A Problemática do Emprego no Mundo e no Brasil: uma Estratégia de Geração de Empregos

Fabio S. Erber, 2001

Este texto, de natureza introdutória, visa situar a análise do caso do RN no contexto mundial e nacional. Apresenta-se, inicialmente, uma visão panorâmica da crise de emprego no mundo, apontando a incidência do desemprego aberto e oculto, o aumento da precariedade no mundo do trabalho e seus efeitos sobre a renda. A parte final da Seção apresenta, de forma sumária, os fatores subjacentes à essa situação, situando o caso brasileiro no contexto da evolução mundial durante os anos noventa. Discute a visão internacional sobre como minorar os problemas de emprego, apontando os consensos e diferenças que existem nas avaliações, concluindo que não existe um receituário pronto e acabado para este fim, cabendo a cada sociedade, à luz de suas especificidades econômicas e sociais, definir a própria estratégia de emprego. Finalmente discute o caso brasileiro, apresentando, inicialmente e de forma sucinta, a problemática do desemprego (aberto e oculto) e da precariedade do emprego no país durante os anos noventa. A seguir, discutem-se os principais determinantes desta situação e conclui-se com a apresentação de uma estratégia para geração de empregos para o futuro. (1. Introdução)

2. A crise do emprego no mundo: o desemprego aberto,  a precariedade do emprego e a pobreza

As condições de emprego no mundo constituem um problema nada menos que dramático. Segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2001), ao fim do ano 2000, entrando num novo milênio, o desemprego aberto atingia 6% da população economicamente ativa – cerca de 160 milhões de pessoas, quase o equivalente à população total do Brasil. Estima a OIT que 500 milhões de novos empregos terão que ser criados ao longo da próxima década somente para absorver os novos entrantes no mercado de trabalho e reduzir o desemprego.

O desemprego aberto incide de forma distinta, mesmo em áreas geográficas relativamente homogêneas, como a que é constituída pelos paises da OCDE1, conforme ilustra a Tabela 1, abaixo. Uma das poucas regiões a apresentar uma evolução favorável nos últimos anos da década, no futuro próximo a OCDE deve sofrer um aumento do desemprego em função da redução esperada do crescimento dos Estados Unidos e União Européia e da continuidade da crise japonesa.

TABELA 1

TAXAS DE DESEMPREGO NOS PRINCIPAIS PAÍSES DA OCDE NOS ANOS NOVENTA – EM % DA PEA

Fonte: IPEA

Na América Latina e no Caribe, estudo recente da CEPAL2 mostra que o total de desempregados passou de 7,6 milhões de pessoas em 1990 para 18,1 milhões em 1999 e que a taxa desemprego urbano passou de 5,8% em 1990 para 8,5% em 2000. No entanto, a agregação oculta diferenças importantes entre países. Assim, enquanto o desemprego urbano praticamente dobrou ao longo da década na Argentina e na Colômbia3, manteve-se alto e estável no Chile (9,2%) e oscilante e, comparativamente, baixo, no México (2,2% em 2000)4. Embora o caso brasileiro seja discutido a seguir, cabe registrar que neste período, segundo a mesma fonte, a taxa de desemprego urbano cresceu de 4,3% para 7,1%.    

Finalmente, como nota a OIT (ibid.), no passado recente o desemprego  continua alto na África, Oriente Médio, Europa Central e Oriental, e tende a agravar-se na China.  

O desemprego aberto é, pois, um problema mundial, mas não esgota a dramaticidade do mercado de trabalho. A OIT (ibid.) estima que, se acrescentarmos aos desempregados os trabalhadores sub-empregados, o número de pessoas afetadas chega a pelo menos um bilhão de pessoas. 

O desemprego e sub-emprego estão fortemente associados à miséria. Segundo a OIT (2001), cerca de um terço da força de trabalho mundial está desempregada ou sub-empregada e ganha menos do que o necessário para manter-se acima das linhas de pobreza.

O estudo da CEPAL antes mencionado quantifica essa percepção intuitiva, mostrando que, na América Latina e Caribe, os 20% mais pobres da população apresentam uma  taxa de desemprego que é mais do que o dobro da taxa de desemprego média da região. Estudos sobre a pobreza no Brasil, como o de Albuquerque e Rocha (1999) também apontam na mesma direção: o desemprego é um dos principais determinantes da pobreza e da desigualdade.

