Alvaro Carlos

Amigo de Fabio | 2019 | Depoimento enviado por What’sApp

Quando terminei o 4° ano do então Ginásio, no Colégio Santo Inácio, fiz concurso para o Colégio Naval. Cursei os dois anos do Científico comprimido da instituição militar, passei automaticamente para a Escola Naval, cursei mais um ano e pedi baixa. Como o MEC não reconhecia o Científico comprimido do Colégio Naval, tive que voltar ao Santo Inácio para ter meu Científico reconhecido. Isso retardou minha entrada para a faculdade.

Por isso, embora quatro anos mais velho do que o Fabio, entramos juntos para a Faculdade de Economia. E foi amor à primeira vista, que durou por toda a vida.

Costumávamos sair juntos da faculdade para passear a pé pela Urca. Já fazíamos isso há mais de um mês, quando percebi o Fabio mancando. Perguntei-lhe o que havia acontecido. Imperturbável, ele me respondeu que havia tido poliomielite na infância. Ciente da minha surpresa, repetiu a informação, adicionando que ele mancava desde então.

Perguntei-lhe, então, porque eu nunca o havia percebido. Sempre imperturbável, ele me respondeu que havia aprendido a disfarçar. Acho que esse autocontrole define em grande parte o Fabio.

Tínhamos um colega de faculdade, George Guilayn, há pouco falecido, cujo pai lutara na Guerra Civil Espanhola e que passava, por meio do filho, informações valiosíssimas sobre a atuação do Stálin na guerra. Muito jovens os dois, tínhamos uma simpatia comum à época pelo Movimento Comunista Internacional e pelo marxismo-leninismo. Saber que o Stálin havia boicotado os socialistas e os anarquistas que lutavam do lado republicano, porque a União Soviética não podia arcar com a vitória de uma revolução comunista na Espanha, abriu-nos muito a cabeça e contribuiu muito para um distanciamento crítico que mantivemos para todo o sempre.

Esse ceticismo civilizado permitiu que Fabio tenha ocupado com grande brilho e competência duas diretorias no BNDES, em duas administrações diferentes, de dois ex-amigos, coautores de um manual de economia muito popular, mas que haviam se incompatibilizado um com o outro  ̶  Antônio Barros de Castro e Carlos Lessa. O mesmo ceticismo e a mesma liberdade intelectual permitiam que Fabio fosse um profundo conhecedor da Teoria Econômica e, ao mesmo tempo, um feroz crítico dessa teoria e de sua pretensão a ser ciência. Uma pena ele ter morrido antes ver o Richard Thaler ganhar o Prêmio Nobel. Ele foi um dos três economistas que eu conheci que compreendiam a importância do Böhm-Bawerk.

Esse distanciamento provavelmente foi também o que levou o Fabio a se voluntariar como assessor econômico do PT, numa primeira hora, para, em seguida, abdicar dessa postura, afogado pelo peso da carga ideológica. Como se não bastassem todas essas raras e preciosas afinidades, no dia do casamento da minha irmã do meio, Fabio e Anna Maria Murtinho se sentaram na mesma mesa, na varanda do Piraquê, à beira da piscina, onde se realizava a recepção. Começaram um namoro que evoluiu para o casamento, que só terminou com o seu passamento.