A Indústria Petroquímica Brasileira: Regulação e Desempenho

Fabio S. Erber, Este artigo (paper avulso) foi escrito para a CEPAL, Comissão Econômica para a America Latina e o Caribe, entre maio e agosto de 1995.

O artigo é composto por quatro seções. Na introdução apresenta as características socioeconômicas da indústria petroquímica. A seção seguinte expõe a história do setor, seguindo uma periodização. A terceira seção comenta a evolução da capacitação tecnológica do setor. A última seção volta ao tema da regulação e do desenvolvimento do setor, analisando a situação à época.

1. Introdução

O complexo petroquímico, entendido como o conjunto de atividades industriais que vai do petróleo a transformação de plásticos, resinas e outros derivados do petróleo constituem um dos pilares da industrialização moderna. O cerne deste complexo é constituído pelas atividades industriais que, partindo da nafta ou do gás, através de processamentos sucessivos, produzem os insumos que serão posteriormente utilizados em bens finais – a indústria petroquímica. Este artigo centra-se sobre esta cadeia produtiva, tratando os problemas atinentes às suas duas pontas – de um lado, a oferta de matéria-prima (nafta, no caso brasileiro) e, de outro, a transformação dos produtos petroquímicos em bens finais (p.ex. artefatos de plástico, tintas, etc.) – somente na sua interseção com a indústria petroquímico estrito senso.

A base técnica da indústria petroquímico e caracterizada pela dominância de processos contínuos, intensivos em capital e sujeitos a margens de tolerância restritas. A cadeia produtiva também obedece a margens restritas, com elos fortemente vinculados. O progresso técnico na indústria e intenso, embora tenha características distintas ao longo da cadeia: a jusante, junto às centrais de matérias primas, os produtos e processos são padronizados e o progresso técnico centra-se em atividades de engenharia. Descendo a cadeia, produtos e processos tornam-se mais heterogêneos e cresce a importância de atividades de pesquisa e desenvolvimento, estrito senso. Os produtos tornam-se mais especializados e substitutos entre si. No passado recente, uma grande gama de novos produtos, fabricados em menor escala e de alto valor agregado (“especialidades”) foram introduzidos. Em todos os elos da cadeia há grandes esforços de otimização de processos (p.ex. visando reduzir o consumo de energia e de insumos) e há uma tendência ao crescente uso de instrumentação eletrônica digital. 

A indústria petroquímica e marcada por fortes economias de escala, estáticas e dinâmicas, e por economias de escopo, seja na produção seja em atividades de pesquisa e desenvolvimento, comercialização, administração e financiamento. Economias de verticalização e aglomeração são igualmente significativas. As escalas econômicas mínimas apresentam tendência crescente e, assim, a indústria tende a expandir-se descontinuamente, ampliando a capacidade a frente da demanda. As características técnico-econômicas da indústria e o padrão de intensa competição oligopólica, a nível internacional, tendem a produzir ciclos de investimento, produção e preços. Quando o mercado internacional de produtos petroquímicos se encontra sobre-ofertado, como no fim dos anos oitenta e início dos noventa, as empresas frequentemente praticam preços de exportação que não cobrem os custos totais de produção mas apenas os custos variáveis, caracterizando uma situação de dumping estrutural. Embora o progresso técnico confira a petroquímico uma fronteira de expansão, criando novos usos para seus produtos e mercê da substituição de outros insumos (p.ex. papel, madeira e metais), a demanda por seus produtos e fortemente afetada pela evolução da renda pessoal disponível. 

Como decorrência das suas características técnico-econômicas, a configuração natural da indústria petroquímico e o oligopólio. O cerne deste oligopólio, desde suas origens, e constituído por empresas petrolíferas que avançaram a jusante da cadeia e por grandes empresas químicas que diversificaram sua produção. A estas empresas, de porte verdadeiramente gigantesco e de atuação mundial, integradas vertical e horizontalmente, somam-se outras, de menor porte, que atuam em mercados específicos, explorando vantagens sejam tecnológicas sejam de canais de comercialização1. Nas duas últimas décadas, a estrutura empresarial do setor foi alterada pela entrada de novos produtores, localizados no Oriente Médio e Extremo, atuando principalmente em commodities e por fortes movimentos de reestruturação dos ocupantes tradicionais, que reforçaram suas posições na ponta da cadeia, orientando-se para especialidades de maior valor agregado. Não obstante, a dinâmica da indústria e sua regulação continuam a depender fundamentalmente dos dois primeiros tipos de empresas. 

As características técnico-econômicas da indústria petroquímico, notadamente sua integração vertical e horizontal, a indivisibilidade e o caráter cíclico de seus investimentos e a variedade de produtos intensivos em tecnologias específicas, levam-na a uma trajetória em que estão combinados mecanismos de regulação hierárquica (p.ex. via integração vertical) com mecanismos de mercado e mecanismos de cooperação (p.ex. acordos de divisão de mercados e de troca de tecnologia). Este complexo regime de regulação induz a participação dos Estados nacionais, tanto pelo seu sucesso como pelos seus fracassos. O sucesso da regulação, que define privilégios para os que dela participam, estimula o Estado a envolver-se, estabelecendo condições para que firmas locais entrem e permaneçam em uma indústria que e considerada estratégica para o desenvolvimento econômico. Os fracassos da regulação, que produzem os ciclos da indústria, também levam o Estado a participar, defensivamente. Em consequência, a regulação da indústria petroquímico também envolve mecanismos de atuação estatal, além dos citados acima. Em muitos países (França, Itália, Holanda, os NICs asiáticos, México, Venezuela) o Estado participa diretamente da indústria através de empresas total ou parcialmente sob seu controle2, embora esta forma de regulação tenha se reduzido no passado recente. Mesmo quando não é um produtor, o Estado participa da regulação da indústria, p.ex. estabelecendo condições de entrada (inclusive quanto a escala de produção e fonte de tecnologia) e suprimento de matéria-prima ou monitorando sua reestruturação mediante instrumentos de coordenação, como o MITI no caso japonês, e de regulação da competição, como a legislação antitruste e de defesa contra práticas desleais de comércio exterior. De forma mais indireta, em todos os países o Estado afeta a competitividade sistêmica das indústrias locais mediante a provisão de infraestrutura econômica e tecnológica e mediante as políticas fiscal, cambial e educacional. 

No Brasil, dados do Censo de 1985 sugerem que o setor petroquímico respondia por 4% do valor bruto da produção da indústria de transformação e 3.2% do valor agregado desta. Refletindo sua natureza intensiva em capital, sua participação no pessoal ocupado era de 0.73% e no número de estabelecimentos de 0.28%3. Dados mais recentes da ABIQUIM levam a uma estimativa de vendas totais do setor da ordem de US$ 12 bilhões em 19944.

Criado em menos de três décadas, o setor petroquímico brasileiro foi implantado e amadureceu dentro de um complexo aparato regulatório estatal, que também foi se transformando com o tempo. Em consequência, a periodização adotada a seguir tem dois fios condutores que se entrelaçam: a expansão do setor e o aparato regulatório que o rege.

A história da indústria petroquímico brasileira pode assim ser dividida em quatro etapas: a primeira abarca a década que vai da metade dos anos cinquenta até meados dos sessenta, quando são feitos os primeiros investimentos no setor, notadamente em São Paulo e o regime de regulação do setor mantém-se indefinido. A etapa subsequente marca a implantação da indústria pela instalação sequencial dos três pólos petroquímicos, em São Paulo (1965/72), Camaçari /Bahia (1972/78) e Triunfo /Rio Grande do Sul (1978/82), dentro de um regime regulatório estatal específico, que vai amadurecendo de pólo a pólo. A terceira etapa, que se estende até o fim dos anos oitenta, e caracterizada, especialmente na segunda metade da década, pelo simultâneo amadurecimento da indústria e pelo início da deterioração do aparato regulatório do Estado. Os anos 1990/92 assinalam uma nova fase no seu desenvolvimento, caracterizada pela crise econômica e de regulação do setor. Finalmente, durante o período 1993/95 mantém-se a indefinição quanto ao regime regulatório mas a recuperação dos mercados externo e interno dão um fôlego adicional ao setor. O Quadro 1, a seguir, apresenta a estrutura das vendas totais, vendas internas e externas e importações por produtos petroquímicos em 1994 e as Figuras 1 a 3 mostram a configuração dos três pólos.

O artigo é composto por três seções, além desta. A seção seguinte expõe a história do setor, seguindo a periodização acima. A terceira seção comenta a evolução da capacitação tecnológica do setor. A última sessão volta ao tema da regulação e do desenvolvimento do setor, analisando a situação presente. 

2. A Evolução da Petroquímico no Brasil

2.1. Fase I: Primeiros Investimentos e Indefinição Institucional

A história da indústria petroquímico brasileira está intimamente associada à da PETROBRAS, criada em 1954 como empresa de capital misto sob controle da União e a qual está atribui o exercício do seu monopólio da exploração e refino do petróleo. Este monopólio tornava a PETROBRAS um ator necessário a petroquímico. Embora não houvesse menção explícita a essa indústria na Lei que criou a PETROBRÁS, havia receios que o monopólio fosse estendido a jusante do refino, abrangendo a petroquímico. Para afastá-los, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), órgão regulador do setor, estabeleceu, em 1954, que a implantação da petroquímico caberia prioritariamente e sempre que possível ao capital privado. Este, constituído principalmente por filiais de empresas multinacionais, concentrou seus investimentos em produtos finais.

Face aos reduzidos investimentos privados, em 1957, o CNP autorizou a PETROBRAS a atuar no setor para garantir o suprimento de matérias-primas básicas e produtos essenciais, prefigurando uma divisão de tarefas entre o Estado e a iniciativa privada que mais tarde seria consolidada.

Assim, neste período, os investimentos no setor são liderados pela PETROBRAS, que produz quantidades reduzidas de aromáticos, eteno e propeno na refinaria de Cubatão em São Paulo e borracha de butadieno-estireno (SBR) na FABOR (atualmente Petroflex) e por firmas multinacionais nos setores finais, principalmente termoplásticos, elastômeros e intermediários para fibras. A participação de capitais privados nacionais e quase negligenciável.

A escala das plantas é muito reduzida (28 mil t para eteno, 10 mil t para PVC, 7000 t para PEAD, etc.) e a tecnologia e toda importada. Não obstante, registram-se importantes esforços de assimilação da tecnologia na FABOR e de nacionalização dos serviços de engenharia e de bens de capital, fruto dos investimentos da PETROBRAS em formação de recursos humanos e domínio da tecnologia na área de refino.

2.2. Fase II: Constituição da Indústria e do Regime de Regulação

O regime político que se estabelece após o golpe de 1964, atribui prioridade à indústria petroquímico, com forte orientação privatista. Assim, em 1965, Resolução do CNP estabelece que o setor caberia a iniciativa privada, inclusive os produtos básicos, definindo as normas para instalação de plantas. No mesmo ano definem-se vários incentivos que gozavam os projetos aprovados pelo Grupo Executivo da Indústria Químicas (GEIQUIM) do Conselho de Desenvolvimento industrial: isenção de impostos para equipamentos importados, redução de impostos para importação de matérias-primas, garantias de financiamento ou aval do Governo para empréstimos externos, proteção tarifária e administrativa contra importações de produtos similares e, finalmente, a não-aprovação de projetos competitivos. Em paralelo, porém, técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e da PETROBRAS elaboravam estudos visando ampliar a participação estatal na petroquímico.

Neste quadro, a Union Carbide inicia um projeto de produção de eteno de 120 mil t/ano e uma joint-venture entre grupos nacionais (Ultra, Moreira Salles e Capuava) e a Phillips Petroleum constitui a Petroquímico União (PQU) visando a produção de 167 mil t/ano de eteno. Em paralelo, segundo Suarez (1986), o grupo Capuava articulou uma série de empreendimentos nas gerações intermediárias e finais sob a forma de joint-ventures entre empresas privadas nacionais e estrangeiras. 

Problemas técnicos inviabilizaram porém o projeto da Union Carbide e problemas financeiros levaram a Phillips a abandonar o projeto da PQU, criando um vácuo que iria mudar a história da petroquímico brasileira. Para preencher este espaço, a PETROBRAS criou, no fim de 1967, com base nos estudos realizados em conjunto com o BNDE, uma subsidiária – Petroquisa, PETROBRAS Químicas S.A.

A Petroquisa assume em 1968 participação acionária na PQU (central de matérias-primas), tornando-se, poucos anos depois, o acionista majoritário. A jusante, várias filiais de grupos internacionais já estabelecidos no país, como Rhodia, Dow, Union Carbide e Solvay, ampliam seus investimentos e grupos nacionais, especialmente Ultra, Capuava (mais tarde Unipar) e Cevekol, estabelecem joint-ventures com firmas estrangeiras. Algumas destas joint-ventures assumem a forma tripartite com a participação acionária da Petroquisa e o sócio estrangeiro fornecendo a tecnologia, modelo que mais tarde será generalizado.

As plantas deste pólo, que entram em operação no período 1972/74, já são de escala internacional (eteno: 300 000 t, cloreto de vinila monômero (MVC): 100 000 t, etc) e, para sua implantação, contaram com financiamentos externos importantes, especialmente sob a forma de créditos de fornecedores, geralmente negociados pelo fornecedor de tecnologia, além dos incentivos governamentais acima mencionados. Em consequência, a participação local no suprimento de bens de capital e serviços de engenharia foi bastante reduzida.

A expansão da economia brasileira no período do “milagre”, multiplicou o consumo de produtos petroquímicos por 2,3. Este foi atendido principalmente por importações, que passam de 35% da demanda em 1968 a 42% em 1972 As importações cresceram especialmente em produtos intermediários, onde respondem por 54% do consumo em 1972, contra 35% em 1968 (dados de Erber e Vermulm 1993, p. 80).

