José Tavares

Amigo de Fabio | 17.4.2019 | Jardim Botânico, Rio de Janeiro

Conheci o Fabio Erber no começo de 1964, na faculdade. O Fabio estava um ou dois anos na minha frente.  Naquela época, ele dirigia peças de teatro no Teatro de Arena, me lembro de umas duas peças que ele dirigiu. Ele era diretor, produtor, ator, fazia tudo. As peças sempre tinham alguma tragédia grega inventada por ele ou alguma adaptação, tinham alguma coisa vinculada com teatro grego, que era uma coisa pela qual o Fabio tinha muito interesse. Ele tinha um bom conhecimento sobre teatro clássico. Bom, nessa época, no tempo da faculdade, o nosso relacionamento era distante, papo do cafezinho, ele era dois anos a frente, o que fazia uma certa diferença. Ele não era da minha turma, mas tínhamos vários amigos em comum. Em 1966, ele terminou a faculdade e nos reencontramos em 1967, quando a Finep estava sendo constituída.

Naquela época a pós-graduação aqui no Brasil tinha, basicamente, dois centros de pós-graduação, a IPGE, que era coordenada pelo Mario Henrique Simonsen, e a Fipe, em São Paulo. Não existiam cursos de Doutorado, estes também iriam ser montados no Brasil anos depois, e naquele momento, existiam pouquíssimas pessoas, nós podíamos contar nos dedos os economistas que tinham Doutorado, e esse Doutorado era feito no exterior. Portanto, o topo da carreira, naquele instante, era você se formar e… ah, tinha o CEPLAR, em Belo Horizonte, mas o CEPLAR era mais voltado para o desenvolvimento regional, não tinha a projeção que tinha o IPGE e a Fip.

Hoje, olhando retrospectivamente, era impressionante o cartaz que a gente tinha quando saía do Mestrado da Fundação, porque quando fui fazer o Mestrado, eram dois anos, você ficava o tempo integral ali na Praia de Botafogo. Eu era funcionário do Banco Central, mas já estava saindo do Banco Central porque o Banco Central estava indo para Brasília e eu não tinha interesse de ir para Brasília. Quando nós acabamos o mestrado, tínhamos várias ofertas de trabalho, podíamos escolher para onde queríamos ir. O Ipea já tinha sido montado pelo Regis Veloso, naquela época já era o Aníbal Vilela o superintendente, que tinha sido nosso professor também na Fundação. O Ipea era um foco de demanda muito grande, o Vilela tinha mais ou menos me convidado para ir para o Ipea, eu tinha topado e aí encontrei o Fabio, ele me convidou para ir conversar com ele. Naquela época a Finep não tinha nem uma sede própria, ela estava em umas das salas no Ministério do Planejamento que funcionava no prédio do Ministério da Fazenda, onde o Fabio trabalhava com o Pelúcio. O Fabio me chamou, me falou da ideia da Finep, que era de uma preocupação que naquela época era praticamente inexistente no Brasil. A discussão era fundamentalmente macroeconômica: inflação, crescimento, distribuição de renda e industrialização de uma forma meio genérica. Industrialização era sinônimo de substituição de importações a partir do debate do Celso Furtado, depois veio o artigo da Conceição Tavares, que teve um certo impacto. O Fabio foi influenciado pelo Pelúcio, que acreditava que a indústria brasileira tinha que ter uma capacidade de gerar tecnologia e não, apenas, implantar no Brasil, via substituição de importação. O Pelúcio era realmente uma figura original e foi dele que se derivou essa preocupação do Fabio.   Naquela época havia uma discussão sobre dependência e independência tecnológica. A preocupação do Pelúcio era a de que um país só se desenvolve quando tem capacidade de atuar na fronteira tecnológica e, portanto, gerar conhecimento. Essa geração de conhecimento promovia desconcentração econômica via educação. Então ele tinha uma série de ideias de coisas que não se discutia naquela época, como a relação de meio ambiente e desenvolvimento tecnológico, que só começaram a surgir no final da década de 1970. Eu achei essa discussão muito interessante e fui trabalhar com o Fabio. Havia uma boa ideia inicial, absolutamente correta, começar uma reflexão sobre a capacidade de geração de energia na economia brasileira, coisa que estava completamente ausente do debate, você pode olhar, você lê substituição de importação, não tem uma palavra sobre isso; você lê sobre formação Econômica do Brasil e o progresso técnico, vai falar de forma muito genérica, era considerado auto-evidente que o Brasil não tinha capacidade de gerar tecnologia porque era subdesenvolvido.