No entanto, estar empregado não garante a saída da miséria. Segundo a OIT (2001), no mundo, 16 entre cada 100 trabalhadores, ganham menos de um dólar americano por dia – incapazes, portanto, de prover o seu sustento básico.

Ao mesmo tempo, notam-se em todo o mundo importantes mudanças nos padrões de emprego, que aumentam a vulnerabilidade dos trabalhadores, restringem suas perspectivas de treinamento e progresso profissional e afetam adversamente suas condições de emprego e rendimento. Estas mudanças, que podem ser sintetizadas pela expressão “precarização do emprego”, consistem na tendência ao uso de trabalhadores em tempo parcial, com contratos de curto prazo ou sem contrato e no aumento dos empregados por conta própria. Tomando por exemplo os países mais avançados, o emprego em tempo parcial cresceu nos países da OCDE ao longo da década de noventa, atendendo 16% do total da força de trabalho em 1999. No mesmo ano, em 12 países da União Européia, o emprego temporário atingia 12% do  total (OIT, 2001). 

Parte destes fenômenos encontra sua raiz nas transformações introduzidas nos processos de produção e gestão através de um conjunto de inovações baseadas nas tecnologias da informação, que afeta profundamente o processo de competição e sobrevivência das empresas, altera as cadeias produtivas (por exemplo, através de processos de terceirização) e a própria estrutura setorial de produção – fortes determinantes do número e qualidade dos empregos ofertados.  Esta revolução tecnológica também cria empregos de alta produtividade e remuneração que têm algumas características semelhantes ao trabalho precário. No entanto, parece significativo que o emprego por conta própria ocupe apenas 7% da força de trabalho dos Estados Unidos e cerca de 25% desta na América Latina (OIT, 2001).

As transformações tecnológicas em curso também alteraram substancialmente os critérios de “empregabilidade” e de educação adequada para o preenchimento de vagas no mercado de trabalho. Assim, as novas tecnologias de produção e gestão enfatizam as habilidades mentais e intelectuais em detrimento das habilidades manuais, aspectos comportamentais voltados para a cooperação, iniciativa e busca de soluções e uma educação que substitui o “aprender a fazer” pelo “aprender a aprender”.  O novo perfil de competências, obviamente, não se estabeleceu de forma homogênea ao longo de todas as atividades econômicas. Em muitas destas persiste o antigo perfil taylorista-fordista, caracterizado pela linearidade, segmentação, padronização e repetição. No entanto, a tendência é de progressiva ampliação do novo paradigma, que traz as marcas da integração e flexibilidade5.  

O novo paradigma de produção e gestão implica em profundas transformações no sistema de educação profissional, valorizando o desenvolvimento de habilidades intelectuais gerais e fundamentais. Ao mesmo tempo, impõe aos trabalhadores mudanças igualmente radicais, enfatizando a necessidade de contínuo re-treinamento. A persistência do desemprego de longo prazo, mesmo nos países da OCDE – 31% do total de desempregados, superando os 50% em alguns países, como a Bélgica, Itália e Portugal (OIT,2001) – atesta a dificuldade de lidar com estes novos desafios.

Nos países em desenvolvimento, esta “nova” precarização vem somar-se à “velha” precarização – o vasto contingente populacional que não encontrava emprego estável e de remuneração digna nos moldes do antigo padrão de desenvolvimento fordista-taylorista, precariedade medida não só pelas altas taxas de sub-emprego e desemprego oculto, como pela baixa escolaridade da força de trabalho, pela extensão do trabalho infantil e pelo alto grau de informalidade nas relações de trabalho – traços altamente visíveis  em qualquer esquina de metrópoles do Terceiro Mundo. Para estes países, para não agravar os problemas de emprego e pobreza, tornou-se necessário realizar transformações em suas estruturas produtiva e institucional tão profundas que merecem o nome de revolucionárias, mesmo que sejam feitas sob o amparo da lei e da ordem.