Em consequência, ao mesmo tempo em que completava-se o pólo de São Paulo iniciava-se um debate sobre a estratégia de expansão do setor, contrapondo-se a alternativa de ampliar o pólo paulista, situado junto ao principal mercado consumidor do país, a de implantar um novo pólo, localizado na Bahia. Ao cabo de dois anos de intensa disputa, técnica e política, prevaleceu a segunda alternativa, justificada principalmente por critérios de descentralização das atividades industriais e de de desenvolvimento industrial do Nordeste brasileiro.

Do ponto de vista produtivo, o pólo de Camaçari foi concebido de forma integrada, articulando os investimentos das centrais de matérias-primas e utilidades com os das plantas a jusante, de forma a maximizar as economias de escala e aglomeração. As plantas tinham escala internacional (p.ex. eteno 388 mil t, MVC 150 mil t, PEBD 100 mil t). Conforme pode ser visto no Quadro 2, a participação nacional em engenharia de detalhe e outros serviços técnicos foi substancial e em equipamentos e materiais foi de 60%. A tecnologia de processo foi suprida do exterior, seja contratada (para as centrais) seja como aporte de capital dos sócios estrangeiros (nas empresas a jusante).

Do ponto de vista empresarial, definiu-se que a central de matérias-primas (COPENE), responsável também pelas centrais de utilidades (água, energia) e manutenção, seria de propriedade conjunta da Petroquisa, encarregada de sua implantação, e das firmas a jusante, cabendo a primeira a maioria do capital. Para as firmas a jusante, o modelo adotado foi de participação tripartite, entre sócios privados nacionais e estrangeiros e o Estado, de forma a assegurar, simultaneamente, a maioria privada e a maioria nacional no capital. Este modelo foi implementado de forma flexível: das dezenove empresas que constituíam inicialmente o pólo, 15 seguiam o modelo do tripé, das quais 13 tinham a Petroquisa como sócio estatal e duas o BNDE5 (Bastos, 1989).

Os sócios estrangeiros das firmas a jusante eram, na maioria, entrantes no mercado brasileiro, destacando-se a participação de firmas japonesas6. Poucas empresas estrangeiras participaram de mais de um empreendimento, caracterizando uma intervenção sem sinergia7. Os sócios estrangeiros participaram dos empreendimentos principalmente através da capitalização da tecnologia. Segundo as estimativas de Suarez (1986), esse aporte teria correspondido a 3.4% do total de recursos investidos no pólo.

Os sócios nacionais privados eram, em sua maioria, inexperientes no setor petroquímico e, mesmo, em atividades industriais, destacando-se a participação de grupos da construção civil e do setor financeiro, normalmente oriundos da região. Dos grupos já atuantes no pólo de São Paulo, participaram mais ativamente apenas dois (Ultra e Cevekol), tendo o principal grupo paulista (Unipar) ficado de fora, seja por razões financeiras seja por discordar da interferência do Estado no pólo.

É importante notar que, mesmo que a escala das plantas fosse competitiva, o tamanho das empresas era muito pequeno em termos internacionais e que estas tendiam a concentrar sua produção em uma gama muito reduzida de produtos, contando com uma ou duas plantas apenas. Em consequência, a sinergia do sistema dependia do pólo.

Coube a Petroquisa o papel de principal articulador do pólo. Cabe lembrar que a nafta que abastecia o pólo era suprida pela PETROBRAS, em regime de monopólio. Como vimos, a Petroquisa participava como sócio majoritário nas centrais e minoritário na maioria das firmas a jusante, o que lhe dava uma visão de conjunto que nenhum outro sócio detinha. Este poder era reforçado pelo conhecimento técnico derivado da experiência do pólo de São Paulo e dos recursos humanos disponíveis na PETROBRAS, onde, além da experiência de implantar e operar refinarias, contava-se com um Centro de Pesquisa (CENPES)8, dotado, a partir de 1972, de uma Divisão de Petroquímico e Polímeros. 

Na constituição das empresas a jusante a Petroquisa participou ativamente no processo de escolha dos projetos (produtos e tecnologia) do pólo e dos respectivos sócios, escolhas intimamente vinculadas pelo papel do sócio estrangeiro como fornecedor da tecnologia9. Finalmente, na implantação desses projetos a participação do corpo técnico da Petroquisa foi também muito ativa. Não obstante, os acordos de acionistas estabelecidos para a constituição das empresas conferiam aos demais acionistas virtual poder de veto em decisões estratégicas.

A intervenção do Estado na constituição financeira do pólo de Camaçari foi igualmente abrangente. Os incentivos fiscais concedidos pelo CDI para aquisição de equipamentos nacionais e importados foram ampliados e a estes somaram-se os incentivos regionais que envolviam a isenção do imposto de renda, a redução do imposto de circulação de mercadorias para aplicação em programas de expansão e mecanismos de capitalização das empresas através de participações acionárias vinculadas a incentivos fiscais (principalmente o FINOR – Fundo de Investimentos do Nordeste). 

Ao mesmo tempo, o BNDE e suas subsidiárias acionaram diversos mecanismos de financiamento de longo prazo para os investimentos fixos e o capital de giro inicial e para capitalização das empresas do pólo, seja com recursos próprios seja de outras fontes institucionais. Parte destes financiamentos, concedidos nos anos 1974/75, continha uma forte taxa de subsídio ao prefixar a correção monetária em 20% a.a., muito inferior às taxas inflacionárias efetivas.

O Quadro 3, que apresenta as fontes dos investimentos do pólo da Bahia, ao não registrar todos os incentivos fiscais, capta apenas parcialmente a participação do Governo. Não obstante, atesta a importância dos instrumentos acima mencionados, especialmente o sistema BNDE e o FINOR, responsáveis por quase dois terços dos recursos utilizados. O mesmo Quadro registra ainda a baixa aplicação de fundos próprios pelos acionistas privados, nacionais e estrangeiros, estes ainda mais que aqueles. Considerando que esses acionistas viriam a deter, em regra, um terço das empresas a jusante e uma participação proporcional na central, a alavancagem propiciada por seu investimento era, sem dúvida, excepcional, aumentada pelo poder conferido pelos acordos de acionistas. Assim, é possível que uma parte dos incentivos concedidos tenha sido redundante.

Finalmente, o referido Quadro mostra a reduzida participação dos financiamentos externos na constituição do pólo, o que explica o alto conteúdo nacional no suprimento de equipamentos e engenharia acima citado. Conforme apontam Araujo Jr. e Dick (1974), o tratamento dado ao financiamento externo, definido residualmente e em função das reais necessidades de importação, distingue o processo de implantação do pólo de outros programas setoriais contemporâneos, como o siderúrgico, onde a disponibilidade de recursos externos era definida ex-ante e condicionava o suprimento local. Embora tenha constituído um importante estímulo à indústria de bens de capital sob encomenda local, consentâneo com as prioridades da época, essa estrutura de financiamento e suprimento deve ter contribuído para encarecer o pólo, devido a tendência dos bens locais de custarem mais que os importados, justificando, em parte, os incentivos recebidos. 

Do ponto de vista tecnológico, a atuação da Petroquisa, PETROBRAS e do INPI (Instituto Nacional da Propriedade industrial) constituíram os principais instrumentos utilizados, posto que a FINEP teve atuação restrita no período. Completava a regulação estatal da tecnologia o controle da CACEX sobre as importações de bens de capital.

Finalmente, é importante recordar que a combinação de um número muito pequeno de ofertantes no mercado interno, frequentemente monopolistas, com uma proteção contra importações na prática infinita, assegurava as firmas que se implantavam no pólo condições de mercado excepcionais, ampliadas pela demanda crescente de produtos petroquímicos.

Este complexo aparato regulatório encontrava seu locus de articulação no CDI, também responsável pela concessão de benefícios fiscais. Embora em tese um projeto pudesse prescindir de uma aprovação do Conselho, na prática, dada a extensão dos incentivos governamentais e a necessidade de integrar-se ao pólo para receber insumos, essa chancela constituía condição necessária ao estabelecimento de uma empresa petroquímico.

No contexto da política de alto crescimento da década de setenta, as estimativas de crescimento do mercado interno apontavam para a necessidade de ampliar substancialmente a oferta de produtos petroquímicos. O debate entre as alternativas de expandir os pólos existentes ou criar um novo pólo repete-se e, uma vez mais, a segunda opção é escolhida, decidindo-se, em 1975, localizar o novo complexo em Triunfo, no Sul do país, região que respondia na época por cerca de 20% do mercado interno de produtos petroquímicos, tinha acesso fácil a outros mercados, inclusive da América Latina, e atendia aos objetivos de descentralização econômica.

Apesar das estimativas otimistas e da prioridade atribuída a petroquímico no II Plano de Desenvolvimento Nacional (1975/79), o pólo do Sul só teve início em 1978, possivelmente como reflexo dos percalços sofridos pelo Plano a partir de 1976, com o recrudescimento da inflação e os conflitos entre os objetivos de expansão industrial e estabilização de preços. Provavelmente pelos mesmos motivos, sua dimensão inicial (e atual) é muito menor que a dos outros pólos, tendo partido em 1982 apenas com a Central (COPESUL) e duas empresas a jusante, as quais vieram a somar-se três outras até 1984 e duas mais até o presente. Pelo menos seis projetos foram desativados e/ou suspensos. No entanto, as plantas estabelecidas tinham dimensão internacional e capacidade maior que a dos outros pólos (eteno: 420 mil t, PEBD: 115 mil t, PEAD: 104 mil t).

Embora pautada pela experiência dos dois pólos anteriores e seguindo o modelo de Camaçari, a implantação do pólo de Triunfo apresenta algumas modificações importantes em relação ao modelo original.

A mais importante diz respeito à ênfase atribuída ao domínio da tecnologia, em consonância com os objetivos do II PND. Para o novo pólo o CDI baixa em 1976 um edital que convoca as empresas que desejassem ali se implantar a apresentarem propostas, que seriam priorizadas segundo os seguintes critérios: “contratos de transferência de tecnologia de acordo com os princípios estabelecidos no Ato n. 15 do INPI; propostas contemplando programa de absorção e desenvolvimento de tecnologia; internalização dos serviços de engenharia de detalhamento e estabelecimento de condições para maior participação local na engenharia básica e maximização da oferta de equipamentos e materiais de origem nacional” (Bastos, 1989 p.101). 

Para tanto, convergiam vários instrumentos de política: o reforço pelo INPI (através do Ato Normativo 15), das exigências de transferência de tecnologia e de condições de barganha das empresas nacionais; o estabelecimento pela FINEP de linha de crédito para desenvolvimento tecnológico de empresas nacionais; pressões do BNDE para a internalização de atividades tecnológicas nos projetos que financiasse; a criação pela Petroquisa de uma Gerência técnica (GETEC) com funções de avaliar tecnologias e coordenar e estimular as atividades de absorção e desenvolvimento de tecnologias pela empresa e suas controladas/coligadas e, finalmente, o fortalecimento da capacidade de engenharia básica e de petroquímico do CENPES. 

No entanto, ao lado desse reforço dos instrumentos de política tecnológica, o novo pólo contava com menores incentivos governamentais para investimentos que Camaçari: não existiam os benefícios fiscais e mecanismos de capitalização específicos a região Nordeste e o aporte de recursos pelo sistema BNDE foi mais reduzido, ampliando-se a participação no financiamento dos investimentos de agências internacionais (BID e BIRD) e de créditos de fornecedores.

Provavelmente por essas razões a capacidade de “chamada” de novos grupos nacionais privados foi também mais reduzida: a central do novo pólo (COPESUL) foi montada apenas com recursos públicos (Petroquisa e BNDE) e, das sete firmas a jusante, quatro representavam extensões de empresas já atuantes no setor, uma das quais era subsidiária da Petroquisa. Nas demais, os sócios privados eram grupos regionais.

As seis firmas privadas foram estabelecidas, direta ou indiretamente, sob o modelo tripartite. No entanto, a diferença de Camaçari, nenhuma contava com capitais japoneses. A participação dos sócios estrangeiros, fragmentada como na Bahia, foi feita pela capitalização da engenharia de processo e, em alguns casos, dos serviços de engenharia básica e equipamentos, sugerindo Teixeira (1985) que sua participação no risco foi maior que no pólo baiano.

Apesar das diferenças acima apontadas, o padrão de regulação do processo de implantação do novo pólo era ainda o mesmo que, esboçado no pólo paulista, fora plenamente desenvolvido em Camaçari, na forma acima descrita.

Com o pólo gaúcho conclui-se a etapa de implantação da indústria petroquímico brasileira. Este processo, que envolveu investimentos de cerca de US$ 5 bilhões a preços correntes (Oliveira,1990), transformou a petroquímico em um dos principais setores industriais do país, multiplicou por oito a produção local de bens petroquímicos no período 1968/83 (em peso), reduziu o coeficiente de importações de 33% a 1% do consumo e permitiu que o setor se tornasse um ganhador líquido de divisas a partir de exportações significativas.

Apesar da sua rapidez, que limitou a sedimentação de experiências, a sequência de implantação dos pólos petroquímicos trouxe consigo importantes processos de aprendizado, de natureza distinta, para todos os atores envolvidos.

Do ângulo tecnológico, o Quadro 2 sintetiza estimativas da participação nacional no suprimento de insumos tecnológicos na implantação dos três pólos. A maior descontinuidade observa-se entre o pólo de São Paulo e o da Bahia, refletindo provavelmente a maior experiência da Petroquisa. Enquanto em São Paulo o domínio da tecnologia limitava-se às tarefas de montagem, na Bahia este já abarcava plenamente os estudos preliminares e, em boa medida, a engenharia de detalhe, que, no pólo Sul, já era totalmente internalizada. Mesmo com a maior participação de financiamentos externos, no último pólo aumenta o suprimento local de equipamentos. O mesmo autor (Teixeira, 1985) assinala o aprendizado na negociação de contratos de um pólo ao outro.