Se tantos países não tinham tecnologia e, depois, em um determinado momento, passaram a deter, por que o Brasil não poderia começar a ter um desenvolvimento tecnológico próprio? É verdade que, naquela época, a gente já tinha algumas evidências de geração de conhecimento tecnológico no Brasil na área de pesquisas médicas, mas era tudo ainda muito incipiente. Sobretudo todas as fontes de geração de conhecimento, basicamente os institutos de pesquisa tecnológica, eram fontes estatais, o setor privado não tinha virtualmente nenhuma contribuição relevante ao desenvolvimento tecnológico. O Pelúcio queria mudar isso. Foi daí que começou esse grupo de pesquisa da Finep. Então era um grupo muito pequeno: era Fabio, eu, um engenheiro chamado Sérgio Alves, que também se interessava por questões de tecnologia; e tinha o Afrânio e o Zé Sergio Leite Lopes, que era antropólogo. O foco inicial de pesquisa era que, para haver desenvolvimento tecnológico, era necessário haver uma indústria de bens de capital com capacidade de inovação. Então nosso tema foi procurar entender a absorção de tecnologia na indústria de bens de capital, que foi a primeira pesquisa que a gente fez lá. Deve ter no acervo do Fabio um livrinho chamado “Criação e absorção de tecnologia na indústria de bens de capital”. Foi um livro interessante porque era a coisa mais empirista possível. O Pelúcio era profundamente interessado em entender melhor como funcionava a indústria de bens de capital. O Sérgio Alves era um bom engenheiro e tinha uma noção relativamente sólida da estrutura da indústria naquela época. Nós fizemos uma lista das principais empresas fabricantes de bens de capital daquela época, organizamos um roteiro de entrevistas, naquela época não se usava gravar, era tudo na mão, e eu e o Sérgio Alves e praticamente rodamos o  Centro Sul – São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, visitando as empresas. Como a Finep era o órgão financiador de projetos de investimento, as empresas tinham o maior interesse em nos receber. Nós passávamos, em geral, um dia em cada uma dessas empresas. Passávamos uma manhã entrevistando um ou mais diretores, às vezes o próprio dono da empresa. Várias delas eram empresas familiares, então o presidente era o dono da empresa ou então o filho do dono. O pessoal nos contava a história da empresa e falava das dificuldades que eles tinham. Contavam de onde vinha a tecnologia que eles viam que a empresa dispunha e já, ali, víamos que havia um acervo tecnológico bastante superior do que supúnhamos inicialmente, ou seja, porque ocorria o learning-by-doing – você começa com uma tecnologia importada, aprende o métier e acaba gerando alguma inovação. Ali mapeamos a indústria. E nós tínhamos, portanto, uma visão de desenvolvimento tecnológico, que era uma visão daquela época, quer dizer, era uma visão pré isso daqui – tecnologia de informação em que, de fato, naquele momento, a indústria de bens de capital era o locus do que se chamava o progresso técnico da economia, tem muita gente que continua acreditando nisso ainda hoje. Eu e o Fabio, e obviamente diversas outras pessoas, mais tarde, nos demos conta que depois que houve a evolução da tecnologia de informação, o foco da geração de conhecimento está onde é gerado o software, quer dizer, todo o setor de serviços passou a ser o polo de geração da indústria de bens de capital, o monopólio pode ter inovação de bens de capital, mas não é nem de longe o locus central de  incorporação de progresso técnico. Essa foi uma mudança que nós demoramos a perceber e muita gente não percebeu até hoje. Várias pessoas que continuam falando até hoje em desindustrialização, que no meu modo de ver, é uma visão totalmente distorcida do que é o progresso técnico, porque desindustrialização é sempre medida. Se você entrar lá na CNI e ver o peso da indústria no PIB, você vai dizer que está em desindustrialização porque o peso da indústria no PIB hoje é menor, é uma falácia de composição; porque o peso da indústria é menor porque outros setores que não existiam antes passaram a crescer, muito particularmente o setor de serviços, e, na década passada, o agronegócio, que é tão justificável quanto outros segmentos de bem de capital. Naquela época o progresso técnico e a indústria eram praticamente sinônimos. Todo o nosso foco era entender o que faltava para a indústria de bens de capital ser geradora de progresso técnico. A tese de doutorado do Fabio se concentrava muito nisso. Naquele momento nós percebemos que a principal fonte de demanda para a indústria de bens de capital eram os investimentos no setor público, em particular a Petrobras, que veio ser depois a Eletrobras, depois a petroquímica, todos os setores do estado. Então o grupo de pesquisa passou a ter algumas pessoas que passaram a estudar o papel da empresa pública na geração de tecnologia. Vários trabalhos do grupo de pesquisa foram nessa direção, de ver a importância não apenas da empresa pública como geradora de demanda por bens de capital, mas também todas as complicações que eram essa entidade, que era empresa e que era também um órgão estatal, e frequentemente você tentar usar a empresa estatal para uma finalidade que não era só a sua finalidade primordial – a Petrobras é pra produzir petróleo, a Eletrobras é pra produzir energia, a  demanda dela por bens de capital é uma consequência da sua atuação. Então você tinha que ter um cuidado ao usar esse aspecto da empresa estatal como um instrumento de promoção de desenvolvimento industrial, ter o cuidado de, ao fazer isso, você não estar prejudicando a empresa estatal. Acabamos de ver no passado recente exemplos desse tipo.

