trabalhos na área de tecnologia de informação. Fabio me deu as cartas de recomendação, me indicou os nomes das pessoas e me falou de muitas pessoas que depois se tornaram meus amigos. Então eu fui para a Universidade de Sussex. Antes trabalhei na Capre – Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico, que era o precursor da Cepin, da Depin – órgãos que trataram da política de informática.

Vimos nascer um momento de certo otimismo, com o primeiro edital para a concorrência livre de microcomputadores, onde se acreditava haver um espaço para o Brasil. Os computadores IBM, de grande porte, eram coisa bastante complexa e cara, mas quando surgiu o chip da Intel, o primeiro 80/88, a Apple fez o primeiro microcomputador, mostrando que era possível usar essa tecnologia de modo muito mais econômico e baixando as barreiras à entrada. Isso foi percebido por esse pessoal, o Fabio participava dessas discussões, fez-se a política chamada de reserva de mercado, que não tocava no interesse dessas empresas estrangeiras instaladas aqui – o semimonopólio da IBM, um pouco da chamada borrow, na época, abrindo espaço para as main frames. Os microcomputadores seriam, então, a prerrogativa, durante certo tempo, de empresas com capital nacional com capacidade decisória para utilizar tecnologia local. Fui para Sussex com esse projeto e fiz lá a minha tese sobre a indústria brasileira de computadores.

Na volta, o Fabio já estava no Instituto de Economia Industrial, que foi formado a partir da vinda de alguns professores da Coppe e também do chamado Grupo de Pesquisa da Finep, no qual participavam Fabio Erber, Maria da Conceição Tavares, Eduardo Augusto Guimarães e algumas pessoas que estavam ali, como o José Tavares de Araújo, que vieram para cá e formaram um núcleo para se pensar a questão tecnológica.

Demorou muito tempo para haver um concurso para professor do Instituto de Economia e eu fiquei aqui como pesquisador. Também fui diretor da Cobra, que era a empresa estatal que fabricava computadores na época. O Fabio teve um papel importante nisso tudo.  A primeira pesquisa de que eu participei era uma pesquisa que o Fabio coordenava junto com o Luciano Coutinho, que estava na Unicamp. Eu era responsável por essa área de tecnologia da informação. Depois participamos de vários outros projetos juntos.

O Fabio se interessava por esse tema, da tecnologia de informação, sempre foi um interlocutor. Ele tinha uma visão crítica, uma visão um pouco diferenciada. Isso foi uma coisa que sempre caracterizou o Fabio. Ele nunca foi uma pessoa ortodoxa, era muito crítico, levantava dúvidas sobre as coisas, até sobre essa revolução da informática.

Participamos de muitas viagens juntos, congressos, seminários. O Fabio era muito convidado para esses eventos e tivemos a oportunidade de conviver muito. Ele tinha uma forma sarcástica, humorística, de rebater os seus críticos em debates.

Certa vez, em uma palestra que ele estava como debatedor, a que eu assisti, o palestrante falava da inutilidade de se fazer políticas setoriais, se referindo, principalmente, às políticas de informática, e dizendo que as políticas tinham que ser horizontais, não levar em consideração o setor de atividades. E o Fabio, então, comentou o seguinte: “Muito bom, muito bom… eu só queria esclarecer ao palestrante que “computer chips não são potato chips” e, portanto, não podem ser tratadas da mesma forma.

Outra questão era a tendência dos pesquisadores mais ortodoxos de considerar exclusivamente dados quantitativos, desprezando evidências qualitativas, porque elas não poderiam ser tratadas de uma forma científica. Ele dizia: “Sim, o que vocês fazem, na verdade, é aquela história do bêbado e da chave. O bêbado, à noite, ao voltar para casa, perdeu a chave. Ele sabia que tinha perdido a chave perto da árvore, mas ele só procurava a chave debaixo do poste porque tinha mais luz”.

Sobre a popularidade instantânea que teve o Michael Porter e de quem todo mundo falava e virou uma febre, ele dizia: “O Michael Porter é o Sidney Sheldon da economia industrial”.

Outra crítica dele era as pessoas que era alçadas a posições elevadas no governo e que, imediatamente, abriam mão de suas convicções e passavam a pensar da forma dominante. Ele comentou: “é, o homem, ele não pensa com a cabeça, ele pensa com a bunda, depende da cadeira em que ele está sentado”.

Sobre as políticas industriais que procuravam incentivar as empresas multinacionais a fazerem pesquisa de desenvolvimento no Brasil, Fabio dizia: “Não se pode pedir a pereiras para dar bananas. As multinacionais fazem suas pesquisas lá nos seus países de origem. E não adianta vocês terem essa ilusão de que elas vão transferir a elaboração de produtos e de processos aqui no Brasil.