Ao mesmo tempo, o referido Quadro ilustra o não-aprendizado – a limitação nacional em processos e engenharia básica, supridas seja por contratos (nas centrais) seja pelos sócios estrangeiros (na maioria das firmas a jusante da cadeia). Conforme é discutido em maior detalhe a seguir, essa limitação tem caráter estrutural.

O processo de implantação da indústria demandou também outros aprendizados, menos intencionais que o tecnológico. Boa parte dos empresários petroquímicos nacionais formou-se nesse processo, no que pode ser descrito como um tipo específico de “on-the-job training”. As empresas multinacionais tiveram que exercitar sua capacidade de adaptação a contextos institucionais distintos. Finalmente, os policy-makers do setor desenvolveram o complexo aparato regulatório acima descrito ao longo da experiência de implantação dos três pólos, adaptando-o, como vimos, a circunstâncias distintas. 

2.3. Fase III: Amadurecimento da Indústria e Deterioração da Regulação 

Ao findar a implantação do pólo de Triunfo interrompe-se a dinâmica de encadeamento de pólos, em que um novo pólo já começa a ser planejado antes mesmo de finalizado o anterior. Ao contrário, em um contexto em que se somam o segundo choque do petróleo e a política de ajuste recessivo, em 1981 a indústria faz face, pela primeira vez na sua história, em vez de uma demanda crescente, a uma queda substancial (12%) no consumo aparente, localizada principalmente nos produtos finais da cadeia (Guerra, 1991)

A solução é encontrada na busca do mercado externo: as exportações, que até 1980 eram negligenciáveis em peso, valor e participação na produção, aumentam 300% em peso e 250% em valor entre 1980 e 1981 e saltam novamente após a entrada em operação de Triunfo: 188 e 174%, respectivamente, entre 1982 e 1983 (Guerra 1991). Embora a menores taxas, as exportações seguem crescendo até 1985, quando representam 18% da produção nacional. Com o boom do mercado interno em 1986, a tonelagem exportada se reduz e sua participação na produção se estabiliza em torno de 12% até o fim da década, conforme pode ser visto no Quadro 4. Apesar de constituírem excedentes do mercado interno, as exportações haviam passado a integrar o horizonte operacional da petroquímico brasileira, especialmente para os produtos termoplásticos, para os quais o mercado externo e significativo, representando um quarto do consumo aparente em 1989. 

Embora marginal do ponto de vista mundial, esse desempenho exportador e significativo em termos nacionais. Para tanto, a participação do aparato regulatório foi decisiva, estabelecendo preços ao longo de toda a cadeia que viabilizassem as exportações, feitas normalmente a preços que cobriam apenas os custos variáveis, e mobilizando os serviços da trading company da PETROBRAS, INTELBRAS. Posteriormente, o setor passou também a usar os incentivos fiscais da BEFIEX: em 1982 apenas duas empresas, uma produtora de básicos e outra de acrilatos, utilizaram esses incentivos. No entanto, após um interregno, a partir de 1987, outras 17 empresas passaram a usar a BEFIEX, notadamente para exportações de termoplásticos e resinas (informações diretas da BEFIEX, em Erber e Vermulm, 1993). Essa lentidão pode ser devida a processos de aprendizado de uso do instrumento.

A debacle de 1981 e singular na década. Segundo os dados de Guerra (1991), já no ano seguinte o consumo interno de produtos petroquímicos voltará aos níveis de 1980 e, a seguir, cresce continuadamente até o fim dos oitenta, conforme mostra o Quadro 4, apesar de todas as oscilações da economia durante o período10. Comparadas porém com as vertiginosas taxas de crescimento dos anos setenta, as taxas da última década parecem modestas (veja-se o Quadro 5). Oliveira (1990) estima altos coeficientes de elasticidade do consumo per capita de produtos petroquímicos em relação ao PIB per capita no período 1982/88: 6,35 para o eteno, 6,21 para o polietileno de alta densidade, 8,21 para o polipropileno e 15,88 para a acrilonitrila. Não obstante, em 1989 o nível de consumo per capita brasileiro (10,3 kg/hab) ainda é baixo, quando comparado ao dos países desenvolvidos: 56,2 kg nos Estados Unidos, 64,2 no Japão e 69,8 na Alemanha. E’ também inferior ao da Argentina (11,4 kg/hab), indicando uma extensa fronteira de expansão (ibid). A estrutura de produção, mantém-se relativamente estável, com os produtos básicos representando cerca de um terço do total em peso, os intermediários para plásticos aproximadamente 17% e os orgânicos diversos cerca de 15%. A principal alteração e a elevação da participação de termoplásticos, que passa de de 15 para 18% do total.

O nível de investimentos do setor também se reduz no período: utilizando os dados de Oliveira (1990), estima-se que no período 1973/82 o setor teria investido em média US$ 466 milhões (correntes) por ano, ao passo que no período 1982/88 esse investimento teria sido de US$ 287 milhões anuais. Essa redução parece responder a uma dupla determinação: macroeconômica, expressa pela queda no crescimento do PIB, que passa de 8.6% a 2.1% anuais, e, principalmente, setorial, correspondente a passagem de um período de implantação da indústria a um período de absorção de capacidade e amadurecimento. Mesmo assim, como resultado desses investimentos e de esforços de desengargalamento e otimização de processos, a capacidade produtiva do setor continua ampliando-se no correr da década, embora a taxas inferiores a década anterior (Oliveira 1990).

Os preços dos produtos petroquímicos apresentam uma forte redução ao longo da década de oitenta e tendem a situar-se em níveis inferiores aos dos vigentes nos mercados dos países desenvolvidos (Limoeiro, 1991 e Erber e Vermulm, 1993). Assim, apesar da proteção infinita contra as importações, os consumidores nacionais também se beneficiaram do desenvolvimento da indústria. Os preços da cadeia petroquímico eram administrados pelo Governo, através da PETROBRAS (nafta) e do Conselho Interministerial de Preços. O preço da nafta, principal insumo da cadeia, ao longo da década, foi, em regra, inferior ao prevalecente em outros países. Em consequência, as relações de preços básicos/nafta e finais/básicos tendiam a ser altas em termos internacionais (ibid.). Havia, pois, uma lógica de preços na cadeia, pela qual as margens dos produtos finais eram superiores às das centrais e estas as da refinaria. Proprietária das refinarias, a PETROBRAS era, em parte, compensada pela sua participação a jusante da cadeia, através da Petroquisa. O controle de preços parece ainda ter estabilizado as margens auferidas pelos produtores petroquímicos, evitando os ciclos característicos do setor, embora, na segunda metade da década, com a aceleração do processo inflacionário, as margens tenham apresentado maior volatilidade (Erber e Vermulm,1993). 

A extensão da crise macroeconômica parece ter sido mal avaliada pelo setor, fruto, em parte, da “cultura de crescimento” estabelecida ao longo do processo de implantação da indústria. Assim, no período 1986/87, embalado pelo crescimento do Plano Cruzado, o setor estimou que haveria um déficit de produtos petroquímicos já em 1992, baseado em estimativas de crescimento anual do PIB que variavam entre 7 e 5,5% ao ano e projeções de exportações equivalentes a 20% da produção. A este otimismo quanto ao desempenho interno e externo do setor somou-se a possibilidade de utilizar o gás natural descoberto no Estado do Rio de Janeiro como matéria-prima alternativa a nafta, cujo suprimento era problemático (Oliveira 1990 e Guerra 1991).

Surgia assim a oportunidade de implantar um novo pólo ou ampliar os pólos já existentes. O setor parecia retomar a trajetória anterior. No entanto, não só o contexto macroeconômico era outro como a capacidade decisória do Estado brasileiro havia se deteriorado rápida e substancialmente. Assim, o Programa Nacional de Petroquímico (PNP), lançado em 1987, estabeleceu metas que atendiam a todos os interesses, propondo a expansão dos pólos de Camaçari e Triunfo, o desengargalamento do pólo de São Paulo e a implantação de um novo pólo no Estado do Rio de Janeiro. Definido com base em estimativas de crescimento do PIB de 5.5% anuais e com um horizonte até 1998, o PNP previa investimentos de US$ 7.4 bilhões11, dos quais 60% seriam realizados no Nordeste, 27% no Sudeste (Rio e São Paulo) e o resto no Sul (Oliveira 1990).

Conforme detalhado a seguir, o PNP foi implementado de forma muito parcial, destacando-se a duplicação da Copene, apesar de concluída apenas em 1993, com dois anos de atraso em relação ao cronograma original. Aplica-se ao Programa, com propriedade, a metáfora do copo a metade pleno, que para os otimistas está meio cheio e para os pessimistas metade vazio: os investimentos realizados, notadamente a expansão de Camaçari, são um atestado de dinamismo do setor, especialmente no contexto macro em que foram feitos, mesmo que constituíssem apenas uma parcela do planejado.

No entanto, o PNP aponta para uma crise que, camuflada na época, viria a apresentar-se plenamente na década de noventa – a crise do aparato regulatório estatal do setor. Anteriormente, este fora sujeito a grandes pressões de interesses econômicos e políticos, como nas decisões concernentes a localização dos pólos e a permissão para a Dow constituir um pólo próprio. No entanto, mesmo com delongas, este aparato fora capaz de definir opções e implementá-las – o que não parece ter sido o caso no PNP, onde tentou-se a impossibilidade: agradar a todos.

Não é só nas decisões relativas a investimentos que o sistema regulatório parece ter entrado em crise na segunda metade dos anos oitenta. Em um contexto de aceleração inflacionária, os controles impostos a operação de empresas estatais provocaram danos substanciais a eficiência da Petroquisa e suas subsidiárias (provavelmente com escassos benefícios do ponto de vista de gastos públicos). Por sua vez, conforme já mencionado, o controle de preços provocou grandes flutuações nas margens operacionais das empresas. 

  Finalmente, ao terminar a década, a política de comércio exterior apontava para a erosão de um dos pilares básicos da constituição do setor, introduzindo, em 1988, uma reforma tarifária que reduzia as tarifas médias do setor petroquímico e dos seus consumidores (veja-se Quadro 7). Embora as tarifas tivessem sido negociadas com os empresários a um nível ainda alto e persistissem as barreiras administrativas na CACEX, mais importantes que as tarifas, a reforma de 1988 era um indício importante da liberalização subsequente.

A progressiva desagregação do sistema regulatório do setor petroquímico não é um fenômeno isolado – ela constitui uma faceta específica da decomposição do Estado brasileiro durante os anos oitenta, que se acentua na segunda metade da década.

Pari passu com o processo acima descrito observa-se uma tendência de reforço do empresariado privado nacional do setor. Em 1980 as dezessete empresas de segunda geração do pólo de Camaçari que detinham ações da COPENE constituíram uma holding, Nordeste Químicas S.A – NORQUISA, transferindo-lhe as referidas ações, que representavam uma participação no capital votante da Central (47.2%) equivalente a da Petroquisa (48.1%). Considerando o papel estratégico da COPENE no pólo e a massa de lucros que gerava, a NORQUISA atendia a um duplo propósito, fruto da centralização de capitais: participar nas decisões da Central e aglutinar recursos para investimentos. Adicionalmente, ao “privatizar” a COPENE, cujo restante do capital votante estava nas mãos do público, retirava-se a empresa da órbita de controle da SEST. No pólo de Camaçari como um todo, a participação do Estado no capital reduziu-se de 42% para 38% entre 1978 e 1985 (Teixeira 1987), diferença tomada pelo empresariado nacional.

No correr da década, a NORQUISA, além de participar da expansão da COPENE, iria envolver-se pesadamente na constituição do pólo cloroquímico de Alagoas e na tentativa, inspirada na estratégia do II PND, de estabelecer uma indústria de químicas fina sob controle nacional, investindo principalmente em produtos intermediários dessa indústria.

Ao mesmo tempo, processa-se uma “nacionalização” das joint-ventures tripartites. Tomando como referência o início dos pólos (dados de Bastos, 1989), das 24 joint-ventures originais, restavam, em meados dos oitenta, apenas 11, sendo significativo que esse processo avance na proporção direta da idade dos pólos. No pólo de Camaçari, Teixeira (1987), mostra que, entre 1978 e 1985, os sócios estrangeiros reduzem a sua participação de 19% para 15% do capital. Este processo não parece ter obedecido a um planejamento, tendo ocorrido de forma incremental e caso a caso. Na maioria dos casos,a retirada do sócio estrangeiro deu-se por iniciativa deste, seguindo objetivos próprios (p.ex. saída dos ramos de commodities na petroquímico). Não obstante, é significativo que não se tenha buscado a sua substituição por outro sócio estrangeiro.

Finalmente, destaca-se na década de oitenta a ampliação das atividades petroquímicos do grupo Odebrecht, especialmente por meio de aquisições acionárias (inclusive no grupo Unipar), que lhe garantem presença nos três pólos e numa gama ampla de produtos, tornando-o o principal grupo privado nacional do setor.

Entre as firmas multinacionais, cabe destacar o movimento de diversificação da Rhodia, inclusive para áreas distintas da petroquímico, e a mudança de estratégia da Dow, que passa a aceitar participar de joint-ventures tripartites.