O que é interessante é que, por exemplo, se você pegar várias discussões recentes sobre conteúdo local, sobre mau uso da Petrobras que a Dilma fez – estou botando a Dilma, mas é o conjunto de pessoas com visão estatizante que acham que a empresa estatal é capaz de salvar tudo, naquela época nós já percebíamos criticamente, embora isto fosse década de 1970, boa parte desse período foi feita pelo general Geisel, numa ditadura militar, em que era uma economia fechada e um ambiente totalmente autoritário.  Curiosamente, óbvio que não precisamos dizer que éramos de esquerda, detestávamos os militares, mas estávamos lá, em uma empresa estatal, protegidos por um ministro que era o Regis Veloso, que era quem dava suporte ao Pelúcio, e nós estávamos ilhados lá. Todos nós éramos de esquerda, alguns marxistas convictos e todos nós aninhados lá, sob a proteção do…

Aquele trabalho sobre a indústria de bens de capital que, como eu te disse, eu não quero reler, nós pusemos no texto tudo aquilo que nós aprendemos, era quase como um relatório que nós consolidamos. Nós éramos muito cuidadosos, os pesquisadores de campo éramos eu e o Sérgio Alves, antes de começar a pesquisa nós ficamos vários dias conversando com o Pelúcio, o próprio Alexandre, nós tínhamos um roteiro, um formulário impresso em folha deitada, que tinha uma pergunta e a gente trocava. Um fazia a entrevista, o outro ia anotando, depois a gente passava a limpo. De tempos em tempos, a gente fazia uma reunião com o Pelúcio e o Fábio Erber, que a gente fazia um relatório dessas viagens e depois consolidávamos essas entrevistas em um livro. Visitamos umas 30 empresas num período de seis meses. O Fabio era o coordenador, ele participou da elaboração do questionário, teve um longo processo de seleção das empresas para escolher só as que eram relevantes para a pesquisa. Foram raros os casos que nós perdemos, que nós fomos a uma empresa e foi perda de tempo, em geral a gente aprendia com as empresas. Nós íamos percebendo as diferenças entre as empresas cujo foco era óleo e gás, ou mais para o setor elétrico, ou equipamento pesado, então nós fomos fazendo uma espécie de tipologia da indústria de bens de capital e dos problemas que em geral caíam ou na questão do financiamento de longo prazo, porque frequentemente o comprador estava muito mais preocupado com as condições de financiamento de seu investimento do que saber onde seria importante importar ou desenvolver no país.

