André Modenesi

Ex aluno e colega no IE | 20.02.2019 | Instituto de Economia da UFRJ, Rio de Janeiro

Tive a oportunidade de conviver com o Fabio Erber desde o início dos anos 2000, quando eu fazia um Mestrado na UFF e fiz um crédito externo com ele na UFRJ – Economia Brasileira. Um trabalho dessa matéria virou um capítulo da minha dissertação e, por fim, ele veio a ser o meu co-orientador no Mestrado. O Fabio foi uma pessoa muito influente na academia brasileira, e particularmente me influenciou muito. Ele era uma pessoa fantástica, muito brincalhão e me contou uma das maiores mentiras da minha vida. Depois que defendi a minha dissertação, ele falou: “André, você facilmente transforma a sua dissertação em um livro”. Ele contou a mentira que todo mestrando quer acreditar, tá certo, e eu acreditei nessa mentira. Defendi a dissertação, descansei um pouco e comecei a pensar: “Ah, que legal um livro!”. Aí quando eu comecei a fazer, eu vi que ia dar um trabalho danado e resolvi procurar o Fabio. Nessa época ele era diretor do BNDES. Quando me ouviu relembrar sobre o que disse da minha dissertação virar livro, deu aquela risada dele: “Olha, agora é com você!” (risos) Mas foi um grande estímulo, porque depois, de fato, a dissertação veio a ser publicada, já tenho esse débito com o Fabio, foi algo muito importante para mim do ponto de vista pessoal e, principalmente, do ponto de vista profissional. Ela foi publicada em 2005 e eu ingressei no Doutorado no Instituto de Economia em 2006, quando tive a oportunidade de me aproximar ainda mais do Fabio e repetir a mesma dobradinha de sucesso na tese. Tanto no Mestrado quanto no Doutorado, o Fabio foi o meu co-orientador, e o orientador foi o João Sicsu. Foi uma orientação de muito sucesso. Tanto o Fabio quanto o João foram fundamentais na minha formação, eles se complementavam muito na orientação. O João, mais focado na teoria, um pouco mais atualizado na questão macro, e o Fabio com amplo conhecimento da economia brasileira, tanto do ponto de vista teórico quanto da experiência. Eu devo muito ao Fabio a capacidade que eu tenho de transitar em esferas de pensamento diferentes.
Fabio é um tipo de economista que está em extinção, um economista completo – um teórico, professor, pesquisador, com uma ampla experiência na administração pública, uma grande experiência como executivo de gestão. Essa grande riqueza do Fabio transbordava. A ciência foi se especializando muito. Por exemplo, eu sou um pesquisador, nunca tive experiência na administração pública, algo que ele teve. E nós ouvíamos muito as histórias dele, o que também enriquecia muito.

Voltando um pouco mais para o lado da formação teórica, ele deixou uma semente em mim, na verdade, porque o processo de tese foi, como sempre, conturbado, difícil, e eu estava terminando a minha tese lá pelo ano de 2007, 2008, que mais ou menos foi o período que o Fabio fez um Pós-Doutorado na França e teve um contato com a chamada Escola das Convenções Francesas. Ele se interessou por esse tema e, tomando um pouco emprestado a noção de ‘convenção’ que o (professor Antônio Barros ) Castro tinha aqui – os dois eram muito próximos também – o Fabio foi aprimorando e chegou ao ponto de desenvolver um conceito inovador de Convenção de Desenvolvimento, que confesso que na época eu não conseguia entender a profundidade do conceito e a capacidade analítica que esse conceito proporcionava para entendermos, sobretudo, o caso brasileiro, que era o interesse, o foco central das análises dele.

Em 2008 ele apresentou um artigo sobre o tema da convenção de desenvolvimento mais elaborado no encontro da Sociedade de Schumpeter. Ele foi desenvolvendo, mas infelizmente não teve oportunidade de dar continuidade ao conceito e de explorar plenamente essa linha. Uns cinco, sete anos depois, eu acho que eu tive mais maturidade para entender a profundidade, a relevância e o alcance dessa ideia desse conceito poderoso de convenção de desenvolvimento, para explicar um tema que me interessa muito, que é a questão da política monetária no Brasil, em particular, “por que os juros são tão altos no Brasil”.

Por isso o Fabio tem um papel muito importante no sentido de abrir uma linha de pesquisa que gosto de chamar de “economia política da política monetária”. Desenvolvi um pouco este conceito e, nesse sentido, me sinto muito realizado por ter, sem nenhuma pretensão, levado um pouco mais à frente esta contribuição dele que era ainda inicial. Tenho certeza de que se ele pudesse ter trabalhado mais, ele teria ido muito mais longe. Então acho que foram basicamente duas publicações que eu levei adiante, e recentemente eu tenho o prazer de ver que esse tema das convenções tem sido tratado e tem, de fato, despertado o interesse de outros economistas. Por exemplo, o Professor David Dequech publicou um artigo sobre esse tema. Eu tenho uma gratidão enorme pelo Fabio por ter tido essa experiência, que foi uma muito rica.