É importante assinalar que o quadro acima descrito se insere num contexto mundial marcado por forte volatilidade nas taxas de crescimento econômico, especialmente nos países de industrialização recente, como o Brasil, o que  impacta de forma negativa a criação de novos empregos.

O mesmo contexto é também caracterizado pela internacionalização das atividades econômicas, na qual as empresas, crescentemente, atuam no mercado internacional como vendedoras e, em menor escala, como produtoras, processo que é reforçado pelo processo de redução das barreiras nacionais ao comércio e investimento e pela formação de blocos regionais. Neste sentido, a globalização constitui um vetor que  amplifica as transformações nas empresas, cadeias e estrutura produtivas acima descritas e seus efeitos sobre o mercado de trabalho, difundindo-as em escala mundial, embora de forma diferenciada segundo setores econômicos e regiões.  

Finalmente, os anos noventa culminaram um período de grandes transformações institucionais no âmbito das relações entre Estado e sociedade civil entre as quais destacam-se, do ponto de vista deste trabalho, a liberalização do mercado de trabalho 

Como se sabe, o contexto brasileiro foi profundamente afetado por esta evolução mundial através de uma forte abertura comercial, financeira e de investimento, que levou as empresas localizadas no país a realizar um  importante ajuste produtivo, seja ao nível micro seja ao nível das cadeias produtivas. Ao mesmo tempo, foi dado início ao processo institucional de liberalização do mercado de trabalho. Durante a década, as taxas de crescimento da economia apresentaram forte volatilidade e o emprego, discutido em mais detalhe a seguir, pouco cresceu, tornando-se um tópico  da mais alta prioridade no debate econômico e político. Neste sentido, indesejável, o país também alinhou-se ao contexto mundial, acima descrito.

Para concluir, é importante assinalar que a empregabilidade e o rendimento auferido pelos indivíduos em cada sociedade são também definidos por atributos destes indivíduos, além de serem afetados pelos fatores sistêmicos acima mencionados, como a taxa de crescimento da economia, a estrutura produtiva e a estrutura de oferta de serviços educacionais Alguns destes atributos individuais, como a escolaridade e a experiência, são adquiridos através da própria inserção do indivíduo no sistema, que facilita ou não a aquisição dessas características – por exemplo, definindo as condições de entrada no mercado de trabalho e eventuais prêmios pela aquisição de alguns atributos, como a educação. Outros atributos, como o sexo, são inalteráveis, mas também afetam a empregabilidade e o rendimento, segundo características de cada sociedade. 

3. O Debate Internacional sobre as Políticas de Emprego: Problemas Universais, Soluções Locais

Há um consenso na comunidade internacional6 quanto à gravidade dos problemas acima enunciados.  À primeira vista, existem também alguns pontos consensuais quanto às soluções que amenizariam a dramaticidade da problemática acima descrita (todos estão de acordo de que, a despeito das boas intenções, amenizar é o que é factível, mesmo no longo prazo):  

  • O crescimento econômico é indispensável, seja para gerar novos empregos, seja para obter recursos adicionais para educar as novas gerações e reeducar as velhas, investir em infra-estrutura e transformar as instituições (ver abaixo);
  • O crescimento econômico tem que ser acompanhado por mudanças estruturais, que gerem empregos mais produtivos (além de mais empregos);
  • O novo paradigma tecnológico requer pesados investimentos em educação (além dos investimentos em infra-estrutura e serviços, como telecomunicações);
  • As novas condições de produção e gestão e o processo de globalização demandam alterações nas instituições diretamente vinculadas ao mercado de trabalho – desde as instituições encarregadas da educação até os mecanismos de regulação do mercado de trabalho.

No entanto, subsistem profundas diferenças. Em primeiro lugar, quanto ao peso relativo que os fatores acima enunciados têm na solução dos problemas do desemprego. Ou seja, embora todos estejam de acordo que os fatores acima são importantes, há discordâncias quanto à sua hierarquia. A título de exemplo, a OCDE e o Banco Mundial atribuem à desregulação e flexibilização dos mercados de trabalho uma importância muito maior que a que lhes é dada pela OIT e pela UNCTAD.  Tais diferenças têm, por sua vez, implicações em termos de medidas econômicas e institucionais – seja em termos do montante de recursos a serem alocados seja quanto ao sequenciamento das medidas.