Então nós tínhamos essa preocupação. Eu e o Fabio escrevemos alguma coisa sobre bens de capital. Me lembro que tem uns dois artigos naquela revista Pesquisa e Planejamento. Um que foi escrito pelo Fabio Erber e por mim, que era com foco nessa questão de financiamento e devem ter uns outros meus e outros tanto do Fabio.  Tudo gerando em torno de bens de capital. Esses artigos foram publicados entre 1972 e 1974 na Revista Pesquisa e Planejamento.

Uma coisa interessante que aconteceu nessa época foi no ano que o Fabio Erber foi para Sussex. Em 1974 eu passei a coordenar o grupo de Pesquisa, que depois passou por um período de expansão. Tudo se expandia no Brasil e o grupo de pesquisa também virou um negócio enorme, muito mais por influência do Pelúcio do que de minha parte, mas isso é outra discussão. Já no finzinho, antes de o Fabio ir para a Inglaterra, apareceu lá na Finep um peruano chamado Francisco Sagasti, uma personalidade latino-americana importante no final do século passado. Ele era muito jovem e tinha arranjado um financiamento do IDRC e do OEA para desenvolver um projeto chamado Science Tecnology Police Instrument, que era um projeto que reunia 11 países em desenvolvimento. Era um projeto que procurava tratar em escala global daquilo que a gente estava discutindo na Finep. Sagasti entrou em contato com instituições para um projeto que reunia um grupo de países mais ou menos parecido conosco e que nos pôs em contato com pessoas parecidas conosco em diferentes partes do mundo. Na América Latina participavam Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru e Venezuela. Éramos seis países da América Latina. Mais: Egito, Índia, Iugoslávia e Coreia do Sul. Funcionou 1973 e 1976 e íamos para um seminário em determinado país, passamos frequentemente, entre 10 dias e duas semanas, rodando. Eu e Fabio trabalhamos juntos nesse projeto dois anos, 72 e 73, quando ele foi pra Sussex. Era um projeto de educação com aquela meninada. Em 1976 teve um seminário de dois meses em Sussex, com os coordenadores e alguns técnicos do projeto. Como o Fabio não participou desse projeto, ele foi a algumas dessas reuniões. A ideia era fazer um relatório final do projeto, que era uma coisa insana. Imagine vinte e tantas pessoas fazendo um relatório em conjunto, em algumas saíam até brigas, onde tinham pessoas excepcionalmente inteligentes misturadas com idiotas, picaretas, que se meteram… Era uma salada… E o Sagasti como curadoria. Eu estou contando essa história porque esse projeto àquela época, uma época antes de internet em que para se conhecer o mundo só podia se dar desta maneira. Cada viagem dessas, a gente trazia livros desses países. Acho que isso deu um impacto bastante interessante para o grupo de pesquisa.