A grande contribuição do Fabio Erber foi na política industrial, ele estudava muito o assunto e dizia que não se pode fazer política industrial sem teoria. Isso era muito importante, porque quando as pessoas ocupam determinados cargos, muitas vezes elas têm ideias, mas essas ideias não têm respaldo. Ele insistia que era preciso políticas adequadas para se fazer políticas industriais, inclusive métricas. Não bastava apenas boas ideias isoladamente. Isso é uma contribuição importante. Como secretário do Ministério da Ciência e Tecnologia, Fabio contribuiu bastante nesse sentido. Nos seus escritos, buscava sempre estabelecer padrões, conhecer um pouco das regularidades que tinham naqueles temas, tentar associar a correntes teóricas, e com isso ir avançando não só na sua atividade didática, mas também nos seus artigos. Tentava buscar um fundamento que balizasse as políticas públicas.

Quando o Fabio foi para o Ministério da Ciência e da Tecnologia, fui convidado por Ivan da Costa Marques, meu antigo e orientador, que assumiu a presidência da Cobra Computadores, para ser diretor financeiro e de planejamento da Cobra. onde fiquei por dois anos com uma interlocução interessante com o Fabio, que estava no MCT, ao qual a Cobra estava subordinada. Nós pudemos conversar bastante sobre esses temas e sobre as questões mais estratégicas.

A Cobra Computadores nasceu da necessidade de se ter uma indústria nacional de computadores. Não era interesse do Estado, do Governo, fazer um modelo estatal. Mas isso acabou sendo uma necessidade. Fez-se uma ideia do “modelo de um terço”: um terço empresa nacional privada; um terço, multinacional; e um terço, governo. Era a forma que se encontrava de se viabilizar o projeto, uma forma que fora utilizada também na indústria petroquímica do Geisel, e que foi replicada ali. Acontece que o sócio estrangeiro era a Ferrante, que havia fornecido computadores para a Marinha. Essa empresa forneceu a tecnologia do primeiro computador fabricado, mas se desinteressou pelo projeto e deixou de fazer aportes financeiros pelos anos seguintes. A empresa nacional, E.E. Equipamentos Eletrônicos, era pequena e também se mostrou sem capacidade de continuar participando daquele investimento. A Cobra se tornou, então, uma empresa estatal controlada pelo BNDES, pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, que eram os grandes usuários estatais na área da informática. Nessa época, a Cobra lançou seu computador produzido no Brasil, o Cobra 500, que foi sucesso de vendas.  A Cobra cresceu rapidamente, chegou a 3 mil empregados no Brasil, e era uma empresa bastante interessante do ponto de vista inovador. Desenvolveu o modelo de software operacional compatível com o Sox, que é um software aberto e ganhou uma série de usuários. Mais tarde, com o advento do microcomputador, todas as empresas que fabricavam minicomputadores no mundo passaram por grandes dificuldades, e a maioria delas desapareceu, isso não aconteceu só no Brasil. A Digital Corporation, que é uma grande empresa; a Data/General. São empresas que praticamente desapareceram porque estavam em um paradigma diferente.

Quando eu ainda estava na Cobra, abriu-se um concurso público para professor adjunto no Instituto de Economia. Fiz o concurso, até saí da Cobra porque eu entendia que o meu trabalho, a longo prazo, seria na universidade. Fabio dava aula de Desenvolvimento Econômico, Economia Brasileira, Economia Industrial, História Econômica. Tanto na Pós-Graduação em Economia, como na Graduação, ele atuou bastante em várias áreas. Então nós pudemos ter uma convivência bastante longa e de amizade.

Tenho muita saudade do Fabio, ele era um ponto de referência aqui, tinha sempre um comentário interesse, uma análise a fazer. Ele tinha uma liderança natural, sempre se sobressaía, se destacava entre os colegas. Infelizmente ele faleceu cedo, porque o seu objetivo era ficar. Ele falava: “Eu não vou me aposentar. Eu vou ficar aqui, vou ficar até quando eu puder, porque eu quero dar a minha contribuição. Vão ter que me aturar!”. É uma posição bastante interessante. E sempre muito querido, pelos colegas, pelos alunos.

Culto e poliglota, falava muito bem Inglês, Francês, que ele aprendeu em casa porque era a língua que se falava quando se queria que as crianças não entendessem; Italiano, que estava ligado às tradições dele; e também falava muito bem o Espanhol. Por causa disso, sempre era uma atração nos eventos internacionais, e tinha muitos amigos, como o Benjamin Coriat, e outros que o tinham como uma referência e também como um amigo aqui.

Nós pudemos ter uma convivência longa. Foram mais de 20 anos em que sempre estivemos muito próximos. Quando eu conheci o Fabio, ele morava no Alto Leblon, eu estive lá algumas vezes. Depois ele se mudou para uma casa do Jardim Botânico, lá do Horto, e ali ele costumava receber as pessoas, fazia algumas festas de aniversário, era uma casa muito agradável, sempre muito concorrida, muito animada.