Em segundo lugar, existem discordâncias profundas sobre como chegar a esses resultados: veja-se, por exemplo, a diversidade de opiniões sobre as causas do crescimento e estratégias e táticas para lográ-lo; sobre o papel do Estado no processo de crescimento e sobre o papel que políticas deliberadamente dirigidas para a criação de empregos devem ter na configuração geral da política econômica. 

Em parte, estas diferenças prendem-se a esquemas de interpretação da realidade (p.ex. a adoção de teorias econômicas de corte keynesiano, evolucionista ou neo-clássico para explicar o crescimento). Quando tenta-se traduzir as proposições gerais em práticas políticas, pesam muito também as especificidades econômicas e institucionais locais. Para tomar um exemplo institucional, a regulação do mercado de trabalho tem história e intensidade distintas nos vários países, mesmo os que pertencem à mesma região, como bem exemplificam os casos alemão e francês. Mesmo que haja um consenso quanto à necessidade de modificá-la, o processo de transformação é distinto nos dois países. Em termos mais gerais, a configuração política da sociedade, dada pelos valores, instituições e atores presentes e as características da estrutura econômica, ao variarem entre sociedades, afetam fortemente as opções de políticas de  emprego, como demonstra, novamente a título de exemplo, a evolução da legislação sobre o trabalho.

Em outras palavras, não há um “receituário” ou blue-print para a concepção e execução de políticas de emprego universalmente aceito – as sociedades tratam a problemática do emprego segundo suas especificidades econômicas e políticas, fortemente influenciadas pela história.  

Mais especificamente, admitindo que o Estado não pode ficar alheio à problemática do emprego, difundiu-se internacionalmente7 a distinção entre “políticas ativas” e “políticas passivas” de emprego, endossada pelo atual Governo brasileiro (Ministério do Trabalho, 1998). 

De uma forma ampla, as “políticas ativas” visam ampliar o número e a qualidade dos postos de trabalho. Incluem, pois, a política macroeconômica e de desenvolvimento e seus desdobramentos setoriais e regionais. Da mesma forma, incluem as mudanças institucionais que visam adequar a regulação do mercado de trabalho e qualificar a força de trabalho. Neste conceito, as políticas ativas incidem tanto sobre a demanda como sobre a oferta de mão-de-obra e abrangem seja política desenhadas especificamente para gerar empregos como outras políticas que, concebidas com outros fins (por exemplo, objetivos fiscais), acabam por ter forte impacto sobre o número e a qualidade dos empregos.

Por sua vez, as “políticas passivas” são orientadas para a oferta de mão-de-obra, seja tentando restringir o crescimento desta oferta (por exemplo, incentivando a aposentadoria8, retardando a entrada dos jovens no mercado de trabalho), seja amparando a mão-de-obra desempregada através de mecanismos de renda compensatórios (como o seguro-desemprego) e de instituições que visam encurtar o período de desemprego, como as que propiciam treinamento e realizam a intermediação entre os desempregados e potenciais empregadores. 

Como toda taxionomia, esta contém elementos de arbítrio na classificação de políticas. No entanto, apesar de eventuais imprecisões, a sumária descrição dos objetivos e das medidas incluídos em cada categoria de políticas aponta para a mesma conclusão anterior: embora os problemas de desemprego e geração de renda sejam universais, sua configuração e soluções são específicas para cada sociedade.     

4. O Caso Brasileiro: Uma Estratégia para o Emprego

À semelhança do mundo em desenvolvimento, a situação do emprego no Brasil tendeu a piorar durante a década dos noventa. A taxa de desemprego aberto (o percentual de pessoas da população economicamente ativa – PEA, que busca emprego e não encontra, em um dado período de referência) aumentou, segundo todas as medidas disponíveis. Assim, para o IBGE, que toma uma semana como período de referência e exclui da PEA aquelas pessoas desempregadas e que não procuraram emprego naquela semana, a taxa de desemprego aberta em seis das principais regiões metropolitanas do país passou de 4,84% em 1991 a 7,11% em 20009. Por sua vez, em suas pesquisas o DIEESE adota um período de referência maior do que o IBGE: um mês. Nas regiões metropolitanas em que é possível compará-las, as estimativas de desemprego aberto do DIEESE superam as do IBGE. As pesquisas das duas instituições concordam com o aumento da taxa de desemprego aberto durante a década passada, embora o crescimento desta taxa por região metropolitana seja freqüentemente diferente (veja-se a Tabela 2, a seguir).