Eu sempre tive excelente relação pessoal com ele, que ficou até o fim da vida. Nos últimos anos da vida dele, voltamos a nos preocupar com algumas coisas em comum. Houve um período em que o Fabio ficou muito protecionista, só mais tarde, a meu ver, ele abriu um pouco a cabeça. Nós tínhamos divergências muito fortes relacionadas àquelas questões que eu mencionei no começo, em relação à economia brasileira. Eu achava que enquanto não se abrisse a economia, não ia se ter desenvolvimento tecnológico nenhum e que o importante era a coerência entre as experiências políticas. Mas no final da vida a gente acabou confluindo de novo. Nós almoçávamos no Filé de Ouro…

No início dos anos 1980, eu fui pro IEI, o Fabio já estava lá, estava começando uma discussão sobre complexos industriais, era toda uma visão de economia fechada e de progresso técnico – progresso técnico se confundindo com indústria de bens de capital. Nesse período nós voltamos a trabalhar juntos nessa ideia de complexo industrial.

Nessa época, um dia eu vendi um carro para o Fabio. Teve um pequeno detalhe, por uma distração minha. Esse carro era um Ford, eu já tinha comprado de segunda mão. Quando eu comprei o carro, o vendedor me disse “Olha, aqui na caixa de marchas, está escrito cinco marchas, mas esse carro não tem cinco marchas. Esse cabeçote foi trocado. Embora esteja desenhado aqui cinco marchas, esse cabeçote foi trocado, esse modelo é de quatro marchas”. Eu fiquei com esse carro quase um ano, depois vendi o carro. Quando o Fabio era dono do carro, nós dois saímos, eu fui com o Fabio de carona nesse carro a um seminário no Fundão. No meio do Túnel Rebouças, eu tive a impressão de que o Fabio tinha passado a quinta marcha. Eu me lembro que o Fabio estava falando alguma coisa, eu o interrompi: “Você passou uma quinta marcha?” “Zé, eu estou a oitenta quilômetros, você não acha razoável que eu passe a quinta marcha?”. “Você não deve ter passado a quinta, deve ser impressão minha, eu estou me lembrando agora, porque quando eu te vendi, eu esqueci de te dizer que esse carro só tem quatro marchas.” Ele disse assim: “Que bom que você esqueceu de me dizer, porque ele tem cinco marchas”. Aí ele disse uma frase fantástica: “Zé, assim é a vida. A gente sempre tem uma quinta marcha à nossa disposição e não sabe usar”. Isso mostra o quão próximos nós fomos, embora durante um bom período de tempo, nós tenhamos tido divergências.

No início da década de 1980, nós começamos… Lia Haguenauer, que era uma pessoa central nessas ideias, era uma economista brilhante que foi do IBGE. Era uma pessoa fascinante em muitos aspectos. Muito tímida, falava pouquíssimo, ela foi para o IEI porque tinha um grupo de pessoas ligadas ao Isaac Kerstenetzky, que tinha sido presidente do IBGE, também estava lá, que era o Isaac, a Lia, a Magdalena Cronenberg, que eram do IBGE. Eu encontrei a Lia em 1982, nós tínhamos sido colegas na década de setenta, nós fizemos mestrado juntos e tínhamos ficado muito amigos durante esse tempo. Era uma amizade, mas era uma amizade basicamente de trabalho. A Lia era de uma timidez, eu lembro pouquíssimas vezes da Lia ir à minha casa ou eu à casa dela, embora ela ser também muito amiga da Valéria, minha mulher, mas ela era muito retraída.

Naquela época, começou uma discussão de que para você entender o comportamento de uma indústria, você precisava ver a cadeia industrial que aquela indústria estava inserida. Aí o Instituto liderou uma discussão, que depois passou a ter, a meu modo de ver, uma influência muito perversa no pensamento da economia brasileira que era a ideia da dinâmica de complexos industriais. Originalmente, pelo menos nos textos que nós escrevemos naquela época, eram ideias foram interessantes para você ver a integração entre certos segmentos da economia sob a ótica de complexos industriais. Entretanto, esse conceito de complexo industrial acabou como…

Aqui eu tenho que fazer um parêntese: na segunda metade do século passado, a industrialização e a substituição da importação geraram na cabeça de muita gente uma mentalidade de que o objeto de desenvolvimento econômico era a geração de uma autarquia. Mesmo que se fale que é importante exportar, era uma visão de que o Brasil devia ter um parque industrial mais completo possível.  O Brasil já tinha, no final da década de 1980, um dos sistemas industriais mais diversificados dos países em desenvolvimentos, mas o pessoal achava que era pouco.