O Fabio tinha um pensamento de esquerda e viu com muito entusiasmo o Governo do Lula. Foi diretor do BNDES em duas ocasiões, participando ativamente desse governo. Algumas pessoas com quem eu converso falam que o Fabio não ia aguentar esse tempo atual, de tanta intolerância e de tanta divisão. Oriundo de uma geração estruturada pelo desenvolvimentismo e pelo estruturalismo cepalino, Fabio sempre defendeu a interferência estatal na economia – esse é um dos capítulos da tese de doutorado dele. Naturalmente todas essas ideias sofreram desgaste ao longo do tempo, o neoliberalismo praticamente limitava qualquer tipo de intervenção do Estado na economia… No ano da eleição do Collor, 1990, todo esse pensamento cepalino, esse pensamento intervencionista, caiu em desgraça, não havia mais projetos para fazer na área de indústria e tecnologia, cada um foi procurando um pouco o próprio rumo. Nos anos 2000, essas ideias voltaram. E ele voltou bastante animado com o retorno ao BNDES, primeiro na gestão do Antônio Barros de Castro e depois na gestão do Carlos Lessa, onde enfrentou muitas dificuldades. Esse período do BNDES não foi um período que eu o acompanhei particularmente, mas me lembro de uma vez que nós fomos jantar e eu perguntei como é que estava o Banco. Ele me disse o seguinte: “Se você quiser ouvir desgraça, vai atrapalhar o nosso jantar. Então nós mudamos de assunto”. Eu sabia que as coisas eram difíceis.

Política de informática, biotecnologia, indústria farmacêutica. Essas coisas tiveram muito a atenção dele. A coisa mais importante para o Fabio, com a qual eu compartilhava, era a necessidade de se desenvolver uma indústria brasileira. Esse é um projeto que, de certa forma, foi interrompido. Hoje vemos uma certa ruptura com toda a ideia de intervenção estatal, de indústria nacional, de tecnologia nacional, mas muita gente está preocupada com isso, e eu acredito que um dia vai voltar, porque o Brasil não vai se desenvolver somente produzindo soja ou boi. É preciso entrar nas indústrias que agreguem valor, inteligência, que deem emprego de qualidade.

Eu gostaria de conversar com ele sobre essas coisas. Gostaria de saber como é que ele veria todo esse mundo. Ele sempre falava sobre revolução tecnológica, se referindo às tecnologias de informação, se tinha muitos avanços, principalmente na capacidade de processamento, na capacidade de comunicação e armazenamento. Foi o chamado “tripé digital” que foi evoluindo. Nesta última década do século XXI, muitas tecnologias que estavam sendo desenvolvidas de forma isolada passaram a ser integradas pela internet. E da uma visão inteiramente diferente. Hoje está se falando de uma economia muito mais imaterial, não está mais se falando da indústria manufatureira, mas de uma economia virtual que tem um impacto muito maior do que a gente previa. Esta economia está destruindo todos os negócios tradicionais, seja na área do comércio, seja na área da educação, da saúde, da indústria, tudo está se tornando virtual. Hoje vive-se a verdadeira revolução, essa coisa disruptiva dessas tecnologias, quando o blockchaine, a inteligência artificial, a internet das coisas, a realidade virtual, todas são tecnologias que se integraram dentro do conceito de manufatura 4.0, e com um potencial realmente de transformar.

Acredito que se o Fabio tinha dúvida lá nos anos setenta se a informática era uma reforma ou uma revolução, hoje ele teria convicção absoluta de que chegou esse momento. Talvez não tivesse chegado quando ele escreveu isso, mas hoje, trinta anos depois, vivemos um período de que nada será como antes, em termos econômicos. É preciso pensar realmente como será esse futuro, não é com um desprezo ao conhecimento, que se vai desenvolver o país.

No retorno à academia, ele teve a iniciativa de fazer estudos sobre as questões teóricas – regulação, as convenções, a relação do macro e do micro – e sempre com a consciência sobre a questão política. Ele tinha interesse na ciência política. Lia e ele costumava brincar com isso. O pessoal do MCT fazia propostas, políticas decretos e ele perguntava: “Vocês perguntaram ao Ministério da Fazenda? Eles é que mandam. Vocês podem tomar a decisão que quiserem, mas quem vai tomar a decisão é quem está com o dinheiro na mão.” Ele tinha essa consciência, provavelmente sentia muitas reações, principalmente com o advento do neoliberalismo, mas procurou contribuir de uma forma prática, atuante; e de uma forma teórica, acadêmica, que pudesse transmitir para as novas gerações aquele ideário desenvolvimentista.