A forma de medir o desemprego aberto adotada pelas duas instituições oculta o problema das pessoas que desistiram de procurar emprego no período de referência – o desemprego oculto por desalento. Em suas pesquisas, o DIEESE estima que este tipo de desemprego afeta uma porção importante da PEA e tende a crescer durante a década passada.

A Tabela 2, a seguir, compara as estimativas de desemprego aberto do IBGE e do DIEESE nas regiões metropolitanas estudadas pelas duas instituições para os anos de 199210 e 2000 e mostra ainda as estimativas de desemprego oculto por desalento feitas pelo DIEESE naqueles dois anos.

TABELA 2

BRASIL: TAXAS DE DESEMPREGO ABERTO E OCULTO POR DESALENTO EM REGIÕES METROPOLITANAS MEDIDAS PELO IBGE E PELO DIEESE EM 1992 E 2000

Fonte: IPEA (2001)

A problemática do emprego no Brasil combina desemprego (aberto e oculto) com precariedade dos empregos existentes. O DIEESE estima que, em 2000, o número de pessoas que realizaram “atividades remuneradas eventuais e instáveis ou não remuneradas em ajuda a negócios de parentes”, superou os 4% da PEA em todas as regiões metropolitanas que pesquisou, menos o DF11. Esta forma de desemprego oculto tende a aumentar durante os anos noventa.

Outro indicador de precariedade do trabalho brasileiro é dado pela participação dos empregados sem carteira assinada na população ocupada, que, nas regiões metropolitanas estudadas pelo IBGE, passa de 21% em 1991 para 28% em 2000. A esses trabalhadores, que não contam com a proteção dos direitos trabalhistas, podem ser adicionados os que atuam por conta própria, que passam de 20% a 23% da população ocupada no período considerado. Ou seja, mais da metade da população ocupada tem empregos de tipo informal.

Há um relativo consenso sobre os determinantes desta evolução do mercado de trabalho no Brasil, embora o peso destes fatores seja discutível. Conforme já apontado, esta evolução resulta da interação entre fatores de natureza global e características específicas da situação brasileira. 

Entre os primeiros, destacam-se as transformações tecnológicas e organizacionais em curso no mundo, cujas conseqüências em termos de redução de postos de trabalho e de mudança no perfil de competências necessárias para ocupar estes postos já foram discutidas acima.

Durante a década de noventa, este processo de transformação tecnológica encontra no Brasil um ambiente propício à sua difusão mercê do processo de abertura externa da economia – abertura comercial e aos investimentos. A exposição à competição externa, ampliada pela política de câmbio vigente entre 1995 e 1999, obriga as empresas instaladas no país a grande esforço de ajustamento, do qual a adoção de novas técnicas produtivas e organizacionais é um forte componente. 

Apesar dos fortes aumentos de produtividade resultantes deste processo de ajuste e dos inequívocos benefícios trazidos pela estabilização de preços na segunda metade da década dos noventa, a economia brasileira continua constrangida por restrições cambiais e fiscais. Em conseqüência, a taxa de investimento permanece baixa e o crescimento econômico apresenta-se oscilante e incerto, limitando a criação de novos postos de trabalho.

A estes condicionantes macro-econômicos somam-se determinantes sociais e econômicos de natureza estrutural, herdados do padrão de desenvolvimento anterior, entre os quais quatro merecem ser destacados:  o baixo nível de escolaridade da mão de obra brasileira, que dificulta sua adequação aos requisitos das novas tecnologias; a regulação do mercado de trabalho, que, embora proteja os trabalhadores que têm emprego formal, dificulta a ampliação deste emprego e incentiva o uso dos mecanismos informais;  a estrutura industrial do país, onde destacam-se setores intensivos em capital, nos quais novos empreendimentos tendem a utilizar relativamente pouca mão de obra e, finalmente, a estrutura do sistema financeiro, que dificulta a criação e sobrevivência de empresas de pequeno porte, no meio rural e urbano. 

