Dulce Monteiro Filha

Amiga de Fabio | 2019 | Depoimento enviado

Fui funcionária de carreira do BNDES, orientanda de Fabio Stefano Erber no doutorado que terminei em 1994, e sua assessora de 2003 a 2004, período em que ele foi diretor do BNDES pela segunda vez.

Organizei, junto com Luiz Carlos Delorme Prado e Helena M.M. Lastres, o livro “Estratégias de Desenvolvimento, Política Industrial e Inovação: ensaios em memória de Fabio Erber”. Como ressaltei nesse trabalho, Fabio era um homem culto, com vastos e profundos conhecimentos em assuntos nos quais se tornou um especialista, pois aliou o estudo teórico à vivência prática.

Foi, ainda, um homem de ampla cultura humanística, com raras qualidades pessoais, como, por exemplo, a capacidade de ouvir atentamente as outras pessoas.

Gosto de definir Fabio Stefano Erber como um homem que “ousava conhecer”. “Tinha a coragem de usar o seu próprio entendimento” (Kant), mesclando os ensinamentos adquiridos como professor com os resultados da frequente atividade de formulador de políticas governamentais. Era um pensador com uma visão profunda da realidade.

Quando eu estava terminando o Doutorado e buscava um orientador, José Clemente de Oliveira e Hildete Pereira de Melo Hermes de Araujo me disseram que Fabio Erber iria ser meu orientador de tese.  Hildete disse ainda que eu deveria ficar muito feliz, porque ele não era um orientador qualquer.

Tive contato mais intenso com Fabio Erber quando ele deixava a Diretoria do BNDES em 1994. Realmente Fabio foi muito minucioso na análise do que eu tinha escrito. Tive de reescrever e redirecionar a tese.  Foi muito difícil, pois Fabio era muito exigente, mas como sou muito persistente, deu certo. Anos mais tarde, a tese foi entregue por Joana Behr de Andrade à Alice Amsden, professora do MIT, que a utilizou muito no seu livro The Rise of the Rest. Conheci Alice no Rio de Janeiro, quando conversei com ela sobre a minha tese. Quando falei que o meu orientador era Fabio Erber, Alice me disse que ele era muito bom. Acho que Fabio serviu como uma ótima carta de apresentação.

Fabio Erber era muito conhecido nacional e internacionalmente como um estudioso de Economia Política e Desenvolvimento Econômico, e profundo conhecedor de Economia Industrial e Tecnológica. No BNDE, nos anos 1960, participou de debates sobre as agências de crédito internacionais e governamentais, assim como sobre os problemas de integração de países latino-americanos, passando a ter assim acesso aos processos de desenvolvimento de países da região. Após a constituição de um grupo trabalho entre o BNDE e Massachusetts Institute of Technology (MIT) com a finalidade de montar um sistema de bancos de desenvolvimento no país, Fabio passou a ajudar na montagem de um curso de desenvolvimento econômico e análise e controle de projetos, e ainda nesta época, analisou projetos no âmbito do FIPEME e do antigo FUNTEC.

No Instituto de Economia Industrial/UFRJ, participou de várias consultorias nacionais e internacionais (como SELA, UNESCO, PNUD, OIT, SNUFDCT, UNIDO, UNCTAD, OEA, BANCO MUNDIAL) sobre uma ampla gama de temas sobre desenvolvimento industrial e tecnológico, incluindo trabalhos de natureza essencialmente analítica como as discussões das relações entre restrições externas, tecnologia e emprego, feita para a OIT, assim como estudos setoriais, como o de bens de capital feita para a UNCTAD, passando por trabalhos de avaliação da industrialização latino-americana feitos para o SELA, e ainda sobre as possibilidades de desenvolvimento industrial em Guiné-Bissau (para a UNIDO);  além das políticas de compras das estatais latino-americanas (SELA); e de implantação de uma infraestrutura de política científica e tecnológica na Costa Rica, etc. Fabio teve, assim, contato com a problemática do desenvolvimento econômico de outros países de dimensões e nível de desenvolvimento muito distintos do brasileiro, tanto na América Latina (Sul e Central), como na África.

Após a sua atuação como Secretário Adjunto do recém-criado Ministério de Ciência e Tecnologia, Fabio Erber voltou ao BNDES, em 1992, como diretor da Área Industrial. Ele reestruturou essa área dividindo-a em duas Superintendências, pois grandes projetos requerem uma análise diferente daqueles de médio e pequeno porte.  Cada superintendência era compartimentada em quatro departamentos setoriais, com diferentes graus de agregação dos setores abrangidos. Como diretor, implantou as gerências setoriais, que tinham e ainda têm como tarefa armazenar e analisar as informações dos setores industrial, agrícola e serviços, publicando o BNDES Setorial, entre outros trabalhos e atividades.

Em 2003, Fabio foi outra vez nomeado Diretor do BNDES tendo escrito a apresentação do livro BNDES 50 anos – histórias setoriais, explicando a relevância do corte setorial pela sua relevância na avaliação de propostas de financiamento submetidas ao Banco.