As transformações acima apontadas não mudam porém a problemática da estrutura empresarial da indústria petroquímico em termos de escala e capacidade de decisão. Enquanto as plantas são, em regra, de porte internacional (veja-se Oliveira 1990 para comparações), as empresas e grupos têm escalas muito pequenas. Embora a Petroquisa tivesse um faturamento substancial em termos internacionais, os limites que os acordos de acionistas impunham a sua participação nas empresas coligadas, dando aos demais parceiros direito de veto em decisões estratégicas, bem como as normas tácitas que regiam suas associações, restringiam sua capacidade empresarial. Na verdade, o Sistema Petroquisa não tinha as características de um grupo sujeito a um comando estratégico. Entre os grupos privados, mesmo os maiores (Odebrecht, Unipar e Rhodia) tinham um faturamento pequeno (entre US$ 1 e 1,5 bilhão brutos) para padrões internacionais. As mesmas limitações que afligiam a capacidade de decisão da Petroquisa, afetavam também o setor privado. Assim, Oliveira (1994), após estudar os vários tipos de acordos que limitam as ações das empresas do setor, caracteriza-as como quase-empresas porque “não podem de forma autônoma: dispor dos lucros gerados para financiar a expansão de vendas e/ou de ativos; alavancar recursos de terceiros para acelerar seu ritmo de crescimento; rever o escopo produtivo pela via da aquisição ou alienação de ativos; promover fusões, cisões, incorporações, trocas de portfólio ou de instalações produtivas, desativar plantas ou linhas completas de produção” (p.160) 

Tampouco modificou-se substancialmente ao longo dos anos oitenta a característica de fragmentação da participação na cadeia das empresas e grupos, que lhes impede de auferir de economias de escopo e sinergia. A estrutura de oferta por produtos permaneceu fortemente concentrada, exceto em termoplásticos, onde, para os polietilenos e polipropileno o número de firmas participantes cresceu durante a década e, ao fim desta, havia vários projetos de expansão.

Em termos de bens fabricados, a petroquímico brasileira concentrava-se em produtos relativamente padronizados – commodities e quase-commodities, não tendo seguido de perto a trajetória internacional rumo a produtos de maior valor agregado como especialidades, plásticos de engenharia e químicas fina. Entretanto, em direção a esta última, seriam feitas importantes tentativas de diversificação pelas empresas do pólo baiano, notadamente pela Norquisa, na segunda metade da década de 80, seguindo, conforme mencionado, uma estratégia de substituição de importações, posteriormente liquidada pela abertura às importações.

Finalmente, cabe observar que os problemas estruturais de localização de produção e consumo de produtos petroquímicos já apontados agravaram-se durante a década em virtude da deterioração da rede de transportes e portuária, fruto das crescentes dificuldades de investimento do setor público.

2.4. Fase IV: Crise Econômica e da Regulação: Os Anos 1990/92 

O início dos anos noventa e marcado pelo fracasso das políticas de estabilização de preços, indefinição da problemática dívida externa do país e queda no PIB e no produto industrial. A política industrial e de comércio exterior12 e concebida como uma “pinça”, em que se contrapõem instrumentos de aumento da competição (notadamente a abertura às importações e a privatização) a outros instrumentos que visam aumentar a competitividade da indústria brasileira, principalmente pelo uso de incentivos fiscais para o desenvolvimento tecnológico. No entanto, além da “pinça” ser estruturalmente desequilibrada, pela diferença entre as duas “pernas” em termos de timing e de incidência dos instrumentos, a sua implementação aumentou esse desequilíbrio, posto que os instrumentos de competição foram mais ativados que os de competitividade. O fracasso da política de estabilização agrava ainda mais esse desequilíbrio e induz o Governo a usar as tarifas como mecanismo de controle de preços internos, sob uma perspectiva de curto prazo, distorcendo sua função de parâmetro de decisões de prazo mais longo.

O antigo aparato regulatório e desmontado e aumentam os conflitos entre o Governo e o setor privado. Em 1992 a crise assume face política explícita, culminando com o impeachment do Presidente da República, sob acusações de corrupção. Convergem assim, de modo interdependente, duas crises internas de âmbito macro – econômica e de regulação – que vão rebater sobre a petroquímico filtradas pelas características do setor (Erber e Vermulm 1993). 

O setor petroquímico internacional também apresenta uma situação de crise, com sobre-oferta e preços deprimidos, que tende a aumentar pela entrada de novas plantas, localizadas no Oriente Médio e Extremo.

Assim, o setor petroquímico brasileiro inicia a década de noventa fazendo face a um quadro interno e externo bastante desfavorável. Antes de examinar o seu desempenho, convém detalhar as modificações do contexto regulatório, posto que essas transformações amontam a um verdadeiro choque.

Ao nível do mercado, a abertura às importações e significativa, especialmente a luz de uma proteção prévia praticamente infinita: em 1990 eliminam-se os controles administrativos das importações e introduz-se uma nova estrutura tarifária, desdobrada até 1994 ; decide-se acelerar a formação do MERCOSUL para 1995 e mantém-se a taxa de câmbio sobrevalorizada. Como pode ser visto no Quadro 7, os níveis de tarifas nominais caem drasticamente: para produtos petroquímicos básicos e intermediários a tarifa reduz-se de 27.8% em 1988 para 7.9% em 1992 e para resinas, fibras artificiais e sintéticas a queda e de 40.2% para 15%. As tarifas efetivas, também cadentes, são porém superiores, finalizando o período em, respectivamente, 15.2% e 20.2%. No entanto, não se alteram a legislação antidumping e o restrito aparato governamental encarregado de executá-la. Do lado da abertura exportadora o movimento tem sentido inverso, sendo abolidos os incentivos fiscais para essas atividades, extinta a Interbras e mantida a taxa de câmbio sobrevalorizada.

No mercado interno, o controle de preços dos produtos petroquímicos e abolido em 1990 e a seguir reestabelecido, para novamente ser cancelado no fim de 1991, desta vez de forma definitiva. No entanto, o preço da nafta, que é o principal componente dos custos da cadeia, continua a ser fixado administrativamente e sujeito a forte polêmica quanto aos critérios de fixação13. Apenas no fim de 1991 este critério viria a ser definido – 120% do preço do petróleo “Brent”, contrariando a proposta da indústria que reivindicava um multiplicador menor (110%), fixado sobre outro tipo de petróleo. Este critério representava um aumento importante nos custos da cadeia petroquímico. Embora a Petrobras não tenha implementado essa política, mantendo os preços abaixo do nível de mercado internacional, o diferencial entre o preço interno e o internacional estreita-se, passando o preço interno de 58% do preço internacional em 1990 a 93% em 1993 (veja-se Quadro 8). Igualmente grave, a indefinição quanto aos critérios representava uma espada de Damocles sobre a cabeça da indústria, aumentando a incerteza quanto ao seu desenvolvimento.

Embora representassem uma ruptura com o passado, as medidas acima descritas eram, com ajustes, compatíveis com o sistema regulatório que presidirá o setor. O cerne deste sistema seria atingido, porém, pela eliminação dos mecanismos de seleção de projetos e articulação institucional e pela política de privatização.

A extinção do CDI marca mais que o fim dos incentivos fiscais que este administrava – assinala a abolição dos mecanismos vigentes de seleção de projetos e articulação de políticas entre os vários órgãos que afetam o setor – que não são substituídos por mecanismos alternativos. Ao contrário, a política de privatização, abaixo discutida, estabelece uma cisão entre os dois principais responsáveis pelo “ancien régime”: o BNDES e a PETROBRAS.

Tendo o Governo conferido prioridade máxima a privatização das empresas estatais e atribuído ao BNDES a função de executor deste programa, seguiu-se a decisão de incluir a petroquímico entre os primeiros setores alvo do Programa Nacional de Desestatização (PND). Posto que a maioria das participações da Petroquisa nas empresas do setor eram minoritárias (excetuando-se as centrais do Rio Grande e de São Paulo e a Petroflex, grande produtora de elastômeros), tratava-se aqui de desestatização estrito senso. Os empresários privados do setor apoiaram entusiasticamente o Programa, embora, conforme detalhado a seguir, não lograsse acordar-se quanto a uma configuração que superasse a fraqueza da estrutura empresarial, por todos reconhecida.

Por sua vez, a PETROBRAS tinha motivos políticos e econômicos para opor-se a uma amputação do seu braço petroquímico. Até o presente momento, a Petrobras controla o fornecimento da nafta como executora do monopólio que a Constituição confere à União. Esta condição cria obrigações e direitos para a PETROBRAS face o setor petroquímico: de um lado, torna a Empresa responsável pelo funcionamento de um setor estratégico da economia, e, de outro, faz com que ela tenha um interesse comercial no abastecimento do setor, sugerindo que explore as vantagens monopólicas. Este conflito entre os lados estatal e empresarial, típico de toda empresa do Estado, era resolvido compensando a perda de rendas monopólicas nas refinarias com o que auferia na petroquímico, via Petroquisa. A prática de preços de transferência ao longo da cadeia petroquímico e usual no setor, conferindo vantagens a empresas verticalmente integradas, como são os principais competidores internacionais da PETROBRAS. Pelas razões já apontadas (ver nota 13), a existência de um subsídio para a cadeia petroquímico nos preços cobrados pela nafta e controversa. 

 Três alternativas foram originalmente contempladas para a privatização do setor:

a) Venda, isoladamente, das centrais de matérias primas e das participações minoritárias da Petroquisa nas empresas de segunda geração;

b) Privatização da Petroquisa cindida em três ou quatro empresas, aglutinando em torno de cada uma das centrais as participações minoritárias da Petroquisa nos respectivos pólos;

c) Privatização da Petroquisa em bloco.

A conveniência de formação de grandes grupos empresariais capazes de competir internacionalmente, fazendo face a abertura às importações, favorecia as duas últimas alternativas. Não obstante, a celeridade que, por razões políticas, se desejava imprimir a privatização, as dificuldades impostas pelos acordos de acionistas e pela presença de sócios estrangeiros nas empresas a serem privatizadas (veja-se a seguir), bem como a falta de acordo quanto ao modelo a ser adotado, levaram a Comissão Diretora do PND a adotar a primeira alternativa, procedendo porém a privatização por pólos. Tendo em vista a menor complexidade do pólo do Sul, este foi escolhido como ponto de partida do processo. 

Buscou-se, inicialmente, formar no pólo de Triunfo uma empresa holding que congregasse as firmas de segunda geração, dando origem a uma empresa regional de Médio porte. No entanto, essa solução não foi aceita pelas referidas firmas, que argumentavam que, embora tivessem interesse em participar da central para garantir o suprimento de matérias primas, com a constituição da holding adquiririam participações em outras firmas a jusante, fora de sua estratégia. Os sócios estrangeiros dessas empresas tinham o segredo tecnológico como razão adicional para evitar fusões. Optou-se, pois, pela privatização parcelada: em primeiro lugar da central e, a seguir, das participações da Petroquisa nas empresas de segunda geração. 

Em consequência, o controle da central (Copesul) foi parcelado entre os grupos que tinham empresas a jusante e a Petroquisa. Visando manter o interesse desta na cadeia petroquímico, foi-lhe concedido manter uma participação minoritária (17%) do capital da central, embora muito inferior ao mínimo que reivindicava (um terço). O Quadro 9, a seguir, mostra a distribuição do capital votante da Copesul e das demais centrais, antes e depois do leilão de privatização.

A crise econômica leva a uma contração das vendas do setor no país, conforme mostra o Quadro 10. Face às condições do mercado internacional, esta redução é compensada apenas parcialmente pelas exportações, cujo volume aumenta muito mais que o valor (ibid.). As importações tomam uma trajetória ascendente e, entre 1989 e 1992, aumentam 2,5 vezes em volume, embora aumentem apenas 10% em valor, refletindo os baixos preços internacionais. No último ano respondem por cerca de 9,5% e 5% das vendas internas, em volume e valor. Embora as importações efetivas estejam concentradas em poucos produtos (veja-se a seguir), o efeito da abertura importadora e muito mais amplo, pois coloca um teto aos aumentos de preços dos produtos locais, teto que é rebaixado pelas condições de oferta do mercado internacional.

A reação das empresas petroquímicos a essa combinação de fatores e estritamente defensiva. Cabe notar que a estrutura fragmentada e mono-produtora da indústria brasileira reduz substancialmente a margem de manobra defensiva das empresas. Nos grandes grupos internacionais, decisões de remanejamento de produção e eventual fechamento de fábricas menos eficientes, embora dolorosas, são frequentes, facilitadas pela existência de muitas fábricas no âmbito do grupo. No caso brasileiro, porém, o fechamento de uma fábrica pode significar o fechamento de uma empresa. A estas características empresariais somava-se o excesso de capacidade de produção em relação às possibilidades de vendas internas e externas em vários produtos (p.ex. eteno, polietilenos, polipropileno), dificultando significativamente a reestruturação competitiva do setor.

Assim, as empresas brasileiras reduzem seus custos contraindo a produção, despedindo pessoal, de todos os níveis, desmantelando inclusive equipes dedicada a aperfeiçoamentos tecnológicos (veja-se a seguir) e reorientam o trabalho das equipes remanescentes para objetivos de contenção de gastos. Ao mesmo tempo, reduzem seu endividamento e cancelam, quando possível, planos de investimento ou, quando estes são indispensáveis, reduzem o seu ritmo. Do PNP implementou-se apenas a ampliação de Camaçari, onde a obra principal, a duplicação da COPENE, foi concluída em 1993, com dois anos de atraso. A implantação do pólo do Rio foi abandonada em favor da execução de alguns projetos estruturados em torno da refinaria da PETROBRAS no Estado, dos quais apenas parte teve seguimento e a ampliação de Triunfo foi postergada. A diversificação rumo a químicas fina e abandonada, em parte devido a abertura, que reorienta as filiais de firmas multinacionais, principais clientes desses produtos, para a importação, especialmente intra-grupo. Mesmo assim, as empresas do setor passam a operar com margens líquidas negativas, embora os prejuízos se reduzam ao longo do triênio 1990/92 (Oliveira, 1994).

2.5. Fase V: Recuperação e Incerteza: 1993/95

O Governo que assume no fim de 1992 não tem, a princípio, uma orientação clara como o anterior. Assim, embora mantidos os princípios da abertura e privatização, abre-se um espaço para a discussão de um desenho de uma configuração sustentável para a petroquímico brasileira. 

Para a nafta, estabelece-se uma política de preços em que este é composto de duas parcelas: a primeira, relativa a nafta produzida no país, e equivalente a 1.15 do petróleo CIF importado e a segunda corresponde ao valor CIF da nafta importada. O peso das duas parcelas e proporcional a sua participação no total consumido (Oliveira 1994). Embora no período 1993/94 o preço interno Médio da nafta tenha oscilado substancialmente14, o diferencial entre o preço interno e o internacional tende a aumentar, conforme pode ser visto no Quadro 8. 