Observando estas especificidades, é possível desenhar uma estratégia para a geração de empregos no Brasil, conforme já apresentado em CNI (1997).

Em primeiro lugar, é indispensável retomar o crescimento econômico de forma sustentada. Ou seja, é necessário contar com um quadro macro-econômico no qual as empresas possam ter um horizonte de planejamento de suas atividades de longo prazo, em que investimentos em atividades produtivas sejam mais atraentes do que investimentos financeiros. Para tanto, uma reforma fiscal abrangente é uma condição necessária. 

No entanto, as tendências tecnológicas acima mencionadas e a herança do padrão de desenvolvimento anterior sugerem que a retomada do crescimento, mesmo que sustentada, não será suficiente para resolver, no médio e longo prazo, a problemática do emprego no Brasil. Obstar a mudança tecnológica em uma economia aberta como a brasileira é impossível, além de indesejável. Assim, uma estratégia de emprego deverá concentrar-se na remoção dos obstáculos estruturais internos.

Neste sentido, é fundamental elevar o nível de qualificação da mão de obra brasileira, aumentando, simultaneamente, sua empregabilidade e sua produtividade – ou seja, contribuindo para o estabelecimento de um círculo virtuoso entre emprego  e crescimento econômico.

Neste contexto, é importante distinguir três públicos-alvo da qualificação, que demandam estratégias distintas de abordagem. Em primeiro lugar, os grupos etários que estão prestes a entrar ou entrando no mercado de trabalho, que vêm encontrando crescentes barreiras a essa entrada (OIT, 1999), ensejando, através da educação de primeiro e segundo grau o desenvolvimento das capacidades demandas pelo novo paradigma tecnológico. Em segundo lugar, encontramos aqueles que, tendo participado do mercado de trabalho, dele foram alijados – em caráter temporário ou permanente – por falta de qualificação, ampliando o alcance do Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR). O terceiro grupo é constituído pelos trabalhadores que, estando empregados, necessitam novas qualificações. A ação pública, numa estratégia de emprego, deveria priorizar, atendendo às suas peculiaridades, os dois primeiros grupos, atuando de forma suplementar no último, onde os mecanismos empresariais tendem a ser mais eficientes.

Em segundo lugar, é necessário apoiar as atividades empresariais geradoras de emprego. Visto pelo enfoque da dimensão das empresas, uma estratégia de emprego implica no apoio diferenciado às pequenas e microempresas, tradicionalmente absorvedoras de mão de obra. Mecanismos como a combinação de acesso ao crédito em condições compatíveis com o crescimento e assistência técnica são fundamentais para a sobrevivência e expansão desse tipo de empresa. O apoio à micro e pequena empresa é mais eficaz quando é orientado para a formação de agrupamentos (clusters) empresariais, que geram externalidades para os seus membros através de relações inter-pessoais e efeitos de emulação ou quando estas empresas têm um agente organizador, a exemplo de uma empresa compradora de seus produtos e serviços. Assim, mesmo políticas “horizontais” como o apoio à micro e pequena empresa têm uma inescapável dimensão de cadeia produtiva12.

Em economias que já alcançaram o grau de complexidade da brasileira, o antigo enfoque setorial tende a ser substituído pela abordagem por cadeias produtivas ou complexos industriais, em que se destaca a interdependência setorial. Esta perspectiva é especialmente eficaz para a geração de empregos, posto que permite enfocar os efeitos diretos e indiretos de políticas orientadas para os setores que imprimem dinamismo ao conjunto. 

A diferenciação das cadeias produtivas quanto ao seu grau de abertura ao exterior, à rapidez das transformações tecnológicas e às suas demandas por qualificações da mão de obra empregada leva a estratégia de emprego a diferenciar-se também. Cadeias produtivas com alto grau de abertura e com forte dinamismo tecnológico provavelmente demandarão mão de obra mais qualificada do que cadeias que têm baixo grau de abertura e baixo dinamismo tecnológico. Embora os dois tipos de cadeias necessitem para o seu crescimento de mecanismos de política como o financiamento a longo prazo, no primeiro caso, a qualificação de mão obra é um requisito essencial para ganhar espaço na competição internacional, estabelecendo outro círculo virtuoso entre emprego e crescimento. No segundo caso, em que, presumivelmente, o emprego estará mais direcionado para pessoal menos qualificado, torna-se mais fácil adotar políticas de incentivo direto ao número de empregos. 