Seguindo orientação da Câmara de Política Econômica (CPE), Fabio Erber, como diretor da Área Industrial do BNDES, passou a participar do Grupo Executivo da PITCE, que era encarregado da coordenação da implantação da nova política industrial. Desenvolveu no BNDES os programas de financiamento para os setores de software, fármacos e medicamentos e bens de capital. Além disso, recriou um programa horizontal de financiamento, que hoje é denominado BNDES Funtec. A PITCE foi aprovada em 31 de março de 2004.

Realmente, foi muito difícil o chamado de “Retorno da Política Industrial”.  Nesta época, ouvia de Fabio com certa frequência que as “inovações em computer chips têm consequências distintas de modificações em potatoes chips”, e por isto era preciso haver política industrial.

Fui assessora de Fabio Erber no período em que permaneceu no BNDES, participando de reuniões, da análise da pauta de Reuniões de Diretoria, assim como fui encarregada – na implantação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – de resolver, dentro do Banco, os entraves à implantação das linhas de financiamentos propostas e também de ficar em contato com Brasília, inclusive acompanhando Fabio em algumas reuniões com o Grupo Executivo da PITCE, e de articular com assessores resoluções de problemas.

Como ressaltou Mario Salerno, pude constatar que Fabio Erber teve participação destacada, pois não ficou na abordagem “corporativa”. Contribuiu na formulação geral e na articulação, pois devido a sua experiência anterior de planejamento, podia prever os problemas, mostrando como superá-los.

Em 2010, foi feita uma festa de despedida por meus colegas e amigos, quando me aposentei do BNDES. Fiquei surpresa com a presença de Fabio Erber e Luiz Carlos Delorme Prado. Ele escreveu no meu álbum:

Dulce,

Foi uma sorte e um privilégio poder conhecê-la e convivermos. Seguiremos juntos nessa sua nova fase profissional.

Fabio.

Ao reler estas frases me emociono, por isso após estudar profundamente seus trabalhos, hoje me nomeio uma economista erberiana. Ana Maria Erber, esposa de Fabio, me deu acesso à sua biblioteca, o que me permitiu entender a profundidade de seu raciocínio.

Passados os anos, como pesquisadora da Redesist/Instituto de Economia/UFRJ, apresentei um trabalho a este grupo de pesquisa e pude perceber a relação que ele fazia entre relações de poder – padrão de desenvolvimento – padrão de industrialização e convenções.

Estudar as relações de poder nos auxilia a ver as limitações políticas de qualquer proposta de atuação nos campos econômico, social, histórico e cultural. Estas variáveis são fundamentais no estabelecimento de mudanças desejáveis no padrão de desenvolvimento (Note-se que desenvolvimento é mudança estrutural, não é crescimento econômico). No entanto, não podemos esquecer que o motor do desenvolvimento (ou seja, a dinâmica de acumulação do padrão de desenvolvimento depende da indústria de transformação (Erber 1992). E a história tem nos mostrado a correção desse pensamento.

É importante analisar o padrão de industrialização, pois a indústria e os seus sistemas de apoio produzem um efeito de sinergia e aprendizado, que se somarmos o financiamento do investimento, inovação, produção e consumo teremos a capacidade sistêmica de transformação endógena.

No entanto, não podemos nos esquecer dos limites ao funcionamento desse mecanismo exposto principalmente por Prebisch. Limites nacionais ao nível da produção (estrutura econômica da periferia) e internacional a nível de circulação, dado pelo padrão de comércio internacional.

No campo político, como lembrou Luciano Coutinho, a coordenação de políticas é muito relevante e supõe racionalmente um acordo provisoriamente estabelecido sobre o interesse comum.

Erber passa a estudar, então, o conceito de Convenção, assunto que teve sua dedicação nos seus últimos anos de vida. A análise de convenções ocasiona a possibilidade de existência de convenções conflitantes para os mesmos problemas, mas, em um dado momento, uma delas se torna hegemônica, pela adesão a esta convenção de grupos econômicos e políticos dominantes.

Erber explicita que a incerteza deve ser evitada, pois inviabiliza a coordenação das ações dos atores, especialmente de suas estratégias.

As instituições são necessárias pois reduzem estas incertezas, coordenam o uso do conhecimento, mediam conflitos e fornecem incentivos aos sistemas.

A importância do reconhecimento de “visão de mundo compartilhado” (expressão mais popular, embora menos específica de “modelos mentais compartilhados) com instrumento de análise é reconhecida por Erber, quando ele explicitou que o “inter-relacionamento entre instituições e organizações internamente e externamente é mais relevante do que a tomada de decisão em si, pois dificilmente a política implementada continua a mesma ao longo do tempo.  É necessário que ela mude por várias razões, inclusive devido à entrada de novos agentes, com novas visões de futuro, o que frequentemente ocorre.” (Erber)

Infelizmente, Fabio não chegou a concluir o estudo de Convenções, mas o termo que cunhou – “Convenção do Desenvolvimento” – é bastante usado na literatura.