Quanto a privatização, sustou-se o processo de leilões e estabeleceram-se negociações entre o setor privado, a PETROBRAS e o BNDES. Destas negociações emergira uma solução para as centrais de matérias-primas: a manutenção de uma “significativa” participação da Petroquisa no capital- cerca de 30%. Esta solução representava uma modificação importante na posição do setor privado, provavelmente inspirada pelo desejo de garantir o suprimento da nafta a bom preço. Permanecia porém o impasse quanto a participação da Petroquisa nas empresas a jusante da cadeia, que a PETROBRAS desejava manter, pelo menos em algumas empresas. Esta solução envolvia o poder da Petroquisa em dois níveis: o das decisões dentro das empresas em que participasse e a possibilidade de tratamento diferenciado entre empresas das quais fosse sócia e as demais empresas. O dissenso a esse respeito existia tanto entre a PETROBRAS e as empresas privadas como entre estas. Ao mesmo tempo, o conflito entre os grupos privados envolvidos na petroquímico aumentou substancialmente, inspirado principalmente pelo receio de que o grupo Odebrecht, que resultara fortalecido pela privatização do pólo de Triunfo e revelava uma estratégia agressiva, assumisse uma posição hegemônica dentro do setor. Esses conflitos inviabilizaram uma solução negociada para a estrutura empresarial da indústria.

É’ importante notar que, embora consultores da ABIQUIM tenham sugerido mecanismos de regulação baseados em contratos de longo prazo, que estabeleceriam critérios de fixação de preços e de repartição de margens ao longo da cadeia (ver Chem Systems 1992), as partes envolvidas não parecem tê-los considerado em profundidade, atendo-se a formas de regulação baseadas em relações hierárquicas, i.e. de propriedade. 

Enquanto desenrolavam-se estes conflitos, no seio do Governo grupos mais identificados com o ideário neoliberal tornavam-se hegemônicos, notadamente a partir de meados de 1993. O sistema de preços passa por uma aceleração do processo inflacionário, estabilizando-se, no segundo semestre de 1994, com o Plano Real, que leva a eleição, no fim daquele ano, do antigo Ministro da Fazenda, assinalando a continuidade da política econômica.

O Programa de Desestatização retomou seu curso, através de leilões, privatizando-se, em 1994, o pólo de São Paulo através da venda total das participações da Petroquisa nas empresas a jusante da central aos demais acionistas e dividindo o controle da central entre 16 grupos, constituídos pelos antigos controladores – Unipar e Petroquisa – que ficaram com, respectivamente 30% e 27%, empresas a jusante e bancos (ver Quadro 9). A privatização do pólo da Bahia foi iniciada, com a venda da participação da Petroquisa em um dos principais fabricantes de termoplásticos, mas a seguir foi sustada, deixando-se o seu equacionamento para o novo Governo, que toma posse em janeiro de 1995. Neste ano, a privatização da COPENE foi feita pela aquisição de parte da participação da Petroquisa pela Norquisa, que torna-se o controlador da central, e por fundos de pensão e um grande banco. A Petroquisa retem 17% da COPENE (ibid).

O processo de abertura às importações foi aprofundado. A taxa de câmbio apresenta uma forte valorização a partir de meados de 1994 e o cronograma de redução tarifária foi acelerado. O uso da tarifa como instrumento de controle de preços internos foi mantido. Para produtos básicos a tarifa nominal e nula e para importantes segmentos, como termoplásticos, situa-se em 2%. Em consequência, a proteção efetiva para, pelo menos, parte substancial da petroquímico e provavelmente negativa. 

Conforme pode ser visto no Quadro 10, as importações crescem substancialmente durante o biênio 1993/94, equivalendo a 14% do peso e quase 10% do valor das vendas internas totais. Como a gama de produtos importados e restrita, a agregação acima tende a subestimar os efeitos da abertura ao nível de produtos. No entanto, comparado com o início do processo, a gama de importações também se amplia. Enquanto em 1991 havia apenas seis produtos com importações superiores a US$ 10 milhões, em 1994 esse número triplica. Os cinco principais itens importados em 1991 respondiam por 41,8% das importações totais. Em 1994 os cinco produtos principais respondem por 35,7%. do total e, entre estes cinco, apenas dois são os mesmos de 1991, embora os produtos que saem deste conjunto continuem com importações superiores a US$ 10 milhões15. Note-se ainda que parte substancial das importações (25% do valor total de 1994), corresponde a produtos (principalmente termoplásticos) que também respondem por grande parte das exportações (43% do valor total), caracterizando uma situação de comércio intra-industrial,

Durante o ano de 1993, algumas empresas acionam os mecanismos de proteção contra práticas desleais de comércio. Em 1992 estes dispositivos foram utilizados uma vez apenas, para o PVC, com resultado favorável ao pleito das empresas. Em 1993 são julgados seis processos, quatro dos quais movidos por uma empresa. Em apenas dois casos os pedidos foram julgados procedentes, cabendo notar que, no último caso a ser julgado, em fins de 1994, a razão apresentada para a negativa e, explicitamente, o prejuízo que acarretaria ao Programa de Estabilização em curso. Os prazos entre o início formal do processo e a decisão são de 6 meses (dois casos), sete meses (dois), oito (um) e 14 meses (um caso). Em 1995 a legislação de proteção contra práticas desleais de comércio seria revista, para adequá-la aos resultados da Rodada Uruguai.

Apesar do aumento das importações, a elevação dos preços internacionais a partir de meados de 1993 atenua o efeito que estas exercem sobre os preços e margens internas. Embora permaneçam problemas de ineficiência dos mecanismos de proteção contra práticas desleais de comércio, o foco dos debates desloca-se para as ineficiências sistêmicas que afetam a indústria petroquímico. Entre estes fatores, que remetem a crise do Estado brasileiro, a indústria destaca os seguintes:

i) Carga fiscal 

Segundo as conclusões de ABIQUIM (1992) ” o volume dos impostos e a própria estrutura tributária brasileira impõem aos produtores aqui instalados uma carga bem superior à vigente nos EUA, por exemplo. Em ordem de importância, tem-se o imposto de renda, os impostos sobre custo financeiro nas vendas a prazo (não existentes no resto do mundo), o PIS e o COFINS (FINSOCIAL) [contribuições para-fiscais de natureza social], os dois últimos também não existentes no resto do mundo; assim, os impostos sobre o lucro e sobre a produção locais acabam por favorecer a importação, que não incorre em tais custos nos países de origem” (op. cit. p.69). Alguns destes encargos (PIS) foram reduzidos para as exportações em 1994. 

Estima ainda a mesma fonte que, na indústria químicas, ” o salário Médio no Brasil e baixo, da ordem de US$ 5,69/h. Entretanto, dada a atual estrutura de encargos (fiscais e parafiscais) sobre o fator trabalho, emerge um custo Médio elevado, da ordem de US$ 12,13/h, similar aos da indústria químicas americana” (op. cit. p.59). Embora a indústria seja relativamente pouco intensiva em mão-de-obra, a vantagem derivada dos baixos custos deste fator tende assim a perder-se.

ii) Custos financeiros 

Respondendo a política de estabilização, as taxas de juros cobradas no Brasil, mesmo as taxas do BNDES, fonte mais barata de crédito de longo prazo, são muito superiores às internacionais. Sendo uma indústria intensiva em capital, a petroquímico e brasileira e muito onerada em sua competitividade internacional por esse diferencial, que afeta especialmente as empresas que acabaram de investir em projetos de expansão, como as do pólo da Bahia ou as que necessitam urgentemente de novos investimentos, como a central de matérias primas do pólo de São Paulo. Respondendo, em parte, a esses problemas, o BNDES mudou, no fim de 1994, a taxa que corrigia seus créditos, que passou a depender das taxas pagas pelos títulos da dívida pública no exterior. 

iii) Infraestrutura 

Também são notórias as deficiências nacionais em termos de infraestrutura econômica (transporte, portos, energia e comunicações), social (saúde e educação) e técnico-científica, que refletem a crise do Estado brasileiro. Dadas as suas características técnicas e locacionais, estando muitas fábricas distantes dos principais mercados nacionais, as deficiências em transporte e portos parecem especialmente relevantes para a petroquímico (notadamente para o pólo do Nordeste), embora as limitações da infraestrutura social e técnico-científica também obriguem as empresas do país a internalizar maiores custos que seus competidores externos. O Governo acredita que a privatização deverá resolver os problemas de infraestrutura física. 

Apesar das limitações sistêmicas, a indústria aumenta substancialmente suas exportações em 1993 e 1994, em quantidade e valor, este mais que aquela em função do aumento de preços internacionais (Quadro 10). Preocupadas com as repercussões desses aumentos sobre os preços internos, ao fim de 1994 as autoridades governamentais oneraram fiscalmente as exportações de produtos petroquímicos. 

Assim, liderado pelas exportações, já em 1993, o nível total de vendas supera os níveis de 1989 (Quadro 10). Embora a produção industrial do país tenha se expandido 10% em 1993, apenas em 1994 o quantum de produtos petroquímicos vendido internamente volta ao nível de 1989, permanecendo porém inferior em termos de valor constante (ibid.). Em alguns produtos importantes, como eteno, PVC e PEBD, a produção em 1994 já alcançava 90% ou mais da capacidade instalada, segundo dados de ABIQUIM (1995). Embora em 1994 a rentabilidade do setor tenha sido positiva, o quadro de investimentos mantém as mesmas características do biênio anterior: são desenvolvidos apenas projetos indispensáveis, normalmente de pequeno vulto, p.ex., por razões ambientais ou pela obsolescência de instalações. 

Mantidas as condições favoráveis no mercado externo e com as perspectivas de estabilidade macroeconômica do país mais consolidadas, em 1995 alguns grupos privados já discutem planos de investimento mais ambiciosos. O principal projeto retoma a ideia de um mini-pólo no Rio de Janeiro, junto a refinaria da PETROBRAS naquele Estado, usando o gás natural como matéria-prima. Prevê-se a construção de unidades produtoras de eteno (300 mil t) e de propeno (50 mil t) e uma planta de polietileno de 300 mil t. Na proposta original, caberiam a PETROBRAS o tratamento do gás e as unidades de eteno e propeno e a uma associação dos grupos Ipiranga, Mariani e Suzano a unidade de polietileno. O esquema de financiamento e propriedade dos investimentos (cerca de US$ 700 milhões) ainda não está definido. Sendo implementado, este projeto aumentara substancialmente a concorrência em polietileno, mas não acarreta mudanças estruturais no setor, em termos da gama de produtos ou de tecnologia. Outros planos de investimento são de menor alcance, visando expansões de capacidade e modernização e adequação a normas ambientais. 

 3. A Trajetória Tecnológica do Setor 

As empresas petroquímicos, no mundo inteiro, movem-se dentro de um paradigma tecnológico relativamente maduro, onde o progresso técnico e de natureza incremental mas a inovação na fronteira tecnológica requer escalas mínimas de gastos em pesquisa e desenvolvimento elevadas. As empresas líderes do setor compensam, em parte, esse patamar via economias de escala estáticas, efeitos de aprendizado e economias de escopo nas atividades tecnológicas que realizam. A cooperação, p.ex., via licenciamento cruzado de patentes, constitui outra fonte de contenção do patamar, assim como processos de fusões entre empresas, que visam a sinergia tecnológica. Por último, cabe lembrar que as empresas líderes atuam em ambientes onde a capacidade das instituições científicas e o desenvolvimento tecnológico de fornecedores e consumidores também contribuem a rebaixar o referido patamar de gastos.

Na implantação da petroquímico brasileira a barreira a entrada posta pela tecnologia foi superada pela importação: utilizaram-se contratos com firmas independentes para as centrais, ao passo que para as firmas a jusante o recurso à tecnologia externa estava inscrito de forma institucional através de relações societárias, em que a principal contribuição do sócio estrangeiro era o valor capitalizado da tecnologia.

Segundo a análise de Bastos (1989) para 12 joint-ventures, os contratos firmados inicialmente tinham a característica de “pacotes”, abrangendo a engenharia de processo, de projeto básico, de detalhe, diligenciamento e compra de equipamentos, assistência e finalização de construção e montagem, testes de aceitação, partida e pré-operação da fábrica. Muitas vezes, principalmente para os produtos finais, eram também fornecidas informações sobre o produto e suas aplicações. Complementarmente, a autora registra “diversos contratos para inspeção e manutenção de equipamentos, assistência e desenvolvimentos de variações do produto (e novas aplicações), nacionalização de matérias-primas, estudos de viabilidade técnico-econômica para alterações nos processos e dispositivos energéticos” (op. cit. p.222). Frequentemente, a garantia do desempenho da tecnologia era condicionada a aquisição de serviços, equipamentos e catalisadores de fontes específicas.

Dois terços dos contratos analisados continham cláusulas restritivas a ampliação de capacidade ou a implantação de novas unidades sem pagamento adicional ou nova contratação e, nos contratos anteriores a 1975, restringia-se a capacidade das plantas. Embora a maioria dos contratos previsse a troca de melhoramentos introduzidos na tecnologia pelo fornecedor ou pelo recipiente da tecnologia, os direitos de uso não eram simétricos, pois as firmas locais tinham o uso do conhecimento limitado a planta objeto de licenciamento, sem poder sublicencia-lo – restrições que não pesavam sobre o fornecedor.

Bastos aponta que a incidência das restrições acima mencionadas bem como a extensão do prazo de sigilo estipulado pelos contratos tende a diminuir após 1975, o que sugere ter sido eficaz a política do INPI, que passou não só a impedir essas cláusulas como a pressionar para internalizar-se as atividades tecnológicas, associada a pressões do BNDE no mesmo sentido e a uma postura negocial mais agressiva, especialmente de parte da Petroquisa. A essas políticas veio somar-se o aumento da capacidade técnica nacional, fruto do aprendizado das empresas. 