Finalmente, é consenso nos meios empresariais brasileiros, de que a flexibilização da regulação do mercado de trabalho constitui peça essencial de uma estratégia de emprego para o país. Conforme aponta a CNI “(n)o Brasil, a flexibilização passa pela mudança no sistema de relações de trabalho, que deve deixar de ser estatutário para ser negocial. A adoção da negociação deve ser acompanhada por uma revisão da legislação, na qual seriam flexibilizados vários direitos previstos em lei, garantindo-se apenas direitos básicos para os trabalhadores, deixando as partes negociarem livremente… Para obter a flexibilização desejada, é fundamental caminharmos para uma negociação descentralizada, em nível de empresa” (CNI, 1997, p. 24).

Conforme aponta o mesmo documento “ainda que complexo, este será um tema que a sociedade brasileira terá que debater em profundidade nos próximos anos” (ibid.). As reformas já aprovadas, como a ampliação das possibilidades de adoção de contratos temporários e as reformas em fase de aprovação no Congresso, que tratam da flexibilização negocial, caminham nesta direção.

A superação dos obstáculos macro-econômicos e estruturais ao emprego será de longa duração e, no seu percurso, deixará muitas pessoas desempregadas. Sob pena de agravar as já imensas tensões sociais do país, será pois necessário dar maior amplitude e eficácia à rede de apoio social, que abrange, entre outros mecanismos, o seguro-desemprego.

Apontou-se em seção anterior que parte da empregabilidade das pessoas é explicada por seus atributos individuais, dos quais alguns, como a educação, são adquiridos através da socialização e outros são inatos, como o sexo e a cor. Há consenso que a sociedade deve prover os meios mínimos necessários para que os indivíduos adquiram as competências necessárias à sua empregabilidade, através da educação. No entanto, as especificidades da situação brasileira fizeram com que, recentemente, fosse argüida a necessidade de adotarem-se políticas ativas de estímulo ao emprego de indivíduos cujos atributos inatos os colocam em desvantagem no mercado de trabalho. Ainda em sua fase inicial, o debate sobre o tema de “políticas afirmativas” dirigidas aos grupos mais desfavorecidos deve ampliar-se no futuro próximo, tornando-se parte de uma estratégia de emprego.

O Brasil apresenta, ainda, a especificidade de ser um país de dimensão continental, onde a problemática do emprego apresenta fortes características regionais. A Tabela 2 ilustra essa heterogeneidade sob o ângulo do desemprego, aberto e oculto, mostrando que esse fenômeno é mais forte na região Nordeste do que no resto do país. Da mesma forma, os fatores estruturais acima discutidos apresentam características regionais, que fazem com que sua interação com os determinantes macro-econômicos e os efeitos sobre o emprego decorrentes desta interação também tenham especificidades regionais. Em conseqüência, estratégias brasileiras de fomento ao emprego terão que ser, necessariamente, especificadas ao nível regional e, dentro deste, ao nível local, quando a heterogeneidade dentro da região for substantiva. A título de exemplo, agrupamentos regionais de empresas constituem uma base eficaz para estruturar ações sistêmicas de fomento do crescimento e do emprego, combinando políticas de educação, assistência técnica e financiamento.

Retomando a taxionomia de políticas de emprego antes apresentada, uma estratégia de emprego para o Brasil deverá contemplar políticas ativas, como as voltadas para o crescimento sustentado e para o fomento de tipos de empresas/cadeias produtivas que usam mais intensamente mão de obra, em articulação com políticas passivas como a re-qualificação dos trabalhadores. Esta articulação implica uma visão sistêmica da problemática do emprego. No entanto, a heterogeneidade regional do país impõe a desagregação da estratégia ao nível local, tanto em sua etapa de concepção como nas fases de implementação e acompanhamento. Neste sentido, a flexibilidade é um atributo a ser buscado no âmbito das políticas, tanto quanto no mercado de trabalho.