O Fabio é uma referência. Ele era aquele estilo, aquele velho sábio que nas horas difíceis a gente procura. E que inspira nos momentos difíceis. Então, muitas vezes eu me via me colocando: “O que que o Fabio faria nessa situação?” Quando eu volto e viro professor no Instituto de Economia, o João Sicsu, que foi meu orientador, estava fora, estava de licença no Ipea, se eu não me engano. Eu estava órfão do orientador e o Fabio preencheu plenamente essa lacuna e se tornou um grande conselheiro. Nós tínhamos almoços semanais, o Fabio gostava muito de ir ali no (restaurante) La Mole aqui perto do (shopping) Rio Sul. Íamos eu, o Fabio, o Luís Carlos, o Fabio Sá também, era sempre um papo muito agradável, sempre sorridente, sempre fazendo piadas.

Ele era amado por todos os alunos, era algo impressionante! Tivemos a oportunidade de fazer uma homenagem aqui para ele, foi superconcorrida. Eu me sinto de certa forma um pouco órfão do Fabio, ele era um pouco um segundo pai pra mim. Uma vez eu estava em uma situação difícil lá em casa e eu me lembro do Fabio falando: “Vem pro exílio aqui, pode vir aqui pra casa!”. Então eu tive essa oportunidade, algumas vezes eu fui lá naquela casa belíssima, no Jardim Botânico, a gente conversava, trocava muitas ideias. Infelizmente perdi essa referência. Foi um desafio que certamente eu passei. Primeiro em 2011 ter que conviver sem o Fabio e, infelizmente, recentemente perder a minha segunda referência, o Fernando Cardim. Agora estou caminhando aqui com os meus passos, mas é claro, sempre muito influenciado pelo professor, orientador e, sobretudo, grande amigo que foi o Fabio Erber.

O que ele ia estar pensando hoje? Acho que ele ia estar fazendo uma grande piada sobre essa situação, e mais do que nunca temos de ter bom humor e leveza de pensamento. Faz muita falta ter uma pessoa como o Fabio hoje em dia, mas acho que ele estaria surpreso e estarrecido como todos nós estamos, mas também supersatisfeito com a vida que ele teve. Tudo o que ele quis ser ele foi. Então ele chegou lá, e de fato foi uma grande honra, uma alegria ter convivido com ele por esse período aqui. Tenho um carinho enorme por ele, e por transitividade pela Ana, pelos filhos… Ele era um contador de causos, e tinha esse dom, despertava simpatia em todo mundo, era muito carismático, e com qualidades raras. Além de ter a capacidade de ser um economista múltiplo, que teve trânsito na administração pública, na academia, o Fabio sempre teve esse lado de contar casos e de nos divertir muito. É raro como ele cativava os alunos, ele conseguia fazer os alunos estudarem, estimulava de uma forma eu diria até lúdica, ressaltando o prazer, ressaltando a importância de nos encontrarmos no que estávamos fazendo, ter gosto no que está fazendo. Essa é outra marca que ele deixa, de você buscar ser pleno no seu trabalho. O Fabio teve uma importância grande no desenvolvimento dessa linha de pesquisa que se chamava economia de política monetária, no desenvolvimento desse conceito de convenção do desenvolvimento, que está na origem de uma linha de pesquisa chamada economia da política monetária. O cerne dessa linha de pesquisa é trabalhar esse conceito de política do desenvolvimento. É muito gratificante ver que essa linha de pesquisa tem dado frutos. Então a forma que a gente tem de manter o Fabio vivo é aqui na sala de aula, usando os textos dele, os artigos dele e também publicando. Eu tive a oportunidade de publicar um par de artigos com base nesse conceito dele de convenção do desenvolvimento, com o intuito de dar continuidade ao que ele desenvolveu já muito no finalzinho da carreira dele. Foi a experiência que ele teve no Pós-Doutorado na França e, nesse sentido, ele deixou uma semente, uma semente muito potente, mas ainda precisando ser um pouco regada, tratada. E a forma que se tem de manter o Fabio vivo é desenvolvendo esse conceito. Há novos estudantes muito interessados nessa linha, já houve uma espécie de crítica do uso que o Fabio e que eu fomos chamando a atenção para frente. A atuação do Fabio é muito ampla, estou falando de uma caixinha, de um ponto específico que ele trabalhou, que é o ponto que mais me interessa e o que mais se aplica à minha problemática de estudo. Esse par de artigos que tive a oportunidade de publicar sobre o conceito já recebeu uma resposta de um colega da Unicamp, o professor David Dequech, em um artigo que foi publicado em 2007, fazendo uma crítica ao conceito de convenção do desenvolvimento do Fabio. Em um artigo que escrevi em coautoria com o Rui Modenesi, levamos um pouco adiante o conceito do Fabio. Nesse sentido, ele permanece vivo na academia e influenciando as novas gerações. Em particular nesse campo que eu conheço, o Fabio tem algumas referências que são fundamentais e que continuam sendo bastantes usadas, citadas. Certamente as contribuições dele na área de tecnologia são fundamentais. Nós sentimos o Fabio vivo aqui na casa, e eu fico muito feliz de estar tendo a oportunidade de estar conversando, de estar revivendo e tendo esse reencontro com essa pessoa tão querida, tão amada e a quem eu devo muito. É uma pessoa completa, o mestre e o orientador no sentido mais amplo do termo que a gente pode imaginar.