Entre os contratos examinados por Bastos, a quase totalidade prévia treinamento de pessoal das receptoras, mas restrito “ao nível operacional, incluindo partida, com a vinda de técnicos do fornecedor e ida de técnicos da receptora para treinamento em plantas similares… Aliás, a leitura dos contratos permite afirmar que as informações envolvidas foram basicamente transmitidas através de “Manuais”, sem discussão do seu conteúdo e nenhuma preocupação substantiva com sua efetiva assimilação” (Bastos, 1989, pg. 232 e 233). Posteriormente, “começou a ser mais frequente o treinamento também em manutenção rotineira e de emergência de equipamentos (e absorção desta “tecnologia”), tratamento de efluentes, nacionalização de matérias-primas e formulações de diferentes produtos (incluindo aplicação)” (op.cit. p.232), gerando porém novos contratos ou pagamento adicional. Raros foram os casos em que foi efetuado algum tipo de treinamento relacionado especificamente ao processo e, mesmo assim, em regra, restrito ao acompanhamento pelo receptor da engenharia básica feita no exterior, sem aprofundamento sobre os princípios básicos do processo. Para compensar essas limitações a Petroquisa estabeleceu dois programas de treinamento para engenheiros químicos e petroquímicos, um voltado para a operação e projetamento de unidades e outro para engenharia básica, desenvolvimento e pesquisa. 

Não obstante, como vimos acima, de pólo a pólo aumentou o conteúdo tecnológico nacional, evidenciando um processo de aprendizado substancial, principalmente nas engenharias de detalhe, montagem e operação. O mesmo fenômeno aparece na análise da transferência de tecnologia feita por Bastos (1989) e Erber e Vermulm (1993). Com o tempo, notadamente a partir da década dos oitenta, a capacidade de busca de fontes de tecnologia amplia-se, passando as firmas locais a utilizar supridores alternativos aos sócios ou licenciadores originais e a capacidade de negociação aumenta, reduzindo a incidência de cláusulas restritivas. Do ponto de vista técnico, os contratos passam a ser “desempacotados”, restringindo-se a tecnologia de processo e engenharia básica e, conforme indicam Erber e Vermulm (1993), frequentemente, apenas a partes do processo, quando este é divisível. Também parece crescente a pressão das firmas receptoras por um aprofundamento do treinamento recebido, envolvendo maior participação no projetamento das unidades e, em alguns casos, no entendimento do processo. 

Finalmente, algumas firmas locais pressionaram seus sócios estrangeiros para colaborarem na estruturação de atividades tecnológicas internas. No entanto, a participação dos sócios estrangeiros nesse processo parece ter sido limitada. Como nota Bastos (1989 p. 254) “ficou mais ou menos evidente que se o sócio estrangeiro não impede a realização de atividades de P&D, não parece estimulá-las, a não ser quando relacionadas com as áreas operacional e de produto/aplicação”. Em alguns casos de inovações mais ousadas, o sócio estrangeiro parece ter oposto resistências a sua implementação. Erber e Vermulm (1993) apontam também que nas empresas em que o sócio estrangeiro saiu da sociedade, aumentaram os gastos com tecnologia. É também significativo que na análise do processo de transferência feita por Bastos (1989) não se notem diferenças no comportamento de fornecedores, quer sejam sócios ou firmas independentes, sugerindo que uma das principais vantagens apontadas na literatura para o estabelecimento de joint-ventures – a capacitação tecnológica da empresa e dos sócios nacionais – e mais restrita do que se argumenta. 

A cooperação entre empresas, um meio possível de superar barreiras de escala, e praticamente inexistente, mesmo entre empresas que têm as mesmas linhas de produtos e não são concorrentes, como os fornecedores de produtos básicos. As exceções a esse padrão são uma tentativa das empresas baianas de estabelecer um programa de pesquisas de interesse comum junto a um centro de pesquisas local (CEPED), que fracassou por razões internas ao Centro e a ação de uma subsidiária da Petroquisa, que, durante os anos oitenta foi direcionada, com sucesso, para desenvolver processos para outras empresas.

Exceto pelo uso do Centro de Pesquisas da PETROBRAS (CENPES), as empresas do setor parecem ter realizado suas atividades tecnológicas intra-muros, refletindo em boa medida a carência de instituições de pesquisa capacitadas no setor. Mesmo assim, Teixeira (1987) e Erber e Vermulm (1993) registram contratos com instituições geograficamente próximas dos pólos (UFBA e CEPED na Bahia e UFRGS no Rio Grande) ou com alguns centros de porte nacional como o IPT e, notadamente, a UFRJ, que tem uma longa articulação com o CENPES. No entanto, em relação a este Centro, as entrevistas feitas por Erber e Vermulm (1993) indicavam que, no passado recente, o relacionamento tornara-se mais difícil, devido a mudança de prioridades do Centro, orientado pela PETROBRAS para a exploração de petróleo.

Identifica-se, pois, nas firmas locais uma trajetória de aprendizado que leva a um reforço das atividades tecnológicas realizadas internamente, especialmente a partir do amadurecimento do setor na década de oitenta16. O processo de aprendizado das firmas nacionais, em regra, partiu da operação das plantas, envolvendo “otimizações, desengargalamentos, melhorias na estabilidade das reações, redução de perdas de matérias-primas e do consumo de utilidades, melhores taxas de conversão e aumentos de produtividade em geral” (Bastos, 1989, p.251). No início dos oitenta, a crise parece tê-las estimulado a prosseguir buscando economias de energia, nacionalização de matérias-primas antes importadas, tratamento de efluentes e reaproveitamento de produtos. O aprendizado aqui foi inequívoco: Teixeira (1987), analisando 18 empresas do pólo de Camaçari mostra que, em média, esse grupo, em 1985, operava suas plantas com capacidade 25% acima da nominal, sugerindo que haviam esgotado as possibilidades de expansão via desengargalamento e Guerra (1991) aponta que o consumo de energia por tonelada produzida pelo setor químico teria baixado de 25% entre 1979 e 1985.

O esforço relativo e as atividades que as empresas tiveram que desenvolver não se distribuem de forma homogênea ao longo da cadeia petroquímico. As transformações em produtos e processos não se dão com a mesma intensidade e de forma sincrônica ao longo da cadeia petroquímico – produtos e processos a montante desta são mais estáveis que na ponta a jusante. Enquanto os produtos básicos e intermediários são commodities, na outra ponta a diversificação de produtos e parte essencial da concorrência. Em consequência, nas firmas a montante da cadeia o desenvolvimento de produtos e limitado, enquanto nas empresas que fazem produtos finais essas atividades tecnológicas são dominantes.

No Brasil os produtores de bens finais, notadamente termoplásticos, também fizeram aperfeiçoamentos de produtos, adaptando-os às especificidades da demanda local, inclusive desenvolvendo novos “grades”, novas aplicações e composições pré-misturadas e, por força de sua posição na cadeia, criaram estruturas de assistência técnica aos clientes. No correr da década, algumas empresas de termoplásticos montaram plantas-piloto e todas investiram na modelagem de processos, sendo significativo que as primeiras se destaquem entre as que mais investem em tecnologia. 

As entrevistas de Erber e Vermulm (1993) também mostram que a intensidade de esforços tecnológicos está correlacionada com a complexidade dos processos – aqueles que envolvem maior número de etapas e menores margens de tolerância requerem maiores esforços da empresa para chegar, relativamente, aos mesmos resultados. A esse fator fizeram referência os produtores de bens intermediários que mais gastam em tecnologia. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos produtos finais – as empresas que mais gastam são as que produzem bens mais complexos. Cabe porém lembrar que a indústria brasileira não seguiu a trajetória internacional rumo a “especialidades”, como os plásticos de engenharia, atendo-se a produtos de valor agregado e complexidade tecnológica relativamente baixos. O movimento rumo a químicas fina, esboçado na segunda metade da década de oitenta, foi, como vimos, abortado pela abertura às importações.

Outras características do setor no Brasil, fruto do seu processo de implantação, como a natureza monoprodutora das empresas e sua pequena escala, além de sua relativa juventude, limitam os seus gastos em tecnologia. E significativo que entre as empresas estudadas por Bastos (1989) todas realizem atividades vinculadas a capacidade operacional mas que sejam as de maior porte, mais diversificadas e mais velhas as que, relativamente, mais investem no desenvolvimento de processos e produtos.

Como sugerido anteriormente, e na área de processos que e menor o domínio logrado na tecnologia. Dos gastos feitos pelas empresas brasileiras com processos ao longo da sua história, elencados por Oliveira (US$ 565 milhões correntes), cerca de 5% correspondem a dispêndios feitos no país, destinados principalmente a conhecer e aperfeiçoar os processos em uso. E indicativo desta deficiência e das dificuldades que um país como o Brasil encontra para situar-se na fronteira tecnológica, que, a despeito do custo da tecnologia no investimento ter aumentado17, ao instalar novas plantas as empresas tendam a novamente importar a tecnologia de processo e a engenharia básica (Erber e Vermulm, 1993). Estudo recente da difusão da automação eletrônica no setor (Quadros, 1992) sugere que a falta de conhecimentos sobre o processo seria, em boa parte, responsável pela subutilização desses equipamentos. A renovação dessas importações atesta também os limites da transferência de tecnologia feita por sócios ou por licenciadores independentes, acima comentada. Até os anos oitenta, a trajetória de expansão acelerada do setor, que continuamente colocava para as empresas a necessidade de grandes ampliações de capacidade, reforçou essa tendência. 

O processo de aprendizado acima descrito levou a uma progressiva institucionalização das atividades tecnológicas dentro das empresas durante a década de oitenta, normalmente por iniciativa do seu corpo técnico e/ou estimuladas pelo diretor da área industrial, frequentemente oriundo da Petroquisa. Esta institucionalização, em regra, deu-se após a obtenção de resultados práticos, sendo raras as empresas que a previram desde o início das operações (Bastos, 1989). Teixeira (1987) mostra que, em 1985, praticamente todas as empresas de Camaçari tinham estabelecido atividades de controle de qualidade de processos, dois terços dos fabricantes de bens finais e intermediários tinham atividades de controle de qualidade de produto e metade das empresas declarava possuir um setor de pesquisa e desenvolvimento. Oliveira (1990) mostra que, ao fim da década, das 32 empresas do Sistema Petroquisa, onze contavam com centros especializados em P&D e igual número realizava essas atividades em outros laboratórios.

Outro indicador, o montante de gastos em P&D do Sistema Petroquisa, medido em dólares constantes, cresceu quase quatro vezes entre 1985 e 1989, especialmente em produtos finais (notadamente polímeros), que correspondiam a 70% do total no último ano (Erber e Vermulm 1993). Mesmo assim, esse montante ainda era irrisório em termos internacionais – US$ 53 milhões em 1989. Da mesma forma, tomando o percentual de vendas gasto em P&D como medida do esforço nesta área, os dados da Petroquisa indicam que no período 1985/89 esse percentual praticamente triplicou, mas ainda era diminuto – cerca de 1.2% das vendas líquidas do Sistema. Raras (apenas 6 entre 27) eram as empresas que devotavam mais de 1% do seu faturamento a essas atividades. O número de pessoas empregadas nos laboratórios de P&D era igualmente modesto, não excedendo 32 técnicos de nível superior em qualquer empresa e totalizando 281 para 22 empresas (ibid). 

Nesse contexto, o projeto do Centro de Pesquisas da Petroquisa (CENTEP), representava um salto de escala significativo. Criado em 1989, o Centro tinha por objetivos apoiar os trabalhos das subsidiárias e coligadas da Petroquisa e avançar na fronteira tecnológica. Previa-se que seria concluído em 1992, demandaria investimentos de US$ 35 milhões e empregaria 180 pessoas, dois terços das quais de nível superior. Vale lembrar que na implantação dos pólos a Petroquisa, além dos papéis estratégicos antes descritos, tivera uma atuação crucial na escolha e negociação de tecnologias e na montagem das plantas, pressionando para uma gradual nacionalização dos insumos tecnológicos. Posteriormente, investira diretamente, através de sua subsidiária Petroflex e do Centro de Pesquisas da PETROBRAS (CENPES) na absorção e desenvolvimento de processos, atuando por vezes em conjunto com a PETROBRAS e com outras empresas do setor18. O CENTEP representava assim um desdobramento desta trajetória mas, ao mesmo tempo, visava introduzir uma mudança qualitativa na dimensão e complexidade das atividades tecnológicas realizadas pelo Sistema.

As subsidiárias de firmas estrangeiras, menos estudadas que as firmas nacionais, parecem ter seguido uma trajetória similar. Apoiados na P&D do grupo, desenvolveram no país a capacidade de realizar melhorias de processo e, notadamente, modificações de produtos visando atender as especificidades da demanda local. Os dois principais grupos estrangeiros apresentavam intensidades de gastos em tecnologia semelhantes às firmas nacionais, embora em volume fossem superiores devido ao seu maior faturamento. Comparados com os gastos das casas-matrizes esses gastos eram, obviamente, marginais. 

Em síntese, até o fim dos anos oitenta, as estratégias tecnológicas das empresas petroquímicos movem-se num âmbito relativamente restrito, entre um patamar mínimo de atividades tecnológicas e um teto as ambições destas. Os limites desse campo são definidos estruturalmente, ao nível setorial19. O patamar mínimo e determinado pelas especificidades do mercado local e pelas limitações do processo de transferência de tecnologia, que impõem o desenvolvimento de capacidades tecnológicas atinentes a melhorias de processos e produtos. Esse patamar, conforme foi visto, vai se elevando ao longo do tempo em função do aprendizado – de produção e de interação com os usuários – e do próprio desenvolvimento da indústria, que passa a produzir bens mais complexos com processos sujeitos a menores margens de tolerância. Trata-se pois de um processo evolutivo normal dentro do ciclo de maturação industrial.