Essa ideia de complexo industrial consolidou a noção de autarquia com uma coisa que veio a ser uma expressão recorrente que chamou-se “adensamento das cadeias produtivas”, quer dizer, era a ideia de que dentro de cada complexo, cada uma das caixinhas das matrizes de um produto devia ter alguma atividade. Que é uma ideia totalmente absurda, uma visão que é, na verdade, a antítese da busca do progresso técnico. Porque se você está preocupado com a geração de tecnologia, o que você tem que se preocupar é com o que impede a competitividade daquela indústria. Então, o objetivo da política industrial deve ser que o maior número de empresas opere na fronteira tecnológica mundial. Agora, isso não significa que você tem que produzir tudo aqui. Pelo contrário, né? Na década de 1980, já estava começando o processo de fragmentação das cadeias produtivas e nós teríamos que caminhar na direção oposta do que se estava discutindo. Mas essa discussão se perdeu ao longo da década de oitenta por conta da crise dos anos 1980.

Nesse período, o Fabio Erber e eu divergimos bastante. Nós trabalhamos juntos na discussão de complexos, ele participou, eu devo ter escrito alguma coisa em conjunto com ele. Eu trabalhava mais com a Lia na montagem dos complexos, há um relatório coordenado por ela que talvez tenha sido a melhor coisa produzida naquele tempo. Eu escrevi, depois, um livrinho que saiu pelo IPEA que depois serviu de eixo na minha tese de professor titular. Também era muito influenciado por essa coisa de complexos. Esse período dos anos 80 foi o período em que o Fabio e eu nos afastamos. Eu fui trabalhar em outras coisas, eu comecei a me preocupar crescentemente com a questão da abertura. Na década de 1970, o Brasil tinha uma economia absolutamente fechada, só existiam importações complementares à oferta doméstica, e o Fabio já estava começando a diversificar seus interesses, com ideias de padrão de industrialização…

Em 1986, ele foi para o Ministério da Ciência e Tecnologia, e esse foi um período em que nós brigávamos muito porque, como ele foi para o MCT, com o Luciano Coutinho, eles tinham a obrigação de defender a Lei da Informática, que eu era visceralmente contra, achava um absurdo a reserva de mercado. Enquanto eu estava batalhando contra a Lei de Informática, contra o fechamento da Economia, o Fabio continuava achando que era importante criar as condições para o desenvolvimento tecnológico nacional e eu dizia que se não abrisse a economia, não ia adiantar.

Na segunda metade dos anos 1980, enquanto o Fabio foi para o Ministério da Ciência e da Tecnologia trabalhar com o Luciano Coutinho, eu fui trabalhar na Comissão de Política Aduaneira. Foi uma casualidade. Naquela época eu já estava muito preocupado com as questões de comércio exterior, mas eu era quase um outsider, eu era a única pessoa nesse métier que falava de abertura de economia e as pessoas achavam que eu era louco. Mas eu passei de 85 a 88 na CPA. O meu trabalho era administrar as importações, quer dizer, fazer as administrações da autarquia, eu estava preparando uma reforma tarifária com o objetivo de abrir a economia. Então esse foi um período em que eu e o Fabio mais divergimos, mas as nossas relações pessoais continuavam excelentes. Eu saí no início de 88, fiquei entre o IPEA e o Instituto de Economia ainda durante uns dois anos, neste período acho que o Fabio estava em Brasília. Em 1990, eu fui para os Estados Unidos onde fiquei 12 anos, com isso, nesse período, eu quase não tive contato com o Fabio quase, a não ser quando ele esteve umas duas vezes em Washington.