Claudia Erber
Filha de Fabio | 2019 | Depoimento
Meu pai foi um grande mestre e guia ao longo de todas as fases da minha vida.
Quando eu era criança papai era muito presente e carinhoso. A nossa relação e intimidade foram amadurecendo ao longo da vida. Éramos companheiros e amigos, mantendo a hierarquia da família. Papai era perfeccionista e exigente ao mesmo tempo que era compreensivo e brincalhão. Ele apreciava o tempo dele ao mesmo tempo que era super família, com vários amigos e muito trabalhador. Eu também sou assim, amo minha própria companhia, procuro ter tempo para mim, amigos e família.
Quando eu era pré-adolescente, precoce nata, e já namorava, meu pai, sem pudor e sem moralismo, veio me perguntar se eu estava preparada para a vida sexual. Fiquei chocada. Ele calmamente explicou que namorar muito tempo com beijinhos acaba evoluindo e eu deveria estar certa do que eu queria. Eu entendi, não estava preparada e facilmente terminei com o namoradinho.
Quando eu era adolescente, andava com uma galera mais velha, as amigas não tinham hora pra chegar da noitada, eu tinha hora e papai fazia questão de me buscar em todos os programas de final de semana, nem que fosse no Circo Voador, ele ainda colocava todas as amigas na Belina verde e ia parando da Lapa ao Leblon deixando cada uma em sua respectiva morada. Era o pai “da galera” apelidava todas as amigas.
Ainda adolescente, combinei com uma amiga de fugir de casa para viajar, mas o papai passou a noite e madrugada lendo livro na sala, ocupando a rota de fuga. Não fugi, e depois descobri que a tal amiga era chave de cadeia. O coroa me salvou de uma roubada…
Quando eu fui me matricular na faculdade decidi estudar somente no segundo semestre e ir pra Bahia com o namorado, quando dei a genial notícia pro papai, ele teve um ataque, trouxe o jornal e disse que eu teria procurar trabalho se não fosse estudar. Corri para faculdade e mudei a matrícula novamente. Meses depois já tinha terminado com o tal namorado. E um ano depois quando disse que queria ir estudar baleias na Bahia, o papai deu todo apoio. Tranquei um semestre da faculdade e fui ter uma experiencia transformadora em Abrolhos, me tornei bióloga antes mesmo de me formar. Voltei com outro gás para a faculdade.
Durante a faculdade, no início de cada semestre, eu fazia uma lista dos livros que iria precisar e papai me dava um caixa de livros. Assim eu não precisava ficar em filas na biblioteca e podia estudar com afinco. Às vezes eu reclamava que estudava muito e que amigos que pegavam meus resumos tiravam notas melhores que eu (que raiva!), papai ria e dizia, cada um no seu tempo, não se compare, o que importa é o seu aprendizado. Tive dificuldade de conseguir um orientador na área de cetáceos e papai dizia, se você quer, você tem que batalhar e assim corri muito atrás e consegui criar minha história profissional. Durante a faculdade li dois tratados de fitogeografia do Brasil e convenci papai que precisava conhecer todos os ecossistemas brasileiros, e assim ele financiou os congressos com viagens complementares para que eu tivesse a experiencia da natureza que havia aprendido nos livros.
Quando resolvi me espiritualizar, ele ateu, descobriu vários amigos que tinham filhos e/ou conhecidos da mesma linha espiritual, e só não foi no ritual comigo porque minha mãe fez pressão para ele não participar. Eu lia sobre todos os santos e ele queria que eu contasse as histórias para ele. Era um curioso e queria participar de tudo. Conversávamos abertamente sobre drogas e ele queria genuinamente saber das minhas experiências.
Quando fui fazer o mestrado, a potencial orientadora disse que tinham vários interessados para eu esperar um ano para tentar entrar no curso, papai falou vai lá e tenta agora, daqui um ano se for o caso você tenta de novo, segui o conselho e entrei logo. A mesma orientadora, não se esforçou para montar minha banca para a defesa da tese do mestrado, daí papai ficou furioso e disse que nunca tinha visto isto, e me aconselhou a contactar diretamente quem eu queria que participasse da banca, mais uma vez segui o conselho do papai, e montei a banca do jeito que eu queria, com profissionais super qualificados! No final do mestrado, participei de um congresso e quando voltei disse a ele: eu podia reescrever a tese toda. Ele riu e disse que qualquer obra é sempre inacabada, e o mestrado não era obra da minha vida, e sim uma forma de provar minha teoria, se eu era capaz de contar uma história com início, meio e fim. Acho este ensinamento fundamental, porque eu gosto de escrever, mas preciso também trabalhar com prazos. Na festa de comemoração do mestrado, regada a champagne, papai celebrou tanto que passou mal.
Quando voltei do meu primeiro embarque como expert em bioacústica de cetáceos, excitadíssima contando da experiencia, papai me perguntou sobre o capitão, fiquei meio desconcertada até porque a relação ainda era de amizade, contudo o tal capitão é atualmente meu companheiro de vida e pai do meu filho. Quando resolvi “casar” ele me perguntou: mas você quer acordar e dormir com este cara diariamente? Eu simplesmente sorri, e ele então, sinceramente, me deu boa sorte. Quando contei sobre a gravidez, não planejada, ele se transformou instantaneamente em um super vovô.
Um dia papai me disse que achava uma pena eu ter decidido ter apenas um filho, que eu estava perdendo muito da vida porque cada filho era um universo diferente. Eu penso que ele foi muito generoso com a nossa educação, e um homem tão plural e cabeça aberta, que foi capaz de criar seus filhos de forma que cada um pode ser e explorar suas individualidades. Sou muito grata pela educação que recebi. Acredito que muito da minha segurança, da minha capacidade de resolver minhas questões vem dessa base sólida que meu pai me deu.
Papai, era também, meu conselheiro profissional. Ele dizia: o valor do trabalho tem que ser inversamente proporcional ao prazer que ele te dá. Como workaholic ele entendia desta área. Se eu precisava escrever um e-mail profissional importante e pedia para ele revisar, na maioria das vezes ele só dizia com orgulho: você é bem assertiva, vai fundo… Com ele também, naturalmente aprendi sobre hierarquia no ambiente de trabalho o que me facilita muito nas relações profissionais. Somos todos iguais com respeito a posição que ocupamos e minhas ideias merecem ser ouvidas e discutidas.
Não gosto de falar do final da vida dele, da doença, mas posso dizer que ele batalhou bravamente contra o câncer, sentiu o apoio e amor de todos ao redor. Isso que importa. Estivemos junto até o fim. Seu velório estava lotado. O ritual de jogar as cinzas no mar foi uma festa. Nossa família tem tanto orgulho do meu pai que resolveu montar um site, como prova de amor a ele e respeito pelo seu legado profissional. Foi o homem e ficaram as ideias.
Saudade é o amor que fica. O amor é tão grande que a saudade é constante.
Com orgulho de ter tido um pai mestre, deixo aqui meu depoimento, um pouco dessa história de amor. História que ainda não acabou.
Carlos Gadelha
Tive a honra e o prazer de ter Fabio Erber como uma das principais referências em minha trajetória acadêmica e no âmbito das políticas públicas. Na verdade, Fabio Erber marcou toda uma geração. Entrei no Instituto de Economia em 1979, e ele já era uma referência quase que incontornável para...