A determinação do teto e mais complexa que a do piso. Fatores sistêmicos como a carência de instituições de pesquisa restringem esse teto. No entanto, a própria ação das empresas, ao concentrar suas atividades intramuros perpetua essa carência, em um processo cumulativo. Mais importantes, porém, que os fatores sistêmicos são as características estruturais da indústria petroquímico brasileira. Conforme já apontado, as empresas e os grupos petroquímicos são de um porte tal que, mesmo que investissem uma parcela muito maior do seu faturamento em atividades de busca e exploração tecnológica, o montante mobilizado seria pequeno em termos internacionais, provavelmente abaixo das escalas mínimas de P&D. O caráter monoprodutor dessas empresas, que limita economias de escopo, restringe ainda mais esse teto. 

Cabe, porém, indagar se deslocar o teto era uma prioridade na estratégia das empresas. As informações disponíveis sugerem que a força dos sócios estrangeiros, que torna essas empresas “quase-empresas”, na feliz caracterização de Oliveira (1994), e a estratégia desses sócios, puseram um freio ao deslocamento do teto. No entanto, mesmo para os sócios privados nacionais esse deslocamento não parece ter sido prioritário, como indica a baixa intensidade de gastos em tecnologia e outros dados acima apontados. Os limites da trajetória tecnológica seguida pelo setor pareciam plenamente internalizados pelas empresas, sugerindo uma estratégia “satisficing”, com um horizonte restrito. Raras foram as direções dos grupos entrevistados por Erber e Vermulm (op.cit.) que concediam importância a programas mais ambiciosos de pesquisa – não por coincidência suas empresas eram as que mais gastavam em tecnologia. Nesse sentido, a perspectiva da aglomeração de empresas e exemplar – justificada por economias de escala de vários gastos, administrativos especialmente, em nenhum caso a realização de atividades tecnológicas foi mencionada pelos executivos do setor como motivo de formação de grandes grupos (ibid.).

O papel desempenhado pelo aparato regulatório nesse quadro é complexo. O alcance do patamar mínimo acima estilizado foi, em boa medida, um resultado da regulação do setor, antes descrita (p.ex. via participação da Petroquisa e do INPI na negociação dos contratos de transferência e na implantação e operação das fábricas). As empresas entrevistadas por Erber e Vermulm (1993) reconhecem esse resultado, embora os autores também detectem o ressentimento quanto a hegemonia tecnológica exercida pela Petroquisa. 

A ação do aparato regulatório a partir de meados dos anos setenta, pode ainda ser interpretada como uma tentativa de elevação do teto, mediante instrumentos que combinavam a dissuasão ao uso exclusivo da tecnologia importada (INPI, Petroquisa e BNDE), a intervenção direta em atividades tecnológicas (CENPES e Petroquisa) e o estímulo creditício aos investimentos em tecnologia feitos pelas empresas (FINEP e BNDE). No fim dos oitenta, o projeto do Centro de Pesquisas da Petroquisa constituiu a última tentativa de “empurrar” o teto de atividades tecnológicas locais, modificando a sua escala e escopo.

Conforme apontado acima, a configuração empresarial do setor constitui um dos principais elementos que definem o teto de atividades tecnológicas. Essa estrutura resulta do regime de regulação definido para o setor. Argumentou-se acima que o aparato regulatório buscou empurrar esse teto para cima. A aparente contradição pode ser explicada pela hierarquia de objetivos da regulação ao longo do tempo e pelo próprio aprendizado tecnológico do aparato regulatório. Inicial e prioritariamente, tratava-se de viabilizar a implantação da indústria, sob propriedade privada e nacional – a isso serviu o modelo empresarial adotado (veja-se a seguir). A implantação dos dois primeiros pólos, feita rapidamente, foi um aprendizado tecnológico também para o aparato regulatório e, como vimos, o estabelecimento do pólo de Triunfo e marcado pelo esforço de elevar o teto de atividades tecnológicas. Vale lembrar que o domínio da tecnologia torna-se um objetivo importante para segmentos significativos do Governo apenas nessa época, a segunda metade dos anos setenta. Em outras palavras, outro aprendizado, da regulação, parece ter ocorrido. Ao objetivo de implantar atividades industriais somou-se, mesmo que secundariamente, o de aumentar o conteúdo tecnológico local, mediante os instrumentos acima descritos. No entanto, neste momento, o modelo empresarial do setor já estava definido e o objetivo tecnológico não tinha força para validar os custos de transformar esse modelo, especialmente no contexto de crise do Estado durante a década de oitenta.

Note-se ainda que o aparato regulatório tendia a agir descontinuamente, exercendo o seu poder junto às empresas principalmente em momentos de grandes expansões, mas deixando que estas definissem a trajetória tecnológica internamente. Mesmo a Petroquisa, o agente governamental que, em tese, mas poderia ter influenciado a trajetória das empresas, parece ter agido decisivamente na definição da estratégia tecnológica apenas no caso de uma subsidiária, totalmente controlada por ela. É’ possível que o projeto do Centro de Pesquisas da Petroquisa refletisse, em parte, a sua falta de poder de influenciar diretamente a trajetória de suas coligadas, onde os acordos de acionistas limitavam fortemente sua ação. Os empresários privados pouco apoiavam o projeto, seja por discordarem da sua localização junto a uma holding, distante da operação das plantas (confirmando assim a trajetória tecnológica anterior), seja por razões de poder (Erber e Vermulm 1993).

Apesar desses limites estruturais, na década de oitenta o teto de atividades tecnológicas parecia estar se deslocando, como indicam a elevação da intensidade de gastos em P&D, a crescente institucionalização das atividades tecnológicas e a implementação de programas mais ambiciosos em algumas empresas (p.ex. pesquisas de catalisadores). Esse movimento, desigual entre as empresas, e de alcance limitado, era facilitado pela maior familiaridade dos empresários com o setor, pelo amadurecimento tecnológico das equipes técnicas, inclusive pela experiência de atividades mais simples e pelo processo de saída de sócios estrangeiros, além da ação do aparato regulatório.

A crise dos noventa tem como efeito uma redução generalizada das atividades tecnológicas das empresas, especialmente as de escopo mais ambicioso, reduzindo-se a intensidade de gastos como percentual de vendas (Erber e Vermulm, 1993 e Coutinho e Ferraz, 1994). A implantação do Centro da Petroquisa e sustada e desmembra-se a equipe técnica responsável. As demais empresas tendem a manter principalmente aquelas atividades tecnológicas indispensáveis ao seu esforço de vendas, como as que estão direcionadas ao desenvolvimento de produtos no fim da cadeia e, algumas, a minoria, ao lado de reduzir suas atividades redirecionam-nas para o fim precípuo de redução de custos de operação de plantas. Desta forma, a crise tem por efeito rebaixar o “teto” dos programas tecnológicos das empresas do setor, aumentando a homogeneidade interna mas ampliando o hiato com o exterior.

Erber e Vermulm (1993) indicam que os gastos em tecnologia foram menos afetados entre os produtores de produtos finais que nos fornecedores de intermediários. Uma possível explicação para esse fenômeno residiria na maior vinculação entre vendas e gastos com tecnologia nos produtores de bens finais. Para esses fabricantes, as atividades tecnológicas que exercem, destinadas principalmente a adaptar variedades de produtos as especificações dos clientes ou a introduzir variedades desenvolvidas no exterior, constituem um prolongamento essencial das atividades de marketing, de onde, em boa medida se originam. Fazem, pois, parte dos custos fixos da empresa, indispensáveis à sua presença no mercado. É pois plausível que, face a uma retração de demanda, estes gastos sejam mantidos como parte de uma estratégia de sobrevivência. Cabe lembrar que, até a época do estudo citado (fim de 1991), o volume de vendas de termoplásticos não havia declinado.

Em contraste, entre os produtores de bens básicos e intermediários, produtos cujas especificações são padronizadas, as atividades tecnológicas vinculam-se principalmente aos processos, visando reduções de custos e, principalmente, ampliações da capacidade de produção. Dadas essas características, tanto a redução como a reorientação de gastos acima observadas são consistentes com um quadro recessivo, onde os investimentos são paralisados e torna-se urgente reduzir custos. Parece significativo que, entre esses fabricantes, sejam as empresas mais capacitadas tecnologicamente as que mais prontamente infletem sua trajetória.

Em síntese, a reação das empresas em termos de atividades tecnológicas e francamente contracionista. Mesmo atividades defensivas, que levam a uma redução de custos concomitante com aumentos de produtividade são adotadas apenas por uma minoria. Na maior parte das empresas a redução de custos e lograda mediante ajustes quantitativos na produção e demissões de pessoal, que pouco resguardam as equipes tecnológicas e não introduzem maciçamente inovações. Nesse contexto, não se registram referências aos programas governamentais de aumento da competitividade (Erber e Vermulm, op.cit.).

Em outras palavras, se a crise não traz o fim das atividades tecnológicas das empresas petroquímicos, esse resultado não deve ser atribuído a um marcado espírito schumpeteriano dos empresários nem a eficácia de mecanismos anticíclicos da política industrial mas, antes, ao patamar de intensidade tecnológica logrado pela indústria, que, especialmente entre os produtores de bens finais, não pode ser rebaixado, sob pena de inviabilizarem-se economicamente as empresas. No entanto, a crise parece conduzir, sim, a um rebaixamento do teto da trajetória tecnológica do setor, levando a descontinuidade dos programas mais ambiciosos de pesquisa. Neste sentido, aumenta, de forma perversa, a homogeneidade do setor. O esqueleto do prédio inconcluso do Centro de Pesquisas da Petroquisa simboliza bem a descontinuidade da política governamental de tentar elevar o teto da trajetória tecnológica.

No biênio 1993/94, apesar da recuperação do nível de atividade, antes discutido, não se constata a retomada dos investimentos em tecnologia, mantendo-se o achatamento do teto acima analisado.

A maior possibilidade de exportar para o Brasil, alternativa normalmente preferida por fornecedores externos, aponta para a redução da oferta de licenciamento de tecnologia, especialmente aquele em que não há vínculos societários entre as partes. Em consequência, tende a aumentar a heterogeneidade entre firmas nacionais e estrangeiras e o hiato tecnológico que separa as primeiras da fronteira internacional. 

No entanto, exceto para algumas poucas empresas, não se trata aqui de uma inflexão de trajetória, mas antes de reforço de limites estruturais já existentes. Houvesse um projeto de fazer no país uma indústria tecnologicamente inovadora, estaríamos na presença de uma grande inflexão. Este projeto foi delineado durante a década de setenta principalmente por aparatos estatais e acadêmicos, mas é duvidoso que tenha sido seriamente perfilhado pelo empresariado nacional, devido aos próprios limites estruturais antes discutidos. Para as empresas estrangeiras, atuando seja sob a forma de filiais ou joint-ventures, a internalização de atividades de P&D no Brasil não oferecia qualquer vantagem locacional. 

Embora a retórica dos Governos da década de noventa acene, por vezes, com um projeto fortemente inovador, a combinação de instrumentos que caracteriza a sua política industrial e de comércio exterior aponta para um projeto tecnologicamente mais modesto, de capacitar a indústria brasileira a, essencialmente, produzir com mais eficiência utilizando os resultados da inovação externa. No entanto, mesmo dentro deste âmbito mais restrito, a redução das atividades tecnológicas acima descrita torna-se relevante pelo que implica em termos de redução de capacidade competitiva num processo de abertura às importações. É possível que, conforme auspiciava a política do Governo Collor, as empresas venham a retomar suas atividades tecnológicas sob o acicate das importações, nos limites acima expostos. Nada porém aponta nessa direção e, é importante reiterar, mesmo que ocorra, seus resultados levarão tempo a amadurecer, seja porque os prazos nesse campo tendem a ser largos, seja porque muitas equipes foram desmanteladas e sua recomposição e efetiva operação também demandam tempo.

4. – Quo vadis regulation ?

Conforme vimos acima, a implantação da indústria petroquímico brasileira foi feita sob um regime de regulação predominantemente estatal, que abrangia desde a seleção e fomento dos participantes até a determinação dos preços de venda dos produtos, sintetizado no Quadro 11, a seguir. Os mecanismos de regulação via mercado eram frágeis e os de cooperação fora da alçada estatal praticamente inexistentes.

Esta regulação surge em consequência do fracasso das forças de mercado em gestar no país uma indústria petroquímico e visava, primordialmente, sanar esta lacuna, sujeita a duas restrições políticas: que o controle das empresas fosse nacional e privado. O modelo empresarial tripartite surge como uma solução para o objetivo e suas restrições, saudado a época como um verdadeiro ovo de Colombo. O mesmo modelo obviava outra restrição importante: o acesso a tecnologia. A implementação do modelo viria a resolver outra restrição – a falta de empresários locais, atraindo para o setor grupos de origem distinta, mediante incentivos que reduziam drasticamente o custo e o risco da entrada na indústria. 

Pode-se, obviamente, questionar o objetivo da regulação. No entanto, esta questão só tem sentido quando colocada no seu contexto histórico. Neste, no Brasil do fim dos anos sessenta e início dos setenta, em pleno período do “milagre”, em que a substituição de importações aparecia como a via mais fácil e consensual de desenvolvimento industrial, visto por sua vez como caminho de realização de uma trajetória natural de expansão econômica e de soberania nacional, a resposta era inequívoca: havia necessidade de ter no país uma indústria petroquímico. Em verdade, historicamente, a questão nunca foi posta. Mesmo atualmente, com todos os ventos liberais, não se coloca. Embora a sustentabilidade da atual estrutura petroquímico seja questionável à luz da abertura às importações, conforme enfatizado a seguir, no quadro político brasileiro a desindustrialização do setor não parece um objetivo legitimado.

