Fabio Sa Earp
Xará e colega de Fabio no IE | 26.2.2019 | Instituto de Economia da UFRJ, Rio de Janeiro
No momento em que eu e o Fabio Erber começamos a trabalhar juntos, nosso tema era Economia Brasileira, mais especificamente História da Política Econômica no Brasil, mas cada um de nós estava enveredando por um campo diferente: eu estava começando a trabalhar com a economia da Cultura, e o Fabio estava começando a elaborar um conceito de convenção do desenvolvimento, que eu acho que é a principal herança que ele deixou para nós até hoje. Uma convenção do desenvolvimento delimita alguns assuntos que são digamos um patrimônio em comum entre todos os economistas, e alguns assuntos que não fazem parte daquele núcleo em comum. Vamos exemplificar: Durante todo período que vai, grosso modo, de 1950 até 1980, a principal preocupação dos economistas era com o crescimento econômico. Problemas de balanço de pagamento, problemas de inflação eram restrições que precisavam ser combatidas, mas que, de certa forma, para alguns economistas, podiam ainda ser empurrados com a barriga durante um certo tempo, desde que a economia começasse a crescer. Economistas conservadores, como Mário Henrique Simonsen, achavam que havia um nível de crescimento mínimo na economia que era 5% ao ano. Outros economistas achavam que a gente podia crescer 10%. Mas isso traria problemas de inflação e de balanço de pagamentos. Então isso era é uma convenção voltada para privilegiar o crescimento econômico. De 1980 pra cá, a preocupação com o equilíbrio, passou a ser com o controle de balanço de pagamentos e com o controle da inflação. Naquela época, para crescer 5% ano, podia-se ter uma taxa de inflação de 40%. Hoje isso é impensável. Hoje, quando a taxa de inflação passa de 5%, imediatamente acendem-se todas as luzes vermelhas e se restringe o crescimento. Então esse conceito de convenção é a grande mudança que nós tivemos do período 1950-1980 para cá, de 1980 pra cá, assim como quando nós éramos estudantes, crescer menos de 5% ao ano era considerado absurdo, hoje, ter mais de 5% de inflação é considerado um imenso perigo. Esse conceito de convenção ele conseguiu pegar. Isso certamente foi a grande mudança que ocorreu no pensamento econômico brasileiro da época em que nós éramos estudantes para a época em que nós vivemos hoje em dia. Um assunto que eu e o Fabio explorávamos muito era a nossa própria ignorância. Nós éramos professores de Economia Brasileira. Um professor de Economia Brasileira pega um período de 1964 até agora. Ele tem que conhecer a História Política do Período: governos militares, um tipo de organização política, depois redemocratização, presidencialismo de coalizão, esse tipo de coisa, que é, digamos, o grande tema dos cientistas políticos. Ao mesmo tempo, ele tem que conhecer política econômica. Política fiscal, política monetária, administração do balanço de pagamento, política industrial de todo esse período. Pra poder entender essas políticas, ele tem que conhecer economia monetária, ele tem que conhecer economia do setor público, toda a questão monetária, todos os impactos gerados por isso; ele tem que entender economia internacional para poder entender o balanço de pagamentos; ele tem que entender economia industrial ou microeconomia; ele tem que entender macroeconomia. Cada tema desses, você leva, brincando, quatro, cinco anos para dominar e você começa por um tema, depois aprofundando outro, depois aprofundando outro, quando você acaba, aquilo que você começou já virou sucata. Então, a qualquer momento que um professor está dando aula, uma parte da formação teórica dele já virou sucata. E ele tem que ter humildade para saber que vai falar besteira, e que alguém, se alguém tiver sorte alguém vai comentar e ele vai descobrir que está falando besteira e aí vai dar estudada aquilo. Mas ele vai estar suprindo só um pouquinho da sua ignorância. Nós aceitávamos isso como um fato da vida. E obviamente se alguém está dizendo besteira, alguém que está assistindo vai criticar e, se for amigo, vai gozar. Nós fazíamos isso o tempo todo, absolutamente o tempo todo. Um estava dando uma aula, o outro interrompia e dizia: “Cara, você ainda usa essa equação? Isso não existe mais”. Aí dava uma pequena aula ali em dez minutos: “Agora a gente usa isso assim, assim, assado”. Os alunos aprendiam e o outro aprendia também. E sempre havia aquele prazer cruel de estar dando uma gozada no amigo. Aliás, conceito de amigo é alguém que você pode maltratar sem correr o risco de levar um bofetão, e nós explorávamos isso ao máximo.
Dentro de qualquer organização de grande porte existe todo um ritual, por exemplo, a festa de aniversário surpresa. Isso existe provavelmente em absolutamente qualquer lugar e, para que isso existe, basta uma única coisa: que a vítima deteste festa de aniversário. Então o Fabio me contava das experiências dele na Finep, das experiências dele no BNDES, em que ele dizia o seguinte: quando se aproximava o aniversário dele, entrava no mês, ele reunia a equipe dele e dizia o seguinte: senhores, aquele que promover uma festa de aniversário surpresa para mim será perseguido por mim pelo resto da existência e, se possível e vou transferi-lo para a garagem. E aí todos riam evidentemente: ah, mas uma piada do Fabio… E ele acrescentava: “Não paguem pra ver”. Era o único momento em que aquela criatura doce se transformava na fera que eu tinha conseguido durante o meu concurso, quando ele tinha que vetar a festa de aniversário surpresa. Dentre todos os meus colegas, o Fabio foi provavelmente o que mais mostrou preocupação com a família. Ele tinha um grande amor e um grande interesse, ele praticamente todos os dias ele contava algo que algum filho tinha feito, alguma coisa que alguém tinha inventado. E por vezes mostrando justa revolta.
Uma vez o Renato foi, se eu não me engano, para pegar onda e deixa a missão para o pai renovar a matrícula na universidade. O Fabio aparece lá na data marcada e diz “eu sou o pai do Renato Erber, quero renovar a matrícula dele”. A secretária olha e diz “quem?”. “Renato Erber”. “Fulana, você já ouviu falar em Renato Erber?”. “Não, aqui não estuda não!”. Durante uma fração de segundo, o Fabio pensou: “Meu Deus! O Renato não entrou para a universidade, o Renato inventou uma história, eu tenho um filho louco, eu fracassei na educação, meu deus, o que que eu faço?, vou telefonar pra Ana…”. Aí uma outra funcionária gritou lá detrás: “Renato não é o Panda?” É. “Ah, ele é o pai do Panda, vamos renovar a matrícula do Panda!” E assim ele descobriu que o Renato não era louco, que ele não tinha fracassado como e que ele tinha mais uma piada pra contar.
Dulce Monteiro Filha
Fui funcionária de carreira do BNDES, orientanda de Fabio Stefano Erber no doutorado que terminei em 1994, e sua assessora de 2003 a 2004, período em que ele foi diretor do BNDES pela segunda vez. Organizei, junto com Luiz Carlos Delorme Prado e Helena M.M. Lastres, o livro “Estratégias de...