Aceito o objetivo de implantação da indústria e considerado o quadro mais amplo da substituição de importações, o regime de regulação adotado foi muito eficaz em termos de constituir a produção local e, inclusive, conquistar mercado externos, conforme avalia o Banco Mundial, instituição insuspeita de simpatias por aquele tipo de regime (World Bank 1989). Embora os incentivos ao investimento tenham provavelmente sido redundantes especialmente no caso do pólo da Bahia, e as empresas atuassem protegidas contra a entrada de novos competidores e de importações, a regulação da operação, baseada no controle de preços e no suprimento da nafta pela PETROBRAS, repartiu as rendas entre produtores e consumidores. Os piores excessos normalmente atribuídos a industrialização substitutiva de importações parecem ter sido, pois, evitados. No entanto, o regime não logrou expandir a produção petroquímico brasileira para os ramos presentemente mais dinâmicos e de maior valor agregado – as especialidades. Quando tentou substituir importações em químicas fina, já era demasiado tarde: o padrão substitutivo já havia se esgotado no resto da economia, sendo submerso pela onda liberal. Talvez a regulação petroquímico tenha sido, neste aspecto, vítima do dinamismo das cadeias de commodities, cuja expansão e operação absorveram suas energias.

Mais duvidoso e o sucesso dos outros dois objetivos do regime: controle privado e nacional. Quanto ao primeiro, embora a maioria das empresas estivessem sob controle acionário privado, o sistema de regulação condicionava estreitamente sua dinâmica. Em consequência, fortes conflitos de poder eram inerentes ao regime, especialmente a medida em que os grupos privados nacionais ganhavam familiaridade com o setor e passavam ressentir a interferência estatal. O controle nacional, do setor e das empresas, também é questionável. Embora a tentativa de uma filial estrangeira de estabelecer um pólo independente tenha sido obstada, estas empresas continuaram a desempenhar um papel importante no setor. Nas empresas estabelecidas sob o modelo tripartite, os acordos de acionistas e a baixa capacidade de inovação lograda, garantiam aos sócios estrangeiros um forte controle das decisões. 

Os comentários acima remetem aos dois problemas principais legados a atualidade pelo antigo regime de regulação: a estrutura empresarial e a capacidade de inovação. Os critérios e procedimentos do sistema regulatório que gestou a indústria petroquímico brasileira associados às características de porte e experiência dos grupos empresariais nacionais que entraram nesta indústria, produziram uma estrutura empresarial singular no quadro mundial da petroquímico: embora as fábricas sejam frequentemente de porte internacional, as empresas não são. As firmas brasileiras são pequenas, contando apenas com uma ou poucas fábricas, frequentemente monoprodutoras, com um faturamento da ordem de US$ 100/200 milhões, ínfimo em termos internacionais. Mesmo os maiores grupos têm pequeno porte, pouco superando o bilhão de dólares. A participação dos grupos empresariais nacionais e estrangeiros na cadeia e em empresas e fragmentada, com baixa sinergia. O controle das empresas e compartilhado e os acordos de acionistas permitem vetos sobre decisões estratégicas que têm efeitos paralisantes. A multiplicidade de sócios estrangeiros, que competem em escala internacional, limita o processo de aglutinação no Brasil. Ou seja, uma estrutura empresarial singular na morfologia e na inadequação dinâmica para competir em condições de igualdade com os grupos internacionais.

Conforme visto anteriormente, objetivos tecnológicos ganharam peso no sistema de regulação quando a estrutura empresarial do setor já estava definida. Apesar dos esforços do sistema de regulação para elevar o piso e o teto das atividades tecnológicas entre os quais movia-se a indústria petroquímico brasileira, minorando os problemas que ele próprio gestara, esta estrutura empresarial define um teto bastante baixo para a trajetória tecnológica do setor, limitando fortemente a constituição de uma capacidade de inovação interna e reforçando os laços de dependência e a vulnerabilidade externas. Cabe reiterar que, salvo algumas exceções, a mudança de patamar tecnológico não aparece como uma prioridade para os empresários privados do setor. Neste sentido, não se distinguem dos demais empresários estabelecidos no país (nacionais e estrangeiros), refletindo um dos problemas estruturais da industrialização brasileira.

Constituído o setor, o regime de regulação apresentava, já na segunda metade dos oitenta, fortes sinais de erosão, evidenciados pelas dificuldades, já apontadas, de arbitragem no PNP, no excesso de capacidade de produção de alguns produtos e nas flutuações de margens acarretadas pelo controle de preços. O aprendizado do ofício empresarial petroquímico pelos grupos privados nacionais tornava-os mais avessos ao controle estatal, reduzindo a legitimidade da regulação vigente. Tal declínio, não acidentalmente, dava-se em um contexto em que o Estado brasileiro, incapaz de manter a estabilidade de preços e os investimentos em infra-estrutura, havia perdido completamente a visão estratégica que dera sentido a regulação substitutiva de importações. 

Os anos noventa testemunham o desmonte desse sistema de regulação, na forma antes descrita. Os eventos desta década, antes relatados, mostram que, na petroquímico como em outros setores, a regulação através de mecanismos hierárquicos estatais não foi substituída por mecanismos de cooperação. – ao contrário, o nível de conflito parece ter aumentado. Embora a retórica governamental e dos agentes privados enfatizasse a regulação através de mecanismos de mercado, a prática dos atores privados sugere uma forte preferência por mecanismos hierárquicos, estabelecidos por meio de relações de propriedade – o que talvez constitua outro exemplo do peso da história em decisões estratégicas. 

A concepção do desmonte e o seu timing já foram comentados, brevemente acima e mais extensamente em trabalhos anteriores (Erber 1993; Erber e Vermulm 1993), bastando reiterar seus pontos mais salientes: a ausência de um desenho estratégico para o setor; as dificuldades causadas pela conjugação do desmonte com uma situação de crise macroeconômica no país e no setor petroquímico internacional e, finalmente, a falta de políticas compensatórias, mesmo as medidas defensivas existentes em qualquer economia aberta, como mecanismos eficazes de defesa contra práticas de comércio desleal. 

Embora tenha sido feito no bojo de um movimento mais amplo de mudança do regime regulatório nacional, em que se pretendia conferir papel predominante ao mercado, reduzindo drasticamente as funções do Estado, é importante notar que o desmonte do regime setorial petroquímico não foi apenas exógeno – contou com o forte apoio das empresas privadas do setor, confirmando a erosão da legitimidade da velha regulação. Em outras palavras, os atores privados do setor petroquímico criticavam o processo de desmonte no que este ameaçava sua rentabilidade e, em última instância, sua sobrevivência – notadamente as provisões relativas a abertura e ao preço da nafta – mas não a ideia do desmonte em si.

As consequências negativas do desmonte, na forma em que foi executado, já foram expostas: o aumento da incerteza, a paralisação de investimentos, o rebaixamento do teto dos programas tecnológicos, pondo-se termo as iniciativas mais ambiciosas, o corte na diversificação rumo a químicas fina e o aumento da vulnerabilidade externa. Mais grave, porém, é a falta de um desenho estratégico para a estrutura empresarial do setor, que é inadequada ao contexto de abertura às importações. 

No período 1990/92, a contestabilidade do mercado brasileiro pelas importações e a conformação de grupos empresariais capazes de enfrentar a competição internacional estavam visivelmente articuladas, posto que a estrutura empresarial vigente dificultava a competição com as importações e estas impunham tetos as margens de acumulação dos grupos. Assim, a reestruturação empresarial constituía um elemento fundamental de enfrentamento da abertura.

No entanto, no Brasil como alhures, a incidência e o timing das medidas de abertura e reestruturação são distintos. As primeiras medidas incidem direta e imediatamente sobre o mercado, o faturamento e a rentabilidade das empresas. As segundas, operando inicialmente sobre a estrutura patrimonial, apenas mediatamente vão incidir sobre os custos. Da mesma forma, a implementação das medidas de abertura tem caráter imediato enquanto as medidas de reestruturação requerem um longo tempo de gestação e prazos relativamente longos de realização20.

As especificidades brasileiras agravavam substancialmente o desequilíbrio acima descrito, de natureza estrutural. Do lado da política de abertura, a tradição do uso de barreiras não tarifárias legou uma estrutura institucional pouco preparada, em termos de recursos humanos e financeiros e instrumentos legais, para a defesa dos produtores nacionais contra práticas desleais de comércio, que são corriqueiras no mercado petroquímico internacional. Do lado da política de reestruturação, a complexidade da estrutura empresarial petroquímico brasileira dificultava lograr, em prazo relativamente curto, uma configuração competitiva, objetivo que a política de privatização logo abandonou. Abertura e reestruturação tornavam-se ainda mais imbricadas pelo controle do fornecimento da nafta pela PETROBRAS, que a tornava parte fundamental na definição da competitividade internacional da indústria e na configuração da sua estrutura empresarial.

Durante o período 1990/92 as vinculações acima descritas tornaram-se muito visíveis devido ao baixo nível de preços e a sobre-oferta de produtos petroquímicos no mercado internacional e, como vimos, apesar da PETROBRÁS ter mantido os preços da nafta abaixo dos níveis internacionais, as margens de rentabilidade das empresas petroquímicos tornaram-se negativas. No entanto, o processo de privatização, naquele período e no biênio posterior, não conduziu a uma configuração empresarial competitiva em termos internacionais. A reversão do ciclo de preços internacionais em 1993, causada em parte por fatores conjunturais como acidentes, mascarou o problema mas não o resolveu. Em consequência, o setor permanece extremamente vulnerável a uma contestação externa. 

Em 1995, o desmonte deve ser concluído. Prevê-se para este ano a finalização da privatização do pólo da Bahia e a flexibilização do monopólio da União, no âmbito das reformas constitucionais em curso, cujas consequências para o abastecimento e preços da nafta não são claras.

A conjuntura atual, em que estão combinados condições expansivas do mercado interno com uma fase de ascensão dos preços internacionais, abre um espaço para a transformação estrutural da petroquímico brasileira em termos de configuração empresarial, gama de produtos e capacitação tecnológica. A indústria e o Estado ganharam um tempo para definir um novo regime de regulação para o setor, que permita sua sobrevivência e crescimento em um quadro de abertura a competição internacional. Esse tempo não é infinito e está fora do controle nacional, posto que é definido pela evolução do mercado internacional, cuja natureza cíclica e agravada pela entrada de novos grandes produtores. O prazo de maturação de um novo regime aumenta a urgência de dar início ao processo. 

Mesmo atendo-se a perspectiva ortodoxa, atualmente hegemônica, ao Estado caberiam papéis importantes na configuração de um novo regime de regulação, atuando onde o mercado e notoriamente falho, como na busca de uma visão estratégica para o futuro do setor, na coordenação de agentes públicos e privados e no suprimento de recursos financeiros de longo prazo para investimentos em produção, tecnologia e reestruturação empresarial. Essas medidas redutoras de custos e, especialmente, de riscos para as empresas poderiam ter como contrapartida o reforço da legislação de defesa contra abusos do poder econômico e compromissos de desempenho das empresas. Dada, porém, a orientação do atual Governo, parece provável que caberá aos empresários o principal papel no processo de definição desse regime. A capacidade do setor privado de estabelecer um novo regime de regulação, envolvendo mais mecanismos de cooperação, será o teste decisivo do seu amadurecimento e, consequentemente, do sucesso do antigo regime de regulação. 

Para concluir, retomando um tema subjacente à análise anterior, vale a pena enfatizar que o regime de regulação setorial realiza-se em um quadro de regulação mais ampla, de âmbito nacional. Assim como a antiga regulação tinha sentido e legitimidade pela sua inserção em um padrão de desenvolvimento substitutivo de importações, fundado sobre uma aliança entre o Estado e o empresariado e o desmonte dessa regulação faz parte de um processo igualmente abrangente, a nova regulação só será possível em um quadro econômico e político que lhe garanta eficácia. A incerteza quanto à existência futura desse quadro constitui a principal ameaça a sobrevivência da indústria petroquímico brasileira.

* F. Erber, Professor da Faculdade de Economia e Administração e do Instituto de Economia industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço a colaboração de José Clemente de Oliveira e José Eduardo Pessoa de Andrade e os comentários de Daniel Chudnovsky a uma versão preliminar do artigo, eximindo-os, porém, de qualquer responsabilidade. Este artigo foi escrito para a CEPAL, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, entre maio e agosto de 1995. 

 

QUADRO 11

REGULAÇÃO ESTATAL NO SETOR PETROQUÍMICO

1) Mecanismos redutores de incerteza do investimento

1.1) Proteção contra importações – CACEX e CPA

1.2) seleção de participantes do setor – CDI

1.3) Fornecimento de matérias-primas – PETROBRAS (nafta) e Petroquisa (centrais dos pólos)

1.4) Aporte de capital de risco – Petroquisa, BNDE e FINOR

1.5) Escolha de tecnologia – Petroquisa

2) Mecanismos redutores de custo do investimento

2.1) Crédito favorecido para capital fixo – BNDE

2.2) Crédito para atividades tecnológicas – FINEP

2.3) Apoio técnico para implantação de fábricas e atividades tecnológicas – Petroquisa e PETROBRAS

2.4) Incentivos fiscais para equipamentos nacionais e importados – CDI

3) Mecanismos redutores de custos de operação

3.1) Preço da nafta – PETROBRAS

3.2) Incentivos fiscais – isenção de imposto de renda (Bahia), crédito de imposto de circulação de mercadorias (Bahia) e depreciação acelerada (todos).

4) Mecanismos de apoio à exportação

4.1) Preços diferenciados – Petroquisa, PETROBRAS

4.2) Incentivos fiscais – BEFIEX

4.3) Comercialização – INTERBRAS/PETROBRAS

5) Pressões para realização de atividades tecnológicas no país

5.1) Na contratação de tecnologia importada – INPI

5.2) Na concessão de crédito – BNDE

5.3) Diretamente – Petroquisa

6) Mecanismos de coordenação 

6.1) Bilaterais: diversos, especialmente PETROBRAS/BNDES

6.2) Multilaterais: CDI